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A Amazônia é o pulmão do mundo?


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          O oxigênio gasoso (O2) é talvez o mais crucial componente atmosférico para a vida na Terra como hoje a conhecemos, sendo mantido a uma porcentagem um pouco abaixo de 21% em relação ao conteúdo total de gases na atmosfera não apenas pelo processo de fotossíntese, mas também pelo pelos processos que consomem essa molécula, como a respiração aeróbica, combustão e pela decomposição. Além de sustentar grande parte dos processos metabólicos, o O2 também é essencial para a formação da camada de ozônio, a qual protege o bioma terrestre dos perigosos raios ultravioletas (1). Com a grande repercussão internacional e nacional das queimadas na Amazônia Brasileira, muitos - incluindo líderes de nações e celebridades - estão compartilhando em tom de alerta a informação de que esse bioma produz grande parte do O2 presente na atmosfera. Mas será que isso é verdade? E o mais importante: será que a resposta é tão simples assim?

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(1) Leitura recomendada: Como está a situação da Camada de Ozônio?

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   FLORESTAS TROPICAIS

           As florestas tropicais são um dos mais antigos ecossistemas vivos hoje presentes no planeta, com algumas tropicais úmidas sobrevivendo na atual forma há no mínimo 70 milhões de anos. Muito diversas, quentes e complexas, elas abrigam mais da metade das espécies de plantas e animais da Terra, mesmo cobrindo apenas cerca de 7% da superfície seca (excetuando-se as áreas de ambientes aquáticos). Em outras palavras, esses ecossistemas possuem uma densidade absurda de biodiversidade complexamente interligada. Presentes em todos os continentes, com exceção da Antártica, as maiores florestas tropicais são representadas pela Amazônia e pela massa florestal que acompanha o Rio Congo, na África. Ambas são do tipo tropical úmida, o qual abriga o mais rico espectro de biodiversidade: um estimado de 6 milhões de espécies de plantas, animais e insetos.

          No entanto, apesar da riquíssima biodiversidade e preciosos serviços ecológicos que prestam, além do enorme potencial bioeconômico, as florestas tropicais em geral (incluindo úmidas), no total líquido, não produzem mais do que 22% do gás oxigênio produzido pelos biomas nas áreas de terra seca para a atmosfera; a Amazônia em específico no máximo 16%, e menos do que 10% do que o total sendo emitido para a atmosfera. Para se ter uma ideia, a atmosfera da Terra possui cerca de 1,19x1021 g de O2), e a quantidade de oxigênio líquido (ou seja, descontada a quantidade do oxigênio consumido) produzido pelas florestas tropicais é em torno de 1,06x1015 g de O2 por ano. Demoraria, portanto, quase 1,2 milhão de anos para que a atual massa de florestas  tropicais produzisse a mesma quantidade de gás oxigênio presente na atmosfera.

          E no caso do bioma Amazônico e de outras florestas tropicais, esse não é o fim da história. A longo prazo, o total de oxigênio emitido para a atmosfera acaba sendo consumido quase por completo por essas florestas. Primeiro, apesar da quantidade de oxigênio gasoso ser produzido em larga escala durante o dia via fotossíntese, a massa florestal consome metade disso no processo de respiração das plantas. Além disso, o restante é praticamente todo consumido pelo solo, animais e microrganismos presentes nas florestas, estimulados pelas altas temperaturas típicas desses biomas. Na Amazônia e nas regiões tropicais do sudoeste Asiático, se as atividades antropogênicas nessas áreas forem levadas em conta, é estimado que o fluxo de O2 é negativo, ou seja, consome mais do que gera (Ref.4).

           Na verdade, o fluxo de O2 consumido pelas atividades humanas de 2013 (46 Gt/ano) é estimado de ter sido superior a 4X o fluxo líquido de O2 produzido pelo ecossistema sobre terra seca (~11,5 Gt/ano).

          É um mito, portanto, pensar que a Amazônia é o "pulmão" do mundo em termos de produção de oxigênio. A floresta consome tanto quanto produz a longo prazo. Os verdadeiros "pulmões" do mundo não se encontram em terra seca, nas áreas continentais, mas, sim, nos oceanos.

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   FITOPLÂNCTON

           Junto com as algas marinhas, os fitoplânctons são responsáveis por mais de 50% do oxigênio gasoso presente na atmosfera. Em específico, as cianobactérias do gênero Prochlorococcus, um entre inúmeros compondo o fitoplâncton, são responsáveis sozinhos por 20% dessa injeção de O2 atmosférico. Esses microrganismos, portanto, possuem enorme impacto na biodiversidade e no clima do planeta, e representam os reais pulmões do mundo em termos de oxigenação.




