Qual é a maior ave que já habitou a Terra?
Figura 1. Ilustração da espécie Argentavis magnificens, comumente considerada a maior ave voadora já descrita. |
- Atualizado no dia 28 de outubro de 2024 -
Abutres - comumente chamados de urubus e condores (1) - são aves carniceiras especialistas em planar. Passam grande parte do dia planando, sem fazer muito esforço, realizando voos em círculos por meio de térmicas, correntes ascendentes de ar quente. Atualmente, a mais massiva ave planadora conhecida é o condor-dos-Andes (Vultur gryphus), cuja massa pode somar até 15-16 kg e a envergadura das asas pode alcançar até 3,2 metros (Fig.2). Mas não apenas abutres são excelentes planadores. Aves de grande porte diversas são especialistas em planar. O albatroz-errante (Diomedea exulans) é um exemplo notável, e ganha em envergadura de asas, a qual pode alcançar até 3,5 metros (Fig.3). Para aves muito grandes, a dependência de planar é tanta que a distribuição delas está ligada, e potencialmente limitada, pela disponibilidade de térmicas ou gradientes de vento (variações rápidas de corrente de vento).
Nesse contexto, as maiores aves voadoras conhecidas que habitaram o planeta pertencem às espécies Argentavis magnificens e Pelagornis sandersi, e ambas provavelmente também dependiam de forma crítica da energia do vento ou de convecção para sustentar voo.
O A. magnificens viveu há aproximadamente 6 milhões de anos, no Mioceno Superior, e habitava a região da atual Argentina. Membro da extinta família Teratornithidae e parente próximo dos abutres, a espécie possuía uma massa estimada de 70-72 kg, uma envergadura de asas de ~7 metros e área total das asas estimada em 8 m2. Assim como os atuais abutres, essa espécie provavelmente extraía energia da atmosfera para o voo, dependendo de térmicas presentes nos pampas Argentinos para planar, e desenvolvendo velocidades de até ~67 km/h. É sugerido que o A. magnificens decolava correndo pela descida de morros ou ao se lançar de algum ponto alto para pegar velocidade de voo (Ref.5).
O P. sandersi viveu durante o Oligoceno, aproximadamente 25-28 milhões de anos atrás. Membro da extinta família Pelagornithidae, essa ave uma possuía uma envergadura de asas de ~6,4 metros e massa estimada em ~21-40 kg.
Figura 6. Reconstrução artística da espécie P. sandersi. |
Figura 7. Comparação de tamanho entre P. sandersi e A. magnificens. Ref.7 |
Aves que são especialistas em planar tendem a ser grandes, à medida que pressão seletiva para extrair energia do ambiente aéreo é relacionada aos custos do voo impulsionado, a qual aumenta de forma aproximadamente proporcional com o tamanho corporal. Em contraste, os custos de planar são baixos, aproximadamente 2x aquele requerido durante descanso, reduzindo com o aumento de massa. Portanto, a disparidade entre os custos metabólicos de planar e de bater as asas aumenta com a massa do animal, no sentido de que para grandes aves, o custo de voo com batida de asas é predito de ser ~30x maior do que os custos metabólicos durante descanso (Ref.1). Bater asas seria equivalente a atividades de alta performance, como corrida em mamíferos, e, nesse sentido, para grandes aves, bater asas é um ato para momentos de extrema necessidade durante o voo (ex.: aumentar a velocidade ou manter o voo em condições atmosféricas desfavoráveis), e mais restrito ao processo de decolagem.
Aves como águias, cegonhas e abutres são mestres no aproveitamento de térmicas e podem viajar enormes extensões ao planar em círculos onde a altitude é mantida ou ganha por ar ascendente (Fig.8). Essas aves planam sem esforço por horas e frequentemente sobem 2-3 km no ar dentro de térmicas em regiões subtropicais e tropicais. Esse tipo de voo não depende do vento, mas de correntes de convecção criadas pela radiação solar que aquece o solo a temperaturas bem maiores do que aquela na troposfera; ar próximo da superfície é, então, aquecido pelo solo e se eleva em colunas. Térmicas podem ser "chaminés" de ascensão contínua de ar, ou uma série de bolhas discretas na forma de rosca. Nas térmicas, as aves:
- primeiro ganham altitude planando em círculos em meio às colunas ou bolhas de ar quente;
- após ganho de suficiente altitude, as aves planam de forma retilínea na direção de interesse, progressivamente perdendo altitude.
