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O que a cor da urina indica sobre a saúde de uma pessoa?


- Atualizado no dia 4 de janeiro de 2024 -

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        Geralmente, como presume-se que todos devam saber, a cor da urina é de um tom amarelado, podendo ficar mais clara ou mais escura dependendo do grau de hidratação do indivíduo. Porém, em casos específicos de infecções, doenças, consumo de medicamentos ou consumo de alimentos, a cor da urina pode adquirir colorações diversas e muitas vezes preocupantes, que vão desde o vermelho até o azul. Neste artigo, serão explorados as diferentes cores que a urina pode assumir no ser humano e suas causas principais.

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 O QUE É A URINA?

          A urina humana é uma mistura líquida produzida pelos rins através da filtração dos resíduos e água em excesso do sangue. O resíduo principal é a ureia, um composto orgânico nitrogenado produzido primariamente no fígado. Dos rins, a urina viaja por dois finos tubos chamados ureteres até a bexiga. A bexiga armazena a urina até você estar pronto para urinar, inchando em um formato arrendondado quando a mesma está cheia. Se o seu sistema urinário é saudável, sua bexiga pode segurar até 400 ml de urina confortavelmente por cerca de 2 a 5 horas. Em média, cerca de 1,4 litros de urina são produzidos por uma pessoa diariamente, podendo variar entre 0,6 e 2,6 litros dependendo da ingestão diária de água e sua eliminação por outras vias, como o suor.    

               
         Sua composição irá depender muito do consumo de água pelo indivíduo, sais e proteínas (esta a qual é a principal fonte de nitrogênio). No geral, a urina contém a maior fração de nitrogênio, fósforo e potássio excretados pelo corpo. A água corresponde entre 91 e 96% do seu conteúdo. Na parte sólida, a ureia constitui a maior porção, representando mais de 50% da massa orgânica seca. Outros dois grandes solutos presentes na urina são o sódio, o potássio e o cloro, com o cloreto de sódio o sal inorgânico mais presente. Outros compostos em quantidades significativas a serem citados são a creatinina, ácido úrico, fosfatos e ácidos orgânicos diversos. Já para presenças ínfimas, encontramos traços de proteínas - na maior parte a albumina e quantidades insignificantes de anticorpos e enzimas -, e traços muito variantes (mas não necessariamente ativos) de hormônios, glicose e vitaminas solúveis em água, como a vitamina C.

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   CORES DA URINA

   AMARELO

         Se os seus rins estão funcionando normalmente e o seu corpo como um todo encontra-se saudável, seu nível de hidratação será indicado pela cor da sua urina, a qual irá variar em diferentes tonalidades de amarelo. Quando mais desidratado está o seu corpo, mais escura sua urina estará (já que os rins passam a conservar mais a água). Em outras palavras, é um teste simples que pode ajudar a proteger sua saúde. A desidratação gera danos em todo o corpo, e pode aumentar os riscos de pedras nos rins.



         A última cor na tabela acima já é a primeira incomum, ou seja, em um espectro de marrom ao castanho escuro. Essa cor pode indicar, por exemplo, uma hepatite (doença no fígado), a qual leva a uma grande presença de bilirrubina na urina, podendo torná-la até quase preta. Outra causa também pode ser a presença de sangue em pequena quantidade. Além disso, a urina pode permanecer um amarelo escuro por motivos que fogem da desidratação (quando você está bem hidratado, mas a coloração continua escura) (1). Algumas vitaminas, alimentos e suplementos podem escurecer sua urina sem relação com o grau de hidratação, horas após a ingestão desses nutrientes. Entre os alimentos, o aspargo é o que mais frequentemente provoca um aumento da tonalidade amarelada na urina. Já suplementos de ferro podem provocar uma adição de coloração marrom escura e o complexo de Vitamina B pode tornar mais intenso o amarelo. Medicamentos como o antibiótico metronidazol podem também ter esse efeito colateral, assim como o tratamento quimioterápico para casos de câncer, os quais podem também afetar o cheiro da urina.

