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Infecção cutânea primária por herpes simples em paciente pediátrico

Figura 1. Lesão infecciosa na bochecha da paciente.

          Uma menina de 9 anos de idade apresentou-se ao departamento de dermatologia com um histórico de 7 dias exibindo uma lesão sobre a bochecha esquerda (Fig.1) e 4 dias de febre. Quatro dias antes da apresentação, tratamento para possível impetigo havia sido iniciado, mas sem sucesso na resolução dos sintomas. No exame físico, uma placa arredondada com 3 cm de diâmetro sobre uma base eritematosa foi observada no local da lesão, com sobreposição de crosta e uma única vesícula intacta. Vesículas satélites (Fig.1, setas) e linfadenopatia cervical ipsilateral estavam também presentes. Não haviam lesões em mucosas.

           O pai da paciente, que estava acompanhando ela na consulta médica, exibia uma crosta (casquinha) sobre o lábio inferior que havia emergido há 10 dias previamente à consulta - um sinal consistente com cicatrização de uma lesão causada por herpes labial. 

          Nesse contexto, um teste de Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) foi feito com amostra obtida de uma das vesículas sem casca na bochecha da paciente, e o resultado deu positivo para o vírus HSV-1 (vírus herpes simples tipo 1). Um diagnóstico de infecção cutânea primária com HSV-1 foi feito.

          O vírus HSV-1 se espalha através de contato direto com lesões herpéticas ou secreções de mucosas infectadas. Nesse relato de caso em específico, não houve preocupação ou indício de abuso sexual. Quando infecção por HSV-1 se manifesta em crianças como lesões cutâneas sem envolvimento de mucosas, o quadro pode ser confundido com a aparência mel-encrostada do impetigo.

          Tratamento com o antiviral oral aciclovir foi iniciado, e a lesão foi resolvida sem formação de cicatriz.

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           O caso foi descrito e reportado no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.1).

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> O vírus herpes simples (HSV) é membro da extensa e heterogênea família Herpesviridae, composta por inúmeros patógenos animais e humanos, como citomegalovírus (CMV), Epstein-Barr (EBV) e varicela-zoster (VVZ). O HSV é dividido em dois sorotipos, HSV-1 e HSV-2, responsáveis principais pelos herpes labial e genital, respectivamente. Embora a infecção pelo HSV tenha um curso rápido, esse agente está frequentemente relacionado a complicações no tratamento de pacientes imunocomprometidos, como indivíduos transplantados, na condição de agente oportunista - nesses pacientes, as manifestações causadas pelo herpes podem variar de formações vesiculares limitadas às regiões orofacial e genital até doença disseminada na pele e mucosas, doença ocular e encefalites severas, e com frequente acometimento do sistema nervoso central, deixando sequelas em 80% de suas vítimas.

 

Figura 2. Micrografias eletrônicas de partículas virais do HSV-1. Esse vírus exibe um nucleocapsídeo icosaédrico cercado por um tegumento proteico e um envelope lipoproteico, e com diâmetro de 100 a 110 nm. (Barra de escala = 25 nm). Infecção de cavidades oral, ocular ou nasal com HSV-1 leva a infecções latentes por toda a vida em neurônios dentro do gânglio trigeminal, tronco cerebral e outras partes do sistema nervoso central. Ref.2-5

> O vírus HSV-1 é uma causa de erupções vesiculares primárias e recorrentes nas mucosas oral ou genital. Também pode causar infecção nos olhos, sistema nervoso central e/ou órgãos viscerais. Quando a infecção ocorre pela primeira vez no indivíduo (previamente soronegativo para anticorpos contra o vírus), chamamos de infecção primária. Estima-se que ~48% da população nos EUA com idades entre 14 e 49 anos estão infectados com o HSV-1. Tratamentos orais com antivirais incluem fármacos como o aciclovir, famciclovir e valaciclovir. Ref.6-7

> Infecções cutâneas com HSV ocorre tanto como resultado de inoculação direta quanto em conjunção com herpes primária genital ou orolabial. Lesões podem ocorrer em qualquer lugar do corpo. No entanto, quando ocorrem em conjunção com herpes genital os locais mais comumente afetados são as nádegas, coxas e dedos (!). Em neonatais, infectados através do trato genital da mãe, a disseminação cutânea e sistêmica pode ser rápida. Em indivíduos imunodeficientes, lesões cutâneas podem afetar até 90% do corpo. Ref.8-9

> O impetigo consiste em uma patologia infecciosa causada por dois tipos de bactérias, Staphylococcus aureus que acomete crianças de todas as idades, e Streptococcus do grupo A que atinge as crianças entre três e cinco anos de idade. Possui alta taxa de  contágio, e tipicamente se manifesta através de pequenas bolhas que se assemelham a acne; quando as  lesões se rompem, forma-se uma crosta proveniente do líquido contido na bolha. As feridas bolhosas ou não ocorrem em pontos como o rosto e as extremidades do corpo. Afeta a camada mais superficial da pele, a contaminação é feita  através do contato direto com as feridas ou gotículas da secreção nasal de pessoas já  infectadas ou ainda por contaminados como roupas pessoais, de cama e banho ou brinquedos. Tratamento é feito com antibiótico. Ref.10

(!) Leitura recomendada: Herpes simples genital em paciente adulto 

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REFERÊNCIAS

  1. Claudio-Oliva & Duran-Romero (2024). Primary Cutaneous Herpes Simplex Virus Infection of the Cheek. NEJM, 391: e20. https://doi.org/10.1056/NEJMicm2403121
  2. Varella et al. (2005). Diagnóstico laboratorial da infecção pelo vírus herpes simples (HSV) em pacientes transplantados e não-transplantados. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, 41(4). https://doi.org/10.1590/S1676-24442005000400007
  3. Cardone et al. (2007). Visualization of the herpes simplex virus portal in situ by cryo-electron tomography. Virology, Volume 361, Issue 2, Pages 426-434. https://doi.org/10.1016/j.virol.2006.10.047
  4. Jones, C. (2023). Intimate Relationship Between Stress and Human Alpha-Herpes Virus 1 (HSV-1) Reactivation from Latency. Current Clinical Microbiology Reports 10, 236–245. https://doi.org/10.1007/s40588-023-00202-9
  5. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK482197/
  6. Wald & Johnston. Treatment and prevention of herpes simplex virus type 1 in immunocompetent adolescents and adults. https://www.uptodate.com/contents/treatment-and-prevention-of-herpes-simplex-virus-type-1-in-immunocompetent-adolescents-and-adults
  7. Brown et al. (2021). A Case of Disseminated Cutaneous Herpes Simplex Virus-1 as the First Manifestation of Human Immunodeficiency Virus Infection. Journal of Investigative Medicine High Impact Case Reports, 9: 23247096211045245. https://doi.org/10.1177%2F23247096211045245
  8. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/1803499/
  9. Bittencourt et al. (2016). Cutaneous neonatal herpes simplex virus infection type 2: a case report. Anais Brasileiros de Dermatologia, 91 (2). https://doi.org/10.1590/abd1806-4841.20163870
  10. Varoni et al. (2023). Impetigo, Diagnóstico e Abordagem Terapêutica, uma Overview. Ciências Biológicas, Ciências da Saúde, Volume 27, Edição 118. https://doi.org/10.5281/zenodo.7590779