Artigos Recentes

Qual a função da "cauda" nas asas da mariposa-luna?

Figura 1. Forma adulta da mariposa-luna.

           Morcegos e mariposas têm co-evoluído em uma relação de predador-presa por mais de 60 milhões de anos. Morcegos usam um sistema acústico de localização e orientação para navegação e caça. Mais da metade das ~140 mil espécies de mariposas noturnas descritas possuem ouvidos especializados para detectar o sonar dos morcegos. Porém, em >65 mil espécies, essa defesa acústica está ausente e, mesmo assim, enfrentam intensa predação de morcegos - sugerindo evolução de outros mecanismos de defesa. E entre as espécies sem um "ouvido anti-morcego", está a mariposa-luna (Actias luna), pertencente à família Saturniidae. Habitando a América do Norte, em especial o território dos EUA, os adultos dessa espécie de mariposa possuem uma envergadura de asa de 75 a 105 mm, uma característica coloração verde e uma longa "cauda" em cada uma das suas asas traseiras (Fig.1-3).

Figura 2. Adulto macho da A. luna, com a típica coloração da espécie. Dependendo da população, os padrões de cores podem mudar até certa extensão. Foto: Donald W. Hall/University of Florida

Figura 3. Adulta fêmea de A. luna. Foto: Foto: Lyle J. Buss/University of Florida

Figura 4. Último estágio larval de A. luna. As larvas (lagartas) podem medir até 70 mm de comprimento e podem se alimentar de um número de espécies de plantas de folhas largas (ex.: gênero Carya). Como defesa contra predadores, essas lagartas emitem um barulho de cliques e regurgitam fluidos com gosto repulsivo. Foto: Donald W. Hall/University of Florida

Figura 5. Pupa de A. luna. Foto: Donald W. Hall/University of Florida

           As longas "caudas" da mariposa-luna possuem justamente o propósito de interferir com o sistema de eco-localização dos morcegos, um mecanismo de defesa primeiro descrito em 2015 no periódico PNAS (Ref.2). As longas caudas espiraladas geram uma distração acústica defletindo as emissões sonoras de ecolocalização dos morcegos e desviando os ataques do corpo da mariposa para esses apêndices - os quais não são essenciais para o voo e sobrevivência desses insetos. Durante experimentos, cientistas têm mostrado que em mais da metade dos ataques de morcegos são desviados para as caudas da mariposa-luna (Fig.6). E esse mecanismo de defesa (ilusão sensorial) parece ter evoluído múltiplas vezes na família Saturniidae e outras famílias de mariposas (Fig.7). Mariposas com asas traseiras e caudas mais longas são mais eficientes em desviar o ataque dos morcegos (Ref.3).

Figura 6. Quadros de um registro em vídeo mostrando um morcego atacando, mordendo e arrancando uma das "caudas" (seta mostrando a ausência do apêndice) de uma mariposa-luna. Referência: Barber et al., 2015

Figura 7. Filogenia molecular mostrando múltiplas origens independentes de "caudas" nas asas traseiras de mariposas. Caudas com clara função anti-morcego evoluíram pelo menos 4 vezes (em destaques na análise filogenética). Referência: Barber et al., 2015

           Interessante observar que as longas caudas da mariposa-luna não parecem trazer prejuízos para essa espécie no sentido de torná-las alvos mais notáveis para aves voadoras diurnas (Ref.4), e parecem ter evoluído de forma exclusiva como defesa anti-morcego. Nesse último ponto, um estudo experimental recentemente publicado no periódico Behavioral Ecology (Ref.5) concluiu que seleção sexual não teve influência na evolução desses apêndices. Fêmeas e machos não mostram maior ou menor preferência por indivíduos com ou sem as caudas nas asas traseiras. De fato, apesar das caudas exibirem traços distintos entre os sexos, as diferenças não estão associadas a um substancial dismorfismo sexual, especialmente em termos de tamanho.

- Continua após o anúncio -


Assim como as caudas nas asas da A. luna (A), existe evidência de que as pontas lobuladas e padrões estruturais (ondas e dobras) na parte superior das asas de várias mariposas da família Saturnnidae, como a Attacus atlas (B), também funcionam como distrações acústicas contra o biossonar de morcegos. Ref.6

> Leitura recomendada: Asas de morcegos funcionam como um segundo "pulmão"?


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. https://entnemdept.ufl.edu/creatures/misc/moths/luna_moth.htm
  2. Barber et al. (2015). Moth tails divert bat attack: Evolution of acoustic deflection. Proceedings of the National Academy of Sciences, 112(9), 2812–2816. https://doi.org/10.1073/pnas.1421926112
  3. Rubin et al. (2018). The evolution of anti-bat sensory illusions in moths. Science Advances, Vol.4, Issue 7. https://doi.org/10.1126/sciadv.aar7428
  4. Rubin et al. (2023). Testing bird-driven diurnal trade-offs of the moon moth's anti-bat tail. Biology Letters, Volume 19, Issue 2. https://doi.org/10.1098/rsbl.2022.0428
  5. Rubin & Kawahara (2023). Sexual selection does not drive hindwing tail elaboration in a moon moth, Actias luna, Behavioral Ecology, arad019. https://doi.org/10.1093/beheco/arad019
  6. Neil et al. (2021). Wingtip folds and ripples on saturniid moths create decoy echoes against bat biosonar. Current Biology, Volume 31, Issue 21, Pages 4824-4830.e3. https://doi.org/10.1016/j.cub.2021.08.038