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Por que mulheres comumente produzem gemidos durante atividades sexuais?


- Atualizado no dia 26 de abril de 2024 -

          Durante a atividade sexual entre animais diversos, vocalizações específicas são comuns. Nos humanos modernos (Homo sapiens) é notável a presença de gemidos durante o ato sexual, os quais são particularmente associados aos indivíduos do sexo feminino (fêmeas) e conhecidos como "vocalizações de coito, copulatórias ou sexuais" - apesar de tal forma de vocalização ser comumente exibida por ambos os sexos e independente da orientação sexual. No geral, gemidos são uma comunicação não-verbal durante o sexo associada, a princípio, com satisfação sexual. Mas existe algum propósito biológico no gemido ou é apenas um subproduto da atividade sexual?

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          Em 95% dos mamíferos, fêmeas investem mais em cuidado parental do que machos. Diferenças sexuais em cuidado parental ultimamente influenciam a escolha de fêmeas por parceiros sexuais e competição entre machos por fêmeas. Fêmeas humanas também investem mais no desenvolvimento intrauterino e na vida pós-natal do bebê (ex.: amamentação) - e esse maior investimento materno tipicamente continua ao longo da infância em todas as sociedades conhecidas, devido a normas patriarcais ainda persistentes. Machos humanos, no entanto, são excepcionais entre os primatas, devido ao investimento paterno no desenvolvimento da cria além do investimento inicial de gametas (1). Esse investimento paterno extra, em termos evolutivos, torna a fêmea ainda mais criteriosa na escolha de machos e mais motivada a manter fortes laços com um parceiro sexual qualificado.

(1) Leitura recomendada: 


          Fêmeas humanas usam numerosos sinais para atrair a atenção de machos, e vice-versa, incluindo fenótipos corporais (ex.: características sexuais secundárias) (2) e métodos culturais de embelezamento (ex.: vestimentas, acessórios e maquiagem). E as sinalizações podem ser honestas (reais atributos) ou desonestas (falsos atributos). Vocalização sexual feminina é sexualmente atrativa a machos tanto de humanos quanto de primatas não-humanos, sugerindo uma forma de sinalização sexual. Além disso, durante a atividade sexual, é mais comum fêmeas de primatas produzirem vocalizações. E existe evidência limitada que a vocalização sexual é otimizada em fêmeas primatas no pico da fertilidade, e mais frequente durante interação com machos dominantes (!).

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(2) Leitura recomendada: 


> Alerta de outros primatas machos via vocalização de fêmeas durante ou logo após o ato sexual pode provocar disputas entre machos ou levar a múltiplas copulações e, portanto, competição de esperma, promovendo inseminação pelos machos mais aptos, confundindo paternidade, e reduzindo o risco de infanticídio. Por outro lado, vocalizações sexuais de fêmeas podem também sinalizar fertilidade e reforçar o vínculo com o macho de preferência.

> Lembrando que o coito entre primatas não-humanos exibe curta duração - frequentemente meros segundos comparado a 1-2 minutos na ejaculação em humanos (Ref.7).

(!)  Em macacos machos da espécie Macaca arctoides, vocalizações na copulação são mais frequentes na ejaculação e produzidas por machos dominantes, e provavelmente servem para transmitir status social [efeito de audiência] para outros machos rivais; machos não-dominantes mantêm silêncio durante a copulação para prevenir interferência de machos dominantes. Ref.2

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          Estudos na literatura acadêmica sobre vocalização sexual em fêmeas da nossa espécie são escassos. É apontado que vocalização sexual na maioria das fêmeas humanas ocorre durante a penetração ao invés de outras formas de atividade sexual. Além disso, um significativo número de mulheres heterossexuais reportam usar a vocalização para facilitar a ejaculação do parceiro e/ou aumentar o prazer e autoestima do parceiro, ou ambos - sugerindo motivação para a manutenção do interesse sexual do parceiro e sua permanência na relação. 

           Em um estudo de 2011 (Ref.3), analisando 71 mulheres heterossexuais sexualmente ativas com idades em torno de 21 anos, os pesquisadores encontraram que as vocalizações durante o ato sexual eram mais frequentemente feitas antes e durante a ejaculação do parceiro sexual; enquanto isso, orgasmo era mais frequentemente reportado seguindo automanipulação do clitóris, manipulação do clitóris pelo parceiro, sexo oral dado pelo parceiro, e, menos frequentemente, durante penetração vaginal (4). Esses dados apontam uma dissociação entre vocalizações sexuais e experiência do orgasmo feminino. Em relação às razões da vocalização, 66% das mulheres reportaram usá-las para acelerar a ejaculação do parceiro, objetivando aliviar desconforto/dor, tédio e/ou fatiga, ou mesmo para economizar tempo. Além disso, 92% das participantes reportaram um forte sentimento que as vocalizações aumentavam a autoconfiança do parceiro e 87% delas reportaram usá-las para esse propósito. Combinados, esses dados sugerem que as vocalizações copulatórias femininas são uma estratégia de manipulação do comportamento do parceiro macho em prol da fêmea, e não um simples reflexo ou sinalização honesta de prazer sexual.

(4) Leitura recomendada: O Ponto G existe?

