YouTube

Artigos Recentes

Importante lista de carcinógenos agora soma 256 substâncias


- Atualizado no dia 14 de novembro de 2023 -

           Câncer é uma coleção de doenças caracterizadas por um incontrolável crescimento e disseminação de células anormais. É a segunda causa mais comum de morte no mundo e engloba mais de 100 distintas doenças baseadas nas diferenças entre seus tecidos de origem e tipos de células envolvidas. Um carcinógeno é um agente químico ou físico que possui a habilidade de causar câncer em indivíduos expostos a esse agente. Importante, alguns agentes carcinogênicos estão associados com o aumento no risco de desenvolvimento de tipos específicos de câncer (ex.: exposição a asbestos eleva o risco de mesotelioma, um tipo de câncer de pulmão). 

----------

> Tumores (proliferação anormal de células) podem ser benignos ou malignos. Um tumor benigno é uma massa incapaz de invadir células vizinhas ou sofrer metástase, mas um tumor maligno pode se espalhar para outros tecidos ou órgãos (metástase), tornando-se canceroso. O desenvolvimento de cânceres envolve múltiplos processos, e vários agentes ambientais, incluindo radiação, compostos químicos, bactérias e vírus, são conhecidos de causar câncer. A maior parte dos carcinógenos, como radioatividade, operam via danos no DNA e subsequentes mutações que alteram os mecanismos normais de proliferação celular.

-----------

          O Reporte sobre Carcinógenos é um relatório cumulativo, demandado pelo Congresso Norte-Americano e preparado pelo Programa Nacional de Toxicologia do Departamento de Serviços Humanos e de Saúde dos EUA. No relatório são identificados vários diferentes fatores, coletivamente chamados de substâncias, que incluem compostos químicos, agentes infecciosos (ex.: vírus) e agentes físicos (ex.: raios-X). As substâncias são listadas como carcinógenos humanos reconhecidos ou razoavelmente antecipadas de serem carcinógenos humanos, para indicar o potencial de perigo. As substâncias são anualmente adicionadas com base no acúmulo de evidência ao longo dos anos fortemente indicando ou comprovando a natureza carcinogênica na nossa espécie.


- Continua após o anúncio -


          Em 2021, o 15° Reporte sobre Carcinógenos listou mais 8 substâncias, totalizando agora 256 substâncias comprovadamente cancerígenas ou provavelmente cancerígenas em humanos (Ref.3).


   NOVAS SUBSTÂNCIAS ADICIONADAS

- Infecção crônica com Helicobacter pylori 

          H. pylori é uma bactéria que coloniza o estômago e pode causar gastrite e úlceras pépticas. A maioria das pessoas infectadas são assintomáticas. Infecção crônica pode causar câncer de estômago (adenocarcinomas gástricos)  e um raro tipo de linfoma estomacal. Infecção primariamente ocorre no contato direto entre pessoas, especialmente em ambientes muito cheios, assim como pelo consumo de água contaminada. Regiões pobres em termos socioeconômicos são mais suscetíveis, e é estimado que em torno de 50% da população mundial está infectada com essa bactéria (70-90% da população em países em desenvolvimento é infectada antes da idade de 10 anos, enquanto em países desenvolvidos a prevalência de infecção varia de 25% a 50%). Na China continental, é estimado que ~44% da população (aproximadamente 590 milhões de pessoas) estão atualmente infectadas (Ref.14). 


           O H. pylori promove câncer no estômago a partir de processos inflamatórios, liberação de fatores de virulência (ex.: citotoxinas) e interferência sinalizadora afetando caminhos imunes e células de suporte tumoral (ex.: células-tronco mesenquimais) (Ref.5-6). Cânceres gástricos respondem por mais de 8,2% de todos os cânceres no mundo, e a bactéria H. pylori é a causa de 60% dos casos de câncer gástrico (Ref.6). A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica o H. pylori no grupo 1 de carcinógenos. Como o H. pylori é o mais importante fator de risco na patogênese do câncer gástrico, tratamento dos infectados - sintomáticos ou com úlceras estomacais - pode reduzir de forma robusta o risco para esse tipo de câncer.

