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Vinho e outras bebidas alcoólicas realmente trazem benefícios à saúde?


- Atualizado no dia 20 de setembro de 2024 -

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        Há décadas ouvimos frequentemente que o consumo alcoólico leve a moderado pode trazer benefícios à saúde. Apesar de estudos epidemiológicos já terem sugerido que o consumo moderado de bebidas alcoólicas pode diminuir os riscos de um ataque cardíaco ou derrame, tais benefícios nunca foram confirmados em estudos clínicos de alta qualidade. Para piorar a situação, estudos de revisão mais rigorosos nos últimos anos - convenientemente pouco divulgados - vêm falhando em encontrar quaisquer benefícios derivados do consumo de álcool (etanol) seja moderado ou leve, algo que se soma ao pouco conhecimento da população sobre a comprovada e forte associação entre consumo alcoólico e o câncer (1).

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   CONFLITO DE INTERESSES

        Em 2018, uma investigação foi lançada nos EUA, em Bethesda, Maryland, para apurar se funcionários do NIH (National Institutes of Health, uma importante instituição governamental de saúde Norte-Americana) ilegalmente pediram ajuda financeira da indústria do álcool - incluindo as gigantes Anheuser-Busch InBev e Pernod Ricard - para o financiamento de um estudo com duração de 10 anos e custo de 100 milhões de dólares (Ref.1). O estudo em questão pretendia analisar um total de 7800 pessoas acima dos 50 anos de idade de diferentes países para esclarecer se o consumo moderado de bebidas alcoólicas traz benefícios à saúde. A denúncia foi feita por um artigo publicado no The New York Times (Ref.2), este o qual descreveu como companhias da poderosa indústria alcoólica vieram financiar o estudo lançado em janeiro de 2018 pela NIAA (National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism), que seria a primeira análise clínica randomizada controlada nesse campo.

         Em junho do mesmo ano, autoridades do NIH derrubaram o mais do que controverso estudo, revelando que, de fato, existiam conflitos de interesses somados ao já ilegal e pesado financiamento por parte das companhias. De acordo com a conclusão das investigações (Ref.18), diversas irregularidades metodológicas foram apontadas e o planejamento do estudo parece ter sido manipulado de forma a fornecer resultados favoráveis ao consumo alcoólico moderado e ocultar possíveis prejuízos a saúde a longo prazo, como a maior incidência de cânceres.

        Resultados positivos desse estudo - com assinatura do NIH - seriam mais do que bem-vindos para a indústria do álcool. Mesmo com o consumo alcoólico sendo o quinto maior contribuidor de doenças e danos físicos no mundo - e o maior contribuidor para anos perdidos de vida em pessoas acima de 50 anos de idade - as poderosas corporações de bebidas alcoólicas têm se esforçado bastante nas últimas décadas para passar uma imagem de segurança e preocupação com a saúde e bem-estar dos seus consumidores - e ficam apenas nisso, na imagem. Mensagens "de alerta" já bastante conhecidas como 'Se beber não dirija' ou 'Beba com moderação' não resultam em significativos benefícios, e o fomento ao consumo é enorme e derruba qualquer suposta intenção de frear ou conscientizar a obsessão de grande parte da sociedade com as bebidas alcoólicas, especialmente a cerveja.


       
        Para se ter uma ideia, é estimado que 50-65% do mercado de bebidas alcoólicas depende do consumo pesado em países desenvolvidos. Já em países em desenvolvimento, o volume de vendas obtido do consumo pesado de álcool fica em torno de 63-76%. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Sheffield e publicado no periódico Addiction (Ref.19), reforça esses dados, ao mostrar que 68% dos lucros obtidos pela indústria alcoólica na Inglaterra são oriundos de consumidores pesados de bebidas alcoólicas. Nesse estudo, os pesquisadores estimaram que se todos os consumidores de bebidas alcoólicas na Inglaterra seguissem um consumo máximo recomendado pelas agências de saúde, as vendas de álcool cairiam 38% (~13 bilhões de euros) anualmente no país. Na Inglaterra, o consumo alcoólico causa cerca de 24 mil mortes e mais de 1,1 milhão de admissões nos hospitais a cada ano, com um custo total de 3,5 bilhões de euros para o NHS (Sistema Nacional de Saúde do Reino Unido).

