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Quanto tempo o novo coronavírus sobrevive sobre superfícies e no ar?


- Atualizado no dia 16 de junho de 2020 -

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          Em dezembro de 2019, um novo coronavírus causou um grande surto de doença pulmonar na cidade de Wuhan, a capital da província de Hubei na China, e tem desde então se espalhado globalmente. O vírus eventualmente foi nomeado SARS-CoV-2, devido ao fato do seu genoma (constituído de RNA) ser ~82% idêntico ao coronavírus (SARS-CoV) responsável pelo SARS (síndrome respiratória aguda grave). Ambos os vírus pertencem ao clado b do gênero Betacoronavirus. A doença causada pelo SARS-CoV-2 é chamada COVID-19. Apesar dos casos de infecção inicialmente estarem conectados ao mercado de animais e alimentos marinhos de Wuhan, uma eficiente transmissão humano-para-humano levou ao crescimento exponencial do número de casos e a eventual declaração de uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

         No momento, são mais de 8 milhões de casos oficialmente confirmados ao redor do mundo, e mais de 440 mil mortes registradas, mas alcançando níveis alarmantes em alguns países, como a Itália (I). No geral, pacientes contraindo a forma severa da doença constituem aproximadamente 15-20% dos casos. Nenhum tratamento efetivo ainda existe para o COVID-19, com o medicamento re.

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(I) Para mais informações sobre o assunto, acesse: O que se sabe até o momento sobre o novo vírus da China?

          Como não existem ainda tratamentos cientificamente comprovados para o COVID-19, e considerando que uma vacina efetiva pode demorar a ser liberada para uso a nível populacional, a melhor forma de lidar com a nova pandemia é a adoção de métodos preventivos tradicionais, como a lavagem frequente das mãos com água e sabão ou via álcool em gel, minimizar o contato das mãos no rosto - evitando que possíveis patógenos das mãos entrem em contato com as mucosas do nariz, olhos e boca -, não viajar para áreas com alto nível de infectados, evitar aglomerações de pessoas e manter uma distância mínima de 1-2 metros de indivíduos que estejam tossindo ou espirrando (I).

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(I) Essa recomendação, porém, não possui suporte científico moderno. Para mais informações, acesse: Espirro e tosse mandam gotículas contaminadas até 8 metros de distância

           Todas essas medidas visam reduzir a contaminação das pessoas a partir de gotículas e aerossóis (suspensão de particulados ou gotículas muito pequenos em um gás/ar) contendo o vírus sendo eliminadas pela tosse e pelos espirros de pessoas infectadas e também depositadas sobre superfícies diversas. Mas qual é o tempo que o SARS-CoV-2 consegue resistir na forma de aerossóis no ar e depositado sobre diferentes superfícies? Essa é uma informação importante para os esforços de contenção da pandemia e até recentemente incerta.

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          Nesse sentido, em um estudo publicado em março no periódico The New England of Medicine (Ref.1), pesquisadores buscaram avaliar a estabilidade do SARS-CoV-2 e também do SARS-CoV (causador da pandemia de 2002/2003 do SARS - síndrome respiratória grave aguda), este o qual é o mais próximo coronavírus humano evolutivamente relacionado. Para isso, duas cepas foram usadas: SARS-CoV-2 nCoV-WA1-2020 (MN985325.1) e SARS-CoV-1 Tor2 (AY274119.3). Com o objetivo de simular os aerossóis expulsos nos espirros e na tosse, os pesquisadores usaram um nebulizador Collison de três jatos. O aparelho permitiu a produção de aerossóis com menos de 5 micrômetros de diâmetro contendo quantidades similares ou de SARS-CoV-2 ou de SARS-CoV.

          Com a ajuda do nebulizador, os pesquisadores contaminaram cinco ambientes distintos com os aerossóis: ar, plástico, aço inoxidável, cobre, e papelão. Todas as medidas experimentais foram realizadas em triplicatas.

