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Aves emergiram antes ou depois dos tiranossauros?

Figura 1. Na ilustração, esqueletos de um dinossauro terópode não-aviário Velociraptor (clado Maniraptora), uma ave Jurássica Archaeopteryx, aves do Cretáceo Inferior Sapeornis e Longipteryx, ave do Cretáceo Superior Ichthyornis e uma ave galinácea não-extinta Gallus. Ref.1

- Atualizado no dia 24 de fevereiro de 2025 -

           Aves primitivas e modernas (clado Avilae) são dinossauros terópodes e hoje um dos grupos mais diversos de animais, com ~10 mil espécies ainda vivas na Terra. Em outras palavras, os dinossauros continuam reinando no nosso planeta. E, sim, do ponto de vista filogenético, aves são répteis, ou seja, incluídas na classe Reptilia junto com os demais dinossauros (superordem Dinosauria).

           A história evolucionária das aves não é ainda totalmente esclarecida, mas evidências paleontológicas, embriológicas e moleculares apontam que a origem das aves modernas (Neornithes ou Aves) está associada a dinossauros terópodes com penas do clado Maniraptora. É seguro afirmar que as aves são descendentes de dinossauros terópodes não-aviários que viveram no Jurássico ou talvez no pré-Jurássico. Em outras palavras, aves conviveram com vários outros dinossauros por um longo período de tempo até o evento de extinção no final do Cretáceo, há ~66 milhões de anos (1).

          Os mais antigos registros fósseis de aves primitivas datam do Jurássico Médio-Tardio, há 150-160 milhões de anos, e inclui os gêneros descritos Aurornis, Anchiornis, Archaeopteryx, Fujianvenator, Xiaontingia e Baminornis (Fig.2-4). Pegadas fossilizadas de dinossauros terópodes que parecem compartilhar um ancestral comum muito próximo com as aves, como o gênero Trisauropodiscus, são datadas do final do Triássico Tardio até o início do Jurássico. A morfologia de pés similares àqueles de aves data de pelo menos ~210 milhões de anos atrás (Ref.2).

 

Figura 2. (A) Fóssil de um Archaeopteryx. (B) Ilustração de um dinossauro aviário da espécie Archaeopteryx lithographica. Existem oito espécies descritas nesse gênero, com o primeiro fóssil descoberto em 1861. Esse grupo de aves primitivas forneceu forte suporte à Teoria Evolutiva desenvolvida por Darwin no século XIX. O Archaeopteryx possuía um número de características não encontradas nas aves modernas adultas, incluindo mandíbula e maxilar com dentes, garras nas mãos e longa cauda óssea. Ref.4

Figura 3. (A) Fotografia do fóssil e (B) ilustração de contorno interpretativa da espécie Fujianvenator prodigiosus, descoberto na Província de Fujian, China, e datado em 150 milhões de anos. Em (C), ilustração da espécie em um possível cenário ambiental do Jurássico Superior. A espécie é caracterizada por um mosaico de traços compartilhados por outras aves e alguns grupos de dinossauros terópodes não-aviários, como as famílias Troodontidae e Dromaeosauridae. Ref.5

(A) Fóssil encontrado no sudeste da China, na Província de Fujian, e datado em aproximadamente 149 milhões de anos. O fóssil pertence à espécie Baminornis zhenghensis. Quando viva, é estimado que essa espécie possuía um comprimento de 15 cm e massa corporal de ~100 g. Em (B), reconstrução artística dessa espécie com base nos fósseis descritos (Arte: ZHAO Chuang). Essa ave primitiva possuía várias características compartilhadas entre aves modernas e dinossauros terópodes não-aviários. Em especial, o B. zhenghensis possuía uma cauda curta terminando em um osso composto chamado de pigóstilo, resultante de fusão das últimas vértebras caudais e um traço típico de aves modernas. É uma das mais antigas aves até o momento descritas e fornece evidência de que aves já eram altamente derivadas e muito diversificadas no final do Jurássico. Apontam também que aves possivelmente emergiram entre 172 e 164 milhões de anos atrás. Ref.17-18

           As mais antigas evidências fósseis de bico, ausência de dentes, pigostilo e de plumagem sexualmente dimórfica em aves datam do Cretáceo Inferior, há ~135-120 milhões de anos, na família Confuciusornithidae (Fig.4). Dinossauros (ou seus ancestrais) inicialmente adquiriram penas por razões sem relação com o voo, e, de fato, as primeiras penas eram simplesmente cerdas similares a penugens, provavelmente úteis na regulação da temperatura corporal e inúteis em qualquer tipo de transporte aéreo. Vários dinossauros - e talvez até mesmo a maioria - exibiam essas penas rudimentares. Eventualmente, dinossauros terópodes evoluíram penas maiores, ramificadas e mais elaboradas, talvez sob pressão de seleção sexual. Com o tempo, essas penas ficaram ainda mais elaboradas e foram cooptadas para o transporte aéreo. É ainda incerto quando o voo autossustentado primeiro emergiu entre os dinossauros, mas terópodes aviários com essa habilidade parecem ter escalado dramaticamente a competição entre animais aéreos (ex.: insetos e pterossauros) já no início do Cretáceo (Fig.5).

