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Quais são as evidências paleoclimáticas do Aquecimento Global Antropogênico?


> Esse artigo faz parte de uma discussão mais ampla sobre Mudanças Climáticas, Paleoclimatologia, efeito estufa atmosférico e evidências da ação humana (antropogênica) no atual processo de Aquecimento Global. Para saber mais, acesse: Aquecimento Global: Uma Problemática Verdade.

- Atualizado no dia 12 de setembro de 2020 -

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            Uma série mais do que importante de evidências mostrando o quão íntimo os gases estufas - particularmente o dióxido de carbono - são em relação às variações da temperatura média global do planeta surge quando analisamos o registro paleoclimático da Terra, em especial o ciclo glacial-interglacial. Observando o gráfico abaixo (Fonte: NASA), podemos ver que a concentração de dióxido de carbono na atmosfera está ligada às variações de temperatura superficial deflagradas pelos fatores de geometria de órbita da Terra (I). Esses dados foram obtidos depois da análise de núcleos de gelo retirados na Antártica (II), onde a compactação de gelo ao longo do tempo aprisiona ar e cria camadas que acompanham a história geológica do nosso planeta há centenas de milhares de anos. No entanto, apesar do gráfico abaixo dar a impressão que as variações de temperatura coincidem perfeitamente com as variações de dióxido de carbono, este último segue a mesma tendência só que com um leve atraso. 

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> Para saber mais, acesse: 


             Como a concentração de dióxido de carbono segue com um relativo pequeno atraso (entre 400 e 1000 anos depois) a mudança de temperatura, negacionistas do aquecimento global antropogênico criaram o mito de que os níveis desse gás na atmosfera não influenciam o clima e, sim, apenas respondem ao clima. Porém, esse tipo de alegação apenas conta parte da história. 

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          O oceano é o maior reservatório de troca imediata de carbono com a atmosfera em escalas milenares de tempo (!). Essa capacidade de segurar carbono da massa oceânica se deve tanto a processos químicos inorgânicos quanto orgânicos. Inorgânico temos o dióxido de carbono dissolvido na água na forma de íons hidrogenocarbonato e carbonato (III), o que aumenta sua permanência e estabilidade nas águas marinhas em relação a outros gases. E quanto menor a temperatura da água, maior a solubilidade desse gás, o que aumenta sua concentração nas águas das frias regiões polares. É estimado que a quantidade de carbono inorgânico dissolvido nos oceanos é em torno de 50 vezes aquela presente na atmosfera. Já processos orgânicos temos a fixação do dióxido de carbono dissolvido por organismos vivos diversos, desde fitoplâncton (fotossíntese) até seres que usam os íons carbonato dissolvidos para a construção bioquímica das suas conchas e ouras estruturas duras. 

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(!) Em escalas de tempo geológicas, o CO2 é adicionado à atmosfera via atividades vulcânicas (i), descarbonização metamórfica e oxidação de matéria orgânica (queima e respiração celular), e é removido via intemperismo químico e enterro de carbono orgânico (fixação de carbono via fotossíntese, quimiossíntese e na construção de estruturas calcárias em conchas e outras partes duras de animais diversos). 

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          Como mencionado, as eras glaciais e interglaciais são disparadas pelas mudanças de geometria na órbita terrestre. No início de uma Era Glacial, esses fatores orbitais engatilham um resfriamento no planeta, fazendo com que as camadas de gelo avancem em direção às baixas latitudes. A cobertura de gelo hoje na superfície terrestre é de algo em torno de 10%, algo que é expandido para ~30% durante as glaciações. Nesse processo, o ciclo do carbono é profundamente afetado, as menores temperaturas no oceanos aumentam a quantidade de dióxidos de carbono dissolvido e as evidências indicam que as atividade do fitoplâncton na superfície dos mares é aumentada, levando a um maior crescimento dessa massa fotossintetizante e consumo de mais dióxido de carbono. Tudo isso leva a uma drástica diminuição na quantidade de dióxido de carbono na atmosfera, como mostrado no gráfico anterior. Com a redução de CO2 atmosférico, menor é o efeito estufa e maior é o resfriamento. 

          Portanto, a menor concentração desse gás é tanto consequência como a mais plausível causa do grande resfriamento visto nas Eras Glaciais! De fato, apenas as sutis mudanças de órbita terrestre e variações no albedo (maior ou menor área coberta por gelo) não são suficientes para explicar as profundas mudanças climáticas nesses períodos. São padrões geológicos que sustentam fortemente a Teoria Antropogênica do Aquecimento Global.