          Os resultados dos experimentos mostraram que o SARS-CoV-2 permanecia viável (capaz de infectar) em aerossóis (ar) por até 3 horas, com uma redução de carga viral similar à vista com o SARS-CoV. Em superfícies de plástico e de aço inoxidável, o SARS-CoV-2 se mostrou mais estável, com vírus viável detectado até 72 horas após a deposição dos aerossóis, mas com uma substancial maior redução da carga viral comparado com o vírus nos aerossóis (ar). Similares viabilidade e carga viral foram encontradas para o SARS-CoV. Sobre a superfície de cobre, nenhum SARS-CoV-2 viável foi detectado após 4 horas e nenhum SARS-CoV viável foi detectado após 8 horas. Sobre papelão, nenhum SARS-CoV-2 viável foi detectado após 24 horas e nenhum SARS-CoV viável foi detectado após 8 horas.

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           Os pesquisadores concluíram que a estabilidade do SARS-CoV-2 foi similar àquela do SARS-CoV sob as condições experimentais testadas. Isso indica que diferenças nas características epidemiológicas desses vírus provavelmente emergem de outros fatores, incluindo altas cargas virais no trato respiratório e o potencial para pessoas infectadas com o SARS-CoV-2 transmitirem o vírus enquanto assintomáticas.

          Os resultados do estudo também reforçam que a transmissão do SARS-CoV-2 via aerossóis (!) e a partir de superfícies contaminadas é mais do que plausível, já que o vírus pode permanecer viável e infeccioso em aerossóis por horas e em certas superfícies por dias. A limpeza constante de superfícies frequentemente tocadas pelas mãos, uso de máscaras por indivíduos tossindo ou espirrando, evitar aglomerações e lavar bem as mãos de forma frequente precisam ser medidas levadas mais a sério.

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ATUALIZAÇÃO: Um estudo preprint publicado no periódico bioRvix (Ref.2) que os vírus depositados sobre superfícies - incluindo chão e materiais de proteção, como máscaras - podem ser novamente lançados em suspensão no ar durante limpeza ou manipulação de equipamentos. Isso sugere que uma sanitização frequente de superfícies pode ser ainda mais crítica para minimizar a transmissão do SARS-CoV-2, caso este esteja sendo transmitido em substancial extensão pelo ar.
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(!) AEROSSÓIS COMO ROTA DE TRANSMISSÃO?

          Apesar das superfícies contaminadas e contato direto com gotículas serem óbvias fontes de contaminação com o SARS-CoV-2, o acúmulo cada vez crescente de evidências não suportam apenas essas duas rotas como as principais fontes de transmissão do vírus. Aliás, segundo o Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC), as transmissões indiretas via superfícies contaminadas não parecem ser muito frequentes (Ref.11). Para explicar a alta taxa de contágio do novo coronavírus, seria necessário que a rota de transmissão pelo ar também seja importante. Nesse caso, aerossóis e mesmo gotículas muito pequenas, não podem ser ignoradas.

          Em um estudo preprint mais recente publicado no periódico medRxiv (Ref.3), os pesquisadores testaram a estabilidade e a viabilidade de partículas virais do SARS-CoV-2 associadas a aerossóis (<5 µm). Em condições de temperatura ambiente de 23 ± 2°C e umidade relativa de 53 ± 11%, partículas virais capazes de infectar foram detectadas em todos os momentos de um intervalo de 16 horas (tempo total do experimento). Além disso, a integridade das partículas virais não foram afetadas em significativa extensão, mantendo a morfologia, tamanho e razões proporcionais como esperado por todo o período. Os pesquisadores concluíram que a transmissão do SARS-CoV-2 pelo ar - via aerossóis -, seja diretamente via gotículas respiratórias seja indiretamente via superfície contaminada, pode ser, de fato, um caminho de transmissão bem mais importante do que antes considerado. Os resultados do estudo implicam que o SARS-CoV-2 é também viável como um patógeno aéreo.