 

Figura 4. Ilustração baseada nos fósseis da espécie Confuciusornis shifan. Esse grupo (Confuciusornis sp.) possui registro fóssil abundante na China e é representado por aves primitivas com bico, provável capacidade de voo e um par de longas penas na cauda presente exclusivamente nos machos. Nesse último ponto, o grupo também traz a mais antiga evidência de seleção sexual agindo em aves. Ref.8-12

Figura 5. Cigarras gigantes (Palaeontinidae) representaram insetos extintos que viveram do período Triássico, há ~240 milhões de anos, até o Cretáceo Superior, há ~150 milhões de anos. Essas cigarras alcançavam 15 cm de comprimento - quase o dobro do tamanho das cigarras modernas - e se alimentavam da seiva de árvores. (A) No Cretáceo Inferior, aves como a espécie Longipteryx chaoyangensis podem ter iniciado uma intensa e crescente "corrida aérea" com essas antigas cigarras, fomentando a notável transformação das asas desses insetos entre o (B-C) Jurássico Médio e (D-E) o Cretáceo Inferior. Análises biomecânicas e aerodinâmicas apontam que as asas mais triangulares e estreitas das cigarras gigantes no Cretáceo tornavam esses insetos quase 40% mais rápidos, com ~20% mais força e até 26% energeticamente mais efetivas em relação às cigarras do Jurássico, facilitando escape aéreo de potenciais predadores. Barra de escala = 10 mm. Ref.13
 
Figura 6. Reconstrução artística (A) baseada em fósseis (B) de uma antiga ave do Cretáceo descoberta no sítio paleontológico José Martin Suárez, em São Paulo. A espécie (Navaornis hestiae, Enantiornithines) traz um cérebro intermediário entre aves primitivas e modernas. O N. hestiae possuía um cérebro maior do que o Archaeopteryx, sugerindo capacidade cognitivas mais avançadas do que dinossauros aviários mais antigos. Porém, várias áreas do cérebro, como o cérebro, eram menos desenvolvidas, sugerindo ausência de complexos mecanismos para controle de voo observados em aves modernas. Arte: Júlia D'Oliveira. Ref.15

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> Evidência mais recente sugere que o Longipteryx sp. possuía uma dieta frugívora, e provavelmente complementada com invertebrados. Ref.14

> O grupo Enantiornithines é uma extinta linhagem aviária que compartilha um ancestral comum com as aves modernas há >130 milhões de anos. Esse grupo de dinossauros terópodes era constituído por antigas aves voadores com constituição óssea bem distinta em relação às aves voadoras modernas (Neornithes).

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          E, nesse ponto, é importante realçar: aves NÃO tiveram origem de uma linhagem diretamente associada aos tiranossauros ou outros grandes terópodes tiranossaurídeos (2). Aves são bem mais antigas do que os tiranossaurídeos, estes estimados de terem emergido entre 90 e 80 milhões atrás. 

Leitura recomendada


          Portanto, aves já existiam antes do Tiranossauro rex (!). É errônea a popular ideia - frequentemente retratada em memes - de que o "T. rex virou uma galinha". Galinhas e o T. rex compartilham um ancestral comum relativamente próximo entre os arcossauros (3), mas distante em relação a outros dinossauros terópodes extintos. Aliás, curioso apontar que a linhagem ancestral dos atuais patos e gansos conviveu junto com tiranossauros e sobreviveu ao evento de extinção do Cretáceo (Fig.7).

Figura 7. Ilustração da espécie Vegavis iaai. Essa é a mais antiga ave moderna (classe Aves) conhecida e viveu há ~69 milhões de anos, ou seja, coexistiu com o Tiranossauro rex. Essa espécie habitou a Antártica e faz parte da ordem Anseriformes, que inclui atualmente patos, gansos e cisnes. O bico dessa espécie e fortes músculos mandibulares sugerem que era um habilidoso predador subaquático, mergulhando e capturando presas no mar durante sobrevoos. O V. iaai possuía um grande encéfalo frontal, maxila reduzida e ausência de dentes, características típicas de aves modernas. Ref.16

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(!) RELEVANTE: O gênero Tyrannosaurus (Tiranossauro) engloba pelo menos outra espécie além do T. rex, recentemente descrita: T. mcraeensis. Para mais informações: Por que o Tiranossauro rex tinha braços tão pequenos?