           E com o período Interglacial é o mesmo. Com o aumento de temperatura global disparado pela nova disposição geométrica da órbita terrestre, os oceanos são gradualmente aquecidos, levando a uma maior liberação de dióxido de carbono ali dissolvido. Com uma maior concentração desse gás na atmosfera, maior o efeito estufa, maior é o aquecimento dos oceanos, maior é a evaporação de água e permanência de maior parte dessa na atmosfera (aumentando ainda mais o efeito estufa), e maior a temperatura média global. Nos últimos 800 mil anos, considerando o período pré-industrial, a oscilação de CO2 atmosférico devido a essas dinâmicas é de 80-100 ppmv, indo de ~280 ppmv nos períodos interglaciais para ~180 ppmv nos períodos glaciais.

          Um robusto estudo publicado na Science (Ref.2), encontrou que a redução de temperatura e os fatores biológicos (fomentados via fertilização do oceano com compostos solúveis e biodisponíveis de ferro oriundos dos continentes) respondem por cerca de 75% da variação de concentração do CO2 atmosférico nos períodos glaciais e interglaciais. O resto da variação seria determinado em maior parte pelas mudanças nas correntes marítimas, na estratificação por densidade do oceano e na cobertura de gelo na superfície oceânica. A expansão do gelo e o maior isolamento das águas mais profundas (maior estratificação), por exemplo, reduzem a troca gasosa entre a superfície oceânica e a atmosfera devido à expansão da camada de gelo (esses dois últimos fatores dificultam a saída de dióxido de carbono gerado pela respiração dos organismos marinhos aeróbicos, desde bactérias até peixes). Esse isolamento em específico é confirmado pela baixíssima concentração de oxigênio gasoso dissolvido nas águas profundas do Oceano Pacífico durante a última Era Glacial quando comparada com a concentração de hoje (Ref.3).

          Nessa linha, outro estudo publicado mais recentemente na Nature (Ref.4) também reforçou esse cenário, ao encontrar que os fitoplânctons marinhos nos trópicos (40°S-40°N) durante a Era Glacial - em particular aqueles capazes de fixar nitrogênio - absorveram altos níveis de CO2 devido à fertilização por poeira rica em ferro transportada para os oceanos, e em modelos simulados conseguiram explicar grande parte (7-16 ppm) dos ~30 ppm de CO2 que entrou nos oceanos via mecanismos biológicos. O restante teria sido absorvido pelo fitoplâncton em mais altas latitudes. 

          Nesse último caso, um estudo publicado em 2017 na Proceedings of the National Academy of Sciences (Ref.5), trouxe mais um possível mecanismo abiótico de liberação de CO2 dos oceanos, mostrando  que durante o período de expansão das geleiras, a quebra do solo e de rochas durante o processo leva a uma maior oxidação de pirita (dissulfeto de ferro - Fe2 -, o mais comum mineral de sulfeto) e, quando existe o descongelamento do gelo para o oceano, este acaba ficando mais ácido - 2FeS2 + 7O2 => 2Fe2+ + 4SO42- + 4H+ -, liberando mais dióxido de carbono para a atmosfera (das rochas e carbonato dissolvido). Em contraste, uma maior alcalinidade das águas por causas diversas atua aumentando a solubilidade do carbono inorgânico nas águas oceânicas (Ref.6)


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          Para melhor exemplificar toda essa dinâmica paleoclimática, podemos analisar a última deglaciação (transição glacial-interglacial) que ocorreu entre 20 e 10 mil anos atrás, intervalo no qual a concentração de CO2 aumentou até atingir os níveis pré-industriais. Um estudo publicado em 2012 na Nature por Shakun et al. (Ref.7) usando o registro paleoclimático de 80 pontos na superfície da Terra ("paleotermômetros", proxies) para determinar a evolução e correlação da temperatura e da concentração de CO2 nessa deglaciação mostrou que enquanto um aumento de temperatura foi gerado de 21,5 mil e 17,5 mil anos, antes do aumento de CO2 (maior incidência solar no Hemisfério Norte) - um aquecimento em torno de 0,3°C - o aquecimento subsequente dos mares liberou mais CO2 e este eventualmente levou ao aquecimento global extra responsável pelo aumento das temperaturas e de mais CO2 até a média global em torno de 15°C. Isso pode ser visto nos gráficos abaixo.


