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Qual é a relação entre câncer de mama masculino e ginecomastia?


           Um paciente do sexo masculino de 63 anos apresentou-se em uma Unidade Básica de Saúde no Espírito Santo, queixando-se principalmente do aparecimento de nódulo em mama esquerda, não doloroso, porém, com crescimento progressivo há 6 meses. Relatou histórico de câncer de mama familiar em prima de 1º grau e em dois outros tios por parte de mãe e pai, não sabendo informar o tipo. Quanto ao hábito de vida, relatou ser ex-tabagista há 20 anos, etilista social (alcoolismo) e sem uso de medicação contínua. No exame das Mamas constatou-se nódulo periareolar palpável, irregular e móvel na mama esquerda, e o paciente negou saída de secreção ou outras alterações.

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           Prosseguiu-se a investigação do paciente através da ultrassonografia mamária bilateral apresentando nódulo hipoecóico na região retroareolar de mama esquerda de contorno lobulado, maior eixo paralelo à pele, contendo microcalcificações em seu interior, medindo 2,9 cm e na região axilar esquerda contendo linfonodos medindo de 0,4 cm e 1,1 cm. O paciente foi, então, encaminhado ao serviço de Oncologia e posteriormente ao de Mastologia do Hospital Evangélico de Vila Velha. 

           Solicitou-se pela oncologia avaliação pré-anestésica, laudo para exérese da nodulação, estadiamento e risco cirúrgico do paciente. Avaliação pré-anestésica sem alterações, estadiamento T2NXMX, classificado como risco cirúrgico classe 1 (baixo risco). No exame de Mastologia core biópsia, observou-se uma forma filiforme, cor parda-clara, dimensão maior de 26 x 2 mm, sendo classificado como carcinoma mucinoso da mama, de grau histológico de Nottingham 1 (diferenciação tubular: 3; pleomorfismo nuclear: 1; atividade mitótica: 1). Não se observou componentes "in situ" e invasão vascular. Investigação imunohistoquímica revelou receptor de estrógeno positivo em 95%, receptor de progesterona positivo em 5% das células de interesse, intensidade fraco; Ki67 positivo em cerca de 40% das células de interesse e HER2 positivo, luminal B. 

          As análises, em conjunto, suportaram o diagnóstico de carcinoma mucinoso de mama

          Como o paciente não respondeu bem à quimioterapia, optou-se pela via cirúrgica (Figura A). Após mastectomia total de Mama Esquerda (Figura B) com linfadenectomia seletiva guiada pelo linfonodo sentinela, realizou-se a dissecção e secção de linfonodos da cadeia axilar esquerda. Não houve intercorrências (eventos inesperados) no pós-operatório, e o paciente recebeu alta da SRPA (Sala de Recuperação Anestésica) após 120 minutos e alta hospitalar na manhã seguinte da cirurgia.

          O relato de caso foi descrito e reportado no periódico Brazilian Journal fo Health Review (Ref.1).

> A mastectomia é uma forma de tratar o câncer de mama e consiste na retirada cirúrgica de toda a mama, e podendo ou não envolver remoção do mamilo, pele, linfonodos axilares e músculo peitoral. Para mais informações, acesse a Ref.2


   CÂNCER DE MAMA MASCULINO

           O câncer de mama é uma malignância comum entre mulheres. Em 2018, houve aproximadamente 2,1 milhões de novos casos de câncer de mama feminino, representando quase 1 em cada 4 casos de câncer nas mulheres. Ao contrário do câncer de mama feminino, o câncer de mama masculino é raro e não muito bem entendido, respondendo por cerca de 1% de todos os cânceres de mama diagnosticados anualmente, e a 0,11% de todas as malignâncias diagnosticadas nos homens.