          O amarelo da urina é gerado primariamente pelo composto orgânico urobilina - também conhecido como urocromo, este o qual é a forma oxidada do composto urobilinogênio (também presente em alguma extensão na urina). O urobilinogênio é uma substância incolor e o produto final do trabalho metabólico de bactérias intestinais sobre a bilirrubina, sendo que boa parte desse composto é reabsorvida, levada à circulação sanguínea, retorna ao fígado e é re-excretada como bile em um processo de recirculação enterepática. O urobilinogênio não processado pelo fígado vai para a circulação sistêmica e, então, é eliminado pelo rim na forma de urobilina, substância de cor amarelada.



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> Recentemente pesquisadores conseguiram identificar a enzima responsável pela conversão da bilirrubina em urobilinogênio: bilirrubina redutase. Produzida por bactérias no intestino, essa enzima é codificada pelo gene BilR (Ref.37)Em indivíduos com doença inflamatória intestinal e em bebês - especialmente durante os primeiros meses de vida quando os bebês estão mais suscetíveis ao desenvolvimento de icterícia neonatal (3) -, a prevalência desse gene é muito menor do que aquela encontrada em indivíduos saudáveis.  

Reação de redução da bilirrubina para urobilinogênio catalisada pela enzima bilirrubina redutase.


(1) Uma urina clara também pode não indicar uma boa hidratação do corpo, porque o indivíduo pode estar sob o efeito de substâncias diuréticas, como medicamentos ou etanol (bebidas alcoólicas).

(2) A bilirrubina é produzida quando células vermelhas do sangue (hemácias) são degradadas após ~6 meses de longevidade. Esse composto possui uma forte cor laranja, e seu excesso na circulação sanguínea pode causar icterícia - uma condição associada ao amarelamento da pele e dos olhos - e até danos neurológicos em casos mais extremos. Junto com outras moléculas orgânicas na bile (ex.: colesterol e ácidos biliares), a bilirrubina é secretada pela vesícula biliar no intestino, onde é excretada [fezes] ou reabsorvida. Antes de ser absorvida, parte da bilirrubina é metabolizada por bactérias (ex.: Clostridioides difficile, Clostridium ramosum, Clostridium perfringens e Bacteroides fragilis), produzindo urobilinogênio e estercobilinogênio (subprodutos mais excretáveis, via fezes e urina).

(3) Isso ajuda a explicar o porquê de bebês muito novos exibirem comumente icterícia neonatal: baixa prevalência da enzima no intestino nos primeiros meses de vida. Para mais informações: O que sabemos sobre os misteriosos casos de hepatite em crianças?
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   VERDE OU AZUL

          É um caso bem raro, sendo as principais causas para essa cor:

- Medicamentos: Amitriptilina, cimetidina, flupirtina, flutamida, indometacina, metoclopramida, mitoxantrona, prometazina e propofol.

- Ingestão de substâncias: Ácido carbólico, derivados da flavina, pigmentos azul de metileno e azul índigo, e aspargo.

- Infecções urinárias: Bactérias Pseudomonas (piocianina/pioverdina) e fístulas enterovesicais (biliverdina).

- Doença:  Icterícia obstrutiva crônica (biliverdina) e Doença de Hartnup.


Amostra de urina verde de uma paciente de 45 anos. 

           A causa mais frequente da cor esverdeada da urina é a ingestão acidental de corantes, como o azul índigo. Nos hospitais, muitos procedimentos mais invasivos utilizam o propofol (anestésico) e o azul de metileno (contraste), sendo essas as causas mais recorrentes se a coloração verde surgiu após a entrada do paciente nesses ambientes. No entanto, no caso do propofol, é raro observar esse efeito colateral, sendo este o resultado de metabólitos fenólicos gerados pela metabolização hepática do composto; esses metabólitos são biologicamente inativos e, portanto, não possuem implicações toxicológicas. Nas infecções, certas bactérias produzem pigmentos azuis e verdes como subprodutos metabólicos, como a pioverdina e a piocianina. Já para a biliverdina, este composto esverdeado é produto da oxidação da bilirrubina, a qual pode se acumular no trato urinário por infecções ou outros problemas.

