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Qual é o parasita que cresce dentro do abdômen de abelhas e de vespas?

- Atualizado no dia 29 de setembro de 2024 -

             A fascinante ordem Strepsiptera engloba quase 600 espécies de endoparasitoides modificados, mais comumente de insetos das ordens Hemiptera (ex.: cigarras e percevejos) e Hymenoptera (abelhas, vespas e formigas), e seus representantes exibem extremo dimorfismo sexual. O macho adulto parece um típico inseto alado, com uma cabeça grande e olhos salientes, com asas frontais curtas e com ausência de veias, e asas traseiras amplas e com poucas veias radiantes. Já as fêmeas adultas (reprodutivamente competentes) não atravessam uma metamorfose completa, retendo uma forma ou "cocoide" ou larval, não possuem asas e nem pernas, exibem olhos, aparelho bucal e antenas rudimentares, e tipicamente passam a vida parasitando internamente o hospedeiro (!). Os machos também se desenvolvem dentro de um hospedeiro, na sua fase larval, mas passam pelo estágio de pupa e saem do inseto parasitado quando adultos, para viver uma vida livre. Eventualmente buscam por um inseto parasitado por uma fêmea adulta para fertilizá-la ali mesmo; ovos eclodem dentro da fêmea e diminutas larvas são expulsas (passam um período de vida livre) até parasitar outros insetos-hospedeiros. 

Figura 2. Típica história de vida de um inseto-parasita da ordem Strepsitera (no caso, espécie Halictoxenos borealis). (A e B) A larva endoparasítica cresce no abdômen do hospedeiro desde a fase larval desse último. (C) A fêmea madura força seu cefalotórax no interstício entre os tergitos IV e V. (D) O macho passa pela fase de pupa dentro do abdômen do hospedeiro. (E) O macho adulto emerge do hospedeiro. (F) O macho alado de vida livre copula com uma fêmea adulta endoparasítica. (G e H) Larvas no primeiro estágio de desenvolvimento são liberadas em uma flor. (I e J) As larvas na flor se anexam a uma abelha e são carregadas até o ninho de abelhas, onde então parasitam as larvas de abelhas. Nakase & Kato, 2021

          Estrepsípteros (Strepsitera) fêmeas possuem 2 a 30 mm de comprimento, enquanto os machos possuem de 1 a 7 mm. Insetos infestados por esses parasitas podem ser facilmente identificados por uma estrutura similar a um saco pertencente às fêmeas ou pela cabeça das pupas, ambas protuberando do abdômen (Fig.1). Machos adultos vivem por apenas algumas poucas horas.

 

Figura 3. Vespa da espécie Polistes fuscatus infectada com dois estrepsípteros machos e uma fêmea, da espécie Xenos peckii. Note um macho X. peckii de vida livre recém-emergido da vespa hospedeira (seta). Barra de escala = 2 mm. Ref.11

          Muito diversos e especializados, os estrepsípteros parasitam 7 ordens e 34 famílias de insetos. Os hospedeiros parasitados passam por várias mudanças, incluindo perda de fecundidade e manifestação de comportamentos anômalos. Por exemplo, a espécie Halictoxenos borealis parasita a abelha da espécie Lasioglossum apristum; enquanto as abelhas sem parasitas coletam pólen normalmente das flores, aquelas parasitadas não coletam ou comem pólen e, ao invés disso, exibem um peculiar comportamento que parece ajudar a dispersar as larvas dos parasitas nas flores (a espera de transporte): a abelha fica contorcendo seu abdômen, pressionando-o contra as flores! (Ref.3)

          E é interessante observar que tais mudanças podem também trazer benefícios para o hospedeiro em alguns casos. Por exemplo, a espécie Xenos vesparum parasita a vespa da espécie Polistes dominula, e a fêmea adulta de X. vesparum aumenta a longevidade do seu hospedeiro para aumentar o potencial de dispersão das suas larvas. (Ref.4)


