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Fumo e uso recreativo da maconha: lobo sob pele de cordeiro


- Atualizado no dia 14 de agosto de 2023 -

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           Não importa se existe uma onda de legalização ou não ao redor do mundo. O consumo da maconha (ou marijuana, ou cannabis) vem aumentando nos últimos anos de forma sem precedentes. Nos EUA, pesquisas mostram que mais do que metade da população já consumiu a droga em algum momento da vida e uma grande parcela é usuário frequente ou regular. Na Europa, é estimado que 24 milhões de adultos (7,2% da população Europeia) usaram maconha em 2017.  No Canadá, 12% dos adultos e mais de 20% dos jovens reportaram ter consumido maconha em 2017. Ao redor do mundo, é estimado que 180-192 milhões de pessoa (~2,5% da população mundial) usam a droga a partir de uma variedade de mercados, ilegais ou legais.

          Esse intenso consumo e popularização da maconha vem pressionando muitos países a legalizarem ou descriminalizarem a droga. O Uruguai e, recentemente, o Canadá são dois países que legalizaram por completo a maconha. Porém, algo retrógrado está ocorrendo e poucos estão se atentando para isso. 
 
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> Na parte final do artigo, um complemento sobre os benefícios do uso medicinal da maconha e as evidências científicas que os suportam.
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  LIBERAR OU NÃO LIBERAR (USO RECREATIVO)?

          Bem, considerando que o cigarro/tabaco e as bebidas alcoólicas são liberados, e que produtos alimentares de baixo valor nutricional e nocivos à saúde (as calorias vazias) são também liberados e pouco regulamentados, por que não a maconha? Pelos estudos clínicos publicados até o momento, essa droga, no geral, não parece fazer mais mal, a curto e a longo prazo, do que esses outros produtos danosos já legalizados. O real foco de preocupação não é a legalização ou descriminalização, e, sim, a conscientização. Com exceção do cigarro, grande parte do público não consegue ver os potenciais perigos por trás dessas drogas, inclusive ignorando frequentemente que o consumo alcoólico e a exposição à nicotina impõem graves riscos para grávidas e crianças. Aliás, é amplamente ignorado que o consumo alcoólico é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de cânceres (!).

(!) Para mais informações: 

           Com a maconha ocorre o mesmo, e muitas pessoas, através de distorcidas bandeiras do uso medicinal, acreditam que essa droga é totalmente segura e livre de efeitos colaterais adversos, mesmo possuindo diversos fitocanabinoides ativos que interferem com as funções cerebrais (I), em específico via sistema endocanabinoide, vital para diversas atividades neurais (II). Enquanto os componentes isolados da maconha vêm mostrando potenciais benefícios terapêuticos na área médica, o uso indiscriminado e recreativo é de longe o mais popular e disseminado, e muitos apelidam esse tipo de consumo como 'medicinal e saudável'. É o mesmo que consumir medicamentos de tarja preta por qualquer motivo (III) e achar que isso é seguro e 'medicinal'. Assim como os medicamentos, a maconha pode trazer benefícios à saúde mas para casos de necessidade e real justificativa médica. Isso sem contar que o espectro de ações dos fitocanabinoides no corpo humano não são totalmente esclarecidos.

(I) Sugestão de leitura:
  1. Estudo mostra que o uso a longo prazo de maconha causa danos no cérebro  
  2. Exposição à maconha altera o perfil genético das células reprodutivas masculinas
  3. Consumo de maconha está associado com o desenvolvimento de transtorno bipolar
  4. Canabinoides da maconha e de sintéticos podem disparar preocupantes ataques súbitos no cérebro 
  5. Dois novos estudos reforçam que a maconha causa danos no cérebro e preocupantes sintomas de dependência
  6. Mais um estudo mostra que o consumo recreativo de maconha causa prejuízos para o cérebro
(II) Aliás, esse é outro problema: abuso de medicamentos de uso controlado. Mais informaçõesRitalina é a 'Pílula da Inteligência'?


          E esse alerta é reforçado por um estudo publicado em 2018 no periódico Addiction (Ref.35), o qual mostrou que a erva da maconha vendida na Europa está ficando cada vez mais forte, onde a concentração de THC (delta-9-tetrahidrocanabidiol) - principal fitocanabinoide psicoativo da maconha - aumentou de 5% em 2006 para 10% em 2016. Já para a resina (hash), a concentração de 10% em 2011 aumentou para 17% em 2010. Os produtores e comerciantes estão produzindo derivados da maconha cada vez mais potentes para aumentar o preço de mercado desses produtos. Porém, para o canabidiol (CBD) - segundo principal fitocanabinoide na maconha, não-psicoativo, e ligado a diversas propriedades medicinais - esse aumento não acompanhou. Como o CBD possui o potencial de minimizar efeitos adversos do THC, como paranoia ou danos à memória, produtos de maconha mais potentes podem aumentar o risco de doenças psicóticas e danos no cérebro, especialmente em pessoas epigeneticamente suscetíveis, indivíduos com problemas mentais e idosos. Lipofílico, o THC possui uma meia-vida prolongada de 20-36 horas.


          De fato, um estudo pulicado no Journal of Psychopharmacology (Ref.60), usando dados de fMRI (imagem por ressonância magnética funcional), mostrou que quanto maior as quantidades de CBD na amostra de maconha, menores os prejuízos para as funções cerebrais, mesmo sem modificação dos níveis de THC, sugerindo uma ação neuroprotetora específica.

          Em indivíduos suscetíveis a transtornos psicóticos e em usuários pesados de maconha já existem sólidas evidências de um maior risco de indução de psicose com o uso dessa droga, via alteração no sistema de liberação de dopamina estresse-induzida (Ref.59). Quanto maiores as concentrações de THC, maior o risco associado.

