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Qual é a verdade sobre Elizabeth Báthory, a "Condessa Sanguinária"?

Figura 1. Arte parcial retratando Elizabeth Báthory, de autoria do pintor Húngaro István Csók (1865-1961). Pintura completa, acesse aqui.

           As ruínas do famoso Castelo Čachtice, no leste da Eslováquia, são um ponto turístico muito conhecido e procurado, em especial por causa de um dos seus nobres habitantes no século XVI, a condessa Húngara Elizabeth [Erzsébet em Húngaro,] Báthory (1560-1614). A condessa Báthory é, alegadamente, a maior assassina em série (serial killer) da história, e, segundo a narrativa popular e certas fontes históricas, teria matado e se banhado no sangue de aproximadamente 650 meninas e jovens mulheres virgens. Alguns inclusive alegam que Báthory foi uma inspiração para a obra de Bram Stoker, "Drácula" (1897). Mas existe real suporte historiográfico para essas alegações? Báthory era um monstro ou uma vítima de interesses políticos?

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   PSICOPATA, VAMPIRA OU BRUXA?

           Segundo relatos e narrativas de fontes diversas...

           Elisabeth Báthory nasceu em 7 de agosto de 1560 na cidade Húngara de Nyírbator, filha de György e Anna Báthory - membros de uma das mais poderosas famílias aristocráticas na Hungria. Devido ao fato dos Báthory frequentemente se casarem dentro da própria família, muitos deles sofriam de doenças mentais ou outras desordens genéticas (1). Por exemplo, o Rei Stephen Báthory (1533-1586) tinha ataques de epilepsia, e é relatado que Elisabeth, durante a infância, sofria de convulsões epilépticas (acompanhadas por perda de controle e ataques de raiva), violentas mudanças de humor e dolorosas enxaquecas.

(1) Leitura recomendada: 

            Elizabeth tinha um corpo esguio, pele clara, cabelos pretos e muitos relatavam que ela era extremamente bonita, além de muito inteligente. Ela falava Húngaro, Eslováquio, Grego, Latim e Alemão. E, em uma época quando espancar os servos era aceitável - de acordo com a lei Húngara (Tripartitum, 1514), camponeses eram propriedade da nobreza e não possuíam nenhum direito -, Elizabeth teria testemunhado muita violência desde criança, incluindo torturas e mutilações de pessoas durante punições por crimes, desobediência ou qualquer outro motivo. 


Figura 2. Essa é uma alegada cópia do retrato original de 1585 da Condessa Elizabeth Báthory, aparentemente produzida no final do século XVI. Autor desconhecido.

           Em 1570, quando tinha 10 anos de idade, a mão de Elizabeth foi prometida ao Conde Ferenc Nádasdy (1555-1604), na época com 15 anos de idade. O casamento oficial ocorreu 3 anos mais tarde. Como costume entre a nobreza, a jovem noiva era enviada para a corte da futura sogra para aprender como administrar a casa. Segundo rumores, em 1574, durante a estadia de Elisabeth com a sogra, ela teria engravidado de um camponês local, László Bende. O bebê ilegítimo - e do sexo feminino - teria sido entregue secretamente para uma mulher de confiança e levado embora para nunca mais ser visto. É comumente narrado que Bende foi acusado de estupro e que Ferenc teria ordenado que fosse castrado e estraçalhado por cães. 


Figura 3. Pintura do século XVII retratando Ferenc Nádasdy, de autoria desconhecida.

             Em 8 de maio de 1575, uma glamourosa cerimônia de casamento foi realizada no castelo de Vranov nad Topl’ou, com celebrações durando três dias. Como presente de casamento, Ferenc deu à sua jovem esposa o castelo Gótico de Čachtice, localizado em uma região rochosa afastada (Fig.4-5). Graças ao casamento, as duas mais poderosas famílias Húngaras foram unidas. Os Nádasdys, no entanto, e contrário aos Báthorys (marcados na visão de todos por doenças mentais), eram considerados uma família respeitável, conservadora e religiosa. Após o casamento, os recém-casados viveram na Hungria no castelo de Sárvár, o estado da família Nádasdy (Fig.6).


Figura 4. Arte do século XVII retratando o Castelo de Čachtice (lado sudeste).


Figura 5. Atualmente, só restam ruínas do Castelo de Čachtice (lado sul).


Figura 6. Castelo de Sárvár (atualmente chamado de Castelo de Nádasdy), no Município de Vas, Hungria.