Urina verde-escurecida de um paciente após anestesia com propofol. A descoloração verde aparece quando a eliminação do propofol através da rota hepática é excedida, com eliminação extra-hepática tomando lugar. Isso resulta na eliminação em excesso na urina de metabólitos fenólicos derivados do propofol (ex.: conjugados do 2,6-di-isopropil-1,4-quinol)
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        A doença de Hartnup é condição genética autossômica recessiva rara, que acomete principalmente crianças entre cinco e 15 anos de idade, e descrita em 1956. Sua fisiopatologia está relacionada a defeito no transporte tubular proximal renal e intestinal jejunal de aminoácidos neutros, sendo a gênese de suas manifestações clínicas atribuída à queda dos níveis de niacina (vitamina B3), ocasionada pela diminuição da absorção de seu precursor, o triptofano. Essa doença pode gerar metabólitos na urina que podem deixá-la verde.

Urina azul
        É válido lembrar que tanto os pigmentos/subprodutos encontrados na urina verde ou podem ser verdes ou podem ser azuis (piocianina, azul de metileno, etc.), já que o amarelo normal da urina (urocromo) quando misturado com o azul produz o verde. No caso do azul de metileno, ele tanto pode ser metabolizado no corpo para azul de leucometileno ou ir inalterado para a urina, em ambos os casos geralmente produzindo uma urina verde.

        Apesar de muito estranho, a coloração verde na urina é na maioria dos casos reversível e não traz preocupação, exceto nos casos de infecções e doenças específicas.

        Seguindo essa linha, as causas da urina azul são as mesmas da urina verde, onde essa última cor não irá se manifestar na presença de compostos azuis na urina caso esta esteja bem clara, quase transparente (ou seja, com pouco urocromo).

        A hipercalcemia benigna familiar, uma doença hereditária rara, é às vezes chamada de síndrome da fralda azul, porque as crianças com esse transtorno podem ter uma urina azul (sendo o verde difícil porque a urina do bebê é muito clara).


   ROXA

          Ainda mais raro do que a urina azul, temos a urina roxa, causada pela colonização de certas bactérias no trato urinário, como a Providencia stuartii, Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa, Escherichia coli, Morganella morganii, ou Enterococcus.

          Essa coloração geralmente ocorre em pacientes internados em hospitais e que usam cateter vesical de forma prolongada, em algo conhecido como Síndrome do Saco de Urina Roxa (PUBS, na sigla em inglês). Apesar de ser algo assustador até mesmo para alguns médicos, tal fenômeno é benigno. Acomete mais as mulheres, pacientes com doença renal/constipação, pacientes consumindo muito triptofano, quem está apresentando urina alcalina (oposto de ácida) e pacientes com alta carga bacteriana no trato urinário. O uso de cateteres de plástico PVC (cloreto de polivinila) também é outro importante fator de risco.

Urina roxa no cateter e saco plástico de internação

         Tudo começa com a metabolização do triptofano, um aminoácido presente nas proteínas dos alimentos - como peixes, peru, ovo, arroz integral, chocolate amargo, nozes, castanhas, leguminosas e queijo tofu - pelas bactérias do trato gastrointestinal, produzindo o composto indol (uma substância com um cheiro bem desagradável). O indol é rapidamente transportado pra a circulação portal hepática, sendo processado pelo fígado para a produção de sulfato de indoxil, este o qual é enviado para os rins. Na urina, sulfatasses e fosfatases produzidas por certas bactérias convertem esse composto para indoxil. Especialmente na urina alcalina, o indoxil é oxidado para a produção de índigo (um pigmento azul) e de indirrubina (um pigmento vermelho). Esses pigmentos, então, se misturam e interagem ao longo tubo do cateter para produzir uma forte coloração roxa.