          Além disso, o consumo indiscriminado e recreativo de maconha está associado com um aumento no risco de problemas cardiovasculares, distúrbios associados ao sono, e à já bem estabelecida Síndrome da Hiperêmese por Canabinoide. Essa síndrome, apesar de relativamente rara, foi primeiro descrita em 2004 mas vem aumentando de frequência entre usuários de maconha. A condição é uma manifestação caracterizada por sintomas como náusea, vômitos e dores abdominais, e de difícil tratamento (Ref.45). Sua causa ainda é incerta, mas parece estar envolvida com o sistema endocanabinoide.

Leitura recomendada:


   ALERTA: DIREÇÃO!

           Outro ponto importante: é raro ver alguém mencionar que o consumo de maconha, devido ao THC, traz problemas de coordenação motora similares àqueles associados ao consumo alcoólico, sendo que dirigir ou realizar tarefas que exigem um ótimo senso motor e crítico não deve ser feito após o consumo dessa droga.



          Um estudo publicado no periódico Drug & Alcohol Dependence (Ref.46), e realizado por pesquisadores da Universidade de Michigan, reportou que mais da metade das pessoas que utilizam maconha para o alívio de dores crônicas no estado de Michigan, EUA, dirigiam enquanto estavam sob o efeito da droga no mínimo uma vez nos últimos seis meses, e 1 em cada 5 desses usuários disseram ter dirigido após o uso pesado da droga. Sob a influência da maconha, o tempo de reação e a coordenação podem ficar substancialmente prejudicados, levando a acidentes, porém os usuários analisados, no geral, não sabiam que era arriscado dirigir sob o efeito dessa droga. Segundo os autores do estudo, o mais seguro a se fazer é evitar dirigir no dia de uso da maconha. No Colorado, EUA, após a legalização da maconha e aumento do consumo dessa droga, as taxas de acidentes automotivos aumentaram em 10% (Ref.55).

          Nesse mesmo caminho, um estudo mais recente publicado no periódico Social Science & Medicine (Ref.74) encontrou um aumento médio de 10% nas mortes por acidentes veiculares associado aos mercados legalizados de uso recreativo de maconha nos EUA.

   
   ALERTA: GRAVIDEZ!

          É raro também ver alguém divulgando que o consumo de maconha durante a gravidez e a amamentação é para ser evitado, porque o feto e o bebê ficam expostos ao THC, algo que pode levar a sérios efeitos adversos no cérebro em desenvolvimento. Mesmo produtos contendo apenas CBD não são aprovados por agências de saúde para seu uso na gravidez, e não existem estudos suficientes atestando a segurança de uso dessa substância pelas grávidas e pelas lactantes (Ref.61-62). A consequência da falta de conscientização? Nos EUA, 34-64% das mulheres usuárias de maconha continuam usando a droga durante a gravidez por acreditarem que o hábito é totalmente seguro (Ref.46). E o número de mulheres que acreditam que o uso regular de maconha é seguro durante a gravidez aumentou de 4,6% em 2005 para 19% em 2015 (Ref.46). Tem muitas pessoas inclusive recomendando o uso de maconha para mulheres grávidas para aliviar enjoos no primeiro trimestre de gravidez. Já outras grávidas reportam o uso da droga visando diminuir o estresse e a ansiedade, ou mesmo para aumentar o apetite (Ref.65).

          O uso frequente de maconha - leve, moderado ou pesado - durante a gravidez é perigoso para o feto, e está associado a problemas de sono, nas funções cognitivas, nas funções executivas (lobo frontal) - racionalização, atenção, impulsividade, motivação - e sintomas afetivos (depressão) e de ansiedade ao longo do desenvolvimento da criança. Uma análise recentemente publicada no Birth Defects Research (Ref.57) reuniu estudos mostrando também que a exposição de maconha no período de gravidez pode levar a prejuízos morfológicos e comportamentais ao feto similares àqueles vistos no Espectro de Desordens Alcoólicas no Feto (FASD). Alguns especialistas, aliás, sugerem que o dramático aumento nas taxas de crianças com autismo e com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, entre outros problemas psiquiátricos, nos últimos 20-30 anos pode ter parte de contribuição do aumento sem precedentes de grávidas usando maconha durante a gravidez, resultando em algo recentemente chamado de 'transtorno do espectro da cannabis fetal' (Ref.48). Isso sem contar os danos extras associados ao consumo da maconha através do fumo.

> Ao analisar os dados clínicos de 11489 crianças (5997 meninos, média de idade de 9,9 anos), e a exposição da mãe à maconha durante a gravidez, um estudo publicado em 2020 no periódico JAMA Psychiatry (Ref.69) encontrou que a exposição a essa droga persistindo mesmo após o conhecimento da mulher sobre a gravidez estava consistentemente associado a uma maior incidência de psicopatologias nas crianças (problemas de atenção, sociais, manifestações psicóticas, etc.).
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   ALERTA: INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA!
     
          O uso da maconha por adolescentes vem aumentando exponencialmente nos últimos anos. Como o cérebro nessa fase de idade (12-18 anos) está em um período final e crucial de neurodesenvolvimento, interações de agentes externos com o sistema endocannabinoide podem trazer consequências sérias. Isso está sendo reforçando por estudos observacionais prospectivos e retrospectivos publicados nos últimos anos (6-7). De acordo com um estudo publicado na Molecular Psychiatry (Ref.51), analisando modelos de ratos, a exposição de adolescentes ao THC reduz as ramificações dos neurônios corticais pré-frontais e o número de estruturas críticas para a comunicação celular, conhecidas como spines. Além disso, o estudo mostrou que essa exposição está associada com uma reorganização da expressão de genes específicos que são predominantemente relacionados com o desenvolvimento neural, plasticidade sináptica e organização da cromatina (mecanismos epigenéticos). Essas redes genéticas afetadas pelo THC espelham àquelas no córtex pré-frontal de indivíduos com esquizofrenia.