          Em resumo, os pesquisadores encontraram que:

- Mudanças nos ciclos orbitais da Terra engatilharam um aquecimento terrestre há aproximadamente 21,5 mil anos. Houve um aquecimento gradual entre 21,5 e 19 mil anos atrás seguido por um aquecimento mais agudo entre 19 e 17,5 mil anos trás (+0,3°C). O primeiro evento de aquecimento ocorreu nas latitudes média e alta do Hemisfério Norte. Isso levou ao derretimento de grandes massas de gelo e ao fluxo da água derretida para o oceano.

- O influxo de água derretida desregulou a circulação das correntes oceânicas, causando uma gangorra de calor entre os hemisférios durante o segundo evento de aquecimento. Nesse caso, houve um resfriamento no Hemisfério Norte e um aquecimento do Hemisfério Sul (Ref.8).

- O Hemisfério Sul e seus oceanos se aqueceram primeiro (~17,5 mil anos), levando a uma diminuição na solubilidade do CO2 e contínua liberação de uma grande quantidade desse gás estufa para a atmosfera. Isso levou a um robusto aquecimento global, ou seja, em ambos os Hemisférios, e explica porque o registro paleoclimático no núcleo de gelo Antártico mostra um atraso no aumento de nível do CO2 em relação ao aumento inicial de temperatura.

- Nesse sentido, após o gatilho de aquecimento, mais de 90% do aquecimento na transição glacial-interglacial ocorreu após a concentração de CO2 aumentar, ou seja, o aumento de temperatura 
seguiu o aumento de CO2.

          De fato, utilizando modelos climáticos, outros fatores influenciando nas mudanças climáticas durante a deglaciação não conseguem explicar o rápido aquecimento global observado nesse período. Por exemplo, a diminuição das áreas cobertas de gelo - proporcionando um menor albedo e contribuindo para o aquecimento da superfície terrestre - ocorreu de forma muito lenta ou de forma imperceptível durante intervalos de pronunciado aquecimento global.

          Similar padrão pode ser encontrado dentro do período glacial. Os períodos glaciais contêm sequências de lento resfriamento que tipicamente duram 60 mil anos que são às vezes interrompidas por pausas de curto prazo durante em média 8,7 ± 4,3 mil anos, e, subsequentemente, por períodos de rápida deglaciação tipicamente durando 20 mil anos. Quando se analisa o registro paleoclimático obtido de núcleos de gelo na Antártica, o CO2 de fato tende a ser a variável que lidera as variações de temperatura durante as partes mais frias das eras do gelo e nas pausas durante o lento resfriamento (Ref.9).

          Voltando à última deglaciação, um estudo publicado em 2014 (Ref.10) mostrou que o aumento de concentração do dióxido de carbono que contribuiu para essa deglaciação não ocorreu de forma apenas gradual, mas na forma de três pulsos, nos quais as quantidades desse gás na atmosfera se elevaram abruptamente. Via análises de um núcleo de gelo do Oeste da Antártica, os pesquisadores observaram um aumento de 10-15 ppm de dióxido de carbono em três eventos com duração de 1-2 séculos cada, seguido por mudanças não notáveis na concentração desse gás na atmosfera pelos próximos 1000-1500 anos. Ou seja, ao longo de toda a deglaciação (23 mil anos até 9 mil anos atrás) mais da metade ou quase metade da concentração de CO2 (30-45 ppm) que aumentou na atmosfera (~80 ppm) parece ter ocorrido nesses pulsos, os quais não parecem estar relacionados com o aumento de temperatura ou certas variações de outros parâmetros físico-bioquímicos (atividade biológica, alcalinidade, salinidade, compensação de carbonato, ventilação, cobertura de gelo)  do Oceano Atlântico, mas provavelmente com mudanças na circulação oceânica nessa região. Isso é ilustrado no gráfico abaixo.

          O registro no WDC CO2 demonstrou que o CO2 variou em três modos distintos durante a deglaciação. O primeiro modo foi uma mudança gradual (~10 ppm/1000 anos): tais mudanças no CO2 começaram em 18,1 mil e 13 mil anos atrás, e estavam amplamente coincidentes com uma redução na força da circulação no Atlântico meridional, um Atlântico Norte mais frio e um aquecimento no Hemisfério Sul - evidências científicas mais recentes também suportam a atuação de erupções vulcânicas (Ref.21). O segundo modo foi o rápido aumento do CO2 nos três pulsos mencionados, iniciados em 16,3, 14,8 e 11,7 mil anos atrás. O terceiro modo foi a não mudança no CO2 atmosférico que se seguiu até um máximo de 1500 anos. O estudo também apontou significativos aumentos de metano (CH4) atmosférico - oriundo principalmente dos biomas terrestres e o qual contribuiu para o aquecimento global desse período de deglaciação - intimamente ligados aos três pulsos de dióxido de carbono, como mostrado no gráfico acima.          