          É interessante que a urina roxa é a única com uma única causa, ou seja, o PUBS. Além disso, nem sempre basta ter os ingredientes básicos (bactérias e cateter) presentes, já que na grande maioria das vezes as condições bioquímicas precisam ser bem específicas para o fenômeno ser possível. Por isso a urina roxa é raríssima.


   LARANJA

         Uma urina com cor laranja pode ser um sinal de desidratação (urina mais concentrada). Mas também pode ser causada pela ingestão de alimentos, suplementos e medicamentos. O consumo de grandes quantidades de alimentos contendo carotenoides e pigmentos/corantes de cor laranja ou vermelha - cenouras, beterrabas, amoras, etc. - podem mudar a cor da urina para algo próximo do laranja. Entre os suplementos alimentares, a Vitamina B, principalmente a riboflavina (Vitamina B2), pode ser a causa.

Urina alaranjada

         Entre os medicamentos que podem causar o alaranjado da urina, os mais comuns são a isoniazidas, sulfassalazina, rifampicina, Pyridium e nitrofurantoína (metabólitos coloridos produzidos após o processamento desses medicamentos pelo fígado).

         Doenças hepáticas, doenças biliares e infecções do trato urinário também pode causar o laranja da urina.


   ROSA e VERMELHO

        Em geral, uma urina vermelha é sinal de sangramentos diversos no sistema urinário (hematuria), mas também pode ser causada por infecções urinárias, pielonefrite, nefrolitíase, malignância, traumas, doenças renais, cateterização, iatrogênico, ibuprofeno, rifampicina, varfarina, metaemoglobinemia, anemia hemolítica, anemia falciforme, talassemia, reações à transfusões, porfiria, hemoglobinúria, menstruação, entre outros. Tudo isso pode levar a um avermelhamento na urina.

Urina vermelho escuro

         Além de doenças e medicamentos, alimentos podem ser a causa, como beterraba e outros contendo pigmentos de cor vermelha e laranja. 

           Um caso interessante de urina vermelha foi reportado em 2007 no periódico The Journal of Emergency Medicine (Ref.22). No relato de caso, um paciente de 19 anos apresentou-se ao Departamento de Emergência muito preocupado com a cor vermelha da sua urina, com medo de ser sangue. Ele reportou que 8 horas antes de se apresentar ao hospital ele tinha sofrido um acidente com sua moto a alta velocidade. Porém, ele tinha conseguido se recuperar rápido e voltou para casa. No hospital, exame físico do paciente revelou uma significativa mancha roxa e dor ao toque na parte inferior esquerda do abdômen e no flanco, além dos dois braços bem ralados após serem esfregados contra o asfalto. Após a inserção de um cateter urinário no paciente, foi confirmada a presença de urina muito vermelha e consistente com hematuria (sangue na urina). Amostra da urina foi enviada para análise laboratorial, porém o resultado foi negativo para células vermelhas sanguíneas (hemácias). Além disso, tomografia computacional do paciente falhou em demonstrar qualquer lesão no sistema genital-urinário ou qualquer outro órgão intra-abdominal. 

          Durante limpeza dos braços ralados do paciente, os médicos notaram uma substância tópica de uma profunda coloração roxa/vermelha saindo das feridas. O paciente então reportou que usou um antisséptico tópico chamado "Aseptil Rojo" nos braços ralados, um medicamento Mexicano com a mesma cor da urina do paciente. O princípio ativo da azossulfamida (C18H14Na2O10S3), um composto avermelhado com atividade antibacteriana, é prontamente absorvido pela pele e excretado na urina. Os médicos concluíram que a área de abrasão dos braços onde o antisséptico foi aplicado era tão grande que permitiu quantidade suficiente de azossulfamida ser absorvida para colorir a urina de um vermelho intenso. 

Urina rosa

          A cor rosa surge quando a urina vermelha está bem diluída (tonalidades laranjas também podem surgir oriundas da diluição), ou seja, quando você está bem hidratado ou está utilizando algum diurético.