          Em outras palavras, fica difícil acreditar que as grandes corporações nesse mercado abririam mão do consumo irresponsável e altamente danoso para realmente investirem em ações sérias que promovam o consumo leve ou moderado. É um comércio que, assim como o tabaco, trabalha com o pesado vício e a desgraça humana. Para piorar, um estudo realizado na Austrália (Ref.4) trouxe números comprovando o que todos sabem: adolescentes Australianos entre 12 e 17 anos contribuem com 1/3 das vendas de bebidas alcoólicas. Ou seja, além de depender do consumo pesado e extremamente danoso, as vendas de álcool dependem em grande parte do consumo ilegal de consumidores em fase importante de desenvolvimento biológico.




           Examinando 3551 ações sobre responsabilidade social da indústria alcoólica, um estudo publicado na BMJ (Ref.23) encontrou que quase todas elas - ~97% - não possuíam suporte científico, ou seja, eram apenas ações visando comprar uma falsa imagem de preocupação com a saúde pública e que revelam um grave conflito de interesses. E, mais grave, o estudo encontrou que 11% dessas ações tinham o potencial de causar danos aos consumidores.

          De fato, uma revisão sistemática publicada em 2018 (Ref.21), analisando 21 estudos sobre as iniciativas CSR (Responsabilidade Corporativa Social) da indústria alcoólica sendo promovidas desde a década de 1980, reforçou o descaso dos fabricantes em relação ao consumo abusivo dos seus produtos. Os pesquisadores encontraram que as CSR sendo colocadas em prática não contribuem em nada para a redução do consumo alcoólico excessivo e não possuem evidências científicas que justifiquem eficácia. Pelo contrário, existe evidência de que a exposição regular aos anúncios dessas bebidas na televisão aumentam substancialmente o consumo (Ref.25)

         Mas, por outro lado, será que a promoção do massivo consumo leve-moderado de etanol (álcool das bebidas alcoólicas) traria benefícios que superariam os riscos? Mesmo sendo um dos grandes fatores que fomentam vários cânceres e uma roleta russa para um pesado vício, será que o consumo "responsável" de etanol é capaz de promover substanciais ganhos positivos para a saúde e prolongar a longevidade? Alguns estudos inflados pelo marketing, especialmente em cima do vinho, sugerem que sim. Mas e quanto a importantes estudos clínicos e de revisão menos divulgados ao público pela mídia?

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   BENEFÍCIOS OU FALHA METODOLÓGICA?

        Grande parte das pessoas acreditam que o consumo moderado de bebidas alcoólicas - como uma taça diária de vinho - faz bem à saúde, supostamente proporcionando um fator extra de proteção cardíaca e contra outras doenças crônicas, como diabetes tipo 2. Isso se enraizou no meio popular e mesmo no meio acadêmico devido a um número de estudos epidemiológicos realizados nas últimas décadas que encontraram associações inversas entre consumo alcoólico e taxa de mortalidade. Porém, estudos nos últimos anos, especialmente a partir de 2006, começaram a levantar sérias dúvidas sobre a metodologia utilizada por esses trabalhos científicos.

        Para exemplificar bem isso, um estudo de meta-análise publicado em 2017 no periódico Journal of Studies on Alcohol and Drugs (Ref.5) não conseguiu encontrar significativo suporte científico para os alegados benefícios à saúde com o consumo alcoólico moderado. O principal problema denunciado pela meta-análise é que o grupo daqueles que não bebem acaba englobando tanto as pessoas que nunca beberam quanto aquelas que pararam de beber. Nesse sentido, podemos tomar como exemplo os indivíduos com idade mais avançada, onde problemas cardíacos são mais comuns. Aqueles que não estão saudáveis tendem a abandonar a bebida ou reduzir substancialmente o consumo por temer pela saúde. Já aqueles saudáveis tendem a continuar bebendo. Em outras palavras, não é a bebida tornando a pessoa mais saudável e, sim, o fato dela ser saudável incentivando o consumo alcoólico. Aliás, desde a década de 1990, cientistas já levantavam essa suspeita (Ref.6).