          Dois estudos publicados em 2018, um na Nature Geoscience (Ref.11) e o outro na Science (Ref.12) detalharam, em um quadro mais geral, como provavelmente o dióxido de carbono foi massivamente liberado dos oceanos na última deglaciação. Ambos os estudos realizaram análises de isótopos de neodímio (Nd) no núcleo sedimentar no Pacífico (Norte e Sul). No estudo da Science, os pesquisadores mostraram que uma estratificação do Oceano Sul ocorreu durante o Último Máximo Glacial, levando ao acúmulo de bastante dióxido de carbono sequestrado, o qual teria sido liberado então via desestabilização da coluna oceânica durante a deglaciação. Essa desestabilização pode ter ocorrido por diversos fatores, como mudanças nos padrões de circulação oceânica e retração do gelo sobre o mar. O papel crucial de reservatório e de ventilação de carbono do Oceano Sul foi também reforçado por um estudo publicado em 2015 na Nature (Ref.13) via análise de isótopos de boro (B) em núcleos sedimentares do Atlântico sub-Antártico e do Pacífico equatorial.

          Já no estudo da Nature Geoscience, os pesquisadores mostraram que o aquecimento global acelerou um padrão de circulação oceânica no Pacífico (circulação abissal) que começa com as águas ao redor da Antártica afundando e se movendo para o norte onde continua até o Alasca, se elevando novamente, voltando seu sentido para o sul, e se movendo de volta à Antártica, para finalmente se misturar com a superfície marinha. Essa circulação transporta CO2 acumulado no fundo do Pacífico para a Antártica, de onde então é liberado durante as mudanças climáticas. Durante os períodos glaciais, essa circulação se letifica, aumentando o acúmulo de CO2 no fundo do Pacífico. O aceleramento no processo  dessa circulação no último interglacial ocorreu em duas fases, uma inicial entre 18 mil e 15 mil anos atrás, quando do dióxido de carbono se elevou cerca de 50 ppm, e uma segunda fase subsequente, adicionando 30 ppm de CO2. Essa aceleração da circulação abissal pode também ser um fator determinante na desestabilização da estratificação do Oceano Sul.

          Esses últimos achados citados, aliás, são um alerta para as mudanças nos padrões de circulação oceânica no Pacífico com o atual processo de aquecimento global, o que pode levar a um aumento ainda maior de CO2 e maior exacerbação do efeito estufa.

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   GELEIRAS TROPICAIS DERRETENDO ANTES DO PICO DE CO2

          Enquanto que o Último Máximo Glacial foi deflagrado pelas baixas quantidades de gases estufas na atmosfera, expandindo de forma massiva as geleiras para as regiões tropicais, um substancial aquecimento inicial e recuo das geleiras nessas mesmas regiões durante a última deglaciação não parece ter dependido do dióxido de carbono como antes pensado. Um estudo publicado no final de 2019 na Science Advances (Ref.14), analisando isótopos de Berílio (Be)-10 em depósitos geológicos nos Lagos Africanos Tanganyika e Sacred, mostrou que houve não só um maior aquecimento e recuo das geleiras nos Polos Norte e Sul, como também na região tropical antes da rápida ascensão das concentrações de CO2 atmosférico (~18,2 mil anos atrás), há cerca de ~20-19 mil anos. 

          Como já mencionado, o aquecimento nos polos ocorreu devido à maior insolação solar (maior inclinação do eixo orbital terrestre), mas esse período coincide naturalmente com um decréscimo médio de insolação solar de ~2,0 W/m2 na área equatorial. Qual seria a explicação para um aquecimento tropical antes da amplificação do efeito estufa? Os autores do estudo propuseram que o aquecimento inicial em ambas as regiões polares - marcado pelo recuo das camadas de gelo entre ~20 e 21 mil anos atrás - influenciaram o aquecimento dos trópicos e equatorial através do enfraquecimento da circulação Hadley (IV) e, portanto, na exportação de calor tropical.