          Estruturalmente, a mama (tecido mamário) masculina é semelhante a feminina, exceto no que diz respeito ao volume e aspectos fisiológicos, sendo constituída principalmente por tecido adiposo e fibroso, sem muitos elementos lobulares. Devido à raridade do câncer de mama no sexo masculino, a etiologia desta doença não é bem descrita, mas alguns fatores de risco são semelhantes aos observados para o sexo feminino.

           Idade avançada, altos níveis de estradiol, uso exógeno de estrógenos, síndrome de Klinefelter (e outras doenças associadas com hiperestrogenismo), exposição à radiação, ginecomastia (!), anormalidades testiculares, histórico familiar de câncer de mama, e mutações nos genes BRCA2 e BRCA1 são alguns dos fatores de risco bem estabelecidos. Notável mencionar que o consumo alcoólico - presente em excesso no relato de caso acima exposto - e a obesidade são dois fatores de risco fortemente associados aos câncer de mama em geral. Administração exógena de esteroides androgênicos anabolizantes também entra como um fator de risco, já que leva a uma maior produção de estrógenos (aromatização) e frequente desenvolvimento de ginecomastia.

          Histórico familiar e suscetibilidade genética são importantes fatores de risco. Aproximadamente 10% dos casos são atribuíveis a mutações herdadas no gene BRCA2, e uma pequena parte em variantes associadas ao gene BRCA1. Caso de câncer de mama em parentes de primeiro ou segundo grau estão associados com um aumento de 4 vezes o risco para câncer de mama masculino não associado a mutações nos genes BRCA 1/2, e quase 8 vezes maior risco para um histórico familiar de câncer de mama em 2 ou mais parentes de primeiro grau nesse mesmo cenário (Ref.3). Isso indica que outros genes estão também implicados de forma importante no desenvolvimento de câncer de mama nos homens.

          De fato, mais recentemente, em um estudo de análise genômica e de meta-análise publicado no periódico Journal of the National Cancer Institute (Ref.4), pesquisadores revelaram mais 3 loci (locais genômicos) no DNA humano (regiões 6q25.1 e 11q13.3) fortemente associados ao câncer de mama masculino - e também compartilhados com o câncer de mama feminino.

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          A maioria dos homens quando diagnosticados apresentam uma massa firme e indolor, geralmente subareolar, com envolvimento dos mamilos em 40 a 50% dos casos, sendo a mama esquerda mais frequente que a direita e menos de 1% dos casos são bilaterais. Aproximadamente 85 a 90% dos cânceres de mama em homens são carcinomas ductais invasivos com mais frequência em forma papilar intraductal e geralmente é de baixo grau. Uma maior proporção de câncer de mama masculino (>95%) são do subtipo receptor de estrógeno (RE)-positivo em relação ao câncer de mama feminino (~75%), sugerindo que no sexo masculino o câncer de mama engloba um grupo de tumores mais homogêneo.

          É tradicionalmente reportado que a taxa de sobrevivência em indivíduos com câncer de mama masculino é menor em relação ao câncer de mama feminino, devido ao diagnóstico geralmente mais tardio (+5-10 anos) entre 60 e 70 anos de idade, o que aumenta a co-ocorrência de comorbidades e favorece um estágio mais avançado do tumor. Por causa da menor quantidade de tecido mamário, maior proximidade do tumor à pele e ao plano muscular, e localização do tumor mais centralizada, no câncer de mama masculino a invasão de forma mais facilitada de estruturas adjacentes e a disseminação vascular e linfática tendem a ocorrer de forma precoce, aumentando o risco de quadros mais graves da doença. Porém, em um estudo publicado recentemente no periódico Scientific Reports (Ref.6), pesquisadores encontraram que as taxas de sobrevivência dentro de 5 anos após tratamento do câncer de mama eram similares em ambos os sexos (~72-73%), apesar de uma maior recorrência da doença no sexo masculino.