          Em crianças, então, a exposição à maconha - ou aos seus derivados farmacológicos - sem nenhuma recomendação e acompanhamento médico deve ser evitado a todo custo. Aliás, em Massachusetts, EUA, após a legalização da maconha, os casos reportados de intoxicação por maconha de crianças e adolescentes dobrou (Ref.58). Uma recente meta-análise no periódico Addiction (Ref.75) encontrou que casos de intoxicação com Cannabis aumentaram significativamente após legalização do uso recreativo em diferentes países, e especialmente entre crianças. Ou seja, políticas nesse sentido precisam levar esses efeitos colaterais em conta de forma a fortalecer os mecanismos de regulação e de conscientização.
       

(IV) Leitura recomendada:
  1. Uso de maconha por adolescentes parece alterar negativamente áreas críticas do córtex pré-frontal
  2. Mesmo doses muito pequenas de maconha podem alterar o cérebro de adolescentes 
  3. Maior risco de depressão e de suicídio com o consumo de maconha por adolescentes
  4. Menor capacidade cognitiva em adolescentes que usam maconha
       
           Por fim, levando agora o foco ao fumo da maconha, a ilusão de segurança transmitida pela imagem dessa droga está cegando seus usuários também para o real problema do cigarro. Não é a nicotina o maior vilão do fumo do tabaco e, sim, o próprio fumo.

O consumo e frequência de uso do fumo da maconha vêm aumentando de forma avassaladora entre os jovens e adolescentes, especialmente no EUA

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   FUMO E FUMAÇA

         Um dos principais principais motivos  para a feitura deste artigo é o mesmo motivo pelo qual, hoje, existem pesadas campanhas contra o FUMO do tabaco (cigarro, charuto, cigarro de palha, narguilé, etc.). Sim, quando as pessoas ouvem falar em benefícios médicos oriundos da utilização dos canabinoides da maconha, elas logo entram em modo absoluto de defesa em relação a qualquer forma de consumo dessa droga. Porém, você não vai ao hospital e vê um monte de pacientes fazendo um 'bonde da fumaça' dentro das instalações médicas.

           Infelizmente, a maior parte das pessoas absorvem os princípios ativos da maconha de forma indiscriminada e através do fumo da droga, prática essa cuja mais antiga evidência data da China, há cerca de 2500 anos (Ref.54). Quem defende o uso medicinal da maconha precisa seguir recomendações de doses seguras e métodos de absorção saudáveis, como pílulas ou qualquer outro meio nesse sentido. Quem defende apenas o uso pelo uso, não importando a forma de administração da droga e princípios ativos associados, deve entender, por exemplo, que os prejuízos causados pelo fumo da maconha podem ser tão ruins quanto aqueles do fumo do tabaco, apesar desse último ser mais perigoso por causa do grande potencial de vício associado à nicotina. As pessoas em geral consistentemente ligam o fumo da maconha a um hábito seguro, de forma parecida com o que estava ocorrendo com o fumo do tabaco em meados da década de 1960. E o marketing agressivo associado ao comércio de Cannabis está aproveitando essa onda e fomentando ainda mais as desinformações.

         Um estudo publicado no periódico Annals of Internal Medicina (Ref.28) trouxe uma pesquisa envolvendo 16280 adultos Norte-Americanos para avaliar a percepção do público quanto aos riscos e benefícios do uso da marijuana. O que os pesquisadores encontraram é que grande parte dos participantes acreditavam que o fumo da maconha prevenia problemas de saúde, como dores (66%) e esclerose múltipla (48%), e tratamento de condições como insônia, depressão e ansiedade (47%), sem quaisquer evidências científicas de suporte e ignorando completamente os efeitos prejudiciais da fumaça inalada e dos princípios ativos da maconha em si. No geral, 29,2% dos participantes acreditavam que fumar maconha prevenia problemas de saúde. Além disso, uma parte considerável dos participantes acreditavam que o uso da maconha não trazia prejuízo algum (9%), não causava qualquer tipo de vício (22,4%) e que a fumaça do fumo passivo dessa droga era mais segura do que aquela do fumo tradicional de tabaco ou completamente segura (18%). Mas o mais preocupante é que 7,6% dos participantes acreditavam que a fumaça do fumo da maconha era segura para as crianças e 7,3% concordavam que era segura para as mulheres grávidas!

           Estudos mais recentes e robustos também têm trazido evidência apontando que a percepção do público relativa à segurança do fumo de Cannabis (exposição primária e secundária à fumaça do baseado) é cada vez mais positiva em meio ao consumo recreativo cada vez crescente da droga (Ref.76).

          Quando as partes da planta da maconha (flores, folhas, sementes, caule e resinas secas) e o papel usado para enrolá-las são queimados, o perfil químico da fumaça que é inalada e sai como fumo passivo é muito parecido com o do tabaco, chegando a ser pior em vários aspectos, especialmente por não existir um filtro nesses procedimentos. Nesse sentido, partículas sólidas de combustão altamente danosas para o tecido pulmonar são inaladas em quantidades muito maiores. Quantitativamente, existe bem mais alcatrão sendo ingerido durante o fumo da maconha;  20 vezes, ou mais, de amônia; 3 a 5 vezes mais gás cianídrico, monóxido de nitrogênio, óxidos de nitrogênio (NOx) e algumas aminas aromáticas; e maior concentração de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (benzopirenos, fenóis, etc.) na fumaça liberada na ponta do fumo, inalada indiretamente pelo usuário e pelo fumo passivo - especificamente, 50% mais benzopireno e quase 75% mais benzantraceno - e 20 vezes maior na inalação direta (Ref.64).