          Nesse sentido, a atmosfera global pode ser modelada como um "motor térmico", com a rede de fluxo de calor indo da "fonte" quente a baixas latitudes para "poços" de resfriamento a altas latitudes. Quanto maior a diferença térmica entre fonte fria e quente, maior o fluxo de calor. No auge do período glacial, a diferença térmica entre os polos (muito frio) e a região tropical (relativamente quente) era alta, facilitando o transporte de calor dos trópicos para as altas latitudes via, principalmente, circulação Hadley. Com uma menor diferença térmica após a maior insolação polar, a circulação Hadley teria enfraquecido, dificultando o transporte de calor via correntes atmosféricas e oceânicas. Isso, por sua vez, teria levado a um aquecimento acentuado na região equatorial (0°-30°, norte e sul) em torno de 19 mil anos atrás, seguindo o robusto e limitado (máximo em torno de 20-19 mil anos atrás) aquecimento dos polos (60°-90°, norte e sul). Com a rápida ascensão do CO2 em torno de 18,2 mil anos atrás, as temperaturas nos polos voltaram a subir e de forma acentuada, acompanhando também um acentuado aumento de temperatura nos trópicos (30°-60°), ou seja, o aquecimento global acelerado passou a ser global, contínuo e consistente com a atuação dos gases estufas.

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TRANSIÇÃO DO PLEISTOCENO MÉDIO

          Entre 1,25 milhões e 700 mil anos atrás, durante a transição do Pleistoceno Médio, a periodicidade dos ciclos glaciais mudou drasticamente. Os ciclos glaciais se tornaram mais frios e mais longos, se estendendo de 41 mil anos de duração para 100 mil anos, sem óbvia causa orbital (mudanças nos parâmetros que controlam a sazonalidade e a distribuição da radiação solar recebida). Décadas de pesquisa vêm sendo realizadas para entender esse fenômeno, mas evidências notavelmente se acumularam indicando que o Oceano Antártico (conjunto de águas que banham o continente da Antártida constituídas do prolongamento dos oceanos Atlântico, Índico e Pacífico) possuiu papel crítico nesse processo.

          Nesse sentido, um robusto estudo publicado na Science (Ref.15), analisando o registro de 1,5 milhões de anos da temperatura e da salinidade nos Oceanos do Hemisfério Sul (a partir da razão Mg/Ca e isótopos de oxigênio presos dentro de conchas microscópicas pertencentes a organismos foraminíferos planctônicos e bentônicos), e com base em dados de estudos prévios, mostrou que a emergência do ciclo de 100 mil anos coincide com uma crescente estratificação oceânica e uma ventilação reduzida das águas profundas. Essa ventilação representa o transporte de dióxido de carbono armazenado nas águas marinhas de maior profundidade para a superfície dos oceanos e, então, para a atmosfera. Com a redução dessa ventilação na Zona Antártica, no sul do Fronte Polar Antártico, e uma maior cobertura de gelo na superfície do mar, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera diminui, enfraquecendo o efeito estufa da atmosfera e permitindo períodos glaciais persistirem apesar das mudanças orbitais.




          Mudanças na Zona Antártica e seus efeitos no dióxido de carbono têm sido proposto de contribuir para o ritmo orbital dos ciclos glaciais ao longo do Pleistoceno. Há cerca de 800 mil anos, a concentração de dióxido de carbono atmosférico alcançou um valor mínimo associado às eras do gelo de 180 partes por milhão (ppm) que se manteve razoavelmente ao longo do final do Pleistoceno (alcançando valores de 175 ppm). Em contraste, previamente à transição do Pleistoceno Médio, o mínimo associado às eras do gelo de dióxido de carbono foi estimado de ser consistentemente maior do que 200 ppm.



          Esses achados corroboram as conclusões de estudos prévios e também reforçam o papel do dióxido de carbono como grande interferente no clima global. Mas, nesse caso, as mudanças na Zona Antártica teriam tido papel secundário em baixar os níveis de dióxido de carbono da atmosfera via maior consumo de nutrientes na superfície oceânica, e papel principal em prevenir um aumento subsequente de dióxido de carbono, garantindo que as condições glaciais persistissem apesar das mudanças orbitais.
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           Para registros mais antigos de temperatura, na casa das dezenas ou centenas de milhões de anos atrás, recentes e mais precisas técnicas paleoclimáticas vêm sendo desenvolvidas. Em um estudo publicado em 2018 na Earth and Planetary Science Letters (Ref.16), pesquisadores validaram a técnica de paleotemperatura via termometria isotópica clumped - a qual fornece simultaneamente conhecimento tanto da temperatura quanto da composição isotópica de antigas águas marinhas -, reafirmando sua confiabilidade (caso reordenamentos de estado-sólido das ligações C-O durante enterro sedimentar profundo sejam filtrados), para analisar conchas fósseis de braquiópodes e de moluscos (185 espécimes fósseis) coletadas de 31 locais ao longo de quatro continentes e oriundas desde o período Paleozoico. A análise cobriu os últimos 499 milhões de anos, representando grande parte do Éon Fanerozoico (541 milhões de anos atrás até o presente), período onde complexa vida metazoana radiou na Terra.

