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Como os gatos conseguem ficar tão limpos?


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          Os gatos domésticos e felinos em geral são famosamente reconhecidos por serem animais bastante asseados, gastando boa parte do dia com a limpeza do corpo, através de incessantes lambidas. Agora, os cientistas parecem ter descoberto o segredo por trás da dedicada e eficiente limpeza felina.

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   PAPILAS ESPECIAIS

          A família Felidae - a qual engloba todos os felinos - está na Terra há cerca de 11 milhões de anos antes de um dos seus representantes começar a ser domesticado há cerca de 10 mil anos, na região do Sudeste Asiático. Hoje, gatos domésticos (Felis catus) passam até 24% do tempo que gastam acordados limpando e ajeitando seus pelos através de contínuas lambidas, estas as quais os ajudam a catar pulgas, pelos soltos e aliviar o excesso de calor. Sem as incessantes lambidas, detritos e pelos emaranhados em excesso podem causar sérios problemas para a pele desses animais, desde dolorosas lesões até infecções.

          A língua dos gatos e felinos em geral possui centenas de estruturas pontiagudas e voltadas para trás chamadas de papilas filiformes, mostradas na figura abaixo. Em 1982, um questionável estudo concluiu que a papila de um gato possuía a forma de um cone sólido, uma observação que permaneceu não desafiada por duas décadas.


          Para avaliar o potencial poder de limpeza e a natureza estrutural da língua dos felinos, pesquisadores da Escola de Engenharia Mecânica do Instituto de Tecnologia da Geórgia, Atlanta, EUA, usaram tomografia computadorizada (CT) para criar escaneamentos tridimensionais de línguas coletadas - após morte natural ou acidental - de um gato doméstico, de um lince-pardo, de um puma, de um leopardo-das-neves, de um tigre e de um leão (no caso, uma leoa). Foi observado que os cones - ou papilas - de todas as espécies investigadas possuíam uma cavidade oca na forma de uma concha-cone em suas pontas (derrubando a conclusão do estudo de 1982).


          Os pesquisadores, ao explorarem a propriedade de tensão superficial da água - resultantes de forças intermoleculares diferencial que faz com que a camada superficial de um líquido se comporte como uma membrana elástica (a qual ajuda a conter o volume de água na forma de uma gota, por exemplo) -, mostraram que as cavidades ocas das papilas ajudam os felinos a moverem gotículas de saliva através das suas camadas de pelo superiores para dentro das camadas mais profundas sobre a pele. O fluido entregue pela superfície da língua de um gato penetra apenas uma profundidade de ~0,54 mm na pelagem, deixando a maior parte intocada se não fosse pelas papilas. Apesar das papilas reterem em suas cavidades no máximo 5% do volume de saliva na língua, a extensão dessa estrutura possibilita que esse pequeno volume retido se espalhe ao longo das raízes dos pelos. Com esse crucial depósito de saliva na superfície da pele, sangue e outros contaminantes impregnados podem ser dissolvidos e retirados com mais facilidade, diminuindo os riscos de infecções e lesões.

          Com a análise de vídeos em câmara-lenta - via videografia de alta velocidade - gravados de gatos domésticos executando a limpeza da pelagem, os pesquisadores mostraram que os felinos movem suas línguas de tal forma que as papilas ficam perpendiculares em relação à língua à medida que ela se move através da pelagem. Esse movimento ajuda a maximizar o quanto cada papila consegue alcançar. Além disso, a base flexível das papilas permite que pelos sejam facilmente removidos da língua.


          Porém, alguns cruzamentos domésticos, como os gatos domésticos Persas, são notórios por possuírem uma longa pelagem que torna a superfície da pele inacessível para as papilas, o que explica os cuidados especiais que eles demandam. Segundo os Centros Veterinários Norte-Americanos (VCA, na sigla em inglês), os donos de gatos Persas precisam pentear seus pelos diariamente e dar-lhes banhos mensalmente para redistribuir os óleos naturais da pelagem e ajudar na limpeza da pele. Aliás, duas linhagens de gatos Persas são as únicas conhecidas que possuem essa desvantagem no mundo felino. Como eles não foram selecionados na natureza por um processo evolutivo natural e gradual, essa notável desvantagem acabou persistindo por pressão seletiva artificial.

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          Os novos achados foram descritos em um estudo recentemente publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) (1). Até esse estudo, a precisa função das papilas felinas era ainda um mistério.

          Mas os gatos não lambem a si mesmos apenas para ficarem limpos. Saliva os ajudam substancialmente a resfriarem seus corpos, de acordo com análises térmicas também realizadas pelos pesquisadores do novo estudo. Isso já era hipotetizado há um bom tempo, especialmente porque outros animais lambem a si mesmos para aliviarem o calor. Ratos e cangurus até mesmo possuem uma fina camada de pele nos ombros para esse propósito. E essa é uma estratégia importante para os gatos, já que eles somente possuem glândulas sudoríparas nas suas patas. É estimado que até um terço da perda evaporativa de água de um gato é devido à evaporação a partir da pelagem.


          Um gato doméstico com uma massa de 2,2 kg precisa expelir calor a uma taxa em torno de 5,7 W para não super-aquecer. Em um cenário ideal, toda a saliva segurada pela papila seria depositada em cada lambida. Esse depósito de saliva possui o potencial de resfriar o animal a uma taxa de  Q = mLv onde m é a quantidade de saliva depositada por unidade de tempo e Lv é o calor latente de vaporização de água à temperatura corporal. Para uma média de temperatura do corpo de um gato de 39°C, o calor latente de vaporização da água é 575 cal/g. Um gato doméstico dorme em média 14 horas/dia e faz limpeza da pelagem ~24% do tempo em que fica acordado, ou seja, 2,4 horas/dia. Considerando a frequência de 1,4 lambida por segundo e máximo volume de água retido na cavidade das papilas de 4 µL, o gato doméstico pode depositar 48 g de saliva por dia com suas 290 papilas.

          Agora, considerando apenas a transferência de saliva pelas papilas nas regiões próximas da pele, a taxa de eliminação de calor (Q) pode alcançar um máximo de 1,3 W, quase 25% da taxa necessária. Nesse sentido, os outros 75% seriam transferidos por condução, convecção e radiação dos pelos, patas e ouvidos. O tecido da língua também molha os pelos para uma evaporação extra.

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   APLICAÇÃO TECNOLÓGICA

          Os pesquisadores também usaram os achados para criar uma escova especial (TIGR) inspirada na língua dos felinos. Para isso, eles utilizaram os escaneamentos tridimensionais como base de instruções para uma impressora-3D sintetizar uma escova com uma almofada flexível de silicone e dentes similares à estrutura das papilas felinas.


          Comparada com uma escova de cabelo tradicional, a TIGR agarra menos nos cabelos/pelos e mostrou-se mais fácil de limpar. A nova escova pode inclusive ser útil para entregar medicamentos à pele dos gatos de forma mais eficiente.

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   CONCLUSÃO

          A língua dos felinos é uma ferramenta multifuncional, capaz de distribuir saliva para a limpeza da pelagem e resfriamento da pele. Nela, encontramos papilas especiais ocas que são responsáveis por aplicar saliva na base dos seus pelos. Sem essas papilas, saliva na superfície da língua não molharia a pele e as regiões mais profundas da pelagem, prejudicando imensamente a limpeza e sistema de resfriamento dos felinos.


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REFERÊNCIA