       Um segundo estudo também publicado no Journal of Studies on Alcohol and Drugs reforçou essa análise (Ref.7). Seguindo mais de 9,1 mil adultos no Reino Unido, com idades de 23 a 55 anos e nascidos em 1958, os pesquisadores encontraram que os hábitos de consumo alcoólico evoluíam marcantemente com o passar do tempo. Quase todas as pessoas que não bebiam álcool na idade de 55 anos tinham desistido do hábito, ou seja, bebiam antes e eventualmente pararam. Além disso, os indivíduos entre 20 e 30 anos que não bebiam tendiam a ter uma saúde mais debilitada independentemente do consumo alcoólico, indicando que não bebiam por temerem piorá-la ainda mais.

         Já um terceiro estudo, publicado no periódico Journal of Studies on Alcohol and Drugs (Ref.22) mostrou que enquanto grande parte dos estudos observacionais analisando a associação entre mortalidade e consumo alcoólico nos EUA utilizam dados de indivíduos com 50 anos ou mais, quase 50% (~46,3%) das mortes ligadas às bebidas alcoólicas ocorrem na faixa de idade de 20-49 anos, esta a qual também responde por 64,7% dos anos de vida potencialmente perdidos. Ou seja, conclusões obtidas em muitos estudos observacionais passados estão longe de representarem o real universo de prejuízos associados ao consumo alcoólico.

          Diversos outras revisões sistemáticas e meta-análises acumuladas nos últimos anos têm apontado outros vários problemas nos estudos epidemiológicos, especialmente na seleção dos participantes, nas definições sobre o que é consumo moderado e nos grupos de controle (Ref.8-12). Somando-se a isso, indivíduos dos sexos masculino e feminino possuem uma interação fisiológica diferenciada com o etanol ingerido e boa parte das pessoas na Ásia possuem fatores genéticos que tornam danosas mesmo as menores doses alcoólicas (2). Por fim, e não menos importante, os mecanismos biológicos propostos para a suposta proteção conferida pelo consumo de etanol não são consistentes. E como deixado claro pelas agências de saúde ao redor do mundo - como o CDC (Ref.13) - não existem estudos clínicos de alta qualidade do tipo randomizado e controlado - metodologia analítica que diminui substancialmente o viés e cofatores - suportando os alegados efeitos benéficos do consumo leve-moderado de bebidas alcoólicas. 

         Porém, temos um estudo de meta-análise randomizado Mendeliano publicado na BMJ em 2014 (Ref.14) que se aproxima da qualidade de um clínico randomizado controlado. Os resultados desse estudo - realizado com base em variantes genéticas que influenciam o consumo alcoólico, como no gene dehidrogenase 1B (alelo rs1229984 A), a partir de dados de quase 262 mil participantes distribuídos em 56 estudos - também não corroboraram efeitos benéficos trazidos pelo consumo leve-moderado de etanol, pelo contrário. Indivíduos com a variante rs1229984 tendem a consumir menos bebidas alcoólicas, por causa dos efeitos mais desagradáveis gerados pelo etanol circulante (2). Os pesquisadores responsáveis pelo estudo encontraram que o risco de doenças cardíacas coronárias eram substancialmente menores entre todos os participantes carregando essa variante do que nos participantes em geral que não a carregavam, e os quais consumiam cerca de 17,2% na média de etanol por semana. Isso sugere que, mesmo entre aqueles consumindo bebidas alcoólicas de forma leve ou moderada, uma redução no consumo alcoólico é benéfica para a saúde cardiovascular!


          Em um estudo de 2023, no JAMA Network Open (Ref.29), pesquisadores conduziram uma robusta revisão sistemática e meta-análise de 107 estudos cohorts publicados entre janeiro de 1980 e julho de 2021 explorando a associação entre consumo alcoólico e risco de mortalidade. A revisão envolveu mais de 4,8 milhões de participantes e não encontrou nenhuma significativa redução no risco de morte por todas as causas com o consumo alcoólico leve ou moderado. Consumo acima do moderado, por outro lado, estava associado com um claro aumento no risco de morte por todas as causas, iniciando a níveis menores para mulheres em relação aos homens.

