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Alerta da ciência: Selfies podem distorcer seu rosto, especialmente o nariz


- Atualizado no dia 12 de setembro de 2021 -

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         As selfies são tipicamente auto-retratos - individuais ou em grupo - geralmente tirados com um Smartphone segurado pela mão de uma pessoa ou por um pau-de-selfie. As fotos são frequentemente compartilhadas nas redes sociais, como o Facebook, Snapchat e, especialmente, no Instagram. Em anos recentes, a selfie se tornou parte da rotina de muitas pessoas e uma das principais modalidades fotográficas da atualidade. Somente em 2014, foram mais de 93 milhões de selfies tiradas por aparelhos Androides por dia, e, em 2015, 24 bilhões de selfies foram enviados (upload) para o Google. Porém, um preocupante mas ignorado efeito também acompanha esses auto-retratos.

         Apesar da facilidade e praticidade envolvida na execução de uma selfie, a curta distância entre a câmera e o rosto da pessoa que muitas vezes acompanha esses auto-retratos causa distorções significativas nas características faciais do indivíduo, mais notavelmente um aumento nas dimensões do nariz. E as pessoas podem estar correndo para o cirurgião plástico por motivos ainda mais desnecessários do que a simples preocupação estética, segundo um estudo norte-americano publicado em 2018 no  JAMA Facial Plastic Surgery (Ref.1), e corroborado por estudos subsequentes.

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   EFEITO SELFIE

         Entre 2016 e 2017, a proporção de cirurgias faciais cosméticas fomentadas pelo desejo de melhorar a própria aparência nas selfies aumentou de 13% para 55%, acompanhando a cada vez mais crescente "cultura da selfie" (Ref.4). Em 2019, 72% dos membros da Academia Americana de Plástica Facial e Cirurgia Reconstrutiva reportaram ver pacientes procurando procedimentos cosméticos para "melhorar a selfie" (Ref.5). E um exemplo comum retratando esse cenário são as insatisfações com o nariz.

        Boris Paskhover, um professor assistente no Departamento de Otolaringologia da Escola de Medicina da Universidade de Rutgers, New Jersey, EUA, é especializado em plásticas faciais e cirurgias reconstrutivas. Frequentemente ele se depara, em seu consultório, com selfies trazidas pelos pacientes como exemplo do porquê deles estarem querendo uma cirurgia de redução nasal.

       "Jovens adultos estão constantemente tirando selfies para postarem nas redes sociais e acham que aquelas imagens representam com fidelidade como eles realmente são na aparência, algo que pode ter um impacto em seus estados emocionais," disse Paskhover em uma entrevista para o jornal da sua Universidade (Ref.2). "Eu quero que eles entendam que quando eles tiram uma selfie eles estão essencialmente olhando para uma espécie de espelho distorcido."

        Para melhor explicar aos pacientes porque eles não devem usar as selfies para avaliar as dimensões do próprio nariz - e assim melhorar a percepção de si mesmos e fazer melhores decisões sobre seus corpos -, Paskhover trabalhou com Ohad Fried, um amigo pesquisador do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Stanford, para o desenvolvimento de um modelo matemático que mostre as distorções nasais criadas pelas fotos de selfies tiradas de curtas distâncias.

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   MATEMÁTICA DA SELFIE

         Para desenvolver o modelo matemático que consegue predizer as distorções tragas pelas selfies, os pesquisadores modelaram o rosto como uma coleção de planos paralelos que são perpendiculares aos principais eixos da câmera e calcularam as mudanças da razão percebida da largura nasal pela largura bizigomática de acordo com a distância da câmera àqueles planos.

         Com base na análise geométrica desse modelamento, os pesquisadores usaram os valores médios de comprimentos morfométricos da protusão nasal, largura nasal, largura bizigomática, comprimento da cabeça e distância intercrural (indicados na imagem abaixo, onde temos uma cabeça vista de cima) para determinar as mudanças notadas nas dimensões nasais tanto em homens e mulheres a partir das distância de 30,48 centímetros, 1,5 metros e 'infinita' entre a câmera e o indivíduo. Os dados foram coletados de um amplo espectro de participantes aleatórios, englobando diferentes raças/etnias ao longo do território dos EUA.


        Como resultado, para uma câmera posicionada no infinito (projeção ortográfica), a razão dos eixos de planos alinhados permaneceram fiéis ao mundo real em relação ao formato tridimensional do rosto. Ou seja, fotografias tiradas de uma distância suficiente grande não causam distorções no rosto. Porém, quando as selfies eram tiradas de uma distância em torno de 30,5 cm, a base do nariz nas fotos era aumentada em cerca de 30% nos homens e cerca de 29% nas mulheres quando comparado com o real tamanho do nariz. Além disso, quando mantido uma largura nasal constante, a distância intercrural é 7% maior nessa distância tanto em homens quanto em mulheres. Já uma imagem tirada de 1,5 m (um padrão fotográfico ideal de distância), nenhuma diferença significativa surgia.