            Ferenc passava a maior parte do seu tempo na guerra. Três anos após o casamento, ele viajou para lutar contra os Turcos. Nessa época, Elizabeth - agora condessa - estava viajando entre numerosos castelos para supervisionar seus estados e servos, além de proteger os domínios do marido ameaçados pelos Otomanos. Em 1591, a assim chamada "longa guerra" começou, e Ferenc passou a ser reconhecido como Cavaleiro Negro. Mas o marido de Elizabeth não era marcado apenas pela sua afinidade com o campo de batalha. Ferenc era descrito como um homem cruel na guerra e, quando retornava para casa, diziam que adorava torturar servos. Ele teria ensinado sua esposa uma prática de tortura que consistia em colocar um pedaço de papel encharcado de óleo entre os dedos de um servo desobediente e tacar fogo em seguida. Ele também teria presenteado Elizabeth com um par de luvas que terminavam em garras, as quais ela usava para punir seus servos.

           Quando Ferenc estava fora em suas expedições militares, Elizabeth se engajava em numerosos romances. E entre os parentes que visitava, sua tia Clara - que vivia em Viena - teria introduzido a sobrinha ao mundo da libertinagem e das orgias lésbicas. E a serva leal de Clara, Thorko, teria introduzido a condessa ao mundo da "magia das trevas". A partir dali, ela passou a ter contato frequente com autoproclamados feiticeiros, profetas, bruxas e alquimistas. Ao longo do tempo, Elizabeth se tornou uma mestre na preparação de remédios, feitiços e poções. Em uma das suas cartas ao marido, ela teria descrito um método extremamente efetivo para se lançar um feitiço: 

"Pegue uma galinha preta e bata nela até a morte com uma vara branca; guarde o sangue e espalhe um pouco dele sobre o seu inimigo. Se você não tiver chance de espalhá-lo no corpo dele, obtenha uma das suas roupas e espalhe nela."

          A condessa começou a torturar suas vítimas já no castelo de Sárvár, ao redor de 1585. Gritos de torturados eram alegados de aliviar as dores de cabeça de Elizabeth. Ela rapidamente aprendeu que as empregadas camponesas trabalhando no castelo eram um alvo fácil. O menor erro dos servos era uma desculpa para punições físicas, e ela gostava de tormentá-los com perfurações sob as unhas ou cortando os dedos fora. Servas também eram arrastadas nuas na neve e submergidas em água fria até morrerem congeladas. Às vezes as punições eram mais "tradicionais": os servos eram espancados e açoitados com urtiga e varas. Com o tempo, as torturas de Elizabeth se tornaram mais e mais brutais. Os corpos de infortunados servos eram destroçados com alicates. Às vezes a pele das vítimas eram queimadas com ferro quente ou suas bocas eram puxadas pelos cantos até a pele ser arrebentada.

           Em 1601, Anna Darvulia, acusada de bruxaria (2) e descrita pelos locais como uma "besta selvagem em um corpo feminino", se tornou cúmplice da condessa nos crimes hediondos. Desde que Anna começou a viver no castelo, a personalidade de Elizabeth começou a mudar e ela começou a se tornar mais cruel. Foi Anna que ensinou a condessa a como matar. Como desculpa para as primeiras mortes, a família Báthory culpava uma epidemia de cólera e eventualmente outras "causas misteriosas e desconhecidas" começaram a ser apontadas. O número cada vez maior de mortes e funerais para servos que morriam no castelo começou a levantar a atenção de autoridades religiosas locais.

(2) Leitura recomendada:

           Em 1602, o sacerdote e acadêmico István Magyari publicamente demandou a exumação dos corpos, e também teria pedido ao conde Nádasdy - junto a outro sacerdote da região de Sárvár - para que a crueldade da sua esposa sobre inocentes tivesse fim. Apesar da crueldade do marido, era reportado que na sua presença Elizabeth se "comportava". 

          Porém, não muito tempo depois, Ferenc morreu, em 4 de janeiro de 1604. Embora oficialmente a morte do conde tenha sido associada a feridas e doenças de batalha, rumores locais sugeriam que Elizabeth teria contribuído para a sua morte precoce. De qualquer forma, pouco após a perda do marido, a recém-viúva se moveu para o castelo de Čachtice, onde o número das suas vítimas cresceu sem precedentes, e sua sede de sangue tornou-se cada vez maior. É comumente narrado que ela começou a atacar os servos com os dentes, arrancando pedaços do pescoço, braços ou bochechas. A "Condessa Sanguinária", ou talvez melhor descrita como "Condessa Drácula", começou também a usar navalhas, tochas e pinças.