> Existe debate acadêmico sobre a classificação de todos os avialanos (clado Avialae) como aves (birds em inglês), ou seja, como dinossauros aviários. Alguns autores consideram apenas as aves modernas (Aves) como reais dinossauros aviários, com o restante dos avialanos sendo dinossauros terópodes não-aviários. No geral, não é incorreto fazer referência aos avialanos como aves primitivas. Mas é importante não confundir o termo coloquial "aves" com o grupo Aves (ou Neornithes).

(3) Leitura recomendada: O que são Arcossauros?

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REFERÊNCIAS

  1. Chiappe, L.M. (2009). Downsized Dinosaurs: The Evolutionary Transition to Modern Birds. Evolution: Education and Outreach 2, 248–256. https://doi.org/10.1007/s12052-009-0133-4
  2. Abrahams & Bordy (2023). The oldest fossil bird-like footprints from the upper Triassic of southern Africa. PLoS ONE 18(11): e0293021. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0293021
  3. Yu et al. (2024). Avialan-like brain morphology in Sinovenator (Troodontidae, Theropoda). Communications Biology 7, 168. https://doi.org/10.1038/s42003-024-05832-3
  4. Kundrát et al. (2018). The first specimen of Archaeopteryx from the Upper Jurassic Mörnsheim Formation of Germany. Historical Biology, 31(1), 3–63. https://doi.org/10.1080/08912963.2018.1518443
  5. Xu et al. (2023). A new avialan theropod from an emerging Jurassic terrestrial fauna. Nature 621, 336–343. https://doi.org/10.1038/s41586-023-06513-7
  6. Novas et al. (2021). Comments on the Morphology of Basal Paravian Shoulder Girdle: New Data Based on Unenlagiid Theropods and Paleognath Birds. Frontiers in Earth Science, Volume 9. https://doi.org/10.3389/feart.2021.662167
  7. https://www.pnas.org/doi/epub/10.1073/pnas.2320846121
  8. Falk et al. (2019). On the Preservation of the Beak in Confuciusornis (Aves: Pygostylia). Diversity, 11(11), 212. https://doi.org/10.3390/d11110212
  9. Lowi-Merri et al. (2021). The relationship between sternum variation and mode of locomotion in birds. BMC Biology 19, 165. https://doi.org/10.1186/s12915-021-01105-1
  10. Wang et al. (2022). A new confuciusornithid bird with a secondary epiphyseal ossification reveals phylogenetic changes in confuciusornithid flight mode. Communications Biology 5, 1398. https://doi.org/10.1038/s42003-022-04316-6
  11. Chiappe et al. (2023). Flight Performance of the Early Cretaceous Bird Confuciusornis sanctus: Evidence from an Exceptionally Preserved Fossil. Spanish Journal of Palaeontology, 38(2), 101–122. https://doi.org/10.7203/sjp.27543
  12. Pan et al. (2024). Fossil evidence sheds light on sexual selection during the early evolution of birds. PNAS, 121 (3) e2309825120. https://doi.org/10.1073/pnas.2309825120 
  13. Xu et al. (2024). Enhanced flight performance and adaptive evolution of Mesozoic giant cicadas. Science Advances, Vol. 10, Issue 43. https://doi.org/10.1126/sciadv.adr2201
  14. O'Connor et al. (2024). Direct evidence of frugivory in the Mesozoic bird Longipteryx contradicts morphological proxies for diet. Current Biology. https://doi.org/10.1016/j.cub.2024.08.012
  15. Chiappe et al. (2024) Cretaceous bird from Brazil informs the evolution of the avian skull and brain. Nature 635, 376–381. https://doi.org/10.1038/s41586-024-08114-4
  16. Torres et al. (2025). Cretaceous Antarctic bird skull elucidates early avian ecological diversity. Nature 638, 146–151. https://doi.org/10.1038/s41586-024-08390-0
  17. Chen et al. (2025). Earliest short-tailed bird from the Late Jurassic of China. Nature 638, 441–448. https://doi.org/10.1038/s41586-024-08410-z
  18. https://english.cas.cn/newsroom/cas_media/202502/t20250214_901743.shtml