Com essa estratégia de voo e explorando a energia das térmicas, abutres podem voar em círculos alternados com deslocamentos horizontais por até 200 km.
Nesse sentido, o Argentavis provavelmente podia viajar planando de térmica em térmica, realizando movimentos circulares de 30 metros de raio e velocidade ascendente mínima de 1 m/s em cada térmica. Com essa estratégia de locomoção, esses gigantes Argentinos podiam cobrir facilmente longas distâncias entre locais de ninho e áreas de alimentação.
No caso do Pelagornis, tem sido tradicionalmente proposto que seu estilo primário de voo é similar àquele observado em albatrozes modernos - onde as aves planam acima do mar de forma dinâmica extraindo energia do cisalhamento do vento (o gradiente vertical do vento em velocidade horizontal sobre o oceano). Porém, evidência mais recente aponta que essa espécie provavelmente planava usando térmicas, assim como o Argentavis (Ref.7).
Existe também sugestão de que um ar mais denso no passado (pressão atmosférica de até ~1,3 bar) teria facilitado a evolução e o voo de aves gigantes, incluindo o gênero Argentavis e a família Pelagornithidae ao longo do Mioceno (Ref.8). Por outro lado, aves modernas conseguem voar e planar sem problema em altitudes de até 6000 m ou mais - onde o ar é muito rarefeito - simplesmente aumentando a velocidade de voo (Ref.9). Esse aumento de velocidade parece emergir sem significativo esforço extra das aves: a menor resistência de arraste do ar menos denso seria suficiente para um voo mais veloz.
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> O divertículo sub-peitoral - uma extensão do sistema respiratório localizado entre os principais músculos responsáveis pela batida das asas em aves - evoluiu em múltiplas linhagens de aves planadoras com a aparente função de reduzir a força muscular requerida [contração isométrica] para a manutenção prolongada das asas abertas. Ref.10
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Leitura recomendada:
- (1) Colapso populacional de abutres na Índia levou à morte de >500 mil pessoas no país ao longo de 5 anos, aponta estudo
- Morcegos possuem predadores naturais?
- Secretários são aves de rapina?
REFERÊNCIAS
- Williams et al. (2020). Physical limits of flight performance in the heaviest soaring bird. PNAS, 201907360. https://doi.org/10.1073/pnas.1907360117
- https://animaldiversity.org/accounts/Diomedea_exulans/
- Nevitt et al. (2008). Evidence for olfactory search in wandering albatross, Diomedea exulans. PNAS, 105 (12) 4576-4581. https://doi.org/10.1073/pnas.0709047105
- Rackete et al. (2021) Variation among colonies in breeding success and population trajectories of wandering albatrosses Diomedea exulans at South Georgia. Polar Biology 44, 221–227. https://doi.org/10.1007/s00300-020-02780-6
- Chatterjee et al. (2007). The aerodynamics of Argentavis, the world’s largest flying bird from the Miocene of Argentina. Proceedings of the National Academy of Sciences, 104(30), 12398–12403. https://doi.org/10.1073/pnas.0702040104
- Ksepka, D. T. (2014). Flight performance of the largest volant bird. Proceedings of the National Academy of Sciences, 111(29), 10624–10629. https://doi.org/10.1073/pnas.1320297111
- Goto et al. (2022). How did extinct giant birds and pterosaurs fly? A comprehensive modeling approach to evaluate soaring performance. PNAS Nexus, Volume 1, Issue 1, pgac023. https://doi.org/10.1093/pnasnexus/pgac023
- Cannell et al. (2020). Too big to fly? An engineering evaluation of the fossil biology of the giant birds of the Miocene in relation to their flight limitations, constraining the minimum air pressure at about 1.3 bar. Animal Biology 70(3), 251-270. https://doi.org/10.1163/15707563-bja10001
- Rader & Hedrick (2024). Turkey vultures tune their airspeed to changing air density. Journal of Experimental Biology, Volume 227, Issue 15. https://doi.org/10.1242/jeb.246828
- Schachner et al. (2024). The respiratory system influences flight mechanics in soaring birds. Nature 630, 671–676. https://doi.org/10.1038/s41586-024-07485-y