           O registro Fanerozoico resultante mostrou um acoplamento geral entre as temperaturas das águas tropicais e os níveis de CO2 atmosférico desde o Paleozoico, e indicou que as temperaturas tropicais durante o Carbonífero eram amplamente similares ao presente (~25-30°C), sugerindo que os metazoanos bentônicos foram capazes de persistir em temperaturas de 35-40°C durante intervalos do Paleozoico inicial e possivelmente final quando os níveis de dióxido de carbono eram 5-10 vezes maiores do que o atual.


          Um dos fatores determinantes para os baixos níveis de CO2 no Permiano foi representado por uma novidade evolucionária no planeta: florestas. Recentemente, pesquisadores reportaram na Current Biology (Ref.17) o mais antigo sistema conhecido de raízes lenhosas fossilizadas, pertencente a uma floresta primitiva na região próximo do Cairo, New York, e datado em 385 milhões de anos, no Devoniano Médio (393-383 milhões de anos atrás). Quando as árvores evoluíram esse tipo de raiz, elas ajudaram de forma robusta a retirar dióxido de carbono da atmosfera. As raízes fossilizadas reportadas - do gênero Archaeopteis - possuíam 15 cm de diâmetro e 11 metros de radiação horizontal. À medida que as profundas raízes penetram e quebram rochas dentro e abaixo do solo, reações químicas são disparadas que puxam CO2 da atmosfera e o transformam em íons carbonatos em águas subterrâneas, estas as quais os levam para o mar, onde são armazenados na forma de calcário. Há poucos milhões de anos antes da emergência das florestas, os níveis de CO2 atmosférico eram 10-15 vezes maiores do que os de hoje. Com o aumento da fotossíntese (fixação de carbono) e ação geoquímica das raízes, os níveis de CO2 caíram drasticamente para níveis similares aos de hoje. Esse período indo do Carbonífero ao Permiano (375-275 milhões de anos atrás) também coincide com um aumento drástico na concentração de oxigênio atmosférico (O2), como resposta da massiva produção fotossintética (Ref.18).        

         A última era glacial ocorreu entre 120 mil e 11,5 mil anos atrás. Desde então, a Terra está em um período interglacial, chamado de Holoceno. Em 2007, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera alcançou 400 ppmv, o nível de 3,5 milhões de anos atrás, sendo que a nossa espécie (Homo sapiens) emergiu há 200 mil anos. Há 3,5 milhões de anos, a concentração de CO2 estava entre 360 e 400 ppmv, com uma temperatura média global e nível dos mares 2-3°C e 15-25 m maiores do que os níveis pré-industriais. Nosso planeta gastou 2,5 milhões de anos para diminuir esse nível para aquele visto no período pré-industrial (~280 ppmv) via formação de sólidos de carbonato devido eventos geoquímicos associados principalmente aos Himalaias. E, para piorar a situação, enquanto o dióxido de carbono se acumulava no passado pré-industrial ao longo de milênios até chegar nos níveis hoje observados, a sociedade humana pós-industrial fez o mesmo em questão de décadas e continuamos injetando mais e mais gases estufas na atmosfera.


   CENOGRID

          Mudanças globais no clima da Terra durante a Era Cenozoica, nos últimos 66 milhões de anos, têm sido inferidas de dados referentes a isótopos estáveis em conchas de foraminíferos bênticos, os quais, como mencionado, são organismos ameboides que vivem no solo oceânico. Registros dos isótopos estáveis de carbono e de oxigênio dessas estruturas são comprovadamente um arquivo das mudanças de longo prazo no ciclo de carbono, temperatura do fundo oceânico e composição da água marinha fomentadas por mudanças no volume de gelo - estes os quais, por sua vez, refletem o clima global.

          Na mais recente e acurada análise paleoclimática do Cenozoico, publicada no periódico Science (Ref.22), pesquisadores uniram de forma inédita os ciclos astronômicos (orbitais) com os dados acumulados dos isótopos de carbono e de oxigênio dos foraminíferos bênticos fossilizados de 14 locais oceânicos - e dados bênticos mais recentes do Mioceno Tardio e do Eoceno Médio e Tardio -  para a construção de uma curva climática de referência chamada de CENOGRID (CENOzoic Global Reference benthic foraminifer carbon and oxygen Isotope Dataset). O CENOGRID representa a mais clara e confiável visão das condições climáticas do passado até o momento.