          Os fitoplânctons são organismos fotossintetizantes que compõem o plâncton (um conjunto bastante diverso de microrganismos presentes nos oceanos). Existem centenas de milhares de espécies de fitoplâncton distribuídas em duas classes: os dinoflagelados e as diátomas. Os dinoflagelados usam uma espécie de cauda (ou flagela) para se moverem ativamente através das águas, e seus corpos são cobertos com complexas conchas. Diátomas também possuem conchas, mas que são feitas de uma substância diferente e suas estruturas são rígidas e feitas de partes interligadas. Sem flagelos, as diátomas se movem pelos oceanos de forma passiva, acompanhando as correntes oceânicas. Diferentes espécies e variações genéticas se adaptam a diferentes condições físico-químicas, geográficas e biológicas dos oceanos, incluindo salinidade, transparência das águas, conteúdo nutricional, profundidade, temperatura, etc. Vivem tanto no ambiente marinho quanto no ambiente de água fresca.

          Os fitoplânctons, junto com o zooplâncton (estes os quais também dependem do fitoplâncton), são a base crucial de quase toda a cadeia alimentar nos oceanos, servindo de alimento para uma ampla gama de seres marinhos. Todos os anos, esses microrganismos bombeiam cerca de 10 gigatoneladas (Gt) de carbono da atmosfera para o fundo dos oceanos (produtividade orgânica). Além disso, os fitoplânctons produzem uma quantidade enorme de oxigênio que alimenta a atmosfera terrestre e o oceanos em geral. De fato, os cientistas estimam que no mínimo 50% do O2 atmosférico é oriundo desses seres. Esses microrganismos também requerem nutrientes inorgânicos como nitratos, fosfatos, cálcio, silicato, ferro e enxofre para converter os produtos da fotossíntese em carboidratos, proteínas e carboidratos.

           Como são organismos fotossintetizantes, os fitoplânctons habitam as regiões mais superficiais dos oceanos, na chamada 'zona fotossintética'. Essa zona pode se estender até 200 metros, mas certas espécies de fitoplânctons possuindo pigmentos de fotossíntese que absorvem luz azul e verde, podem ainda aproveitar frações bem pequenas da luz solar em profundidas ainda maiores, em regiões relativamente bem escuras.

          Em situações de alta concentração de nutrientes nos mares, pode ocorrer uma explosão populacional desses microrganismos na superfície oceânica, criando manchas bem visíveis do espaço. Essas superpopulações podem ser perigosas, já que estão associadas com um excesso de produção de toxinas.

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   PORÉM...

          As florestas tropicais, em especial a Amazônia, armazenam uma enorme quantidade de carbono, acumulado em estruturas orgânicas através da fotossíntese (fixação de carbono), e, portanto, atuam crucialmente no controle climático da Terra junto a outros biomas. Existem cerca de 750x1015g de carbono (C) na atmosfera - na forma principalmente de metano (CH4) e de dióxido de carbono (CO2). Nas florestas tropicais, temos cerca de 560 x 1015g de C armazenados, ou seja, quase a mesma quantidade presente na atmosfera. Em 1950, 15% da superfície terrestre era coberta por florestas úmidas. Hoje, mais da metade dessa cobertura já foi devastada. Quase 20% da Amazônia foi desmatada em apenas algumas décadas, e estamos testemunhando um novo aumento drástico desse desmatamento.

           Nesse sentido, o desmatamento, queimadas, entre outras formas de devastação das florestas em geral contribuem enormemente para um aumento da quantidade de gases estufas na atmosfera e, consequentemente, para a ampliação do aquecimento global. Esse processo se dá tanto via liberação do carbono acumulado quanto via interrupção da atividade fotossintética. E o atual processo acelerado de aumento da temperatura média da superfície terrestre, incluindo da superfície dos oceanos, implica em impactos sérios no ecossistema marinho, afetando consequentemente os fitoplânctons.

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Leitura recomendada: Aquecimento Global: Uma Problemática Verdade

            O principal impacto do acelerado aquecimento global é a maior estratificação dos oceanos, não permitindo que nutrientes circulem com facilidade do fundo oceânico para a superfície e mesmo que O2 circule da superfície oceânica para a para as regiões mais profundas, comprometendo a produtividade fotossintética ao dificultar o crescimento do fitoplâncton e tornando a respiração mais difícil para os seres marinhos que habitam áreas intermediárias e profundas dos mares.

           Uma grande proporção (aproximadamente 40%) das massas oceânicas são mais ou menos permanentemente estratificadas, o que significa que os processos de mistura sazonais não são suficientes para redistribuir nutrientes ao longo de toda a coluna de água. Essa condição resulta na superfície oceânica ficando permanentemente com baixo nível de nutrientes inorgânicos (nitrato, fósforo, etc.) e tais regiões são, portanto, referidas como sendo oligotróficas. Essas regiões oligotróficas ocorrem em baixas latitudes, nos oceanos Atlântico e Pacífico. De fato, a produção fotossintética nessas áreas tende a ser menor, assim como a distribuição de oxigênio para as águas mais profundas.