           Um programa de erradicação em massa do H. pylori nas Ilhas de Matsu, Taiwan, conduzido pelo governo Taiwanês de 2004 até 2018, levou a uma redução nas taxas de incidência e de mortalidade em relação ao câncer gástrico nessas regiões - as quais eram muito afetadas por infecção com essa bactéria - de 53% e 25%, respectivamente, em comparação com o período de 1995-2003 (Ref.7). No Japão também houve dramáticos avanços no sentido de eliminar esse patógeno: a prevalência em indivíduos nascidos antes de 1950 era de quase 90%, mas com um subsequente declínio que resultou em menos de 2% de prevalência entre crianças nascidos após o ano de 2000 (Ref.14).

          Em um estudo recentemente publicado no periódico Gastroenterology (Ref.15), pesquisadores conduziram um teste clínico randomizado placebo-controlado e com acompanhamento total de 26,5 anos em uma região no sul da China com alta prevalência de infecção por H. pylori. Um total de 1630 indivíduos assintomáticos receberam de forma aleatória terapia tripla padrão para a erradicação do H. pylori ou placebo, com início em 1994 e sendo seguidos até dezembro de 2020. Durante todo esse período, 21 participantes no grupo de tratamento (2,57%) e 35 no grupo de placebo (4,31%) foram diagnosticados com câncer gástrico - uma redução de risco para esse tipo de câncer de 43% com o tratamento da infecção. Essa redução de risco foi ainda maior (63%) entre os indivíduos sem lesões gástricas pré-malignas.      

-----------

>  Outras bactérias do gênero Helicobacter - clado que engloba pelo menos 55 espécies - também estão associadas com vários cânceres extra-gástricos, como câncer de fígado (carcinoma hepatocelular) e cânceres intestinais. Além de colonizar a mucosa gástrica, essas bactérias podem também colonizar locais alternativos associados ao trato digestivo (saliva, ceco, cólon, pâncreas, fígado) em vários hospedeiros (mamíferos, aves, répteis) e também têm sido identificadas em ambientes aquáticos. Ref.16

> Indivíduos carregando fatores genéticos de risco para o câncer gástrico (variantes no gene APC, ATM, BRCA1, BRCA2, CDH1, MLH1, MSH2, MSH6 e PALB2) possuem um risco muito maior de desenvolver esse câncer caso estejam infectados pelo H. pylori (Ref.). Essa bactéria promove quebras nas cadeias duplas de DNA, desestabilizando o DNA de células no estômago; combinando com variantes genéticas que previvem reparo normal de danos no DNA parece potencializar o risco de desenvolvimento tumoral na cavidade gástrica.

> Amoxicilina, metronidazol, claritromicina, tetraciclina e levofloxacina são os antibióticos mais frequentemente usados em diferentes combinações para erradicar a H. pylori. Porém, através de mutações cromossômicas (processo evolutivo) e estratégias de defesa (ex.: formação de biofilmes), essa bactéria está se tornando cada vez mais difícil de ser tratada e resistente a múltiplos antibióticos (Ref.19).

-----------

- Trióxido de antimônio (Sb2O3)

          Esse composto químico é primariamente usado como um componente de retardantes de chamas em plásticos, tecidos e outros produtos de consumo. As maiores exposições ocorrem entre trabalhadores que produzem a substância ou a usam para fazer retardantes de chamas; nesses ambientes, evidências sugerem que o risco de câncer é elevado de forma robusta (Ref.8). Ratos expostos ao trióxido de antimônio através de inalação por longo período de tempo mostram uma alta frequência para tumores no pulmão (Ref.9). No geral, em humanos, o antimônio é ligado ao desenvolvimento de cânceres de pulmão, bexiga, próstata, mama e leucemia (Ref.10). Outras pessoas são potencialmente expostas a baixos níveis de trióxido de antimônio ao respirar o ar ou poeira de ambientes internos com produtos tratados com retardantes de chamas, como carpetes e mobílias. Agências federais e estaduais nos EUA limitam a exposição a essa substância no local de trabalho e no ambiente em geral através de regulações.

          Antimônio (Sb) é um metal pesado e não-renovável de cor branco-prateada encontrado em todo o ambiente como resultado de processos naturais e das atividades humanas. A exposição ambiental ao antimônio, além de efeitos carcinogênicos, pode causar irritação respiratória, pneumoconiose, sintomas gastrointestinais e manchas na pele. 


- Ácidos haloacéticos (HAAs)

          Encontrados como subprodutos da desinfecção de águas, seis ácidos haloacéticos foram adicionados ao reporte: ácido bromocloroacético (BCA), ácido bromodicloroacético (BDCA), ácido clorodibromoacético (CDBA), ácido dibromoacético (DBA), ácido dicloroacético (DCA) e ácido tribromoacético (TBA). Tratamento de água remove contaminantes e agentes patogênicos da água visando o consumo humano. Porém, durante esse processo, reação entre agentes desinfetantes contendo cloro e matéria orgânica na água sendo tratada leva à formação de ácidos haloacéticos. Melhoras na tecnologia de desinfecção, como métodos de filtração, podem reduzir os níveis desses compostos.