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(1) Aliás, um estudo apresentado na ATS International Conference (2019) mostrou que pessoas fumando cigarros sem filtro possuem quase duas vezes mais chances de morrerem de câncer de pulmão e 30% mais chance de morrerem de todas as causas do que aqueles fumando cigarros com filtro (Ref.55).

> Fumaça de cigarro é um fator de risco importante para exacerbação e controle ineficaz de asma, e o uso de Cannabis entre adolescentes e adultos nos EUA está intimamente ligado a quadros sintomáticos de asma no país (Ref.77).
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          Todas essas substâncias são altamente tóxicas para o corpo e comprovados carcinogênicos. E isso sem contar nas milhares de outras substâncias prejudiciais compondo a fumaça, assim como no caso do cigarro de tabaco. Todos elas são produtos de combustão incompleta e pirólise (reações químicas na presença de muito calor mas ausência/muito baixa concentração de oxigênio). E, para piorar, quanto maior a concentração de THC na maconha sendo queimada, maior é a quantidade de compostos orgânicos da classe dos terpenoides produzidos, os quais são potenciais precursores de carcinogênicos (Ref.37).

A fumaça do fumo da maconha é tão, ou mais, prejudicial quanto o fumo do tabaco
  
          Comparado com os usuários do fumo de tabaco, os consumidores da maconha normalmente fumam menos cigarros por dia, mas aproveitam mais desses cigarros, além de inalarem mais longamente e profundamente, prendendo a fumaça tóxica no pulmão por mais tempo. Além disso, muitos gostam de fumar em grupo e em locais fechados, o que aumenta a quantidade e a persistência de fumaça tóxica no ambiente. Substâncias sólidas particuladas e gasosas ficam mais tempo em contato com o delicado tecido pulmonar, assim como outras aéreas do corpo por onde a fumaça passa diretamente ou indiretamente (através da absorção pela corrente sanguínea). Estudos clínicos já mostraram que a quantidade de monóxido de carbono no corpo após o fumo da marijuana atinge níveis de 4 a 5 vezes maiores do que após o fumo do cigarro, por causa dos hábitos diferenciados de consumo. Somando a falta de filtro nos cigarros de maconha, especialistas acreditam que um baseado é equivalente a 2,5-5 cigarros de tabaco em termos de obstrução do fluxo de ar e hiperinflação.

           Apesar de tudo isso, estudos endereçando se o uso regular de maconha como fumo traz maiores riscos de câncer de pulmão e outros cânceres são ainda inconclusivos e/ou limitados, apesar de consistentes evidências positivas já acumuladas, incluindo uma modesta e persistente associação com o desenvolvimento de câncer testicular (Ref.64). Três principais entraves é a relativa pequena quantidade de estudos sobre o tema, grupos pequenos de controle (ora, a maconha era ilegal em quase todos os países há algum tempo, ficando difícil um estudo englobando grupos grandes de controle), e outros co-fatores de risco geralmente associados, incluindo consumo alcoólico e fumo de tabaco. Porém, pessoas que possuem uma grande tendência genética ou suscetibilidade epigenética para o desenvolvimento de cânceres no pulmão, ou em outras regiões da via respiratória, incluindo a boca, podem estar acrescentando um forte fator de risco com o fumo. Além disso, os riscos de desenvolvimento de enfisema pulmonar, doenças periodontais e doenças cardíacas também podem aumentar.

            A queima de qualquer insumo vegetal irá gerar diversas substâncias perigosas. E as pessoas tendem a atribuir isso somente à fumaça do tabaco. Muitas até acham que a nicotina é o grande problema dos cigarros tradicionais. Não, o principal problema é a fumaça gerada na queima. Ou seja, estamos retroagindo em relação ao fumo, glamourizando novamente esse hábito com base em preceitos distorcidos. Somando-se a tudo isso, dados mostram que os usuários do fumo da maconha também usam, concomitantemente, bastante álcool e cigarro de tabaco. Achando que o fumo da maconha só estará fazendo bem ou, no mínimo, mal algum, isso faz o consumo dessa droga aumentar e piorar os danos causados pelas outras drogas.

          E assim como na fumaça do cigarro, o fumo passivo (secundário) da maconha torna-se também um problema, principalmente para grávidas, lactantes e crianças. Ignorando os malefícios trazidos pela fumaça da maconha, pais podem fumar a droga perto dos filhos pequenos e, sem saberem, estarem expondo-os a sérios riscos à saúde. Um estudo recente (Ref.40) mostrou que nos EUA o fumo de maconha no ambiente doméstico por pais com crianças dentro de casa aumentou de 4,9% em 2002 para 6,8% em 2015, em uma tendência inversa à observada em relação ao fumo de tabaco.

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> Em 2016, dois estudos enfatizaram os malefícios do fumo da marijuana/maconha. Um deles, uma revisão sistemática (Ref.22) mostrou que a exposição à fumaça oriunda do fumo da maconha está associada com o aumento dos riscos de vários problemas pulmonares, incluindo câncer, enfisema pulmonar e pneumotórax espontâneo. Além disso, perfis na respiração parecem se alterar negativamente, com maior respiração ofegante e/ou ruidosa, testes de função pulmonar alterados, tosses, entre outros. Já o segundo estudo (Ref.23) relatou associação da aspiração da fumaça da maconha com problemas cardíacos e mostrou que o fumo passivo também pode ser bastante perigoso. No geral, foi mostrado um aumento dos riscos de ataques cardíacos com o fumo tradicional de marijuana.

