Os últimos milênios foram marcados por vários resfriamentos e aquecimentos globais?
> Esse artigo faz parte de uma discussão mais ampla sobre Mudanças Climáticas, Paleoclimatologia, efeito estufa atmosférico e evidências da ação humana (antropogênica) no atual processo de Aquecimento Global. Para saber mais, acesse: Aquecimento Global: Uma Problemática Verdade.
- Atualizado no dia 2 de fevereiro de 2021 -
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Frequentemente é citado que notórios períodos da história humana onde os níveis de dióxido de carbono se mantiveram razoavelmente constantes (~280 ppmv) testemunharam drásticas variações climáticas globais. Dois dos mais referenciados são a "Pequena Era do Gelo" (1300 a 1850) e o "Período Medieval Quente" (751 a 1350 d.C.), onde no primeiro as temperaturas médias na Europa baixaram substancialmente, levando ao congelamento dos canais Holandeses e ao avanço das geleiras tão longe quanto os vales Alpinos, e no segundo houve aumentos substanciais na temperatura média também no território Europeu. Ambos os eventos são comprovados por relatos e pinturas históricas, e análises geoclimáticas. Somando-se a isso, é comumente sugerido que essas significativas variações de temperatura refletiram mudanças climáticas a nível global, mesmo em um cenário sem importantes variações orbitais e nos níveis de gases estufas. Seriam variações na atividade solar (hipótese até hoje sem comprovação)? Esse fenômeno poderia explicar o aquecimento global atual sem a necessidade de levarmos em conta o dióxido de carbono?
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Para esclarecer essa questão, podemos citar três estudos recentemente publicados na Nature Geoscience que novamente não encontraram evidências de mudanças climáticas globais nos últimos 2000 anos, e reforçando que grandes atividades vulcânicas foram as responsáveis por moldarem o clima nesse período mas de forma regional (I).
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(I) Os vulcões emitem uma enorme quantidade de partículas. Em erupções muito grandes, grande parte dessas partículas vão parar na estratosfera, permanecendo longos períodos nessa camada atmosférica. Ali, refletem boa parte da energia solar incidente de volta para o espaço, resfriando a superfície terrestre e a baixa atmosfera. Para mais informações sobre o papel dos vulcões nas mudanças climáticas, acesse: Como os vulcões afetam o clima? Eles emitem mais dióxido de carbono do que os humanos?
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No primeiro estudo (Ref.1), os pesquisadores não encontraram evidências de que houve substanciais mudanças climáticas uniformes e sincronizadas ao longo do globo nos últimos dois milênios, incluindo na Pequena Era do Gelo e no Período Medieval Quente. De fato os pesquisadores encontraram que na Pequena Era do Gelo houveram significativas reduções de temperatura ao longo de todo o mundo, mas elas não ocorreram simultaneamente. Para essa conclusão, eles utilizaram 6 robustas modelos estatísticos para investigarem o banco de dados do consórcio internacional de pesquisas PAGES (Past Global Changes), incluindo dados oriundos de análises de anéis de árvores, núcleos de gelo, sedimentos de lagos e de corais coletados ao redor do globo. Foram analisadas 5 épocas, incluindo as duas já citadas, o Período Frio da Idade das Trevas (400-800 d.C.) e o Período Romano Quente (1-750 d.C.).
Os resultados das análises estatísticas mostraram que os mínimos e máximos de temperatura nos últimos 2 mil anos eram diferentes em diferentes áreas, e que padrões de maior ou menor aquecimento no Período Medieval Quente afetavam um máximo de 40% do globo de forma sincronizada. Em geral, apenas menos do que 50% da área global mostraram concordar com os picos de 51 anos de mais alta ou mais baixa temperaturas pré-industriais. Após o período industrial, com a pesada emissão de gases estufas para a atmosfera, o aquecimento global é realmente global, afetando consistentemente mais de 98% da superfície terrestre. O estudo também reforçou que causas naturais não são suficientes para explicarem o atual aquecimento global (era pós-industrial), ou seja, o fator antropogênico é determinante.
