Cérebro humano, dopamina e evolução globular
- Artigo atualizado no dia 5 de abril de 2019 -
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O cérebro dos humanos modernos (Homo sapiens) é bastante sofisticado, tendo sido fundamental para garantir nosso sucesso evolucionário nas últimas centenas de milhares de anos. Mas o que foi necessário durante a linha evolutiva para a nossa massa cerebral chegar nesse ponto? Dois novos estudos publicados recentemente forneceram evidências importantes sobre a evolução do cérebro humano tanto em termos estruturais quanto em termos bioquímicos, os quais provavelmente representam a chave da questão.
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BIOQUÍMICA SOCIÁVEL
Na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) (Ref.1), pesquisadores publicaram um estudo sugerindo que a grande presença de dopamina no nosso cérebro foi um dos principais fatores que permitiram a ocorrência nossa grande sociabilidade, levando ao desenvolvimento da linguagem e até mesmo a interação amigável com estranhos - algo quase impossível entre os chimpanzés, por exemplo. Em outras palavras, a evolução da nossa inteligência social única pode ter sido iniciada como uma simples questão de química cerebral.
Por décadas cientistas tentam achar as diferenças chaves - além da óbvia diferença de tamanho cerebral - entre humanos modernos e os outros primatas. Essas mudanças chaves devem ter começado tão cedo quanto nossos primeiros ancestrais hominídeos começaram a andar de forma ereta, usar variadas ferramentas e desenvolver complexas redes socais em torno de 6 a 2 milhões de anos atrás - bem antes do cérebro começar a aumentar de tamanho há cerca de 1,8 milhões de anos - de acordo com uma hipótese proposta na década de 1960 pelo antropólogo Ralph Halloway da Universidade de Columbia, EUA.
Mas para analisar a evolução bioquímica do nosso cérebro, fica difícil fazê-lo apenas com os fósseis dos nossos ancestrais e parentes primatas já extintos. Uma possibilidade é realizar uma análise comparativa com outros primatas ainda existentes, sendo essa a estratégia utilizada no novo estudo na PNAS. Para isso, os pesquisadores coletaram amostras do tecido cerebral - do gânglio basal, o qual está interconectado com diferentes partes do cérebro para movimento, aprendizado e comportamento social - de 38 espécimes de primatas que morreram de causas naturais - humanos (Homo sapiens), gorilas (gênero Gorilla), chimpanzés (gênero Pan), Babuíno-anúbis (Papio anubis), Macaca nemestrina (Macaca nemestrina) e Cebus apella (uma espécie de macaco-prego).
O resultado foi que comparado com outros primatas, os humanos e primatas superiores (gorilas e chimpanzés) possuem elevados níveis de serotonina e do neuropeptídeo Y no gânglio basal. No entanto, corroborando outros recentes estudos associados à expressão genética, os humanos possuem dramaticamente mais dopamina nessa região do cérebro do que os grandes primatas. Além disso, temos menos acetilcolina, um neuroquímico ligado ao comportamento dominante e territorial - maior agressividade.
Segundo os pesquisadores, a combinação diferenciada dos níveis desses dois neurotransmissores pode ter sido fundamental para a evolução da nossa grande sociabilidade, linguagem e até mesmo nosso elevado grau de monogamia. Níveis cada vez mais ideais desses dois neurotransmissores podem ter selecionado hominídeos cada vez mais sociáveis e propensos a cooperarem nas atividades diárias e se comunicarem com uma cada vez mais complexa linguagem. E essas mudanças bioquímicas favoráveis parecem já estar em curso há 4,4 milhões de anos, com o Ardipithecus ramidus, um dos ancestrais do gênero Homo que viveu na Etiópia.
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FORMATO E TAMANHO CEREBRAL
Além da bioquímica, a morfologia cerebral também é essencial para o entendimento da evolução biológica dos humanos modernos (Homo sapiens). E uma das principais características que distinguem os humanos modernos dos nossos parentes e ancestrais evolutivos extintos é o formato globular da nossa caixa craniana, o qual, nos humanos atuais, emerge já durante o desenvolvimento perinatal. E essa globularidade parece ter tido papel crucial na evolução do nosso cérebro.