> Um estudo publicado no Journal of Periodontology (Ref.24), também em 2016, mostrou que o uso recreacional frequente de cannabis (fumo) - incluindo marijuana, haxixe e óleo de haxixe - aumenta bastante o risco de desenvolver uma doença periodontal. A doença periodontal é um conjunto de condições inflamatórias crônicas, e de origem bacteriana, que afeta a gengiva e pode até levar à perda dentária. Atingindo a parte abaixo da linha da gengiva, essa doença também está associada com vários problemas de saúde fora da região dental, como complicações na gravidez e problemas cardíacos. O novo estudo, realizado por pesquisadores na Escola de Medicina Dentária da Universidade de Columbia, analisou dados de mais de 1983 adultos entre 2011 e 2012, onde aproximadamente 27% dos participantes reportaram o uso de cannabis pelo menos um ou mais vezes por, no mínimo, 12 meses. Entre os participantes analisados, usuários frequentes de cannabis, em um uso recreativo, tinham mais locais no tecido da gengiva com sinais de moderada à severa doença periodontal do que aqueles que não são usuários. Os fumantes recreacionais de cannabis, no geral, tinham duas vezes mais chance de ter indícios da doença do que aqueles que não fumavam a droga com frequência.

> Em 2018, um estudo publicado no Journal of Endodontics (Ref.32) mostrou que usuários do cigarro possuem um sistema imune substancialmente enfraquecido no interior dos dentes, devido a uma drástica diminuição na concentração da citocina TNF-alfa e da defensina hBD-2. Isso implica que as toxinas na fumaça do cigarro - e provavelmente da maconha - deixam a polpa dental suscetível a doenças diversas, algo de fato visto entre os fumantes.

> Um estudo clínico realizado na Nova Zelândia mostrou um aumento de risco de 8% para o câncer de pulmão associado ao fumo de maconha equivalente a um baseado de maconha por dia durante 1 ano (Ref.38).



> Em um estudo publicado no periódico Radiology (Ref.71), pesquisadores encontraram que inflamação das vias aéreas e enfisema são mais comuns em fumantes de maconha do que em fumantes de cigarro, provavelmente devido ao modo como a maconha é fumada (inalação profunda e retenção prolongada da fumaça) e à ausência de filtro. Foram analisados no estudo 56 fumantes de maconha, 33 fumantes apenas de cigarro e 57 não-fumantes (grupo de controle). Do total de fumantes de maconha, 75% tinham enfisema (doença pulmonar que causa dificuldade respiratória), em especial enfisema parasseptal.


Na imagem A, imagem por tomografia computacional (CT) coronal de um homem de 44 anos fumante de maconha, com enfisema parasseptal (setas vermelhas) nos lobos bilaterais superiores.


> Em um estudo publicado no periódico Heart Rhythm (Ref.72), pesquisadores encontraram que o fumo de maconha e o fumo de cigarro possuem efeitos adversos similares sobre o coração, aumentando o risco de ritmos cardíacos anormais ao interferir com a atividade elétrica, estrutura e regulação neural desse órgão. No estudo, ratos foram usados como modelo de exposição à fumaça (5 segundos duas vezes por minuto por 5 minutos, uma vez ao dia, 5 dias por semana e ao longo de um total de 8 semanas) ou ao ar ambiente normal; durante esse período, a função cardíaca dos ratos expostos à fumaça (mas não ao ar) se tornou progressivamente pior e a pressão sanguínea aumentou. Alterações patológicas no coração incluíram desenvolvimento de lesões, redução do número de vasos sanguíneos, mudança no tipo de nervos encontrados no órgão, redução na importante habilidade de variação da taxa cardíaca e maior suscetibilidade ao desenvolvimento de arritmias.
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   REAL USO MEDICINAL

           Trabalhos científicos atualmente estão desenvolvendo pílulas e adesivos seguros baseadas nos canabinoides da marijuana para serem utilizados em tratamentos específicos. Além de seguro, reduz-se muito o risco de vício, principalmente porque a grande maioria desses meios utilizam substâncias isoladas que não promovem os mesmos efeitos da ingestão completa da marijuana associados basicamente ao THC (apesar desse composto também possuir importante potencial terapêutico para algumas condições).

         Em junho de 2018, por exemplo, o FDA (Agência de Drogas e Alimentos dos EUA) aprovou o primeiro medicamento a base de canabidiol (CBD) - um entre os mais de 80 compostos ativos de relevância biomédica da marijuana - visando o tratamento de convulsões associadas com duas raras e severas formas de epilepsia em pacientes com dois anos de idade ou mais (Ref.30). Porém, a agência Norte-Americana deixou claro que só aprovou esse composto específico da planta (isolado) e na forma de um medicamento - conhecido como Epidiolex - seguramente administrado por profissionais de saúde. E essa aprovação só saiu após rigorosos testes científicos de eficácia e segurança (estudos clínicos de alta qualidade). Dosagens mínimas com o efeito terapêutico pretendido foram estabelecidas, efeitos colaterais foram listados e a potencial interação do composto com outras drogas medicamentosas foi analisada.

          E mesmo tomando todas as precauções para a produção do medicamento, um estudo publicado em dezembro de 2018 na  Investigative Opthalmology & Visual Science (Ref.33), e realizado por pesquisadores da Universidade de Indiana, EUA, encontrou que o canabidiol, parece piorar um dos principais fatores de dano ligados ao glaucoma: um aumento na pressão intra-ocular. Apesar de uma das propostas mais comuns para o uso medicinal da maconha visar o tratamento de glaucoma - um grupo de doenças oculares que provocam danos ao nervo ótico e progressiva perda de visão -, esse efeito só é devido ao THC.