          Elizabeth tinha cinco servos de confiança: o anão Ján Ujvári; a cuidadora dos seus filhos, Ilhona Já; a bruxa Anna Darvulia; a bruxa Dorottya Széntes (apelidada de "Dorka"); a lavadeira Katalin Benická; e uma bruxa local e especialista em venenos, Erzsi Majerová - essa última ganhando mais afinidade com Elisabeth após Anna ficar cega. E cada um dos servos possuía "especialidades" únicas para a tortura. Dorka gostava de cortar dedos com tesouras, e Anna preferia dar 500 chibatadas. Elizabeth adorava todo o "espetáculo" e residentes locais reportavam que ela "não comia ou bebia antes de testemunhar alguma empregada virgem ser morta de forma muito violenta."

              Aos 40 anos de idade e viúva, Elizabeth teria começado a perceber que o tempo não perdoava e que a velhice e eventualmente a morte chegariam. A partir desse ponto, ela começou a usar múltiplos produtos de beleza na pele, trazidos em várias das suas viagens, na tentativa de manter sua beleza e jovialidade (3). Nesse contexto, é alegado que uma serva teria errado no penteado do cabelo de Elizabeth - ou acidentalmente puxado seu cabelo com mais força -, engatilhando um momento de fúria na condessa e massacre da jovem empregada. Após ter abundante sangue da serva no seu rosto, Elizabeth teria notado que sua pele estava mais lisa e firme. Isso teria alimentado uma ideia macabra na condessa: banho de sangue rejuvenescedor. Colocando pouco tempo depois essa ideia em prática, ela chamou Dorka e Fičkó e pediu para ambos segurarem uma jovem serva sobre uma banheira - Elizabeth, então, cortou as artérias da vítima. Quando o sangue derramado encheu a banheira, Elizabeth teria tomado um banho, como um "milagroso elixir da vida". Esse passou a ser um novo hábito da condessa, e o anão Fičkó escondia os corpos "esvaziados" em numerosas passagens subterrâneas associadas ao castelo.

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(3) "Espelho, espelho meu, existe alguém mais bonita do que eu?" Os famosos Irmãos Grimm escreveram um fragmento chamado Nach Einem Wiener Fliegende Blatt - que significa algo como "Um Rumor no Vento de Viena" - no qual faziam referência a um folclore do século XVII narrando a história de "uma dama Húngara que assassinou oito a doze empregadas" (Ref.8). Isso claramente é um eco da lenda de Elizabeth, e é provável que a madrasta (Rainha Má) da Branca de Neve teve inspiração nas narrativas sobre a condessa.

> Leitura recomendada:

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           Não apenas nos castelos de Čachtice e de Sárvár as torturas e mortes ocorriam. Nas várias viagens da condessa para vários países na Europa, incluindo República Tcheca, Áustria e Polônia, meninas e jovens mulheres começavam a desaparecer - com corpos mutilados mais tarde encontrados nos campos. Porém, tais crimes horrendos nunca eram atribuídos à aristocrata Húngara e seu grupo de comparsas.

           Quando Elisabeth começou a notar que o sangue de camponesas não estavam funcionado na sua busca por "juventude eterna", ela teria começado a matar belas mulheres nobres de famílias menos privilegiadas. Em 1609, ela até mesmo abriu uma academia chamada Gynaecaeum, para atrair vítimas e acobertar os crimes. O desaparecimento das filhas era explicado para os pais com histórias cada vez mais absurdas. Para piorar, Elisabeth começou a cair em total loucura e não mais começou a se importar com discrição. Corpos de vítimas inclusive começaram a ser descartados de qualquer maneira, levantando muita indignação e acusações locais contra a condessa. Esses ruídos cada vez mais altos chegaram aos ouvidos da corte real e do Rei Húngaro Matthias II (1557–1619), este o qual iniciou finalmente uma investigação.

            No verão de 1610, em nome do rei e do parlamento, o juiz e palaciano György Thurzó (1567–1616) iniciou uma investigação secreta sobre o caso, interrogando centenas de testemunhas. Entre as testemunhas, dois pastores de Čachtice, Barosius e Ponikenusz, reportaram a descoberta de corpos em túneis conectando a igreja com o castelo da condessa. Com suficiente acúmulo de provas testemunhais e físicas, Thurzó ameaçou trancafiar Elisabeth no monastério, mas recebeu ameaça militar da condessa como resposta.