          E, mais recentemente, um estudo prospectivo analisando mais de 135 mil adultos Britânicos com 60 anos ou mais de idade - acompanhando os participantes por mais de uma década - não encontrou qualquer benefício à saúde com o consumo alcoólico leve ou moderado (Ref.33). Naqueles participantes com fatores de risco socioeconômicos ou de saúde, mesmo o consumo alcoólico leve mostrou estar associado com um aumento de mortalidade por todas as causas e câncer.
          


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   CONSUMO ALCOÓLICO E SAÚDE PÚBLICA

           Uma ampla revisão sistemática para o Global Burden of Disease Study 2016 publicada em 2018 no The Lancet (Ref.20), analisando dados do consumo alcoólico e mortalidade em 195 países durante o período de 1990-2016, concluiu que não existem limites seguros de consumo alcoólico, mostrando também que esse consumo está associado com quase 3 milhões de mortes anualmente. Esse valor absurdo inclui 12% de todas as mortes de homens entre idades de 15 e 49 anos todos os anos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) e dados de estudos mais recentes, o consumo alcoólico causa ~3 milhões de mortes anuais, incluindo acidentes, doenças hepáticas e cardíacas, e cânceres (Ref.30).



          A análise - a qual representa a maior do tipo já publicada, englobando 1186 estudos de alta qualidade sobre o tema - revelou que todas essas mortes estavam associadas diretamente ou indiretamente ao consumo alcoólico, envolvendo doenças cardiovasculares, cirrose, diabetes, pancreatite, transtornos ligados ao consumo alcoólico, epilepsia, infecções no trato respiratório, violência, acidentes diversos (trânsito, afogamentos, etc.) e, especialmente, cânceres. Para pessoas com 50 anos de idade ou mais, cânceres foram a principal causa de mortes associadas ao consumo alcoólico, representando 27,1% das mortes em mulheres e 18,9% das mortes em homens.

          Os números apresentados colocam o consumo alcoólico como a 7° maior causa de mortes prematuras no mundo, e o principal fator de risco de mortalidade para pessoas entre 15 e 49 anos.

          No estudo também foi revelado que 1 em cada 3 pessoas consomem regularmente bebidas alcoólicas (~2,4 bilhões), levando à morte de 2,2% das mulheres e de 6,8% dos homens.

          Na conclusão, os pesquisadores mostraram que para minimizar as perdas de vida devido ao consumo de bebidas alcoólicas, esse consumo deveria ser zero.

            Um estudo subsequente, publicado por pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Washington (Ref.24), analisando os dados de mais de 400 mil pessoas com idades de 18 a 85 anos vivendo nos EUA, reforçou essa análise sistemática, mostrando que consumir um ou dois drinks (1 drink = ~100 ml de vinho) quatro ou mais vezes por semana - em um padrão considerado leve - aumenta o risco de morte prematura em 23% quando comparado com um consumo de três vezes por semana ou menos. E esse aumento de risco de morte foi consistente ao longo de todos os grupos de idade. Ou seja, beber diariamente, mesmo em baixos níveis, é prejudicial à saúde e não parece existir níveis seguros.

         Por fim, um estudo mais recente publicado no periódico Journal of Studies on Alcohol and Drugs (Ref.26) encontrou que o consumo considerado moderado e de baixo risco no Canadá está associado com um significativo aumento das taxas de hospitalização e morte no país.