          Com base em experimentos com animais não-humanos, quatro dos ácidos haloacéticos listados (DCA, DBA, BDCA e BCA) comprovadamente causam tumores hepáticos em roedores, três também causam mesoteliomas e dois também câncer nas glândulas mamárias. Os outros dois (TBA e CDBA) possuem propriedades similares ao BDCA; somando-se a isso o TBA é metabolizado para DBA e o CDBA é metabolizado para CBA (Ref.12). 


> LISTA COMPLETA

Carcinógenos Humanos Comprovados


Aflatoxinas

Consumo de bebidas alcoólicas (etanol e acetaldeído) (1)

4-Aminobifenila

Misturas analgésicas contendo fenacetina 

Ácidos aristolóquicos

Compostos arsênicos 

Asbestos

Azatioprina

Benzeno

Benzidina

Berílio e compostos de berílio

Bis(clorometil) Éter

1,3-Butadieno

1,4-Butanediol Dimetanossulfonato

Cádmio e compostos de cádmio

Clorambucil 

1-(2-cloroetil)-3-(4-metilciclohexil)-1-nitrossoureia

Compostos hexavalentes de cromo

Alcatrão de carvão

Emissões de forno de coque

Ciclofosfamida

Ciclosporina A

Dietilstilbestrol

Corantes metabolizados para benzidina

Vírus Epstein-Barr (!)

Erionita

Estrógenos (!)

Óxido de etileno

Formaldeído ("formol") (2)

Helicobacter pylori (Infecção crônica)

Vírus da Hepatite B

Vírus da Hepatite C

Vírus da Imunodeficiência Humana Tipo 1 (HIV-1)

Papilomavírus Humano (HPV) (3)

Vírus Célula-T Linfotrófico Humano Tipo 1

Herpesvírus Kaposi Sarcoma-Associado

Melfalano 

Poliomavírus das Células de Merkel

Metoxisaleno com ultravioleta A

Óleos minerais: não tratados e levemente tratados

Gás mostarda

2-Naftilamina

Nêutrons (radiação ionizante)

Compostos de níquel

Rádon (elemento radioativo)

Sílica cristalina (tamanho respirável)

Radiação solar (faixa do ultravioleta/UV) (4)

Fuligem

Misturas de fortes ácidos inorgânicos contendo ácido sulfúrico

Exposição a lâmpadas de UV (4)

Tamoxifeno

2,3,7,8-Tetraclorodibenzo-p-dioxina

Tiotepa

Dióxido de tório (tório: elemento radioativo)

Fumaça de tabaco

Fumo de tabaco

Tabaco sem fumo

o-Toluidina

Tricloroetileno

Radiação ultravioleta (amplo espectro)

Cloreto de vinila

Pó de madeira

Radiação gama e radiação-X (radiação ionizante)

> Para quem quiser a lista completa, incluindo as substâncias razoavelmente antecipadas de serem carcinógenos, acesse: https://ntp.niehs.nih.gov/ntp/roc/content/listed_substances_508.pdf

> Para mais informações:

------------

(!) O vírus Epstein-Barr está associado com carcinoma gástrico, carcinoma nasofaríngeo e linfomas de Hodgkin e de Burkitt, contribuindo com cerca de 1% de todos os casos de câncer ao redor do mundo (Ref.13). O efeito carcinogênico desse vírus está ligado à indução de clivagem no cromossomo 11 e supressão do gene p53 (importante no controle de morte e de divisão celulares) mediadas pela proteína viral EBNA1 (Ref.18). Evidência recente fortemente também sugere que esse vírus pode ser a principal causa de esclerose múltipla. Para mais informações, acesse: Vírus Epstein-Barr parece ser a principal causa de esclerose múltipla, aponta estudo

(!) Estrógenos são importantes fatores de crescimento para múltiplos cânceres de mama, uterino e ovariano estrógeno-dependentes ou hormônio-sensitivos. Aproximadamente 67-80% dos cânceres de mama em indivíduos do sexo feminino são responsivos ao estrógeno. Aproximadamente 90% dos cânceres de mama em indivíduos do sexo masculino* são responsivos ao estrógeno. De fato, medicamentos anti-estrogênicos e que bloqueiam a produção de estrógenos (inibidores de aromatase) no corpo são importantes no tratamento de vários cânceres de mama. Ref.20-21

*Sugestão de leitura: Qual é a relação entre câncer de mama masculino e ginecomastia?

