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Herpes simples genital em paciente adulto

- Atualizado no dia 12 de dezembro de 2024 -

         Uma mulher de 28 anos de idade, nunca antes grávida, e usando um dispositivo intrauterino (DIU) visando contracepção, apresentou-se ao hospital com um histórico de um dia com pústulas/vesículas levemente dolorosas e ardidas sobre a parte medial superior da coxa direita. No exame, foi notado dois grupos de vesículas sobre uma base eritematosa como mostrado na imagem acima. Previamente à manifestação vesicular, a paciente notou sensações de formigamento (dormência) e hiperestesia. No ano anterior, ela manteve quatro relações sexuais com uso inconsistente de camisinha e reportou dois episódios com pústulas similares na mesma região nos últimos 12 meses. A paciente não tinha um histórico prévio de infecções sexualmente transmitidas, e negou corrimento vaginal, disúria e febre. 

          O primeiro e segundo agrupamentos de vesículas tinham 1 cm e 2 cm de diâmetro, respectivamente. Diagnóstico de herpes simples genital recorrente foi feito com base no histórico e exame físico da paciente. Um teste de PCR subsequente confirmou o diagnóstico, identificando o herpes-vírus simples tipo 2. A paciente reportou a resolução dos sintomas com a administração do fármaco valaciclovir 500 mg duas vezes ao dia por três dias, e foi aconselhada a visitar regularmente um dermatologista.

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            Infecção com herpes simples é causada pelos herpesvírus humanos 1 e 2 (HHV-1 e HHV-2), também conhecidos como herpes vírus simples 1 e 2 (HSV-1 e HSV-2). O HSV-1 adapta-se melhor e atua, de forma mais eficiente, nas regiões oral, facial e ocular. O HSV-2 se adequa melhor às regiões genitais, envolvendo caracteristicamente a genitália e a pele abaixo da cintura, porém pode se observar padrão semelhante de manifestações em ambos. A infecção pelo HSV 1 e 2 pode desenvolver mal-estar, febre, irritabilidade, náuseas, gengivoestomatite herpética primária, herpes labial recorrente e herpes intraoral recorrente. 

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Estima-se que até 3,8 bilhões de pessoas com menos de 50 anos de idade estão infectadas com o vírus HSV-1 ao redor do mundo. Para o vírus HSV-2, é estimado um total de 520 milhões de pessoas. Ref.3

> Estima-se que ~1 em cada 5 pessoas com menos de 50 anos de idade (~846 milhões) estão infectadas com herpes genital ao redor do mundo. Em 2020, é estimado que mais de 200 milhões de pessoas com idades de 15 a 49 anos provavelmente tiveram pelo menos um evento sintomático da infecção, com 42 milhões de novos casos nesse período. Ref.3

> Ambos os tipos (HSV-1 e HSV-2) são altamente infecciosos, incuráveis e a infecção persiste para o resto da vida do indivíduo afetado, com reativações sintomáticas em parte daqueles infectados. Entre recorrências sintomáticas, o vírus fica "adormecido" no cérebro da pessoa infectada.

> Infecção com HSV-2 parece aumentar o risco de infecção e transmissão de HIV em 3x, potencialmente resultando sinergia epidemiológica entre essas duas infecções virais. 

Existe evidência sugestiva de que o HSV-1 pode estar associado ao desenvolvimento de múltiplas doenças neurodegenerativas, incluindo Alzheimer. Ref.4

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            Infecção com HSV ocorre geralmente a partir do contato com gotículas de saliva contaminada ou contato direto com lesões ativas. Na infância, infecção é geralmente pela via oral. Adultos podem adquirir infecção genital com o HSV-1 caso não tenham sido infectados oralmente durante a infância - e em países de renda alta, infecção sexual com HSV-1 tem se tornando cada vez mais comum e, em vários países, é agora a principal causa herpes genital de primeiro episódio. O início das manifestações é repentino, caracterizando-se por numerosas vesículas puntiformes, as quais rapidamente se rompem e formam inúmeras lesões pequenas, ulceradas e eritematosas. 


Micrografia mostrando partículas virais (vírions) de HSV deixando o núcleo de uma célula infectada. A infecção com o HSV se torna latente, ou seja, se torna clinicamente "invisível" após um episódio sintomático, mas o vírus persiste primariamente nos neurônios do gânglio cerebral do indivíduo infectado; quando as condições se tornam adequadas para o vírus (ex.: baixas imunológicas do hospedeiro), esse reemerge causando manifestações sintomáticas. O HSV é um vírus de DNA (cadeia dupla). Ampliação = aproximadamente 40000x. Ref.5

           O herpes labial recorrente caracteriza-se por vesículas induzidas pelo HSV-1 ou com menor frequência pelo HSV-2. Apresenta início súbito, geralmente após sensação de dormência, prurido, pontadas, dor e ardência nos lábios, que aparecem durante um período de aproximadamente 4 dias. Pode-se citar como fatores que levam à recorrência luz ultravioleta, febre, estresse, trauma físico, menstruação e imunossupressão. As vesículas rompem-se em cerca de 4 a 6 dias, ocorrendo formação de crosta, curando sem deixar cicatriz.