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> E, contraditoriamente ao que é alegado sobre os supostos "benefícios cardiovasculares do consumo alcoólico leve a moderado", estudos nos últimos anos vêm mostrando uma forte ligação entre consumo alcoólico em geral e hipertensão: 

O consumo rotineiro de bebidas alcoólicas parece aumentar significativamente a pressão sanguínea mesmo em adultos sem hipertensão (Ref.32). Aumento sustentado na pressão sanguínea além do limite de normalidade está associado a um maior risco de eventos cardiovasculares adversos. 
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        Por outro lado, talvez possa existir diferenças entre populações (fator geográfico/genético). Um estudo prospectivo publicado no periódico Age and Ageing (Ref.27), e analisando 7807 indivíduos da população Holandesa, encontrou que a mais alta probabilidade de alcançar os 90 anos idade era entre aqueles consumindo entre 5 e 15 gramas de etanol por dia (consumo leve), especialmente a partir do vinho. No entanto, consumos ligados a excessos pontuais - como festas no final de semana -, mesmo ficando na média 'benéfica' encontrada, estavam inversamente associados com a longevidade. Na amostra analisada, 15% dos homens e 35% das mulheres nunca haviam consumido bebidas alcoólicas. O acompanhamento dos participantes se iniciou a partir dos 68-70 anos de idade. Os pesquisadores, no entanto, reforçaram que não é possível atribuir um fator causal ao consumo alcoólico, apenas uma associação, e que as pessoas não deveriam começar a ingerir bebidas alcoólicas apenas por causa dessa associação.

          No geral, os estudos mais recentes e de mais alta qualidade reforçam que não existe nível seguro comprovado de consumo alcoólico, em especial devido ao fator carcinogênico do etanol (Ref.31).

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   EFEITOS NEUROLÓGICOS ADVERSOS

        Um estudo publicado em 2017 na BMJ (3), e bastante citado no meio acadêmico desde então, investigou se o consumo moderado de álcool possui ou não uma associação favorável com a estrutura e funções cerebrais, e encontrou que, mesmo em níveis moderados, o consumo alcoólico está associado com danos no cérebro.


        Os pesquisadores responsáveis pelo estudo não encontraram nenhum efeito de proteção, apenas negativos. O consumo de álcool mostrou-se associado com uma atrofia na região hipocampal (área importante para a memória e com sua atrofia ligada ao Alzheimer), assim como danos na microestrutura da massa branca do cérebro (conjunto de axônios e sinapses). O consumo alcoólico pesado estava associado com a síndrome de Korsakoff, demência e atrofias ao longo de todo o cérebro. Somando-se a isso, um maior consumo de álcool estava associado com um maior declínio na fluência lexical mas não na fluência semântica ou reconhecimento de palavras. Não houve evidência de um efeito de proteção às funções e estruturas cerebrais com um consumo alcoólico leve em comparação com os abstinentes. E a relação dose dependente do maior risco de atrofia da região hipocampal foi encontrada mesmo no consumo moderado de bebidas alcoólicas.

         E esses resultados são bastante consistentes e estáveis sob vários parâmetros, onde se ajustou para fatores como idade, sexo, nível educacional, QI, classe social, atividades físicas, atividades sociais, frequência de visitas a clubes, escala Framingham de risco para derrame, uso de drogas psicotrópicas e histórico de principais transtornos depressivos.

        Os achados, ligando um consumo moderado de álcool com múltiplos marcadores de anormalidades na estrutura cerebral e função cognitiva preocupam bastante. Segundo os pesquisadores, muitas pessoas subestimam o nível do seu consumo alcoólico, achando que estão seguindo um hábito de leve ingestão de álcool mas, quando na verdade, são consumidores moderados dessa droga. Para exemplificar, quase metade dos participantes no novo estudo (indivíduos sendo analisados) eram consumidores moderados de álcool.

        Nesse sentido, os autores do novo estudo pediram que mais investigações científicas sejam feitas para confirmarem os achados e alertam aos órgãos públicos de saúde que revejam os guias informativos sobre o consumo alcoólico para incluir esses novos achados e talvez reduzir as quantidades consideradas 'moderadas' de ingestão alcoólica, junto com as faixas de segurança, para proteger a saúde da população, especialmente em idades mais avançadas onde as funções e estruturas cerebrais tendem a ser mais fragilizadas e vítimas de doenças degenerativas.