          O novo estudo, o qual foi conduzido em ratos, especificamente encontrou que o CBD causa um aumento na pressão intra-ocular de 18% por no mínimo 4 horas após o uso da maconha. Já o THC (tetrahidrocannabionol) mostrou-se efetivo para diminuir a pressão interna do olho, como já  reportado por estudos prévios. Porém, quando o CBD está também presente, essa combinação bloqueia o efeito benéfico do THC.

          Nesse sentido, os pesquisadores encontraram que ratos machos experienciavam uma pressão intra-ocular de ~28% oito horas após a exposição ao THC isolado. Uma redução menor de pressão de 22% foi também observada após 4 horas extras nos ratos machos. Porém, o efeito foi mais fraco nos ratos fêmeas, o qual experienciou uma queda de pressão de apenas 17% após 4 horas. Nenhuma diferença de pressão foi mensurada após 8 horas. Isso sugere que as fêmeas podem ser menos afetadas pelo THC, e com isso talvez podendo se estender para os efeitos psicoativos da substância.

          Outro achado do estudo é que o THC atua em dois neuroreceptores específicos - chamados de CB1 e GPR18 - para a redução da pressão intra-ocular.

"Este estudo levanta importantes questões sobre a relação entre os componentes primários no cannabis e seus efeitos no olho," disse Alex Straiker, um cientista associado no Departamento de Ciências Psicológicas e Cerebrais da Universidade de Indiana, em entrevista para o jornal da universidade (Ref.34). "O estudo também sugere que precisamos entender mais sobre potenciais efeitos colaterais indesejáveis do CBD, especialmente devido ao seu uso em crianças."

          O pior é que o CBD está sendo cada vez mais comercializados livremente, sem prescrição médica, e incorporado sob concentrações diversas em alimentos especiais, óleos e cremes. Pessoas suscetíveis ao glaucoma, ou que possuem a condição, potencialmente podem sofrer graves prejuízos. Por isso o uso medicinal da maconha precisa ser feito sob orientação médica, onde o profissional de saúde atualizado irá conseguir balancear bem os riscos e benefícios de acordo com as evidências da literatura médica (4).


         Nesse sentido, um estudo publicado na Scientific Reports (Ref.50), analisando reportes diversos de pacientes tratados com derivados da maconha, sugeriu que o THC é o mais importante composto terapêutico associado com maiores sintomas de alívio e prevalência de efeitos colaterais positivos e negativos. Já em contraste, os níveis de potência do CBD foram geralmente não associados com significativa mudança nos sintomas ou efeitos colaterais experienciados. Essa conclusão contraria completamente o dogma de supervalorização do CBD tanto no meio popular quanto no meio científico. Isso reforça como não conhecemos bem a ação farmacológica dos fitocanabinoides.

          Aqui, portanto, concluímos que o uso medicinal é idealmente feito com o isolamento (fármaco) de componentes de interesse da maconha, visando tratar problemas específicos e minimizando efeitos colaterais adversos não previstos e/ou indesejáveis. E sempre doses controladas e com concentrações bem definidas de princípios ativos. E ficou claro também que ainda não conhecemos a extensão de efeitos - negativos ou positivos - dos diferentes constituintes da maconha no corpo. Aliás, uma significativa parcela da população possui alergia à maconha, incluindo crianças (Ref.43-44), algo que também acaba sendo avaliado pelo profissional de saúde. E no cenário de maior importância do THC, o acompanhamento médico, preciso diagnóstico e dosagens adequadas se tornam ainda mais importantes.

          É válido também mencionar que grande parte das pessoas que justificam o consumo da maconha como "medicinal", procurando prescrição médica para a droga geralmente visando aliviar dores crônicas, acabam fazendo o uso também não-medicinal, seja pelo vício ou apenas por 'curtição' (Ref.47). Esse tipo de uso medicinal está longe de ser o ideal e acaba na prática servindo apenas de desculpa para o uso recreativo e abusivo da maconha. Além disso, esse tipo "medicinal" de uso muitas vezes acaba sendo realizado através do fumo e sem um rígido balanço de riscos e benefícios.

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   VAPORIZADORES (E-CIGARRO)?

          Quanto aos cigarros eletrônicos, existem muitas controvérsias ligadas ao uso desses dispositivos, e as evidências acumuladas deixam claro que o e-cigarro está longe de ser seguro (!). É preciso tomar cuidado também com uma forma de consumo da marijuana ficando cada vez mais popular: o 'dabbing' ou a vaporização do extrato do Cannabis. Essa prática, apesar de não envolver o fumo da maconha, é bastante controversa. Consistindo em colocar pequenas quantidades do extrato de Cannabis - a 'dab' - sobre uma superfície aquecida para a inalação do vapor resultante, o processo, além de gerar altos níveis de canabinoides, também produz benzeno e outras substâncias potencialmente cancerígenas (Ref.26).

   
Para mais informações: 

          Outro alerta é que um estudo publicado no JAMA Network Open no final de 2018 (Ref.36) mostrou que sob mesmas doses, a vaporização da maconha - via cigarros eletrônicos - aumenta a taxa de efeitos de curto prazo associados à ansiedade, paranoia, perda de memória e distração, especialmente para usuários de primeira viagem ou não-regulares da droga. Isso porque os solventes orgânicos que geram o vapor nos e-cigarros expõem o usuário a uma maior quantidade de THC (maior concentração dessa substância na circulação sanguínea).