            O herpes intraoral é quase exclusivo de epitélio ceratinizado, o que facilita no seu diagnóstico diferencial com úlceras aftosas. Dessa forma, as vesículas apresentam-se rasas, irregulares, sendo constituídas do agrupamento de erosões que podem coalescer.

           Infecção com HSV-2 é quase sempre adquirida através de transmissão sexual e é a principal causa de úlcera genital recorrente na maioria dos países. Além das dolorosas úlceras genitais, herpes genital está associada com um amplo espectro de efeitos sociais e psicológicos adversos, incluindo disfunções em relações sexuais, menor qualidade de vida e problemas de saúde mental como depressão, ansiedade e baixa autoestima.

           Em indivíduos saudáveis, infecções com HSV são frequentemente assintomáticas ou causam doença leve ou autolimitante. Em indivíduos imunocomprometidos, incluindo neonatais, infecção com HSV pode estar associada com alta taxa de mortalidade e morbidade. A replicação ativa do HSV-1 e do HSV-2 pode levar a doenças como estomatite por herpes, herpes genital, ceratite estromal por herpes, eczema herpética, encefalite, entre outras (Ref.6).

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> Em crianças, infecção com HSV-1 pode causar sérias complicações neurológicas, córneas e mucocutâneas.

Leitura recomendada:

Em adultos e crianças, complicação por HSV incluem quadros de encefalite causados por reativação de replicação viral ou por nova infecção lítica no cérebro, que podem ser letais na ausência de tratamento. Cerca de 5-15% das encefalites infecciosas são causadas pelo HSV-1. E mesmo após tratamento efetivo com terapias antivirais, grande parte dos pacientes recuperados apresentam sequelas neurológicas moderadas a severas. Fatores genéticos ligados à imunidade cerebral parecem estar envolvidos no sentido de aumentar o risco de encefalite herpética. Ref.6-8

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          Em raros casos, infecções com HSV-1 ou HSV-2 podem ser transmitidas da mãe para o bebê no processo de parto (transmissão vertical) ou através de contato oral no pós-natal. Esse cenário leva ao desenvolvimento de herpes neonatal, uma doença debilitante e com alta taxa de mortalidade.

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           Nos últimos anos, várias opções de tratamento têm sido propostas para combater as manifestações clínicas do HSV-1 e HSV-2, porém a maioria dos tratamentos são paliativos e visam a uma melhora para a sintomatologia dolorosa ou são supressores da replicação viral. Até o momento, não há tratamento que promova a cura da doença.

          O primeiro agente de escolha com uma real e potente ação antivirótica seletiva é o Aciclovir, o qual representa um inibidor específico e tolerável da polimerase do DNA viral. Outros fármacos para a manifestação primária da infecção são o fanciclovir e o valaciclovir, os quais podem reduzir dor e tempo de recuperação. Sob orientação médica, deve-se iniciar a terapia imediatamente após o início de sintomas, como dormência, pontadas, prurido, eritema e dor, sendo esse período denominado período prodrômico. O aciclovir pode ser administrado por via oral, endovenosa ou tópica, devendo ser mantido até o desaparecimento das lesões. 


REFERÊNCIAS

  1. https://journals.psu.edu/medicine/imagechallenge_old
  2. Santos et al., 2012. Herpesvírus humano: tipos, manifestações orais e tratamento. Odontologia Clínica-Científica (Online) vol.11 n°.3. Link: Scielo
  3. Harfouche et al. (2024). Estimated global and regional incidence and prevalence of herpes simplex virus infections and genital ulcer disease in 2020: mathematical modelling analyses. Sexually Transmitted Infections. https://doi.org/10.1136/sextrans-2024-056307
  4. Feng et al. (2023). Mechanistic insights into the role of herpes simplex virus 1 in Alzheimer’s disease. Frontiers in Aging Neuroscience, Volume 15. https://doi.org/10.3389/fnagi.2023.1245904
  5. https://www.utmb.edu/virusimages/VI/herpes-simplex-virus
  6. https://www.mdpi.com/1999-4915/16/7/1037
  7. Rybak-Wolf, A., Wyler, E., Pentimalli, T.M. et al. Modelling viral encephalitis caused by herpes simplex virus 1 infection in cerebral organoids. Nat Microbiol 8, 1252–1266 (2023). https://doi.org/10.1038/s41564-023-01405-y
  8. Zhang & Casanova (2024). Genetic defects of brain immunity in childhood herpes simplex encephalitis. Nature 635, 563–573. https://doi.org/10.1038/s41586-024-08119-z
  9. Chan et al. (2024) Human TMEFF1 is a restriction factor for herpes simplex virus in the brain. Nature 632, 390–400. https://doi.org/10.1038/s41586-024-07745-x