   AMARRONZADA

        Pode indicar severa desidratação, radiomiólise  consumo de suplementos de ferro, medicamentos como o paracetamol (overdose), metronidazol e nitrofurantoína, e doenças como anemia hemolítica, porfiria (excesso de porfirina no sangue e na urina) ou melanoma (um tipo de câncer de pele).

Urina amarronzada de uma criança de 9 anos

          A rabdomiólise se caracteriza por necrose muscular, que resulta na liberação para a circulação de constituintes do músculo, entre eles a mioglobina. Tipicamente, a rabdomiólise se apresenta com mialgia, fraqueza muscular e urina escura. Entretanto, esta tríade de sintomas nem sempre está presente em crianças. As manifestações clínicas podem variar desde uma doença assintomática até uma condição de risco à vida com enzimas muito elevadas, insuficiência renal aguda (IRA) e distúrbios eletrolíticos. Comumente, os níveis de creatinoquinase ficam acentuadamente elevados, e pode haver a presença de mioglobinúria. As doenças infecciosas são as principais causas de rabdomiólise em crianças. No entanto, são possíveis outras etiologias, como trauma, exercícios, fármacos, toxinas, e distúrbios metabólicos e eletrolíticos. Distúrbios hereditários do metabolismo de carboidratos, deficiências de enzimas da cadeia respiratória mitocondrial, distúrbios da oxidação de ácidos graxos e deficiência de carnitina-palmitoil transferase são exemplos de doenças metabólicas associadas à rabdomiólise.

            Outra causa para a rabdomiólise é a misteriosa doença de Haff, associada ao consumo de peixes de água doce e (às vezes) salgada, particularmente oriundos da região Amazônica, como o Mylossoma duriventre (pacu-manteiga), Colossoma macropomum (tambaqui) e o Piaractus brachypomus (pirapitinga). Surtos na China e outros países estão também fortemente associados ao consumo de lagostim (fígado e inteiro) (Ref.26). Essa doença é caracterizada por início súbito de grave rigidez muscular, frequentemente acompanhada de urina escurecida. Primeiro descrita em 1924 na cidade de Königsberg, no Báltico, ainda hoje é incerto o que deflagra os sintomas da doença, sendo proposto desde toxinas no corpo de peixes e crustáceos (ex.: toxinas de algas) até envenenamento por arsênio. Os agentes tóxicos associados são estáveis em altas temperaturas, já que cozinhar os peixes não previne a doença.

       Entre os medicamentos, os produtos de metabolização destes no fígado englobam pigmentos escurecidos, causando a coloração típica.


   PRETA

          A urina preta pode ser causada por um excesso de suplementos de ferro, laxativos (a base de cascara/sena),  e medicamentos como a alfa-metildopa, cresol, L-dopa, metronidazol, nitrofurantoína, metocarbamol, sorbitol, e doenças como porfiria e melanoma metastática.

Urina cor de "Coca-Cola"

           
         Entre os medicamentos, os produtos de metabolização destes no fígado englobam pigmentos escurecidos, causando a coloração típica.

         Existe também a possibilidade o indivíduo possuir uma doença rara: a alcaptonúria. A alcaptonúria  é uma desordem autossômica recessiva do metabolismo de tirosina no fígado devido à deficiência de atividade da homogentisato 1,2 dioxigenase. A consequente oxidação incompleta da fenilalanina e da tirosina resulta no acúmulo de ácido homogentísico, e eliminação do excesso na urina (a qual se torna alcalina e eventualmente preta quando deixada em repouso) (!). Esse ácido em circulação passa em vários tecidos ao redor do corpo, principalmente nos tecidos de cartilagem e conectivos, onde seus produtos de oxidação polimerizam e se depositam como pigmento escuro similares à melanina. A alcaptonúria é uma doença progressiva, e suas três principais características clínicas, cronologicamente dependentes, incluem escurecimento da urina na infância, então ocronose (pigmentação azul-escura dos tecidos conectivos) no ouvido e nos olhos, clinicamente visível ao redor dos 30 anos de idade e, finalmente, uma severa artropatia ocronótica entre 40 e 60 anos de idade.