A história evolucionária da nossa espécie pode ser atualmente traçada de volta a fósseis encontrados em Jebel Irhoud (Marrocos), região no Norte da África, há cerca de 300 mil anos. Enquanto nossos rostos e dentes eram similares aos modernos nessa época, nossa caixa craniana era mais alongada, similar a outras espécies do nosso gênero, como os Neandertais (1). Junto com crânios fossilizados escavados na África do Sul e na Etiópia, esses fósseis documentam um estágio evolucionário inicial do H. sapiens no continente Africano.
Nesse sentido, um estudo publicado na Science Advances (Ref.2), analisando diferentes fósseis cranianos de H. sapiens de diferentes períodos geológicos (300000-10000) - via medidas geométricas e morfométricas baseadas em análises por tomografia computadorizada - e comparando-os com os de outras espécies já extintas do gênero Homo (Neandertals, H. heidelbergensis e H. erectus), mostrou que a evolução do formato do cérebro mais globular dos humanos modernos foi caracterizado por uma mudança direcional e gradual, não algo brusco caracterizado por uma única variação genética.
Além disso, a gradual emergência da globularidade cerebral no H. sapiens e o comportamento dos humanos modernos nos registros arqueológicos, ambos ocorrendo de forma paralela, sugerem que a contínua mudança mínima no formato cerebral no sentido de uma estrutura geral cada vez mais globular foi crucial para o estabelecimento da atual sociedade humana. Já o nosso volume cerebral permaneceu quase o mesmo nos últimos 300 mil anos, algo que reforça a importância da globularidade para o desenvolvimento diferenciado da nossa conectividade neural e cognição.
Os achados corroboraram com mudanças genéticas encontradas na linhagem H. sapiens desde a origem da espécie e antes da transição da Idade da Pedra Tardia e o Paleolítico Superior que marcam o nosso completo conjunto comportamental moderno. Aliás, um estudo publicado esta semana na Proceedings of the Royal Society B (Ref.3) vem para corroborar essa gradual mudança na estrutura cerebral do cérebro, ao mostrar que - após a análise do crânio de 94 hominídeos, incluindo o nosso antigo ancestral Australopithecus de 3,2 milhões de anos atrás - o tamanho cerebral nos seres humanos evoluiu de forma gradual e contínua dentro da linhagem evolutiva que divergiu daquela que levou aos chimpanzés e bonobos.
Os cientistas ainda não sabem as bases biológicas responsáveis pelo formato globular do nosso crânio, mas um estudo recente revelou importantes pistas genéticas para resolver esse mistério: Algumas pessoas possuem o cérebro levemente Neandertal.
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EM RESUMO...
Maiores níveis de dopamina e uma gradual mudança globular no nosso cérebro parecem ter sido eventos cruciais para o surgimento evolucionário do H. sapiens. Cada vez mais estamos perto de desvendar em detalhes os passos evolutivos que marcaram nossa estadia de sucesso na superfície terrestre.
(1) Apenas lembrando que os Neandertais parecem ter tido também um cérebro com a mesma capacidade cognitiva que a da nossa espécie. Para saber mais, acesse: Os Neandertais sabiam fazer arte e provavelmente dominavam a linguagem
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CURIOSIDADE: Nosso cérebro altamente complexo pode também explicar o porquê de problemas como autismo, transtorno de estresse pós-traumático, transtornos de ansiedade, TDAH, entre vários outros, são tão comuns na nossa espécie em relação a outros primatas. Um estudo publicado no periódico Cell (Ref.4) mostrou que à medida que os códigos neurais foram ficando cada vez mais eficientes na linhagem evolutiva humana, mais os mecanismos neurais de prevenção de erros ficaram menos eficientes. Mas como os benefícios de um cérebro mais eficiente superam os efeitos colaterais relacionados a transtornos mentais, nosso cérebro avantajado acabou persistindo no percurso evolucionário.
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Leitura complementar: Genes 'RELÓGIOS' podem ser a chave para explicar a distinta evolução do cérebro humano
Leitura recomendada: A Evolução Biológica é um FATO
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- http://www.pnas.org/content/early/2018/01/12/1719666115
- http://advances.sciencemag.org/content/4/1/eaao5961
- http://rspb.royalsocietypublishing.org/content/285/1873/20172738
- https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0092867418316465