            Nesse sentido, Thurzó resolveu fazer uma aliança com herdeiros de Elisabeth, com o objetivo de flagrar a condessa cometendo os crimes. No período Natalino, em 29 de dezembro de 1610, Thurzó e ajudantes entraram na mansão desguardada sob o castelo, e encontraram corpos de vítimas e uma menina ainda viva mas espancada, os quais foram apresentados à condessa. Elizabeth teria tentado, em vão, culpar outros servos. Após mais buscas, cerca de 50 corpos foram encontrados, e servos foram interrogados sob tortura. Eles admitiram que a condessa estava envolvida diretamente em dezenas de mortes. Fičkó testemunhou no mesmo sentido. Análise de registros pessoais de Elizabeth apontaram, porém, centenas de mortes, alcançando um total estimado de 650.

           Após várias audiências em corte, no dia 7 de janeiro de 1611 o veredito final da justiça condenou Elizabeth por ofensas criminais e condenou seus cúmplices com vampirismo, feitiçaria e celebração de rituais pagãos. A condessa não confessou culpa nem alegou inocência, e também não compareceu ao julgamento. Devido à sua alta nobreza e poderosa família, Elizabeth foi sentenciada a prisão vitalícia no seu castelo, isolada em um quarto. Seus servos leais, com exceção de Katalin, foram todos sentenciados à morte. Fičkó, Ilona Jó e Dorka foram todos executados no mesmo dia. Katalin, por falta de provas, foi sentenciada a prisão perpétua. Majerová foi queimada viva 2 semanas mais tarde, em 24 de janeiro.

          No quarto-prisão de Elizabeth, existia apenas um pequeno buraco para comida. Ela viveu por mais três anos nessas condições, continuamente protestando contra o veredito, e cartas escritas pela condessa revelavam nenhum remorso. Elizabeth foi encontrada morta em 21 de agosto de 1614. Alguns dizem que foi envenenada, outros que teria morrido de fome. É alegado que seu corpo estava em um estado terrível. Seus antebraços tinham marcas de dentes enquanto terra ao redor do seu corpo estava coberta com sangue. 

          Elisabeth foi enterrada na cripta da igreja em Čachtice. Porém, vestígios do seu corpo desapareceram misteriosamente e nunca foram encontrados.

          Tudo isso narrado até aqui é o que conta a lenda, e existem significativas variações em diferentes extensões entre as fontes. 

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   QUAL É A REAL HISTÓRIA?

           Elisabeth Báthory é atualmente uma das mais cruéis, sanguinárias e conhecidas personagens históricas retratadas na cultura popular. Existem várias referências à sua vida em livros, filmes, músicas e até jogos eletrônicos. O próprio Guiness Book reconhece Elisabeth como "a mais prolífica assassina em série do mundo ocidental" (Ref.9). Porém, confiáveis referências em registros históricos sobre a condessa são muito escassas, e, nesse sentido, é difícil separar narrativas fantasiosas de narrativas factuais. Outro caso similar e ainda muito enraizado na cultura popular são os alegados "Médicos da Peste": a figura desses sinistros profissionais de saúde durante epidemias de peste bubônica na Europa está presentes até em livros didáticos, apesar da ausência de qualquer sólida evidência histórica de suporte para a sua existência (4).

(4) Para mais informações:

           A lenda da "Condessa Sanguinária" tem sido passada de boca em boca por séculos e se tornou um elemento de folclore. Mais importante, na virada do século XIX e XX, a história macabra de uma aristocrata Húngara aterrorizando e oprimindo Eslováquios se adaptou perfeitamente ao nacionalismo Eslováquio. E historiadores da Eslováquia e da República Theca ao longo dos séculos geralmente não têm retratado a família Báthory com bons olhos. Várias narrativas sobre a vida de Elizabeth não possuem mínimo suporte de sólida evidência histórica e documental, como a sua alegada filha ilegítima (5), a suposta relação sexual com um camponês local e muito menos suas "orgias lésbicas". O mesmo é válido para as alegadas acusações de tortura e assassinatos de jovens servas e mulheres nobres, e os famosos "banhos de sangue". Aliás, nesse último ponto, é válido apontar que um típico humano adulto possui próximo de 5 litros de sangue circulando no corpo (Ref.7), ou seja, seriam necessários dezenas de corpos para se encher uma "banheira de sangue" tipicamente descrita nas narrativas lendárias sobre Elizabeth - e isso nem levando em conta que eram jovens indivíduos do sexo feminino, com ainda menos sangue circulante do que a média para adultos de ambos os sexos. Isso obviamente levanta a suspeita para narrativas de que "uma vítima era usada para se encher uma banheira" ou para o hábito frequente de banhos de sangue da condessa.