           Os resultados desse último estudo são notavelmente consistentes com achados reportados na literatura acadêmica para primatas não-humanos. Por exemplo, em macacos da espécie Macaca sylvanus, a probabilidade da ejaculação do macho está relacionada com a intensidade e velocidade das vocalizações da fêmea durante a copulação, e aparentemente independente do esforço copulatório do macho.

          Em um estudo publicado em 2021 no periódico Archives of Sexual Behavior (Ref.4), 403 mulheres Eslovacas heterossexuais e do sexo feminino foram analisadas, com questionários buscando explorar as vocalizações verbais e não-verbais durante as atividades sexuais. Mais da metade das participantes (65%) reportou vocalização sexual como regra durante atos sexuais, e grande parte (357/403; ~89%) reportou vocalização mais frequente durante a penetração vaginal. Reporte de vocalização durante automasturbação foi incomum (38/403; ~9%). Em concordância com estudos similares conduzidos fora da Eslováquia, a forma mais frequente de vocalização reportada por todas as participantes foi gemidos, seguido por gritos, comandos instrucionais, palavras e silêncio. No estudo, pelo menos 50% das participantes reportaram fingir orgasmo pelo menos uma vez na vida, e essas participantes também eram mais prováveis de reportar também "fingir" vocalização sexual (sinalização desonesta de prazer).

           Esses achados suportam a ideia que a vocalização na copulação humana é uma sinalização sexual com uma função comunicativa, em especial os gemidos, ao invés de um subproduto incidental do ato sexual. Além disso, o estudo de 2021 encontrou evidência de que essa sinalização sexual é parcialmente dependente do período ovulatório (maior frequência de ocorrência na fase fértil do ciclo menstrual), coincidente também com um maior excitamento sexual feminino na janela fértil e espelhando um padrão observado em outros primatas não-humanos.

          Por outro lado, evidência limitada e mais recente - baseada em gravações aparentemente autênticas em áudio de sonorizações durante atividade sexual humana e com foco no sexo feminino - sugerem que, pelo menos em parte, gemidos e outras vocalizações durante o ato sexual são respostas honestas e involuntárias de prazer (incluindo orgasmos), complementadas por vocalizações conscientemente controladas [sinais específicos para copulação] (Ref.7).

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          No geral, os resultados dos estudos até o momento publicados sugerem que a vocalização sexual nos primatas pode funcionar tanto para estimular quanto para manipular o comportamento sexual dos machos pelas fêmeas, ultimamente assegurando maior investimento paternal, compromisso "amoroso" e acesso a recursos e proteção (no caso de machos dominantes), garantindo mais rápida ejaculação, e aumentando a confiança de paternidade do atual parceiro sexual - em espécies de primatas não-humanos isso parece reduzir as taxas de infanticídio por machos (Ref.5). Em humanos, fêmeas podem usar as vocalizações sexuais de forma similar, manipulando o parceiro macho com atributos desejáveis - fortalecendo o laço amoroso e a fidelidade - mesmo em situações de menor satisfação ou desejo sexual. Mas é possível que parte das vocalizações femininas sejam respostas genuínas e espontâneas de prazer.

           Gemido e outras vocalizações durante atividades sexuais entre humanos parecem ter uma origem evolucionária no contexto dos nossos ancestrais primatas poligâmicos - talvez persistindo devido ao nosso comportamento no meio termo entre monogamia e poligamia.

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> Relevante apontar que produções pornográficas tipicamente retratam orgasmos femininos com variados graus de gemidos (ex.: mais altos ou frequentes), apesar dessa "visualização orgásmica" não ser um indicador confiável de real orgasmo ou mesmo uma regra geral. Outros indicadores precisam ser levados em conta, como espasmos musculares, suspiros pós-coitais, declaração de clímax, entre outros. Aliás, autenticidade de orgasmos femininos em vídeos caseiros ou profissionais é uma questão problemática. Mulheres podem ou não vocalizar durante o clímax sexual e silêncio não significa necessariamente "ausência de orgasmo". Ref.6

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REFERÊNCIAS

  1. Denes et al. (2020). Between the sheets: Investigating young adults' communication during sexual activity. Personal Relationships, Volume 27, Issue 2, Pages 484-501. https://doi.org/10.1111/pere.12324
  2. Toyoda et al. (2020). Dominance status and copulatory vocalizations among male stump-tailed macaques in Thailand. Primates 61, 685–694. https://doi.org/10.1007/s10329-020-00820-7
  3. Brewer & Hendrie (2011). Evidence to Suggest that Copulatory Vocalizations in Women Are Not a Reflexive Consequence of Orgasm. Archives of Sexual Behavior 40, 559–564. https://doi.org/10.1007/s10508-010-9632-1
  4. Prokop, P. (2021). Factors Influencing Sexual Vocalization in Human Females. Archives of Sexual Behavior 50, 3809–3820. https://doi.org/10.1007/s10508-021-02018-4
  5. Pradhan et al. (2006) The evolution of female copulation calls in primates: a review and a new model. Behavioral Ecology and Sociobiology 59, 333–343. https://doi.org/10.1007/s00265-005-0075-y
  6. Lebedíková, M. (2022). How much screaming is an orgasm: the problem with coding female climax. Porn Studies, 9:2, 208-223. https://doi.org/10.1080/23268743.2022.2034523
  7. Anikin, A. (2024). "Why do people make noises in bed?" Evolution and Human Behavior, Volume 45, Issue 2, Pages 183-192. https://doi.org/10.1016/j.evolhumbehav.2024.02.002