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          A produção de aerossóis é aumentada durante doenças respiratórias e até mesmo durante falas (sonorização através da boca) mais altas. De fato, cada vezes mais evidências apontam que o simples ato de falar ou de respirar pode estar fomentando a atual pandemia, especialmente considerando as altas taxas de novos infectados. Quando falamos, gotículas do fluído oral são geradas que variam amplamente em tamanho, e essas gotículas podem carregar partículas infecciosas de vírus. Apesar de gotículas maiores caírem rápido no chão devido à gravidade, pequenas gotículas podem desidratar em contato com o ar e permanecer como 'núcleos de gotículas' no ar, estes os quais podem se comportar como um aerossol e portanto expandir a extensão espacial das partículas infecciosas emitidas.

           Aliás, em um estudo publicado no periódico Nature Medicine (Ref.8), pesquisadores mostraram que certas células - ciliadas e produtoras de muco - presentes no nariz são aquelas no trato respiratório que possuem os maiores níveis expressos das proteínas ACE2 e TMPRSS2 protease, necessárias para a infecção do SARS-CoV-2. Isso sugere que essas células sãos a mais provável rota inicial de infecção do vírus e reforça a possível importância dos aerossóis na disseminação do vírus - ao serem inalados naturalmente pelo nariz.

          Em um experimento detalhado no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.4), pesquisadores conseguiram registrar as gotículas sendo emitidas durante a fala de uma pessoa em diferentes intensidades com o auxílio de um sistema de lasers e câmeras, como pode ser visto no vídeo abaixo. Eles encontraram que mesmo quando o voluntário dizia uma curta frase (no caso, 'stay healthy'), numerosas gotículas eram produzidas variando de 20 a 500 µm de diâmetro. Essas gotículas produziam flashes quando passavam através da rede de luz gerada por lasers de luz verde. Quando a fala era mais alta, um pico de 347 gotículas foram detectadas. Primeiro, o voluntário falou sem máscara facial; quando a fala ocorreu com o uso da máscara, quase todas as gotículas foram barradas, o que reforça a importância do uso universal das máscaras.


           


          Partículas expiratórias - tipicamente invisíveis ao olho nu - emitidas pela fala e pela respiração, portanto, podem ser vias de transmissão importantes a partir de assintomáticos e significativas em sintomáticos. Já foi mostrado que uma conversa de 10 minutos com um infectado assintomático super-emissor - indivíduos que emitem naturalmente mais aerossóis de gotículas do que o normal durante a fala - conversando em um volume normal de voz pode gerar uma 'nuvem' invisível de aproximadamente 6 mil partículas de aerossóis que pode potencialmente ser inalada pelo parceiro suscetível de diálogo ou outros na proximidade (Ref.5).

          E usando dados desses e de outros experimentos similares, outo estudo publicado como preprint no medRxiv (Ref.7) construiu modelos para estimar a carga viral sendo emitida por tosse e pela respiração de pacientes sintomáticos e não-sintomáticos. No estudo, pesquisadores da Universidade de Zurich, Suíça, encontraram que ambas as formas de emissão possuem o potencial de liberar um grande número de partículas virais, podendo levar ao acúmulo de bilhões de cópias do vírus para cada metro cúbico (m3) de um cômodo pouco ventilado contendo um emissor que esteja tossindo, e de milhares de cópias/m3 via simples respiração. Evidências sugerem que centenas de partículas virais já são suficientes para iniciar uma infecção. Via respiração, a carga viral média estimada em aerossóis foi de 0,34 cópias/cm3, mas podendo alcançar 11,5 cópias/cm3. Os números correspondentes para pacientes tossindo foram de 10900 cópias/cm3 e 366000 cópias/cm3, respectivamente. Nesse sentido, os pesquisadores concluíram que no ambiente de trabalho e doméstico:

- O risco de infecção é real quando você está próximo de uma pessoa infectada em um cômodo por mais de alguns minutos e mesmo quando mantendo distância da pessoa;

- Compartilhar o ambiente de trabalho em um pequeno cômodo com um indivíduo não-sintomático não é aconselhável, especialmente na falta de testes.

- Essas altas emissões de partículas virais pela tosse e também em significativa extensão pela simples respiração pode explicar porque tantos profissionais de saúde estão sendo infectados, mesmo esses sendo altamente treinados em termos preventivos. Esses profissionais deveriam usar os melhores equipamentos respiratórios de proteção disponíveis sempre que estiverem no mesmo quarto com um paciente, especialmente os sintomáticos.