          É mais do que relevante também mencionar um aumento reportado de 26% dos casos de câncer de mama masculino nas últimas três décadas (Ref.6). Em um estudo publicado em 2020 no periódico Breast Cancer Research and Treatment (Ref.7), pesquisadores analisaram a incidência global de câncer de mama nos sexos feminino e masculino de 1990 até 2017, encontrando uma tendência de significativo aumento para ambos. De forma mais notável, no câncer de mama masculino, o número de novos casos diagnosticados ao redor do mundo foi de 8,5 mil em 1990, pulando para 23,1 mil em 2017, com aumentos observados principalmente na Ásia e no Norte da África, mas com reduções ou estabilização na Europa e América do Norte. 

          O aumento significativa das taxas de obesidade ao redor do mundo observado nas últimas décadas é uma das prováveis causas do aumento global dos casos de câncer de mama masculino. Entre 1975 e 2016, a prevalência global de um alto índice de massa corporal (IMC) - definido como um IMC maior ou igual a 25 kg/m2 - em adultos aumentou de quase 21% em homens e 24% em mulheres para aproximadamente 40% em ambos os sexos (masculino e feminino).

> Um dos mecanismos associando obesidade e câncer de mama é a maior produção de estrógenos pelo tecido adiposo a partir da aromatização de andrógenos. Para mais informações, acesse: Fique alerta: a obesidade caminha junto com o câncer


(!) GINECOMASTIA

          A ginecomastia é uma proliferação benigna de tecido glandular (mamário) na mama masculina. É uma condição comum que afeta de um terço a dois terços da população masculina. Pode ser unilateral ou, mais comumente, bilateral, e frequentemente assimétrica. A condição precisa ser diferenciada da pseudo-ginecomastia (lipomastia), a qual se refere a um excesso de deposição de gordura sem proliferação glandular. A ginecomastia pode ser o resultado de processos fisiológicos ("ginecomastia fisiológica") ou um sinal de uma doença sistemática ou endócrina ("ginecomastia patológica").

          A ginecomastia fisiológica mostra três picos de idade durante o percurso de vida do paciente. 

- O primeiro pico ocorre no período neonatal, afetando 60-90% dos neonatais, devido à transferência transplacentária de estrógenos maternos. Ginecomastia neonatal regride espontaneamente duas a três semanas após o parto, mas pode persistir ou recorrer três a seis meses após o nascimento, durante a mini-puberdade, devido a uma ativação transiente do eixo hipotalâmico-pituitário-gonadal (HPG). No entanto, não persiste após o primeiro ano de vida. 

- O segundo pico é observado na puberdade, com uma prevalência de 22-69%, alcançando a maior incidência durante a puberdade-média. É causada por um desbalanço transiente na ração andrógeno (livre)/estrógeno (livre), marcado por um aumento precoce no nível de estradiol no sangue comparado com as concentrações de andrógenos na circulação sanguínea. Ginecomastia pubertária é caracterizada por um aumento gradual do tecido mamário, geralmente não maior do que 4 cm em diâmetro, e tipicamente regride dentro de 1-2 anos; pode persistir em até 10% dos adolescentes afetados até a fase adulta.

 


- O terceiro pico ocorre na meia-idade e em homens idosos, com uma incidência de 30-65%. Resulta ou de uma aumento da atividade periférica de aromatização (conversão de andrógenos em estrógenos pela enzima aromatase), secundário a um aumento no tecido adiposo do corpo (gordura corporal), elevadas concentrações do hormônio luteinizante (LH) e uma redução nas concentrações da testosterona circulante associada com o avanço da idade ou por uma patologia (45-50% dos homens adultos com ginecomastia), como medicamentos, doenças sistêmicas, obesidade ou endocrinopatias.

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> No corpo masculino, a proliferação do tecido mamário típica da ginecomastia resulta em um denso tecido com características anatômicas distintas em relação ao tecido mamário observado no sexo feminino, como ausência de lóbulos mamários e ligamentos de Cooper. Essas diferenças anatômicas e fisiológicas decorrem das diferenças no perfil hormonal entre os sexos. A mama masculina, comparada com a feminina, é considerada uma estrutura rudimentar, consistindo principalmente de tecido adiposo subcutâneo, tecido ductal vestigial com ausência de lóbulos mamários e um pequeno complexo mamilo-areolar, além de expressar músculos peitorais mais proeminentes.

