Por que os gatos às vezes comem plantas?
- Atualizado no dia 13 de setembro de 2025 -
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Quem possui um gato de estimação (Felis catus), talvez já tenha presenciado um estranho hábito: a ocasional mastigação e ingestão de plantas (como grama e outras espécies vegetais ornamentais), em muitos casos seguido de vômito. Esse fenômeno tem sido frequentemente reportado por proprietários de cães (Canis familiares) e gatos domésticos. No caso dos gatos o mistério é ainda mais pronunciado, já que os felinos são animais hipercarnívoros e considerados carnívoros obrigatórios (!). Existem duas principais hipóteses para explicar esse comportamento nos bichanos. A hipótese mais defendida sugere que o hábito é uma defesa contra parasitas intestinais. A segunda hipótese sugere que os gatos comem grama para facilitar a expulsão de pelos ingeridos em excesso.
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(!) Leitura recomendada:
O consumo de plantas por cães e gatos tem despertado a curiosidade da humanidade desde a antiguidade. Famosamente, Aristóteles (384-322 a.C.) alegou que "cães nunca comem grama, exceto quando estão doentes para forçar vômito e purgar seus corpos". Esse comportamento é, de fato, comumente observado em cães e também gatos, envolvendo o consumo de gramíneas e de outras plantas indigestíveis. Tal comportamento tem sido estudado em cães, e já foi encontrado que 68% desses animais comem plantas semanalmente ou mesmo diariamente - com 9% aparentemente doentes antes de comerem plantas e 22% frequentemente vomitando após o consumo. Cães mais jovens comem plantas de forma mais frequente do que cães mais velhos. É sugerido que o hábito de comer plantas nos cães é uma predisposição inata, herdada de ancestrais mas sem claro benefício para os cães modernos (Canis familiaris).
Dentro da ordem dos carnívoros (Carnivora) o consumo de tecidos fibrosos de plantas, como folhas e caules, é apenas conhecido de servir propósito nutricional em oito espécies nas famílias Ailuridae e Ursidae (1). A ordem Carnivora engloba 300 espécies ainda existentes entre 129 gêneros e 16 famílias, e cujos representantes exibem um trato gastrointestinal relativamente simples, adaptado para o consumo de uma dieta carnívora (alta concentração proteica e consumo de outros animais - vertebrados e/ou invertebrados). Cerca de 58% da ordem é considerada predominantemente carnívora, com as espécies se alimentando primariamente de animais, e cerca de 40% é predominantemente onívora, com significativa porção da dieta baseada no consumo tanto de animais quanto de plantas - tipicamente frutos como item da dieta vegetariana mais importante.
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(1) Nessas duas famílias temos notavelmente os pandas-vermelhos e os pandas-gigantes, os quais possuem uma dieta composta por mais de 90% de bambu, ou seja, altamente fibrosa. Sugestão de leitura: Afinal, pandas são carnívoros, onívoros ou herbívoros?
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Porém, apesar de raras espécies de carnívoros dependerem de tecidos vegetais muito fibrosos em termos nutricionais, um estudo de revisão publicado em 2020 no periódico Belgian Journal of Zoology (Ref.1) encontrou que o consumo de folhas e outras partes muito fibrosas de plantas ocorre em pelo menos 124 espécies da ordem Carnivora (~41% das espécies). Desse total, 116 espécies de carnívoros não parecem derivar nutrição desse tipo de dieta, incluindo em especial membros das famílias Canidae (ex.: cães), Felidae (ex.: gatos) (2) e Mustelidae. E o comportamento de ingerir folhas e afins mostrou-se deliberado mesmo em espécies hipercarnívoras como felinos, incluindo linces, leopardos, panteras e pumas; às vezes esses componentes vegetais são ingeridos de forma relativamente frequente e em relativa grande quantidade.
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(2) Relevante mencionar que gatos também interagem com certas plantas (ex.: erva-dos-gatos) - sem ingestão - com o objetivo de usá-las como repelentes de insetos. Para mais informações: Por que os gatos amam se esfregar em certas plantas?