O segundo estudo (Ref.2), uma extensão do primeiro (PAGES 2k Consortium), usou o banco de dados do PAGES para determinar os fatores que atuaram para as mudanças climáticas observadas ao longo da Era Comum (0-2000 d.C.). Para isso, os pesquisadores utilizaram sete diferentes métodos estatísticos para avaliar os registros paleoclimáticos e modelos de simulação do Coupled Model Intercomparison Project Phase 5. Os resultados das análises mostraram que uma porção substancial da variabilidade climática no período pré-industrial (1300-1800 d.C.) - em uma escala de tempo multi-década - é atribuída a aerossóis gerados por erupções vulcânicas. No período pós-industrial, fatores antropogênicos e aerossóis de fontes diversas (naturais e humanas) mostraram-se os principais influenciadores climáticos. Todas as reconstruções mostraram uma significativa tendência de resfriamento antes de 1850 seguida de um rápido aquecimento na era industrial. A maior tendência de aquecimento em uma escala de 20 anos ou mais ocorreu durante a segunda metade do século XX, reforçando a não naturalidade do processo tomando como referência os últimos dois milênios. O estudo também reforça a confiabilidade dos atuais modelos climáticos para previsões em escalas de décadas.
Já o terceiro estudo (Ref.3) mostrou que uma série de erupções vulcânicas entre 1808 e 1835 - erupção do Tambora (II) na Indonésia e outras quatro grandes erupções - levou a uma redução nas temperaturas sobre as áreas terrestres do Hemisfério Norte e a uma consequente alteração na circulação atmosférica sobre o setor Atlântico-Europeu. Em adição ao efeito radiativo direto, o qual durou 2-3 anos, modelos climáticos de simulação mostraram que a troca de calor entre oceano e atmosfera suportou um resfriamento por vários anos após essas erupções, afetando os componentes lentos do sistema climático.
- (II) Leitura recomendada: Napoleão, Batalha de Waterloo e o vulcão Monte Tambora
Os pesquisadores encontraram que essas alterações climáticas levaram a uma seca de duas décadas na África, enfraquecimento das monções globais, e um aumento nos sistemas de baixa pressão ao longo da Europa Central, culminando - sob o cenário de baixas temperaturas - em um aumento de precipitação e no último avanço das geleiras Alpinas da década de 1820 até a década de 1850 no final da Pequena Era do Gelo. O achado reforça que o maior avanço das geleiras não foi obra de variações climáticas globais, mas regionais, e devido a fatores naturais hoje não atuantes. Também sugere que o atual processo de aquecimento global associado às atividades antropogênicas é maior do que o comumente assumido, levando em conta que somente após a década de 1850 essa transição foi iniciada. Para o cálculo de referência do atual aquecimento usa-se a comparação com o período 1850-1900, dando um aumento de 1°C na temperatura média global. Considerando como referência a primeira metade do século XIX, temos um aumento de temperatura média global de 1,2°C.
Em outras palavras, é um erro associar os períodos da Pequena Era do Gelo e do Período Medieval Quente com dois períodos de robustos resfriamento e aquecimento globais. Algo similar ocorreu no período conhecido como Holoceno Médio Quente (Mid-Holoceno Warm Period), em torno de 6-7 mil anos atrás, onde as temperaturas no Hemisfério Norte ficaram mais quentes do que o normal no Verão (e no inverno em algumas regiões). Mas esse último fenômeno foi causado por mudanças na órbita da Terra, algo já previsto teoricamente, e sendo um fator (orbital) não presente como interferente no clima global dos últimos 100 anos (Ref.4, 8-9). Nesse caso em específico, houve uma maior incidência solar em altas latitudes ao Norte a partir de 9 mil anos até 5 mil anos atrás, causando um aquecimento anômalo anormal - inclusive no inverno - que foi amplificado pela maior e persistente perda de gelo no Ártico, porém limitado às latitudes mais ao norte.
> Leitura recomendada: Cientistas resolvem enigma climático do Holoceno
Nesse contexto, outro período comumente citado é o anormal resfriamento (variação negativa média de ~8°C) durante o chamado Younger Dryas, há cerca de 13 mil anos, no final da última Era Glacial, e responsável pela provável extinção em massa de vários mamíferos da megafauna (como mamutes, a preguiça-gigante e o tigre-dentes-de-sabre) e um acentuado declínio das populações humanas associadas à cultura Clóvis. Porém, cada vez mais evidências científicas estão dando suporte para a hipótese de que o impacto de um asteroide ou de um cometa em torno de 12,8 mil anos atrás foi o responsável pelo súbito resfriamento (Ref.5-6). Pesquisadores vem encontrando picos de platina e/ou irídio associados com camadas geológicas na América do Norte, Europa, Ásia, oeste da Ásia e, mais recentemente, no Chile e na África do Sul, um sinal que fortemente indica um evento de impacto cósmico (platina e irídio é um elemento comum em cometas, asteroides e meteoroides).
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VULCÃO E ESCÓCIA
Além da queda de Napoleão ter recebido um empurrão da erupção vulcânica do Monte Tambora, outro importante evento histórico parece ter sido fomentado por uma série de erupções vulcânicas no século XVII. Ao longo de 7 anos durante a década de 1690, plantações não vingaram, vilas foram esvaziadas e uma severa fome matou até 15% de toda a população da Escócia. Esse período de terror ficou conhecido historicamente como 'Ills'. Arrasada pelo evento, a antes independente nação se juntou à Grã-Bretanha.