          A cronologia do CENOGRID é acurada em ±100 mil anos para o Paleoceno e Eoceno, ±50 mil anos para o Oligoceno até o Mioceno Médio, e em ±10 mil anos para Mioceno Tardio até o Pleistoceno. A curva de referência identificou quatro estados climáticos marcando o Cenozoico (incluindo o atual Holoceno): "Hothouse", "Warmhouse", "Coolhouse" e "Icehouse". Esses distintos estados são primariamente determinados pelas concentrações de gases estufas na atmosfera e pelo volume de gelo polar, onde temos maiores concentrações de CO2 e pouco ou nenhum volume de gelo durante os estados de Hothouse e de Warmhouse comparado com os estados de Coolhouse e Icehouse. 



          Durante o estado de Hothouse (entre o Máximo Térmico Paleoceno-Eoceno, há 56 milhões de anos, e o final do Ótimo Climático do Eoceno Superior, há 47 milhões de anos), as temperaturas eram 10-14°C acima da média de hoje e exibiam maior variabilidade de amplitude. O estado de Warmhouse foi marcado por uma temperatura 5-12°C acima da média de hoje e por duas fases: uma no Paleoceno (66 até 56 milhões de atrás) e uma no Eoceno Médio-Tardio (47 até 34 milhões de anos atrás). Na transição para a Coolhouse, houve uma massiva queda nas temperaturas e um robusto aumento no volume de gelo continental com grandes camadas de gelo aparecendo na Antártica (estabelecendo um estado glacial unipolar). O estado de Coolhouse se estende de ~34 até 3,3 milhões de anos atrás, e também é marcado por diferentes fases, em especial o Ótimo Climático do Mioceno (~17 até 14 milhões de anos atrás), onde existiu um significativo e contínuo aumento da temperatura média, até um máximo de ~5°C. No geral, o Coolhouse experienciou uma temperatura de 4-5°C até ~16 milhões de anos atrás, seguido por uma substancial e contínua queda da temperatura 4°C até 0°C (17 a 7 milhões de anos atrás).

          Nos últimos ~3 milhões de anos estamos no estado de Icehouse, marcado por ciclos glaciais e interglaciais e temperaturas médias abaixo de 0°C - e onde os humanos modernos (Homo sapiens) evoluíram. Considerando as concentrações de CO2 hoje (415 ppm), o atual sistema climático é comparável ao Mioceno no Coolhouse, próximo do Ótimo Climático do Mioceno. Segundo os autores do novo estudo, se as emissões de CO2 continuarem sem freio até 2100, como assumido pelo cenário RCP8.5 (modelo climático), o sistema climático da Terra pode se mover abruptamente do Icehouse para o Warmhouse - dependendo do grau de perda das massas de gelo nos polos - ou mesmo para o estado de Hothouse, revertendo em algumas dezenas de anos um processo climático que levou dezenas de milhões.


   ÓTIMO CLIMÁTICO DO MIOCENO

          O Ótimo Climático do Mioceno (OCM, 17-14 milhões de anos atrás) foi marcado por temperaturas ~3-4°C maiores do que a média global presente, e, como realçado, um dos possíveis cenários estimados para 2100 caso as emissões de CO2 não sejam efetivamente freadas. Esse período é marcada por uma redução no volume de gelo continental entre 14,7 e 17 milhões de anos atrás, e compreendido dentro da excursão isotópica de carbono do Monterey (MCIE). O MCIE foi um prolongado (~3,5 milhões de anos) e robusto influxo de carbono para os oceanos globais, documentado via registro de foraminíferos bentônicos e plânctonicos, e centrado em torno de 15 milhões de anos atrás. Nessa época, a posição dos continentes também era similar à de hoje e geleiras na Antártica conseguiram persistir.

          Em um estudo publicado na Nature Communications (Ref.20), pesquisadores usaram a razão B/Ca e outros marcadores associados a fósseis de animais marinhos obtidos de núcleos sedimentares dos oceanos Pacífico, Atlântico e Índico para melhor esclarecer a relação entre níveis de CO2 atmosférico e marítimo e as variações de temperatura desse período.