-------------


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. https://www.genome.gov/genetics-glossary/Carcinogen 
  2. https://www.cancer.org/treatment/understanding-your-diagnosis/what-is-cancer.html 
  3. https://ntp.niehs.nih.gov/whatwestudy/assessments/cancer/roc/index.html
  4. Haley & Gaddy (2015). Helicobacter pylori : Genomic Insight into the Host-Pathogen Interaction. International Journal of Genomics, 386905.
  5. Navashenaq et al. (2021). The interaction of Helicobacter pylori with cancer immunomodulatory stromal cells: New insight into gastric cancer pathogenesis. Seminars in Cancer Biology. https://doi.org/10.1016/j.semcancer.2021.09.014
  6. Alipour, M. (2021). Molecular Mechanism of Helicobacter pylori-Induced Gastric Cancer. Journal of Gastrointestinal Cancer 52, 23–30. https://doi.org/10.1007/s12029-020-00518-5
  7. Chiang et al. (2021). Mass eradication of Helicobacter pylori to reduce gastric cancer incidence and mortality: a long-term cohort study on Matsu Islands. BMJ Journals Gut. http://dx.doi.org/10.1136/gutjnl-2020-322200 
  8. Schildroth et al. (2021). Occupational exposure to antimony trioxide: a risk assessment. BMJ Occupational & Environmental Medicine, Volume 78, Issue 6. http://dx.doi.org/10.1136/oemed-2020-106980
  9. Guo et al. (2021). LncRNA PCA3 promotes antimony-induced lipid metabolic disorder in prostate cancer by targeting MIR-132-3 P/SREBP1 signaling. Toxicology Letters. https://doi.org/10.1016/j.toxlet.2021.05.006
  10. Lou et al. (2021). Antimony exposure promotes bladder tumor cell growth by inhibiting PINK1-Parkin-mediated mitophagy. Ecotoxicology and Environmental Safety, Volume 221, 112420. https://doi.org/10.1016/j.ecoenv.2021.112420
  11. Chapter 2 - Antimony. Handbook on the Toxicology of Metals (Fifth Edition), Volume II: Specific Metals, Pages 23-40.
  12. National Toxicology Program. Report on Carcinogens Monograph on Haloacetic Acids Found as Water Disinfection By-Products: RoC Monograph 12. National Toxicology Program, Research Triangle Park (NC); 2018. PMID: 34473434.
  13. Visalli et al. (2019). Identification of the Epstein Barr Virus portal. Virology, Volume 529, Pages 152-159. https://doi.org/10.1016/j.virol.2019.01.003
  14. Yan et al. (2022). Prevalence of Helicobacter pylori infection in China: A systematic review and meta-analysis. Journal of Gastroenterology and Hepatology, Volume 37, Issue 3, Pages 464-470. https://doi.org/10.1111/jgh.15751
  15. Yan et al. (2022). Effect of Helicobacter pylori Eradication on Gastric Cancer Prevention: Updated Report From a Randomized Controlled Trial With 26.5 Years of Follow-up. Gastroenterology, Volume 163, Issue 1, Pages 154-162.e3. https://doi.org/10.1053/j.gastro.2022.03.039
  16. Spuul et al. (2022). "Helicobacters and cancer, not only gastric cancer?" Seminars in Cancer Biology, Volume 86, Part 2, Pages 1138-1154. https://doi.org/10.1016/j.semcancer.2021.08.007
  17. Usui et al. (2023). Helicobacter pylori, Homologous-Recombination Genes, and Gastric Cancer. NEJM. https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMoa2211807
  18. Li et al. (2023). Chromosomal fragile site breakage by EBV-encoded EBNA1 at clustered repeats. Nature 616, 504–509. https://doi.org/10.1038/s41586-023-05923-x
  19. Boyanova et al. (2023). Evolution of Helicobacter pylori Resistance to Antibiotics: A Topic of Increasing Concern. Antibiotics 12(2), 332. https://doi.org/10.3390/antibiotics12020332
  20. https://www.cancer.gov/types/breast/breast-hormone-therapy-fact-sheet
  21. https://my.clevelandclinic.org/health/diseases/10312-estrogen-dependent-cancers