          Por fim, outra preocupação são os 'bolinhos', 'chocolates', ou outras formas do tipo de ingestão da droga, porque as quantidades colocadas de marijuana podem ser muito grandes e provocar intoxicações ou graves problemas neurológicos a curto, médio e longo prazo. Citando um caso clínico recente reportado no periódico Canadian Journal of Cardiology (Ref.49), um paciente cardíaco estável, de 70 anos, desenvolveu uma forte dor no peito e isquemia do miocárdio após consumir a maior parte de um pirulito de maconha. O doce continha 90 mg de THC, e estava sendo vendido para o alívio de dor e auxílio para o sono, mas acabou levando o paciente a um ataque cardíaco potencialmente fatal. Além disso, o status funcional e capacidade de exercícios do paciente pioraram após o evento. Tipicamente, um baseado leva à ingestão de 7 mg de THC e uma dose de dronabinol (Marinol) - THC sintético que visa náuseas e o estímulo de apetite - contém cerca de 2,5 mg de THC. Esse é também mais um alerta sobre os variados produtos de maconha feitos sem fiscalização, sem controle de qualidade e sem mínima referência médica.

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IMPORTANTEPara o uso medicinal, é o canabidiol (CBD) a substância bioativa geralmente mais visada para tratar problemas de saúde diversos - um fitocanabinoide não-psicoativo. O viciante tetraidrocanabinol (THC), apesar de ser um importante componente farmacológico, possui sérios efeitos colaterais que precisam ser cuidadosamente analisados por um profissional de saúde. Pesquisas recentes têm mostrado que a maior parte dos produtos sendo vendidos para uso médico, relacionados ao canabidiol, estão sendo muito pouco regularizados, com muitos contendo quantidades significativas de THC e estas sendo administradas até em crianças. (Ref.27).

MITO: É amplamente disseminada a ideia de que o uso de maconha não causa dependência química. Isso é falso, e pessoas suscetíveis podem ficar dependentes dessa droga. Aliás, um estudo recente de revisão sistemática e meta-análise (Ref.67) encontrou que 47% dos usuários regulares ou dependentes de maconha experienciam sintomas de abstinência quando resolvem parar ou diminuir o consumo (Síndrome de Abstinência de Canabis). Esses sintomas podem incluir irritabilidade, raiva ou agressão, nervosismo ou ansiedade; distúrbios no sono; distúrbios no apetite ou na massa corporal; agitação constante; humor depressivo; e sintomas somáticos, como dor de cabeça, suor, náusea, vômito ou dor abdominal. Para caracterizar uma Síndrome de Abstinência de Canabis, pelo menos três desses conjuntos de sintomas são necessários ser expressos no indivíduo. 
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      CONCLUSÕES

1. Se o cigarro e bebidas alcoólicas são legalizadas, por que não a maconha?

2. Existem vários estudos mostrando efeitos positivos no uso dos canabinoides da maconha no tratamento de enfermidades. Conclusivos? Nem todos, mas as evidências são fortes.

3. Maconha NÃO deveria ser fumada caso o usuário esteja procurando benefícios médicos. Caso contrário, ele poderá estar sob quase os mesmos riscos do fumo do cigarro tradicional. Infelizmente, isso vai contra a crença carregada por grande parte do público em geral e, como reforçado por uma revisão sistemática e meta-análise recente (Ref.29), ainda são poucos os estudos de alta qualidade adereçando esse problema e faltam dados dos efeitos do fumo da maconha a longo prazo, algo que facilita a disseminação de desinformações. Caso haja alguma necessidade médica em prescrever vapores da maconha para serem inalados, isso deveria ser feito com métodos de aquecimento que não envolvam a combustão ou as altas temperaturas proporcionadas por essa última.

4. Caso o fumo da maconha seja feito de forma bem ocasional, os danos provavelmente não serão muito significativos (apesar deles existirem e variarem em risco de indivíduo para indivíduo). Isso também se aplicaria ao cigarro, apesar da nicotina contida nesse último ter um potencial de vício inúmeras vezes maior e praticamente impossibilitar um consumo minimamente esporádico e seguro. Porém, quem é que consegue controlar o grau de vício individual? O uso recreativo, então, não deveria ser estimulado, apenas o medicinal.

5. O consumo deve ser feito de forma controlada, porque o excesso dos canabinoides,  principalmente o THC (tetrahidrocannabinol) podem ter sérias consequências. Preparados em bolos, chocolates, entre outros, devem ser cuidadosamente medidos, baseando-se em referências médicas, e ter o consumo limitado.

6. Caso esteja fazendo o uso de medicamentos, procure um médico especializado para saber se o consumo da marijuana não irá interferir com os seus princípios ativos. O cannabidiol (CBD), por exemplo, é um forte inibidor enzimático, e está presente em doses significativas nos extratos da planta da maconha.

7. É sempre preciso ter em mente que, mesmo não sendo conclusivos e criticados por outros especialistas, muitos estudos trazem fortes evidências que sugerem danos a longo prazo derivados do consumo da maconha (fumada ou não), independentemente se o consumo é moderado ou não. É recomendado, portanto, que o seu uso seja feito em pacientes médicos com reais necessidades. De qualquer forma, é só uma recomendação preventiva e não conclusiva.

8. Considerando todos os potenciais riscos à saúde associados ao consumo recreativo e indiscriminado da maconha, as políticas públicas devem considerá-los no planejamento de medidas para a legalização dessa droga. Legalizar por legalizar pode trazer sérias consequências para a população a curto, a médio e a longo prazo, caso não existam esforços de conscientização por parte dos órgão de saúde.