Essa década experienciou um dos picos de mais baixa temperatura da Pequena Era do Gelo, e afetou diversas regiões da Europa. Começando em 1695 e terminando em 1704, uma onda de substancial resfriamento atingiu o hemisfério Norte, coincidindo com duas grandes erupções vulcânicas nos trópicos: uma em 1693 e outra ainda maior em 1695. Em um estudo publicado mais recentemente no periódico Journal of Volcanology and Geothermal Research (Ref.7), os pesquisadores analisaram anéis de crescimento em árvores para avaliar quantitativamente as condições climáticas nas áreas afetadas. Eles revelaram que a década de 1690 foi a segunda mais fria dos últimos 750 anos em grande parte do Hemisfério Norte. As temperaturas no verão chegaram a abaixar, na média, 1,56°C em comparação com as médias de verão de 1961 até 1990. A Escócia foi a que mais sofreu, com cerca de 10-15% da população perecendo. Tanto as terras altas e quanto as terras baixas experienciaram duras condições climáticas.
Analisando mais a fundo a questão, os pesquisadores também encontraram que outros problemas amplificaram a crise climática na Escócia. Técnicas relativamente não sofisticadas de agricultura, uma política governamental que encorajava a exportação de grãos (a qual deixou poucas reservas quando as lavouras pereceram), e uma fracassada tentativa de colonizar o Panamá (IV) colocou a Escócia em lençóis ainda piores. Esses fatores, somados à depressão econômica que se seguiu, motivou o Parlamento Escocês a abrir mão da independência e a se unir com a mais estável e bem estruturada Grã-Bretanha em 1707 (Atos de União), segundo a análise dos pesquisadores.
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(IV) A grave situação econômica estabelecida ao longo da década de 1690 encorajou a monarquia Escocesa a investir em uma potencial colonização do Panamá (expedição de Darien), na América Central em 1696-1698. Inicialmente, cinco grandes navios partiram para uma jornada de 4 meses e meio em 12 de julho de 1698. O objetivo era estabelecer uma colônia no Istmo do Panamá, região que serviria como um atalho para as riquezas do Oriente, ao conectar os Oceanos Pacífico e Atlântico (um pré-moderno Canal do Panamá). Bem sucedida, a colonização poderia salvar a Escócia. Mas a expedição terminou em desastre, sendo abandonada oficialmente em 1707. Três dos cinco navios foram perdidos e vários dos 2,5 mil tripulantes que seriam responsáveis por colonizar o istmo pereceram ou desertaram. Doenças tropicais, como a febre amarela e a malária provavelmente contribuíram para as baixas, assim como confrontos com Espanhóis na área. Para completar o quadro, as escassas colheitas na Escócia também dificultaram a expedição, ao atrasar o abastecimento dos navios em 1699 e 1700.
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> Vale a pena citar também a alegação de muitos de que o planeta estava passando por um aquecimento global durante a colonização da Groenlândia na Era Viking, e que essa ilha estava inclusive sem gelo. Duas afirmações absurdas. O aquecimento foi regional e apenas algumas pequenas áreas costeiras sofreram com um maior degelo. Para mais informações, acesse: A Groenlândia na Era Viking não tinha gelo?
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CONCLUSÃO
Nos últimos dois milênios uma série de mudanças climáticas têm moldado a sociedade humana, desde a Roma Antiga até as Eras Modernas, protagonizadas por significativos eventos de resfriamento e de aquecimento de diferentes magnitudes. No entanto, todas as robustas mudanças climáticas pré-industriais não foram globais, e, sim, regionais e hemisféricas. E a maioria desses eventos climáticos foram alimentados por erupções vulcânicas. Hoje o processo de aquecimento é robusto e global devido a um fator não existente nos últimos milênios: exacerbação do efeito estufa causada pelas massivas emissões antropogênicas de gases estufas, em especial o dióxido de carbono (CO2).
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- https://www.nature.com/articles/s41586-019-1401-2
- https://www.nature.com/articles/s41561-019-0400-0
- https://www.nature.com/articles/s41561-019-0402-y
- https://www.ncdc.noaa.gov/global-warming/mid-holocene-warm-period
- https://www.nature.com/articles/s41598-019-51552-8
- http://wiredspace.wits.ac.za/handle/10539/28129
- https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0377027319303087
- https://advances.sciencemag.org/content/5/12/eaax8203
- https://www.nature.com/articles/s41597-020-0530-7