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Nesse último estudo, os pesquisadores encontraram também evidência sugestiva de uma significativa correlação positiva entre ingestão de tecidos fibrosos de plantas e presença de vermes parasitas (ex.: helmintos) no intestino de animais carnívoros. Os autores do estudo então sugeriram um potencial propósito para o estranho hábito alimentar: estimular o trato gastrointestinal no sentido de facilitar a expulsão de vermes parasitas. Essa proposta é reforçada pelo fato das folhas serem tipicamente engolidas em grandes fragmentos, sem adequada mastigação caso o propósito fosse nutricional; a preservação de características morfológicas nas folhas parece aumentar o estímulo gastrointestinal.
Gramíneas têm sido observadas emaranhadas ao redor de vermes nematelmintos intestinais em fezes de lobos. Primatas, incluindo chimpanzés e bonobos, ocasionalmente consomem folhas inteiras, e vermes nematelmintos e platelmintos têm sido observados dentro de folhas dobradas em matéria fecal de chimpanzés. Significativamente mais nematelmintos parasitas da espécie Toxocara paradoxura são encontrados em fezes de civetas quando matéria fecal contém gramíneas indigestas.
Nesse sentido, mesmo em gatos e cães domésticos livres de parasitas, o comportamento de comer folhas e caules (ex.: gramíneas) seria mantido por herança de ancestrais selvagens, ou seja, um comportamento inato altamente conservado no percurso evolutivo.
Importante, não parece existir convincente evidência de que o motivo para cães e gatos comerem folhas seja aliviar náusea ou induzir vômito, uma crença comum.
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Hipótese da Auto-Medicação
Em um estudo publicado em 2021 no periódico Animals (Ref.2), pesquisadores da Universidade da Califórnia, EUA, conduziram uma pesquisa online pedindo para que donos de gatos respondessem a um questionário sobre a questão. Eles receberam 2296 retornos, estes os quais foram filtrados seguindo como principal critério de exclusão a necessidade dos donos dos gatos terem sido capazes de acompanhar o comportamento desses felinos 3 ou mais horas por dia. Eliminando também os participantes que eram mantidos dentro do domicílio sem acesso a plantas, os pesquisadores obtiveram 1021 participantes aptos a serem analisados.
Os resultados das análises dos questionários revelaram que 71% dos gatos tinham sido vistos comendo plantas no mínimo 6 vezes, 61% mais de 10 vezes, e 11% nunca foram vistos comendo plantas. Comparando os gatos vistos comendo as plantas no mínimo 10 vezes com aqueles que nunca foram vistos comendo, não foram encontradas diferenças na faixa de idade, sexo, origem ou número de gatos no domicílio. Dos gatos vistos comendo plantas no mínimo 10 vezes, 67% foram estimados de comerem plantas diariamente ou semanalmente. Quando questionados sobre o estado dos gatos antes de comer as plantas, 91% dos participantes disseram que seus gatos pareciam quase sempre normais. O ato de vomitar posteriormente à ingestão das plantas foi um pouco mais comum, onde 27% reportaram que os gatos frequentemente vomitavam após comer as plantas.
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Em um estudo prévio realizado pelos pesquisadores no mesmo formato mas focado nos cães, foi revelado um padrão similar ao observado na pesquisa com os gatos, incluindo a frequência de ingestão das plantas, estado aparentemente normal antes da ingestão, e ato de vômito 20-30% das vezes.
Entre os gatos mais jovens (3 anos de idade ou menos), 39% se engajaram em uma alimentação diária de plantas comparado com 27% dos gatos com 4 anos ou mais de idade. E enquanto que a porcentagem de gatos mais jovens não mostrando nenhum sinal de doença ou mal-estar antes da ingestão das plantas foi similar ao de gatos mais velhos, apenas 11% dos gatos mais jovens foram observados vomitando frequentemente após a ingestão comparado com os gatos mais velhos (30%). Esses padrões mostraram-se também similares aos dos cães.
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Uma explicação comum e histórica dada para o hábito vegetariano nos gatos e nos cães é que esses mamíferos estariam doentes ou com mal-estar antes da ingestão de plantas, e com esse ato ajudando a induzir vômito, fazendo-os se sentirem melhores. Porém, os resultados do estudo não deram suporte para essa hipótese, além de descreditar outra ideia: a de que esses animais aprenderiam o hábito quando novos observando os gatos mais velhos.