           No Japão, houve um crescente e significativo aumento nos últimos anos na demanda por cirurgias estéticas. Esse aumento teve início aproximadamente em 2010, época quando o iPhone 4, que tinha uma câmera frontal, foi liberado. Suspeitou-se como causa a crescente prevalência de selfies. Para investigar a questão, um estudo publicado mais recentemente no periódico Journal of Plastic, Reconstructive & Aesthetic Surgery (Ref.6), envolvendo 20 participantes com idades de 25 a 45 anos e usando a técnica de antropometria, encontrou que as selfies causam não apenas distorções de perspectiva, mas também distorções aberrantes. Fotos de selfies tiradas de curta distância mostraram aumentar distorções nasais e faciais. Os autores do estudo concluíram que as selfies são um auto-retrato distorcido do indivíduo e que cirurgiões plásticos envolvidos em cirurgias estéticas precisam ser cuidadosos com pacientes querendo "melhorar a selfie". Na imagem abaixo, exemplos dessas distorções, tomando como modelo o autor principal do estudo.




   PANDEMIA E HOME OFFICE

          Com o avanço da pandemia da COVID-19 durante 2020 e persistindo em 2021, boa parte dos trabalhadores passaram a trabalhar de casa, usando frequentemente vídeo-conferência realizada a partir de programas diversos, como o Zoom, Microsoft Teams e Google Hangouts. Nesse contexto, as pessoas passaram a observar com mais frequência a própria imagem facial na tela de computadores e de smartphones. Assim como as selfies, as câmeras de webcams e outros dispositivos de captura de imagem podem distorcer substancialmente o rosto. Webcams, inevitavelmente gravando a curtas distâncias focais, tendem a produzir um rosto no geral mais arredondado, olhos maiores e mais afastados, e um nariz mais largo. 
 
          Em um recente estudo publicado no periódico International Journal of Women's Dermatology (Ref.7), pesquisadores questionaram 134 dermatologistas nos EUA sobre as tendências de cirurgias plásticas durante a pandemia, e encontraram que >50% deles reportaram um aumento nas consultas cosméticas mesmo com o estado pandêmico; em relação às consultas cosméticas em geral, 86% dos participantes reportaram que os pacientes citavam as vídeo-conferências como uma razão para as preocupações estéticas.

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   CONCLUSÃO

        Uma selfie tirada de uma distância em torno de 30 cm do rosto leva a uma forte distorção facial que deixa a largura da base do seu nariz aproximadamente 30% maior para ambos os sexos e a ponta nasal cerca de 7% mais larga. Algo do tipo não acontece se a distância de, por exemplo, 1,5 metro é tomada para a fotografia, uma posição padrão de retrato que fornece uma representação mais proporcional das características faciais da pessoa caso a fotografia precise ser feita à curta distância. Selfies podem causar distorções de perspectiva e aberrantes, e frequentemente acabam representando um auto-retrato distorcido da pessoa. 

        Fica, então, a dica de vaidade: cuidado com as selfies, porque elas provavelmente não serão um retrato fiel de você. Isso também reforça porque é preciso muito muita cautela antes de optar por cirurgias plásticas e outras mudanças mais drásticas no corpo, algo que implica riscos cirúrgicos e potenciais arrependimentos. Além disso, problema similar ficando mais evidente são as distorções causadas por webcams e dispositivos afins durante vídeo-conferências de Home Office. Por fim, é preciso também tomar cuidado com padrões estéticos artificialmente impostos como "ideais" que atropelam a diversidade anatômica natural e normal da nossa espécie.


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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://jamanetwork.com/journals/jamafacialplasticsurgery/article-abstract/2673450 
  2. https://news.rutgers.edu/research-news/selfies-drive-self-image-and-may-lead-many-seek-plastic-surgery/20180301#.WpjdKVTwbIU 
  3. http://www.bizjournals.com/sanjose/news/2014/06/25/google-divulges-numbers-at-i-o-20-billion-texts-93.html
  4. Cingi, C., Bayar Muluk, N., Scadding, G. K., & Mladina, R. (Eds.). (2021). Challenges in Rhinology. https://doi.org/10.1007/978-3-030-50899-9
  5. Shauna et al. (2020). A Pandemic of Dysmorphia: “Zooming” into the Perception of Our Appearance. Facial Plastic Surgery & Aesthetic MedicineVol. 22, No. 6. https://doi.org/10.1089/fpsam.2020.0454
  6. Sakamoto et al. (2021). Self-portrait distortion by selfies: Increased desire for aesthetic surgery among millennials? Journal of Plastic, Reconstructive & Aesthetic Surgery, 74(6), 1355–1401. https://doi.org/10.1016/j.bjps.2020.11.009 
  7. Shauna et al. (2021). Zooming into cosmetic procedures during the COVID-19 pandemic: The provider’s perspective,International Journal of Women's Dermatology, Volume 7, Issue 2, Pages 213-216, ISSN 2352-6475. https://doi.org/10.1016/j.ijwd.2021.01.012
  8. https://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-3619679/What-vain-bunch-really-24-billion-selfies-uploaded-Google-year.html