          Os resultados das análises mostraram que massivas erupções vulcânicas ligadas a camadas de basalto que cobriram grande parte do Noroeste do Pacífico nos EUA, liberaram grandes quantidades de CO2 na atmosfera e engatilharam um significativo declínio no pH oceânico, um robusto aquecimento global - o qual explica as maiores temperaturas desse período - e um aumento dos níveis dos mares, alagando amplas áreas dos continentes. Esse cenário teria criado as condições ideais para o enterro de grandes quantidades de carbono a partir da acumulação de organismos marinhos em sedimentos, processo potencializado pela maior capacidade de fixação de carbono atmosférico através das maiores áreas oceânicas.

          Com a elevada produtividade marinha e robusto enterro de carbono, boa parte do CO2 atmosférico teria sido removida (feedback negativo em termos de aquecimento global e positivo nos períodos de resfriamento induzido pelas variações orbitais), possibilitando o contínuo resfriamento da Terra e o início de novas glaciações após o pico de aquecimento global. Essa maior produtividade marinha também explica a grande riqueza de vida nos oceanos durante o OCM.

   
   TERRA BOLA DE NEVE

           Evidências geológicas e geoquímicas sugerem que no mínimo três glaciações globais, chamados  Eventos Terra Bola de Neve, ocorreram durante as eras Paleo- e Neo-Proterozoica ao longo da história terrestre (2,45-2,2 bilhões e 1000-540 milhões de anos atrás, respectivamente), onde espessas camadas de gelo alcançaram e cobriram completamente as baixas latitudes, incluindo talvez toda a superfície oceânica ou grande parte dela. E esses eventos estão ligados diretamente às dinâmicas dos gases estufas na atmosfera, especialmente metano, dióxido de carbono e vapor de água (V). Dependendo dos modelos climáticos e topográficos utilizados, é estimado que para uma cobertura total do planeta hoje (atual geografia continental) com gelo (Terra Bola de Neve) seria necessário que a concentração de dióxido de carbono na atmosfera fosse reduzida para no mínimo 35-60 ppmV, considerando uma incidência solar de 94% a atual (Ref.19).

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(V) Para saber mais sobre o assunto, acesse: Terra Bola de Neve, Metano e o Dióxido de Carbono


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   CONCLUSÃO

          Todas as evidências paleoclimáticas apontam para a crucial atuação dos gases estufas no controle do clima da Terra. Em particular, as concentrações variáveis de dióxido de carbono foram essenciais para permitir as dinâmicas de glaciação-deglaciação do planeta. As evidências paleoclimáticas corroboram de forma robusta a Teoria do Aquecimento Global Antropogênico.



REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://www.saberatualizado.com.br/2017/08/aquecimento-global-uma-problematica.html 
  2. https://advances.sciencemag.org/content/5/6/eaaw4981
  3. https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1029/2018GB006049
  4. https://www.nature.com/articles/s41467-019-12549-z 
  5. http://www.pnas.org/content/early/2017/07/25/1702953
  6. http://science.sciencemag.org/content/352/6289/1109
  7. Shankun et al. 2012. Global warming preceded by increasing carbon dioxide concentrations during the last deglaciation. Vol. 484, Nature, 49.
  8. He, F., Shakun, J. D., Clark, P. U., Carlson, A. E., Liu, Z., Otto-Bliesner, B. L., & Kutzbach, J. E. (2013). Northern Hemisphere forcing of Southern Hemisphere climate during the last deglaciation. Nature, 494(7435), 81-85.
  9. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0031018217310805 
  10. Marcott et all; Centennial-scale changes in the global carbon cycle during the last deglaciation; 30 october 2014, Vol 514, Nature,667.
  11. https://www.nature.com/articles/s41561-018-0205-6 
  12. https://science.sciencemag.org/content/359/6378/900.abstract
  13. https://www.nature.com/articles/nature14155
  14. https://advances.sciencemag.org/content/5/12/eaaw2610
  15. https://science.sciencemag.org/content/363/6431/1080 
  16. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0012821X18300578
  17. https://www.pnas.org/content/96/20/10955
  18. https://www.cell.com/current-biology/fulltext/S0960-9822(19)31569-6 
  19. Liu, Y., Peltier, W. R., Yang, J., & Hu, Y. (2018). Influence of Surface Topography on the Critical Carbon Dioxide Level Required for the Formation of a Modern Snowball Earth. Journal of Climate, 31(20), 8463–8479. 
  20. https://www.nature.com/articles/s41467-019-13792-0
  21. https://advances.sciencemag.org/content/6/31/eaax8587
  22. https://science.sciencemag.org/content/369/6509/1383