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          A ginecomastia é geralmente assintomática e descoberta incidentalmente durante exame físico, especialmente em adultos, como uma firme massa de pelo menos 5 mm de diâmetros localizada concentricamente abaixo do complexo mamilo-areolar. No entanto, no seu desenvolvimento inicial, pode manifestar sensibilidade ao toque e dor, especialmente em adolescentes e em casos de rápida progressão. E, apesar da sua natureza benigna, pode causar estresse psicológico por questões estéticas ou mesmo por medo de desenvolvimento de câncer de mama.


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           Interessante notar que em 25-60% dos casos de ginecomastia em adultos são idiopáticos (sem fator causal identificável), e mecanismos ainda não descritos podem incluir outros caminhos hormonais envolvendo fatores de crescimento, prolactina, LH, hCG, etc. Um dos mais comuns fatores causais de ginecomastia patológica inclui o uso de esteroides androgênicos anabólicos (testosterona e seus derivados sintéticos) (1), onde existe aromatização periférica do excesso de andrógenos circulantes para estrógenos.


(1) Leitura recomendada: Esteroides anabólicos: Alto risco para doenças cardiovasculares, dano testicular persistente e COVID-19

            Vários são os fatores já identificados para o desenvolvimento de ginecomastia patológica, incluindo medicamentos diversos (ex.: anti-androgênicos); hipogonadismo; hipertiroidismo; obesidade; falha renal e diálise; cirrose hepática; tumores (testicular, produção ectópica de hCG, adrenocortical); síndrome do excesso de aromatase; exposição ocupacional e ambiental a estrógenos; defeitos enzimáticos na produção de testosterona; e defeitos nos receptores de andrógenos. Certas desordens de desenvolvimento sexual podem levar a variados graus de ginecomastia, como a Síndrome da Insensibilidade Androgênica Completa (2). Obesidade frequentemente causa ginecomastia, principalmente por causa de um excesso de estrógeno circulantes, o consequente hipogonadismo secundário e um aumento na aromatização de andrógenos ocorrendo nos tecidos adiposos abundantes. Fatores de risco para a ginecomastia patológica tipicamente interferem com as ações ou concentrações de andrógenos e/ou estrógenos no corpo.

(2) Leitura recomendada: O que é a Síndrome da Insensibilidade Androgênica Completa?

           No início do desenvolvimento da ginecomastia, terapias com andrógenos, anti-estrogênicos e inibidores de aromatase são geralmente utilizados e efetivos. Em quadros mais avançados, onde já existe desenvolvimento de tecido fibrótico, é preferível intervenção cirúrgica.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. https://www.brazilianjournals.com/index.php/BJHR/article/view/5899  
  2. http://www.oncoguia.org.br/conteudo/mastectomia-para-cancer-de-mama/6564/265/ 
  3. https://link.springer.com/article/10.1007/s10549-020-05922-w
  4. https://academic.oup.com/jnci/article/113/4/453/5885091
  5. Management of Male Breast Cancer: ASCO Guideline. Hassett et al., 2020. Journal of Clinical Oncology 2020 38:16, 1849-1863 
  6. https://www.nature.com/articles/s41598-021-91131-4
  7. https://www.mdpi.com/1660-4601/18/9/4852/htm
  8. https://link.springer.com/article/10.1007/s10549-020-05561-1
  9. Goulis et al. (2021). Imaging in gynecomastia. Andrology, Volume9, Issue 5, Special Issue: Imaging in Andrology, Pages 1444-1456. https://doi.org/10.1111/andr.13051
  10. https://link.springer.com/referenceworkentry/10.1007/978-3-540-38918-7_236