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COMPLEMENTO: Evidências Positivas no Uso da Cannabis no Tratamento de Enfermidades
  1. Ataques epiléticos, com casos de sucesso no tratamento, usando-se, principalmente, o CBD, sendo que mostrou melhores resultados do que outros fármacos usados para o mesmo fim. Aliás, o primeiro medicamento aprovado pelo FDA a base de canabidiol - Epidiolex - é justamente para o tratamento de quadros epiléticos em crianças associados às síndromes de  Lennox-Gastaut e Dravet, e evidências mais recentes sugerem que extratos integrais da Cannabis podem ser muito eficazes contra formas resistentes de epilepsia infantil (Ref.70);
  2.  Câncer, em relação ao efeito de aumento da fome nos pacientes com esta doença e diminuição do sofrimento durante as sessões de quimioterapia. Porém, outras drogas podem fazer o mesmo efeito ou até melhor;
  3. Glaucoma, onde os princípios ativos da maconha diminuem a pressão interna do olho (nesse caso, se inalada na forma de vapor). Porém, vários outros medicamentos são melhores e duram mais em termos quantitativos de exposição;
  4. Aids, onde, assim como no câncer, os pacientes ficam mais dispostos a comer e ganhar peso, melhorando os prognósticos da doença;
  5. Esclerose Múltipla, no alívio dos sintomas de rigidez muscular e outros relacionados. E, como existem poucos tratamentos disponíveis para essa doença, o consumo dos extratos da maconha podem ser promissores nessa área;
  6. Dores crônicas e inflamações, mas, nesse caso, apenas efeitos positivos limitados e específicos têm sido encontrados, sendo frequentemente difícil dissociar o efeito clínico de um placebo (Ref.66,73). Em conjunto com outros medicamentos voltados para esses problemas, no entanto, estudos sugerem que a marijuana possa otimizá-los. Uma exceção notável é o alívio de inflamações intestinais, via ação de certos canabinoides do Cannabis que simulam os efeitos de  endocanabinoides naturalmente presentes no corpo, estes os quais atuam de forma anti-inflamatória nas células epiteliais que revestem a parede do intestino (Ref.31). Existe também evidência de que pacientes com anemia falciforme que usam maconha medicinal requerem menos hospitalizações devido ao alívio de dores crônicas associadas à doença (Ref.32).
  7. Depressão: Um estudo realizado por pesquisadores da USP, e publicado em 2018 no periódico Molecular Nuerobiology (Ref.52), mostrou que o canabidiol é efetivo no tratamento de quadros depressivos, pelo menos em ratos. Doses únicas desse canabinoide eram suficientes para eliminar os sintomas depressivos no mesmo dia de aplicação e manter os efeitos benéficos por uma semana.
  8. Autismo: Evidências acumuladas desde 2013 vêm fortemente sugerindo que os extratos de maconha enriquecidos com canabidiol podem ser efetivos e seguros para o alívio de sintomas centrais associados ao espectro autista. Para mais informações, acesse: Maconha é eficaz no tratamento do autismo? 
  9. Agressividade: Os resultados de um estudo publicado no periódico Neuro-Pysychopharmacology and Biological Psychiatry (Ref.56) mostraram - com base em experimentos realizados com ratos - que o cannabidiol pode inibir agressividade ao facilitar a ativação de dois receptores: o receptor 5-HT1A, responsável pelos efeitos do neurotransmissor serotonina, e o receptor CB1, responsável pelos efeitos de endocannabinoides. Testes clínicos em humanos precisam ser realizados para confirmar se os mesmos efeitos são observados na nossa espécie.

> Sempre houve dúvidas se a marijuana mostrava efeitos terapêuticos benéficos contra a epilepsia. Nesse sentido, um rigoroso estudo clínico, publicado no The New England Journal of Medicine (Ref.25) acabou com a dúvida, pelo menos em termos de efeitos a curto prazo. Para isso, 120 crianças e adolescentes com Síndrome de Dravet, uma devastadora forma de distúrbio epiléptico, receberam uma solução oral de canabidiol, um componente da marijuana, enquanto um grupo de controle recebeu um placebo. Para aqueles que receberam a solução de canabidiol, o número de ataques epilépticos por mês foram cortados pela metade, na média - com 5% dos pacientes ficando livres dos mesmos no período de estudo -, comparado com um declínio praticamente inexistente no grupo que recebeu o placebo! Porém, apesar do grande efeito positivo do canabidiol, algumas crianças tiveram efeitos colaterais fortes o suficiente para fazerem as mesmas abandonarem o tratamento, incluindo vômitos e produção excessiva de enzimas hepáticas. Os estudos continuam, para analisar os efeitos a longo prazo do canabidiol e o porquê de algumas crianças não encararem bem o tratamento.

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OBS.: Notem que a marijuana/maconha nesse caso foi usada de forma realmente medicinal, como um medicamento. Não escolha o uso medicinal sem orientação médica.
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           Aliás, um estudo piloto publicado no periódico Journal of the American Veterinary Medical Association (Ref.63) trouxe evidências de que o CBD é efetivo para tratar cães com epilepsia. A epilepsia idiopática (sem causas determinadas) afeta até 5,7% da população de cães domésticos ao redor do mundo, tornando-a a mais comum condição neurológica canina. O estudo clínico envolveu 17 cães (7 sob placebo), e encontrou que 89% dos cães tratados com CBD (0,3% THC) tiveram uma redução significativa na frequência de ataques epilépticos.

> Existe a alegação de que a maconha pode ajudar no tratamento de vício em cocaína. No entanto, uma pesquisa Brasileira recente trouxe evidências contrárias. Para saber mais, acesse: Segundo estudo, maconha não ajuda e pode piorar o quadro de viciados em cocaína.


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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
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