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(!) Exemplo (relato de caso publicado em 2020 no periódico Kidney International, Ref.32): Um menino de 5 anos de idade foi apresentado ao hospital após preocupação dos pais em relação à sua urina, a qual era normal em aparência quando saía, mas ficava totalmente preta depois de um tempo sob repouso (fotos a e b). Segundo os pais, esse fenômeno vinha ocorrendo desde o nascimento da criança. A criança não possuía significativo histórico médico. Nenhum problema de articulação ou cardíaco foi observado.

Porém, após exame laboratorial da urina, a presença de ácido homogentísico foi altamente positivo, com um fator de elevação de 8,62, levando ao diagnóstico de alcaptonúria.
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   BRANCA OU ESPUMADA

Urina branca de um bebê
         Uma urina pode ficar branca por proteinúria (perda de proteína na urina), presença de pus na urina devido à uma infecção do trato urinário, quilúria (geralmente um ruptura ou fistulização de vasos linfáticos para o interior do sistema excretor, gerando uma urina leitosa), fístula linfática, esquistosomíase, lipidúria (síndrome nefrótica, a qual implica a perda excessiva de lipídios através da urina), infusão de propofol, infecções associadas à tuberculose, hipercalciúria, (excreção excessiva de cálcio na urina), fosfatúria (perda expressiva de fosfatos através da urina, após consumo excessivo, por exemplo, de laticínios), hiperoxalúria (excreção em excesso de oxalato pela urina) e contaminação por chumbo ou mercúrioInfecção do trato urinário também pode levar à produção de uma urina branca; nesse caso, bactérias produtoras de urease como aquelas dos gêneros Proteus, Klebsiella e Morganella podem levar à excessiva formação de cristais brancos de fosfato-magnésio de amônio devido à alcalinização do pH urinário (a enzima urease quebra a ureia em amônia e em dióxido de carbono) (Ref.30).

          A quilúria, em particular, é uma rara condição onde chile é excretado na urina, frequentemente a tornando um líquido leitoso branco. Chile é o fluído linfático composto de quilomícrons que predominantemente contém albumina, fibrina, lipídios emulsificados, colesterol, e triglicerídeos absorvidos nos lacteais do intestino, e que normalmente é drenado para o duto torácico. Linfáticos renais seguem as veias renais, terminando nas glândulas aórticas laterais, e então seguem para o tronco lombar. Obstruções patológicas, insuficiência valvular, ou comunicações anormais podem resultar em fluxo retrógrado desse fluído linfático para dentro dos linfáticos renais e então para o trato urinário. Apesar desse vazamento de chile às vezes ser auto-limitante, frequentemente temos como resultado uma quilúria crônica e intermitente que pode ultimamente causar hipolipidemia e hipoproteinemia.

           A maioria dos casos de quilúria são causados por infecções parasíticas, mais comumente pelo verme nematoide Wuchereria bancrofti (cujo habitat é o sistema circulatório e linfático dos hospedeiros), e, portanto, são mais comuns em regiões endêmicas como a China, a Índia e partes da África. Causas não-parasíticas são raras mas incluem fístulas congênitas, fístulas traumáticas linfangio-urinárias, síndromes nefróticas, e qualquer outro fator que leve à obstrução ou estenose da drenagem torácica linfática - por exemplo, após uma nefrectomia parcial.


           A maioria dos pacientes afetados pela quilúria manifestam o problema com a passagem intermitente de urina leitosa, mas também podem apresentar disúria, e frequência, urgência ou retenção urinária. A passagem de urina leitosa é frequentemente exacerbada após o consumo de alimentos altamente gordurosos. No entanto, aqueles com quilúria crônica podem apresentar sinais de desnutrição por causa de hipolipidemia, deficiências de vitaminas lipossolúveis, e hipoproteinemia.

          A urina pode se manifestar bastante espumada caso exista um consumo exagerado de proteínas pelo indivíduo ou em alguns casos de doenças renais.


   HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA NOTURNA

           A hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) é um distúrbio sanguíneo adquirido caracterizado por hemólise intravascular e trombofilia decorrentes da ausência de proteínas ancoradas pelo glicosilfosfatidilinositol (GPI). Nos indivíduos afetados, as células vermelhas do sangue (hemácias) estão constantemente e descontroladamente sofrendo lise (hemólise), levando a uma concentração elevada de hemoglobina e de hemossiderina na urina (hemoglobinúria) - tornando-a escura especialmente na parte da manhã, quando a urina é mais concentrada. Pacientes geralmente manifestam sintomas de fatiga, mudança na cor da urina, anemia, dor peitoral atípica, dificuldade respiratória, palpitação e disfunção renal. 

HPN é causada pela expansão clonal não-maligna de uma ou mais células-tronco hematopoéticas que adquiriram mutação(ões) somática(s) no gene da fosfaditilinositolglicana classe-A, localizado no cromossomo X. Estas mutações resultam no bloqueio precoce da síntese de âncoras de GPI, responsáveis por manter aderidas à membrana plasmática dezenas de proteínas com funções específicas. A falência em sintetizar uma molécula madura de GPI gera ausência de todas as proteínas de superfície normalmente ancoradas por ela. Consequentemente, as células sanguíneas advindas do clone HPN têm algum grau de deficiência destas proteínas (especialmente CD55 e CD59), que pode ser parcial ou total. Isso torna as membranas das hemácias mais suscetíveis a rupturas, e aumenta o risco de tromboses.


Hemólise intravascular, tendência aumentada para trombose e falha na medula óssea são características clássicas da HPN, as quais são associadas com alta morbidade e mortalidade. As tromboses venosas variadas, com especial predileção por trombose de veias hepáticas e intra-abdominais, são a principal causa de morte. A doença tem sido tratada tradicionalmente com o anticorpo monoclonal eculizumabe, um inibidor do complemento C5, mas existem outros inibidores similares em desenvolvimento e em testes clínicos. Existe também a opção de transplante de medula óssea. É uma doença muito rara, afetando 12-13 a cada 1 milhão de pessoas. Ref.34-36

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> Como observado na foto à esquerda da imagem acima, a cor da urina tipicamente varia ao longo do dia nos pacientes com HPN, com uma coloração marrom-escura na primeira urina da manhã (após o despertar). O termo "noturna" se refere à crença inicial de que a hemólise seria desencadeada por acidose durante o sono; esta ativaria o complemento, que destruiria eritrócitos com membrana celular desprotegida8. Sabe-se hoje que a hemólise acontece durante todo o dia, mas a observação de hemoglobinúria ocorre pela manhã por causa do aumento da concentração urinária durante a noite.

> Para uma revisão completa da doença, acesse: Revista da Associação Médica Brasileira

> Sobre tromboses, sugestão de leitura: Alerta: Você está passando muito tempo sentado? 
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   CONCLUSÃO

         Através dos vários aspectos físico-químicos da urina, incluindo cheiro e cor, inúmeras informações médicas valiosíssimas podem ser extraídas sobre o estado de saúde do paciente. Nesse sentido, não é surpresa que os testes clínicos de urina são tão exigidos e importantes na área médica. Em condições normais, uma urina saudável tem cor amarelo clara, quase transparente, sem cheiro, com uma quantidade pequena de espuma e não causa dor ou desconforto ao urinar. Mas cores variadas podem surgir e assustar as pessoas, mesmo que muitas vezes as causas da mudança de cor serem benignas, como alimentos ou pigmentos diversos.


> Artigo Recomendado: Beber urina faz bem à saúde e cura doenças?


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
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  3. https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/compound/5280819#section=2D-Structure
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  8. https://medlineplus.gov/labtests/urobilinogeninurine.html
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  19. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0365-05962006000500009
  20. https://www.researchgate.net/figure/Sample-of-patient-s-milky-urine_258147807
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