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Existe suporte científico para o "chip da beleza"?

Na imagem em destaque, estrutura molecular da gestrinona.

 
          A gestrinona é um hormônio esteróide androgenético sintético (1), derivado da nandrolona (ou 19-nortestosterona) e popularmente conhecido nas redes sociais como "Chip da Beleza". Implantado de forma subcutânea, esse hormônio vem sendo usado com preocupação para fins essencialmente estéticos. A gestrinona teve seu início com estudos sob administração por via oral para tratamentos ginecológicos, e, atualmente, existem poucos estudos científicos sobre tratamento através de implante subcutâneo. Por isso, não há medicamento contendo o insumo farmacêutico ativo de gestrinona com registro sanitário válido no Brasil, configurando produtos não regulamentados pela ANVISA.

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(1) Leitura recomendada: Esteroides anabólicos: Alto risco para doenças cardiovasculares, dano testicular persistente e COVID-19

          O composto e seus metabólitos hidroxilados ativos têm atividade antiestrogênica, antiprogestacional e androgênica. Gestrinona inibe a foliculogênese e suprime aumento de gonadotrofinas no meio do ciclo menstrual e, consequentemente, produz uma diminuição no estrogênio, anovulação e amenorreia. É possível que a gestrinona atue através dessa diminuição do suporte estrogênico da endometriose ou que tenha efeitos diretos devido a efeitos antiestrogênico, antiprogestacional e androgênico. Nesse sentido, têm sido especulados benefícios terapêuticos referentes à endometriose (2).

(2) Leitura recomendadaEndometriose pode provocar tosse com sangue? 

          Porém, apesar de ser sugerida como eficaz e relativamente segura no tratamento de endometriose, evidência científica de suporte é ainda muito limitada e estudos clínicos são extremamente escassos (Ref.2). Esse cenário é reforçado pelo atual posicionamento da Febrasgo (!).

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(!) Posicionamento sobre Gestrinona da Comissão Nacional Especializada em Endometriose da Febrasgo. Sociedade Brasileira de Endometriose e Cirurgia Minimamente Invasiva (Ref.3): 

I. Não há na literatura médica trabalho científico de relevância que avaliou a eficácia do citado implante no tratamento da endometriose;

II. Não se sustenta a colocação de que a via de administração de uma medicação, seja qual for, tem ação semelhante. Portanto, os efeitos do implante de gestrinona não podem ser, de forma alguma, comparado aos da gestrinona via oral. Esta via, apesar de ter sido avaliada em artigos científicos, possui evidências escassas sobre sua efetividade;

III. Não há informações disponíveis para a classe médica, tampouco para a população geral sobre os efeitos adversos relacionados à colocação dos referidos implantes. Ao contrário das medicações disponibilizadas em farmácias “não magistrais”, não há bulário que possa esclarecer às usuárias e profissionais da saúde, os possíveis efeitos da medicação, incluindo hepatotoxicidade, nefrotoxicidade, efeitos sobre o perfil lipídico, metabolismo hormonal, retorno aos ciclos menstruais normais, ganho de peso, assim como dos efeitos masculinizantes (aumento de oleosidade de pele, acne, hirsutismo, alteração de voz, aumento de clitóris, entre outros);

 IV. Por fim, é evidente que para uso de qualquer medicação, ressaltamos a necessidade de estudos que demonstrem eficácia e segurança, havendo ainda nos implantes, outras questões não esclarecidas, como a quantidade de droga liberada e absorvida no organismo (Estudo Fase I).

Desta forma, ambas entidades supracitadas não recomendam o uso de implantes hormonais contendo gestrinona para o tratamento de endometriose.  

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          Assim como outros hormônios androgênicos no corpo feminino, os principais efeitos colaterais associados ao uso de gestrinona são ganho de peso, acne, seborreia, rouquidão e hirsutismo (excesso de pelos no corpo). E os efeitos podem ser irreversíveis mesmo após descontinuação do uso. E evidência recente tem associado os implantes de gestrinona com o desenvolvimento de reabsorção condilar idiopática (uma alteração patológica e progressiva da morfologia condilar - estrutura associada com a articulação mandibular - e perda de massa condilar de etiologia desconhecida) (Ref.4).

          Nesse ponto, é importante ressaltar que a gestrinona NÃO é aceita como método contraceptivo, nem como Terapia Hormonal, e muito menos para fins estéticos (ex.: emagrecimento e aumento da massa muscular) visto que os estudos atuais não são suficientes para garantir que os benefícios superam os malefícios. O único implante hormonal aprovado pela ANVISA é o implante subdérmico anticoncepcional de etonogestrel (2). Como o produto não é regulamentado pela ANVISA, não é possível encontrá-lo disponível em farmácias, sendo vendidos como medicações manipuladas, gerando problemas como regulamento e monitoramento escasso pelo governo, presença de impurezas na composição, baixa ou nenhuma eficácia comprovada, e falta de descrição dos riscos e efeitos colaterais (Ref.5).

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(2) O implante liberador de etonogestrel (Implanon®) é um método contraceptivo reversível de longa duração - categoria que inclui o DIU (cobre ou hormonal) - e altamente eficaz e seguro, e com tempo de ação de 3 anos. Efeitos adversos leves a moderados - em especial sangramentos vaginais irregulares - podem levar a significativas taxas (10-20%) de descontinuação a longo prazo (Ref.6). Sérios efeitos adversos, como migração do implante para a artéria pulmonar são muito raros (Ref.7). Efetividade anticoncepcional reportada é de >99,9% (Ref.8).

> Leitura recomendada: DIU é seguro e efetivo como contraceptivo?

> É importante mencionar que terapias androgênicas visando problemas de libido nas mulheres deve ser feito para casos de real necessidade médica, e envolvendo Transtorno da Hipoatividade do Desejo Sexual. Nunca use andrógenos para esse fim sem acompanhamento e orientação médica para tal. Entenda: Terapia de testosterona é efetiva para tratar baixa libido na mulher?

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REFERÊNCIAS

  1. Lima et al. Uso de gestrinona no tratamento de endometriose. Ciências da Saúde: desafios, perspectivas e possibilidades - Volume 1. https://dx.doi.org/10.37885/210504583
  2. Pinto et al. (2023). Evaluation of safety and effectiveness of gestrinone in the treatment of endometriosis: a systematic review and meta-analysis. Archives of Gynecology and Obstetrics volume 307, pages 21–37. https://doi.org/10.1007/s00404-022-06846-0
  3. https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/1362-posicionamento-sobre-gestrinona-da-comissao-nacional-especializada-em-endometriose-da-febrasgo-sociedade-brasileira-de-endometriose-e-cirurgia-minimamente-invasiva
  4. Costa et al. (2023). Gestrinone implants may be responsible for idiopathic condylar resorption. Oral Surgery. https://doi.org/10.1111/ors.12802
  5. Borém et al. Sob a Pele: "Chip da Beleza" e Gestrinona. Link: PDF
  6. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/rfc2.22
  7. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0010782422000816
  8. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9374080/