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Por que primatas, incluindo humanos, possuem tanto medo de cobras?

           Muitos primatas possuem grande medo de cobras, incluindo humanos. E primatas no geral exibem intensas reações a cobras, incluindo vocalizações de alarme específicas para esses répteis, e podem reagir espantando cobras com ferramentas improvisadas e projéteis (ex.: pedras).

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        Na verdade, é sugerido que mamíferos em geral exibem de forma inata significativo medo ou extrema precaução quando expostos a cobras devido a pressões predatórias nos nossos primeiros ancestrais mamíferos (pequenos animais similares a musaranhos) (1). Primeiro, cobras constritoras, as quais se alimentavam de pequenos mamíferos noturnos que dariam origem eventualmente aos primatas, eram um dos únicos predadores terrestres de relevante importância disponíveis para essas presas há cerca de 100 milhões de anos. Portanto, é mais provável que o circuito neural para comportamento de defesa (a amígdala com circuitos de saída e de entrada associados) originalmente evoluiu como resposta à predação pelas cobras e outros répteis do que à predação por aves de rapina ou felinos que só emergiriam ~50 milhões de anos mais tarde.

(1) Leitura recomendadaQual o segredo da poderosa coluna vertebral desses estranhos musaranhos?

           Além disso, cobras com um sistema de peçonha muito potente e efetivo emergiu na África há ~60-50 milhões de anos. Como cobras peçonhentas são frequentemente crípticas e difíceis de detectar, esses animais provavelmente exerceram crítica pressão sobre a evolução do sistema visual integrado ao sistema de medo no cérebro de primatas antropoides (ex.: macacos e primatas superiores), em especial sobre macacos do Velho Mundo, que persistiram continuamente na África após a separação do supercontinente Gondwana. Aliás, é sugerido que cobras peçonhentas coevoluíram com primatas, em uma contínua "corrida armamentista", com novos traços na presa (ex.: mais poderosa visão e intenso medo inerente de cobras) evoluindo em resposta a novos traços no predador (ex.: toxinas mais potentes e camuflagem).

          Nesse último ponto, e corroborando a Hipótese/Teoria da Detecção de Cobras, um estudo experimental publicado em 2019 no periódico The Fear of Snakes (Ref.4) mostrou que humanos detectam imagens de cobras com mais mais prontidão e eficiência do que outras imagens de animais associados a fobias (ex.: aranhas). E o mesmo experimento se mostrou verdade para macacos, mas não para coalas. Estudos prévios também mostram resultados no mesmo sentido.

            Um estudo ainda mais interessante publicado em 2020 na Scientific Reports (Ref.5), analisando a atividade elétrica cerebral de bebês de 7 a 10 meses de idade expostos a imagens diversas, revelou intensa e distinta atividade no cérebro quando imagens de cobras eram apresentadas, reforçando a existência de um circuito neural fortemente conservado no cérebro de primatas para eficiente detecção e rápida resposta a cobras.

          Cobras parecem ser os únicos animais que sempre foram temidos por humanos e primatas.


REFERÊNCIAS

  1. Ohman, A. (2007). Has evolution primed humans to “beware the beast”? Proceedings of the National Academy of Sciences, 104(42), 16396–16397. https://doi.org/10.1073/pnas.0707885104
  2. Fry et al. (2021). Monkeying around with venom: an increased resistance to α-neurotoxins supports an evolutionary arms race between Afro-Asian primates and sympatric cobras. BMC Biology, 253. https://doi.org/10.1186/s12915-021-01195-x
  3. Pruetz et al. (2022). Savanna chimpanzees (Pan troglodytes verus) in Senegal react to deadly snakes and other reptiles: Testing the snake detection hypothesis. [ainda em preprint]. https://doi.org/10.1101/2022.09.04.506548
  4. Kawai, N. (2019). "Do Snakes Draw Attention More Strongly than Spiders or Other Animals?" The Fear of Snakes, pp 73–94. https://doi.org/10.1007/978-981-13-7530-9_5
  5. Bertels et al. (2020) Snakes elicit specific neural responses in the human infant brain. Sci Rep 10, 7443. https://doi.org/10.1038/s41598-020-63619-y