          Um contínuo aumento das temperaturas oceânicas devido ao aquecimento global leva ao aumento da estratificação oceânica, algo já ocorrendo desde a década de 1960. Devido ao fato dos fitoplânctons de maiores dimensões, especialmente as diátomas, necessitarem de mais nutrientes, esses acabam requerendo um maior grau de mistura da coluna de água que repõe os nutrientes. O aquecimento global, portanto, pode prejudicar essa reciclagem em cada vez mais regiões oceânicas onde o plâncton não está acostumado com uma maior escassez de nutrientes.



          Essa maior estratificação já tem mudado a composição de fitoplâncton em várias regiões oceânicas, e ainda é incerto se tais mudanças podem levar a consequências negativas ou benignas a longo prazo. No geral, uma diminuição na produtividade fotossintética por parte dos fitoplânctons parece ser certa, mas é incerto qual a real extensão. De qualquer forma, esses dois fatores (composicional e de produtividade) podem levar a sérios desequilíbrios ecológicos.

           Alguns estudos recentes baseados em modelos computacionais sugerem cenários de possíveis catástrofes na produção de oxigênio pelo fitoplâncton se nada for feito para frear o Aquecimento Global (Ref.11-12).

          O segundo impacto é a diminuição de solubilidade do O2 nas águas oceânicas superficiais com o aumento de temperatura, agravando cenários de maior hipoxia nas águas oceânicas mais profundas.

          O terceiro impacto notável é o aumento da acidificação das águas marinhas com o aumento de dióxido de carbono na atmosfera (2). Essa alteração do pH oceânico pode impactar negativamente esses microrganismos fotossintetizantes. Nos últimos 800 mil anos, os níveis de dióxido de carbono nunca chegaram perto do nível hoje presente na atmosfera devido às atividades humanas, ou seja, em apenas poucas décadas estamos impondo um ambiente totalmente diferente a seres que evoluíram adaptações ao longo de centenas de milhares de anos para sobreviverem em distintas condições.

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(2) Para saber mais, acesse: Gás carbônico e acidez dos mares

          Somando-se a isso, a poluição cada vez crescente e o consumo cada vez maior de combustíveis fósseis causam uma diminuição desse gás na atmosfera e também nos oceanos. Até 2100, e desconsiderando um colapso da comunidade de plânctons, é estimado que as atividades humanas no atual formato levarão a uma diminuição da porcentagem de O2 atmosférico de 20,946% para 20,825%, uma depleção antropogênica de 100 Gigatoneladas/ano desse gás na atmosfera (Ref.10). De fato, desde a década de 1980, a concentração de O2 atmosférico vem caindo cerca de 4 ppm/ano. De 2000 até 2013, o consumo humano de O2 foi de 35,6 Gt/ano para 46 Gt/ano, um fluxo gerado em maior parte pela queima de combustíveis fósseis e queimadas nas savanas e florestas tropicais. A poluição nos oceanos em específico têm dobrado as áreas de zonas mortas. Esses dois fatores, portanto, contribuem também para uma maior hipoxia e fuga do equilíbrio, mesmo que de forma tímida.

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   CONCLUSÃO

          As florestas tropicais, incluindo a Amazônia, no balanço final, praticamente não produzem oxigênio molecular de forma significativa para a atmosfera, devido principalmente à forte respiração heterotróficas do solo sob condições de maiores temperaturas. No entanto, esses biomas precisam ser conservados por causa da absurda biodiversidade que carregam e dos inúmeros serviços ecológicos que prestam. Além disso, o desmatamento e as queimadas em excesso contribuem para o Aquecimento Global, e este por sua vez pode causar graves danos aos verdadeiros pulmões do planeta.

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REFERÊNCIAS 
  1. https://globalchange.umich.edu/globalchange1/current/HW/Rainforest_answer_F2002.htm
  2. https://www.bbc.com/news/world-latin-america-49450925
  3. http://www.columbia.edu/cu/21stC/issue-2.1/broecker.htm
  4. https://www.earth-syst-sci-data-discuss.net/essd-2019-36/essd-2019-36.pdf
  5. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28784706
  6. https://oceanservice.noaa.gov/facts/phyto.html
  7. https://ocean.si.edu/ocean-life/plankton/every-breath-you-take-thank-ocean
  8. https://visibleearth.nasa.gov/view.php?id=87465
  9. https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1029/2005GL023653
  10. https://journals.ametsoc.org/doi/abs/10.1175/BAMS-90-8-StateoftheClimate
  11. https://www.mdpi.com/2079-3197/6/4/59
  12. https://www.mdpi.com/2076-3263/8/6/201
  13. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S209592731830375X