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(5) Fontes Húngaras citam que Elisabeth teve seis filhos com Ferenc: Anna (nascido em 1585), Katalin (nascido em 1594), Pál (nascido em 1597), András (nascido em 1598)e duas outras crianças cujas datas de nascimento são desconhecidas: Miklós e Orsolya.

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           Enquanto parece ser verdade que Elisabeth era fascinada com botânica, venenos, remédios e alquimia, essas práticas e estudos eram comuns na época, e não necessariamente ligados com "feitiçaria" - apesar de muitas vezes servirem de pretexto para acusações de bruxaria durante a Caça às Bruxas nos séculos XVI e XVII na Europa. De fato, não existe registro documental de que a condessa foi acusada de bruxaria ou algo nesse sentido.

           Embora não seja possível comprovar, Elisabeth aparentemente era muito bonita para os padrões de beleza da época, era inteligente e parecia exibir ímpetos de raiva na infância. E certos documentos [cartas preservadas] suportam que ela dominava múltiplos idiomas Europeus. Porém, ela não era filha de incesto como comumente alegado: sua mãe e seu pai vêm, cada um, de distintas linhagens separadas entre si por 200 anos.

           Segundo a pesquisadora Aleksandra Bartosiewicz, da Universidade de Łódź, Polônia, em um estudo publicado em 2018 sobre a condessa (Ref.2), Elizabeth foi provavelmente alvo de uma conspiração política. 

          O casamento entre Elisabeth e Ferenc promoveu cooperação próxima entre duas poderosas famílias (Báthory e Nyírbátor), que possuíam estados tanto na Transilvânia quando no Reino da Hungria. Enquanto seu marido estava ausente durante sucessivas guerras, a condessa supervisionava todo o estado em seu nome, administrava questões locais e ajudava a educar jovens mulheres nobres que vinham à sua corte. Quando Ferenc morreu, ela resolveu se mover permanentemente para o castelo de Čachtice, o qual havia sido reformado e ricamente decorado. Importante, Elisabeth herdou as posses e poder do marido, passando a controlar boa parte da Hungria - e ganhando muitos inimigos e enorme visibilidade.

          Nessa época, a Hungria estava dividia em três partes. A parte oeste era governada por uma dinastia de Viena, a central era parte do Império Otomano, e na parte leste o Ducado da Transilvânia foi criado (controlado pela família Báthory). Porém, já em 1602, durante o reino de Sigismund Báthory (1572–1613), a Transilvânia caiu nas mãos dos Habsburgos (Habsburg-család em Húngaro), uma família nobre Europeia e uma das mais influentes da Europa (5). Após uma rebelião anti-húngara, a família Báthory retomou a Transilvânia - eventualmente nas mãos do príncipe Gabriel Báthory - e os Habsburgos perderam significativo poder na Hungria. Gabriel queria unir toda a Hungria sob o seu poder e, para isso, via na condessa Elizabeth um poderoso atalho para esse fim. Essas intenções preocupavam seriamente os Habsburgos.

(5) Sugestão de leitura:

           Somando-se a isso, o rei da Hungria, Matthias II, devia grandes somas de dinheiro à família Báthory, em particular à Elisabeth após a morte do marido. No início do século XVII, era direito do tesouro real tomar as propriedades daqueles condenados por crimes - com especial gravidade caso crimes de assassinato envolvessem nobres como vítimas. Se Matthias II conseguisse condenar a condessa, se livraria do seu maior credor e ainda aumentaria substancialmente suas posses e o seu poder na Hungria. 

          Nesse contexto e coincidentemente, Elisabeth foi presa em dezembro de 1610 pelo palaciano György Thurzó, sendo acusada de assassinar jovens mulheres nobres, além de acusações de tortura e de espancamento. Segundo a pesquisa de Bartosiewicz, o Rei Matthias II estranhamente demandou reexaminar o caso, pedindo mais interrogatórios - e não como uma simples resposta ao clamor do povo por justiça contra a condessa. Em julho e dezembro de 1611, centenas de testemunhas foram adicionadas aos arquivos do caso. Temendo possível convicção, pouco antes da sua morte, em 31 de julho de 1614, Elisabeth escreveu um testamento no qual dava tudo o que possuía aos seus filhos. Em 21 de agosto de 1614, a condessa foi encontrada morta no chão de uma das câmaras do castelo. Ela foi enterrada três meses depois, em 25 de novembro de 1614, na cripta da igreja em Čachtice.