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ATUALIZAÇÃO: Esse estudo de 2017 foi corroborado por um robusto estudo Cohort publicado no periódico NeuroImage: Clinical (Ref.28) e envolvendo mais de 25 mil participantes incluídos no banco genético UK Biobank. Analisando compreensivas imagens de ressonância magnética (MRI) desses participantes, os pesquisadores concluíram que consumo alcoólico moderado não é seguro para a saúde cerebral. Mesmo consumo de 56-112 gramas de álcool por semana estava associado com mudanças deletérias nas matérias cinzenta e branca do cérebro comparado a grupos de controle, diretamente associadas a efeitos do etanol e independentes de múltiplos cofatores de risco (ex.: pressão sanguínea e fumo).
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   PORTA DE ENTRADA PARA OUTRAS DROGAS

         Vício em cocaína é comumente precedido por experiências com drogas legais ou descriminalizadas, como bebidas alcoólicas, nicotina e marijuana.

         Em um estudo publicado na Science (Ref.16), pesquisadores reportaram que ratos que consumiam álcool (etanol) tinham uma maior vulnerabilidade ao vício de cocaína, incluindo o contínuo uso da droga mesmo sofrendo de consequências aversivas. No entanto, o uso de cocaína antes do consumo alcoólico não promovia nesses animais nenhum efeito de preferência em relação ao álcool.

        Nesse sentido, os pesquisadores descobriram que o consumo alcoólico a longo prazo - mas não a curto prazo - promove uma degradação proteassoma-mediada das histonas desacetilases nucleares HDAC4 e HDAC5 no núcleo acumbente, uma região cerebral crítica para a memória baseada em recompensa. Diminuição da atividade na HDAC nuclear resulta em uma acetilação H3 global, criando um ambiente permissivo para a expressão de genes ligados ao vício em cocaína.

       O estudo também encontrou que a degradação seletiva do HDAC4 e do HDAC5, facilitada pelo inibidor MC1568 classe II-específico, otimiza a auto-administração impulsiva de cocaína.

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   CONSUMO "MODERADO"

        Além de todos esses problemas, é difícil para muitas pessoas controlar o consumo de bebidas alcoólicas. Como já mencionado, muitos acham que estão consumindo de forma leve, mas, na verdade, estão já em um consumo moderado, frequentemente se aproximando de um pesado. Além disso, dependendo da forma como esse consumo está sendo feito, um consumidor 'moderado' está sob diferentes riscos toxicológicos. Distribuir uma certa quantidade de álcool durante a semana não é o mesmo que beber toda essa quantidade em uma única ocasião (final de semana, por exemplo).

       Várias pessoas acham que estão bebendo moderadamente porque apenas consomem bebidas alcoólicas no sábado e/ou no domingo, ou apenas uma vez por semana, independentemente da quantidade ingerida. Porém, esses eventos episódicos de exagero já podem contar até mesmo como um consumo pesado, e estarem trazendo graves prejuízos a saúde e à segurança de terceiros.


        Por isso quando a indústria do álcool apenas promove frases isoladas de alerta do tipo 'Beba com moderação', isso tende a não surtir efeito positivo significativo, porque as pessoas acabam interpretando o alerta da forma como querem. Isso, mais uma vez, reforça a intenção dessas corporações de apenas camuflar seus reais objetivos, ou seja, vender a qualquer custo.

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   CONCLUSÃO

       Muitas pessoas gostam de justificar o seu consumo alcoólico com supostos benefícios à saúde oriundos do hábito, sendo que, na verdade, elas estão provavelmente apenas ganhando fatores extras de danos no corpo e facilitando o desenvolvimento de uma dependência caso exista propensão para tal. NUNCA comece a beber apenas para ganhar supostos benefícios à saúde. Isso já é algo bem estabelecido por todas as agências e profissionais de saúde. Não existe suporte científico de qualidade que favoreça o consumo leve-moderado. E mesmo em alguns poucos estudos recentes encontrando benefícios, consumos pontuais acima do moderado, mesmo associados com uma média semanal de consumo leve, mostram-se prejudiciais.