- Todos os pacientes, sintomáticos ou não, deveriam usar uma máscara facial para reduzir suas emissões dentro e fora do hospital. Isso reforça também o uso universal das máscaras em locais públicos, infectados ou não.

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          De qualquer forma, mais trabalhos ainda precisam ser feitos para se confirmar a rota de transmissão do SARS-CoV-2 via aerossóis, mas o acúmulo de evidências já é robusto.

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ATUALIZAÇÃO (03/05/20): Um estudo Chinês publicado na Nature (Ref.9), analisando a distribuição quantitativa e qualitativa de aerossóis e de RNA viral em áreas hospitalares, trouxe mais evidências suportando a possível transmissão via aerossóis do SARS-CoV-2. Os pesquisadores responsáveis pelo estudo reforçaram também a importância da higienização de superfícies diversas nos hospitais, especialmente os banheiros. Em áreas pouco ventiladas eles encontraram substancial quantidade de RNA viral pertencente ao SARS-CoV-2.

ATUALIZAÇÃO (07/05/20): Em um estudo publicado no periódico Risk Analysis (Ref.10), pesquisadores forneceram várias linhas de evidências suportando a transmissão via aerossóis e implicando que os indivíduos assintomáticos podem ter um importante papel na disseminação do vírus através da respiração e da fala. Os infectados podem emitir aerossóis carregando partículas virais de até um mínimo de 1-3  μm de dimensão, suficientes para ficarem suspensas no ar quase indefinitivamente, ou contaminarem certas superfícies por dias. Os pesquisadores concluíram que investigações mais robustas no tópico são urgentemente necessárias.

ATUALIZAÇÃO (16/06/20): Pesquisadores Norte-Americanos sugeriram que a transmissão pelo ar via aerossóis é a rota de transmissão mais importante do SARS-CoV-2. Para mais informações, acesse: Uso de máscara é o meio mais efetivo para frear a pandemia, sugere estudo
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   CONCLUSÃO

          Estimativas de especialistas sugerem que 50-80% dos casos confirmados são derivados de transmissão a partir de assintomáticos e pré-sintomáticos, e evidências recentes colocam o valor médio de R0 (número de pessoas que um indivíduo consegue infectar) próximo de 6. Considerando a alta taxa de transmissão do SARS-CoV-2 e importante papel de assintomáticos nessa disseminação do vírus, não só superfícies contaminadas e contato direto com gotículas como também aerossóis no ar emitidos por assintomáticos, pré-sintomáticos, paucissintomáticos e sintomáticos parecem contribuir de forma substancial no fomento da atual pandemia. Mais estudos, no entanto, precisam ser feitos para investigar o real papel dos aerossóis como vetor de partículas virais infecciosas. As evidências acumuladas até o momento, portanto, reforçam o uso universal de máscaras, limpeza frequente das mãos e de superfícies, e, especialmente, as medidas de isolamento social/distanciamento social amplo.

> Tempo de persistência de partículas virais do SARS-CoV-2 em superfícies diversas: 4-72 horas

> Tempo de persistência de partículas virais infecciosas do SARS-CoV-2 no ar (aerossóis): 4-16 horas
 

REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMc2004973
  2. https://www.biorxiv.org/content/10.1101/2020.03.08.982637v1
  3. https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.04.13.20063784v1.full.pdf
  4. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMc2007800
  5. https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/02786826.2020.1749229
  6. https://www.nap.edu/catalog/25769/rapid-expert-consultation-on-the-possibility-of-bioaerosol-spread-of-sars-cov-2-for-the-covid-19-pandemic-april-1-2020
  7. https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.04.27.20081398v1.full.pdf
  8. https://www.nature.com/articles/s41591-020-0868-6
  9. https://sci-hub.tw/https://www.nature.com/articles/s41586-020-2271-3
  10. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/risa.13500
  11. https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-nCoV/index.html