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> Segundo Bartosiewicz, quando residentes locais demandaram a remoção do corpo de Elizabeth de Čachtice, ela foi enterrada de novo em 1617, na região de Nagyecsed, no nordeste da Hungria. Em 1995, quando a nova cripta foi aberta, os vestígios de Elizabeth não mais estavam ali por motivos desconhecidos.

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           Considerando esse cenário, é muito provável que as acusações de terríveis crimes contra Elisabeth tenham sido parte de uma armação do rei da Hungria e, possivelmente, com contribuição dos Habsburgos. E o palaciano Thurzó teria sido incumbido de incriminar a condessa com acusações de bruxaria e de assassinatos, extraindo confissões favoráveis ao rei com quaisquer meios, incluindo tortura. É sugerido também que os genros de Elizabeth (Miklós Zrínyi e György Hommonay) também fizeram parte da conspiração, se encontrando com Thurzó em um conselho secreto. E apesar das alegações de corpos e vítimas torturadas encontradas no castelo de Čachtice, nada disso possui suporte documental; evidências registradas para o caso julgado que levou à condenação da condessa eram frágeis e apenas baseadas em testemunhos indiretos e dúbios.

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> Existe uma hipótese alternativa sugerindo que Thurzó era, na verdade, um amigo próximo de Ferenc Nádasdy. Um dia antes da sua morte (3 de janeiro de 1604), Ferenc teria pedido à Thurzó para tomar conta da sua família. Em meio às investigações ordenadas pelo rei, Thurzó estaria convencido da culpa de Elizabeth e teria decidido protegê-la das consequências de um vergonhoso julgamento. Após se encontrar com parentes de Elisabeth [genros], ele teria concordado em aprisionar uma "mulher mentalmente doente" no seu castelo para o resto da vida, poupando-a da vergonha.

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          Enquanto não é possível afirmar conclusivamente o que é fato e o que é folclore na lenda da "Condessa Sanguinária", é sempre importante pensarmos primeiro no cenário mais lógico e plausível e não no mais fantástico e bizarro. Elizabeth nasceu durante um período histórico muito tumultuado que testemunhou o violento embate religioso entre Reformistas e Contra-Reformistas e múltiplas guerras por poder no Centro e no Leste Europeu entre poderosas famílias. Em uma época onde as pessoas acreditavam fervorosamente que as "bruxas estavam soltas" na Europa, narrativas sobrenaturais e demoníacas precisam ser interpretadas com cautela.


REFERÊNCIAS

  1. Kürti, L. (2009). The Symbolic Construction of the Monstrous - The Elizabeth Bathory Story. Central and Eastern European Online Library, No. 1, Pages 133-159. Link.
  2. Bartosiewicz, A. (2018). Elisabeth Báthory – a true story. Central and Eastern European Online Library, No. 3, Pages 103-122. Link.
  3. Sheridan, M. J. (2019). Bathory, Countess Elizabeth. The Encyclopedia of Women and Crime, 1–1. https://doi.org/10.1002/9781118929803.ewac0022
  4. Lawhead, R. (2019). The Trial of Countess Elizabeth Báthory: Developing a Defense for Dame Dracula and Deconstructing Dominant Damsels. University of Minnesota Twin Cities [Tese]. Link.
  5. Tîngă, M. N. (2020). Déus Ex Máchina: Immortality Close at Hand. Elizabeth Báthory in Posthumanism. Journal of Romanian Literary Studies, No. 21, Pages 593-600. Link.
  6. Santos, C. Vampire or Megalomaniac Serial Killer?: The Bloody Countess Elizabeth Bathory. [Brock University]. Link.
  7. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK526077/
  8. A Shadow Within: Evil in Fantasy and Science Fiction. Academia Lunare, 2019. ISBN-13: 978-1-911143-91-8. Link.
  9. https://www.guinnessworldrecords.com/world-records/most-prolific-female-murderer
  10. https://www.nationalgeographic.com/history/article/the-bloody-legend-of-hungarys-serial-killer-countess