Com os resultados do estudo e evidências prévias, os pesquisadores defenderam a hipótese de que a ingestão regular de plantas por gatos é uma predisposição herdada de ancestrais selvagens, algo suportado em especial pelo hábito comum de vários outros carnívoros selvagens consumirem frequentemente folhas e outras partes fibrosas de plantas. Estudos em primatas já mostraram que plantas indigestíveis ajudam a livrar o trato gastrointestinal de parasitas helmintos, ao aumentar a atividade muscular associada. Dado que virtualmente todos os carnívoros selvagens carregam uma substancial carga de parasitas intestinais, o ato regular e instintivo de comer plantas teria uma função adaptativa na manutenção de uma carga parasitária intestinal tolerável, independentemente se o animal sente ou não os parasitas.
E assim como cães e outros carnívoros, gatos mais jovens mostraram comer plantas mais frequentemente do que aqueles mais velhos. Isso pode ser devido ao fato de que os mais jovens são mais vulneráveis a prejuízos nutricionais causados por uma alta carga de vermes parasíticos no intestino. Existe também uma correlação negativa previamente estabelecida entre porte corporal e frequência da ingestão de plantas por carnívoros, sugerindo que indivíduos juvenis e espécies de pequeno porte em geral são mais impactados pelos parasitas.
Hipótese da Evacuação de Pelos
Carnívoros frequentemente ingerem os pelos de presas, assim como os próprios pelos enquanto fazem a limpeza da pelagem. Isso pode levar à formação de densas bolas de pelos que podem bloquear o trato digestivo caso não sejam expelidas. Esse problema pode ser especialmente problemático em animais com pelos mais longos. Existe a hipótese que o consumo de certas plantas pode ajudar a expulsar os pelos em excesso do sistema gastrointestinal desses animais, mas evidência de suporte nesse sentido é muito limitada.
Um estudo publicado recentemente no periódico Journal of Veterinary Behavior (Ref.13), e conduzido por pesquisadores da Universidade de High Point, na Carolina do Norte, EUA, resolveu explorar mais a fundo essa hipótese, analisando gramas ingeridas por gatos domésticos e bolas de pelo regurgitadas por esses felinos através de microscopia de varredura eletrônica (SEM). Apenas massas de pelo contendo matéria vegetal visível a olho nu foram analisadas.
A análise revelou que a matéria vegetal associada aos pelos exibia serrações microscópicas e/ou projeções epidérmicas conhecidas como tricomas. Dependendo da planta, essas microestruturas eram 2 a 20 vezes mais longas do que a espessura dos pelos dos gatos, permitindo aprisionar esses últimos.
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Bola de pelo de um gato observada através de um microscópio de varredura eletrônica, onde pode ser observado um fio capilar (preto) emaranhando nos tricomas de uma gramínea. |
No estudo, os autores argumentaram que parasitas como vermes platelmintos e helmintos são até 60 vezes maiores do que as microestruturas das plantas ingeridas, ou seja, muito grandes para serem aprisionados. Nesse contexto, o consumo de grama por gatos talvez tenha como função primária ajudar na remoção de pelos através de regurgitação.
Além disso, análises genéticas conduzidas no estudo apontaram que os gatos analisados estavam consumindo plantas com microestruturas favoráveis à remoção de pelos (ex.: grama).
Por outro lado, é ainda incerto se o consumo dessas plantas favorecem a remoção dos pelos através das fezes. Pode ser que, no trato intestinal, as folhas ingeridas auxiliem primariamente na remoção de parasitas, como múltiplas evidências apontam, e através de mecanismos indiretos (ex.: estimulante intestinal).
> Especialistas deixam um conselho para donos de cães e gatos: comprem ou cultivem grama para esses animais mastigarem. Isso dará uma chance deles exercitarem seus comportamentos inatos com uma fonte segura de plantas atóxicas.
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Leitura recomendada:
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- Franck & Farid (2020). Many Species of the Carnivora Consume Grass and Other Fibrous Plant Tissues. Belgian Journal of Zoology, Vol. 150.https://doi.org/10.26496/bjz.2020.73
- Hart et al. (2021). Characteristics of Plant Eating in Domestic Cats. Animals, 11(7): 1853. https://doi.org/10.3390%2Fani11071853
- Hughes et al. (2025). Plant eating behavior in domestic cats: support for the hair evacuation hypothesis. Journal of Veterinary Behavior. https://doi.org/10.1016/j.jveb.2025.08.002
- https://www.science.org/content/article/gold-covered-hairballs-may-reveal-why-cats-eat-grass