Figura 4. Na foto, fêmeas adultas da espécie Xenos vesparum com diferentes tamanhos corporais removidas de vespas da espécie Polistes dominula. A diferença de tamanho entre os parasitas possui correlação com o tamanho das vespas parasitadas. Beani et al., 2021


Figura 5. Macho adulto da espécie Xenos vesparum, com cerca de 3 mm de comprimento. Estrepsípteros machos procuram pelas fêmeas através das antenas e grandes olhos compostos. Foto: Roger Maillot/França

 
Figura 6. Em (a), fêmea e macho adultos do gênero Stylops. Em (b), cefalotórax de três distintas espécies do gênero: (1S. nassonowi, (2S. thwaitesi e (3S. praecocis. Esse é o gênero mais diverso conhecido dentro da ordem Strepsiptera, representado por dezenas de espécies e cujos integrantes parasitam - e provavelmente coevoluíram com - abelhas do gênero Andrena.  Mais de um quarto das espécies de Strepsiptera pertencem à família Stylopidae, dominada por espécies Stylops e cujos membros são todos parasitas de abelhas. Ref.5-7

Figura 7. O gênero Stylops e seus hospedeiros (abelhas Andrena) são distribuídos na região holoártica, englobando a América do Norte, Groenlândia e regiões na África, Ásia e Europa situadas ao norte do trópico de Câncer. Evidência filogenética aponta coevolução entre esses dois grupos de insetos. Na foto em destaque, um adulto macho da espécie Stylops ater interagindo com uma abelha hospedeira da espécie Andrena vaga. Ref.7

  
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(!) Em uma das atuais 10 famílias dessa ordem, Mengenillidae, as fêmeas, durante o último estágio larval, deixam o hospedeiro para passar pela forma de pupa externamente (Fig.8). Em cerca de 97% das espécies de estrepsípteros (subordem Stylopidia) as fêmeas são endoparasitas permanentes, com um corpo muito simplificado em relação aos machos e exibindo quase toda a cavidade corporal preenchida com ovos. Fêmeas são vivíparas e exibem uma das maiores taxas de fecundidade registradas entre insetos.

 

Figura 8. [Ilustração] Macho (a) e fêmea (b) adultos da espécie Eoxenos laboulbenei, ambos de vida livre. A atual família Mengenillidae engloba apenas 17 espécies distribuídas em cinco gêneros. As fêmeas de vida livre tipicamente abandonam o hospedeiro no estágio larval terciário tardio. Embora as fêmeas nesse grupo também não exibam asas, elas ainda retêm pernas e possuem menor simplificação nos apêndices da cabeça. Arte: J. A. Delgado. Ref.8

> Estrepsípteros são tipicamente monândricos (fêmeas copulam apenas com um macho), mas algumas espécies exibem poliandria (fêmea copulando com múltiplos machos), como a Stylops ovinae (Stylopidae) e a Xenos vesparum (Xenidae) (Fig.9). Comportamento poliândrico cria um ambiente competitivo para os espermatozoides de diferentes machos dentro do corpo da fêmea inseminada após copulação. Ref.9

 

Figura 9. Visão ventral do cefalotórax (cth) e canal de choca (bc) de fêmeas das espécies (AStylops ovinae e (BXenos vesparum cheios com larvas primárias. Em (C), a abelha Andrena vaga com larvas primárias de S. ovinae emergindo da abertura de "parto" (bo) e dispersando. Em (D), a vespa Polistes dominula com larvas de X. vesparum emergindo. A abertura de parto é conectada ao hemocele através dos órgãos reprodutivos no abdômen pelo canal de choca e permite que as larvas primárias deixem o corpo da fêmea. Os filhotes de uma única fêmea podem ter múltiplos pais nessas duas espécies. Ref.9

> As minúsculas larvas primárias dos estrepsípteros são móveis e penetram a parede corporal de larvas dos hospedeiros (abelhas, vespas, etc.) e, então, a larva secundária emerge dentro do hemocele do hospedeiro. Ali, a larva parasita se alimenta de hemolinfa do hospedeiro, aumentando dramaticamente de tamanho. Apesar das fêmeas adultas na subordem Stylopidia reterem notáveis características típicas da fase larval, esse desenvolvimento não é simples neotenia: um número de traços morfológicos nas fêmeas adultas não são pedomórficos (ex.: espiráculos). Ref.12