       Se as grandes corporações de bebidas alcoólicas estivessem realmente interessadas na saúde do consumidor, elas estariam impondo na embalagem dos seus produtos avisos similares aos encontrados nas embalagens dos cigarros, destacando bem que o produto pode promover o desenvolvimento de cânceres, que não deve ser ingerido por grávidas ou mulheres tentando engravidar, que pode causar séria dependência e que não existem efeitos benéficos à saúde comprovados decorrentes do seu consumo. E isso para citar o mínimo. Crítica similar tem visado produtos alimentícios industrializados em geral, especialmente aqueles no grupo englobado pelas calorias vazias (muito açúcar e/ou muita gordura, e ausência de significativo valor nutricional positivo).


        Se quer beber, beba, mas esteja ciente dos riscos e o faça de forma responsável, e nunca tente convencer outras pessoas a seguir seu exemplo. Não faça parte de algo periculoso apenas como consequência de um efeito de manada ou como marionete do interesse de terceiros. E o mais importante: ensine isso aos seus filhos.


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REFERÊNCIAS
  1. https://www.nytimes.com/2017/07/03/well/eat/alcohol-national-institutes-of-health-clinical-trial.html
  2. http://www.sciencemag.org/news/2018/03/nih-investigate-officials-role-industry-funding-study-moderate-drinking
  3. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27785844
  4. http://www.publish.csiro.au/ah/pdf/AH15146
  5. https://www.jsad.com/doi/10.15288/jsad.2017.78.375
  6. https://pubs.niaaa.nih.gov/publications/aa16.htm
  7. https://www.jsad.com/doi/10.15288/jsad.2017.78.394
  8. https://www.jstage.jst.go.jp/article/jea/28/3/28_JE20170151/_article/-char/ja/
  9. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/add.13451
  10. https://www.internationaljournalofcardiology.com/article/S0167-5273(17)35567-5/abstract
  11. https://www.jsad.com/doi/abs/10.15288/jsad.2016.77.185
  12. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/add.12828
  13. https://www.cdc.gov/alcohol/fact-sheets/moderate-drinking.htm
  14. https://www.bmj.com/content/349/bmj.g4164
  15. http://ebm.bmj.com/content/20/1/38.short
  16. http://advances.sciencemag.org/content/3/11/e1701682
  17. http://www.sciencemag.org/news/2018/06/nih-pulls-plug-controversial-alcohol-trial
  18. https://acd.od.nih.gov/documents/presentations/06152018Tabak-B.pdf
  19. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/add.14386
  20. https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(18)31310-2/fulltext
  21. https://academic.oup.com/eurpub/article/28/4/664/4985717
  22. https://www.jsad.com/doi/10.15288/jsad.2019.80.63
  23. https://bmjopen.bmj.com/content/8/10/e024325
  24. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/acer.13886
  25. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/add.15088
  26. https://www.jsad.com/doi/10.15288/jsad.2020.81.352
  27. https://academic.oup.com/ageing/article/49/3/395/5730334
  28. Topiwala et al. (2022). Alcohol consumption and MRI markers of brain structure and function: Cohort study of 25,378 UK Biobank participants. NeuroImage: Clinical, Volume 35, 2022, 103066. https://doi.org/10.1016/j.nicl.2022.103066
  29. Zhao et al. (2023). Association Between Daily Alcohol Intake and Risk of All-Cause Mortality A Systematic Review and Meta-analyses. JAMA Network Open, 6(3):e236185. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2023.6185
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  31. Anderson et al. (2023). Health and cancer risks associated with low levels of alcohol consumption. The Lancet Public Health, Volume 8, Issue 1, E6-E7. https://doi.org/10.1016/S2468-2667(22)00317-6
  32. Vinceti et al. (2023). Alcohol Intake and Blood Pressure Levels: A Dose-Response Meta-Analysis of Nonexperimental Cohort Studies. Hypertension, Vol. 80, No. 10. https://doi.org/10.1161/HYPERTENSIONAHA.123.21224
  33. Ortolá et al. (2024). Alcohol Consumption Patterns and Mortality Among Older Adults With Health-Related or Socioeconomic Risk Factors. JAMA Network Open, 7(8):e2424495. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2024.24495