> A cópula entre insetos da ordem Strepsiptera é marcada por inseminação traumática, termo que faz referência à atividade sexual onde o macho perfura o intergumento da fêmea com o pênis para inseminação, deixando uma ferida. No caso dos estrepsípteros, a perfuração peniana e injeção de esperma ocorre no hemocele (parte do inseto que contém a hemolinfa, o equivalente ao sangue nos vertebrados). Esse método reprodutivo parece ser o modo ancestral de copulação nesse grupo de insetos e parece estar presente em grande parte ou todas as famílias da ordem. Ref.10

Assim como outros parasitas que usam vários recursos metabólicos dos hospedeiros, o genoma dos estrepsípteros é reduzido quando comparado a outros insetos com relação próxima. Nesse último ponto, evidência genômica da família ancestral Mengenillidae aponta que os parentes evolutivos ainda vivos mais próximos dos estrepsípteros são os besouros (Coleoptera). Ref.11

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REFERÊNCIAS

  1. https://www.sciencedirect.com/topics/agricultural-and-biological-sciences/strepsiptera
  2. https://www.royensoc.co.uk/understanding-insects/classification-of-insects/strepsiptera/
  3. Nakase & Kato (2021). Bee-Parasitic Strepsipterans (Strepsiptera: Stylopidae) Induce Their Hosts’ Flower-Visiting Behavior Change. Journal of Insect Science, 21(5):2. https://doi.org/10.1093%2Fjisesa%2Fieab066
  4. Beani et al. (2021). A Strepsipteran parasite extends the lifespan of workers in a social wasp. Scientific Reports 11, 7235. https://doi.org/10.1038/s41598-021-86182-6
  5. Lähteenaro et al. (2023). Phylogenomic species delimitation of the twisted-winged parasite genus Stylops (Strepsiptera). Systematic Entomology, Volume 49, Issue 2, Pages 294-313. https://doi.org/10.1111/syen.12618
  6. Zabinski & Cook (2023). Two New Species of Stylops (Strepsiptera: Stylopidae) from the United States, with New Host and Distribution Records. Journal of the Kansas Entomological Society 95(3), 31-44. https://doi.org/10.2317/0022-8567-95.3.31
  7. Lähteenaro et al. (2024). Phylogenomic analysis of Stylops reveals the evolutionary history of a Holarctic Strepsiptera radiation parasitizing wild bees. Molecular Phylogenetics and Evolution, Volume 195, 108068. https://doi.org/10.1016/j.ympev.2024.108068
  8. Pohl et al. (2023). The morphology of the free-living females of Strepsiptera (Insecta). Journal of Morphology, Volume 284, Issue 6, e21576. https://doi.org/10.1002/jmor.21576
  9. Jandausch et al. (2024). Polyandry and sperm competition in two traumatically inseminating species of Strepsiptera (Insecta). Scientific Reports 14, 10447. https://doi.org/10.1038/s41598-024-61109-z
  10. Jandausch et al. (2023). "Stab, chase me, mate with me, seduce me: how widespread is traumatic insemination in Strepsiptera?" Biological Journal of the Linnean Society, Volume 140, Issue 2, Pages 206–223. https://doi.org/10.1093/biolinnean/blad046
  11. Castaño et al. (2024). First genome assembly of the order Strepsiptera using PacBio HiFi reads reveals a miniature genome. Scientific Data 11, 934. https://doi.org/10.1038/s41597-024-03808-w
  12. Weingardt et al. (2023). Xenos vesparum (Strepsiptera: Xenidae)—A New Insect Model and Its Endoparasitic Secondary Larva, Insect Systematics and Diversity, Volume 7, Issue 1, 4. https://doi.org/10.1093/isd/ixad003