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A jornada pela independência da Catalunha


-  Artigo atualizado no dia 21 de dezembro de 2018 -

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           No dia 1° de Outubro de 2017, mais um referendo foi planejado e levado adiante pelo governo da Catalunha sobre o desejo de independência da região, seguindo aquele realizado em 2014 e igualmente condenado como ilegal pelo governo central da Espanha. Para a votação, 2315 escolas foram consideradas para abrigar as urnas, já esperando milhões de catalães para responder 'Sim' ou 'Não' à pergunta: "Você quer que a Catalunha se torne um Estado independente na forma de uma República?". Para impedir o processo eleitoral, um grande número da força policial do governo espanhol foi mandado para a região e acabaram usando excessiva violência no cumprimento do dever, deixando mais de 900 feridos. As eleições em parte ocorreram e, segundo resultados oficiais do governo separatista da Catalunha, 90% dos 2,3 milhões de eleitores votantes escolheram o 'Sim'.

          Porém, o governo central da Espanha ativou o Artigo 155 da Constituição Espanhola, de 1978, o qual permite que Madrid imponha direto controle sobre quaisquer regiões do país em um momento de crise. Com isso, o governo central passou a ter controle direto sobre a Catalunha - recusando-se a aceitar qualquer declaração unilateral de independência da região -, dissolveu seu parlamento e, finalmente, convocou novas eleições locais  para a escolha de novos governantes para a região. O ex-presidente Catalão, Carles Puigdemont - principal responsável pela nova insurgência separatista - fugiu do país e continua em exílio (correndo o risco de ser preso caso retorne para a Espanha), mas outros líderes associados ao seu governo e ao movimento acabaram sendo presos posteriormente (1). Agora, nesta reta final de ano (2018), novos fortes protestes separatistas tomaram várias estradas em Barcelona e na Catalunha, coordenados pelo grupo radical CDRs (Comitês pela Defesa da República).

           A luta pelo direito de organizar referendos para dar crucial voz ao movimento separatista na Catalunha já marca um longo percurso na história da Espanha e vem se intensificando profundamente nos últimos anos. Porém, apesar de toda essa pressão, a Constituição Espanhola não deixa espaço para grupos separatistas e só garante a organização de referendos exclusivamente pelo governo central. E esse impedimento constitucional foi primeiro martelado com força em 2008, quando declarou-se ilegal a proposta feita pelo governo regional Basco para a realização de um referendo nessa comunidade autônoma.

          Mas quais os motivos levam boa parte da população Catalã a buscar a independência? Quais os eventos históricos que marcaram esse acalorado movimento separatista? E, afinal, essa independência é viável?



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  CATALUNHA

          A Catalunha (Comunidade Autônoma da Catalunha) está localizada na região nordeste da Espanha, e compartilha divisas com a Andorra e a França. Compreende diversas províncias, incluindo Barcelona, Girona, Lleida e a Tarragona. Sua população estimada fica em torno de 7,5 milhões de pessoas, algo que corresponde a 16% da população total da Espanha. Possuindo sua própria linguagem e cultura, a região mantém um alto grau de autonomia, mas não é reconhecida como uma nação separada pela constituição Espanhola. Sua área superficial e população são próximas daquelas da Suíça.


           A linguagem Catalã é a mais marcante característica dessa região. Apesar de ser muito comum achar que o Catalão é um dialeto Espanhol, essa linguagem é reconhecida como uma das quatro oficiais dentro da Espanha. Aliás, cerca de 94% dos cidadãos na Catalunha afirmam que entendem o Catalão segundo recentes pesquisas. No mundo inteiro, existem cerca de 9 milhões de falantes Catalães e 11 milhões de pessoas que podem entender essa língua. Isso faz o Catalão a 9° língua mais falada em toda a União Europeia. Anualmente, em torno de 10 mil títulos são traduzidos para o Catalão, fazendo essa a 10° linguagem mais traduzida no mundo.


          Martelada de vez à Espanha no século XVIII como resultado da Guerra de Sucessão, uma história de perseguições e preconceito baseia em grande parte o forte desejo separatista visto hoje na Catalunha.

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  GUERRA DE SUCESSÃO
 
         A partir de um mero aglomerado de reinos, a Espanha foi moldada por vários acontecimentos iniciados no século XV, inaugurados com a unificação dos Reinos de Castela e de Aragão em 1469 e terminando em 1714, com o fim da Guerra de Sucessão da Espanha, para dar origem a um império de proporções globais. 

        A Guerra de Sucessão da Espanha (1701-1713) foi um dos maiores conflitos internacionais do século XVIII e procurou resolver um dos grandes problemas diplomáticos da época: a partição do império Espanhol. Bem, a fusão das coroas, selada com o casamento de Ferdinando II da Catalunha e Aragão com Isabela I de Castela, em 1469, preservou a autonomia dos Reinos, sendo que apenas as questões de interesses externos (diplomacia e/ou guerra) dependiam da assim chamada Monarquia Católica ou Espanhola. No geral, o modelo político Catalão-Aragão era pacifista e confederado, enquanto o modelo Castelão era autoritário e padronizado.


          Durante o Reinado de Charles II (1665-1700), a França empregou uma política extremamente militar e diplomática com o objetivo de influenciar a sucessão dos Reinos Espanhóis. Os consecutivos pactos assinados com outros Estados europeus para dividir a monarquia espanhola foram acompanhados de uma crescente influência francesa na Corte de Madri pelos franceses, além de uma crescente demonstração da superioridade do poder militar - como na Guerra dos Nove Anos (1689-1697), onde a Catalunha foi ocupada pelas tropas francesas. Em 1648, a ascensão de um dos descendentes diretos de Luís XIV ao trono espanhol marcou uma definitiva vitória para a França, e também para os Bourbons (os quais estavam em conflito com a Áustria). Assim, sobe ao poder Felipe de Anjou como Felipe V da Espanha, representando os Bourbons franceses.


            Entre 1700 e 1705, cresce um sentimento anti-França na Espanha com a formação de um verdadeiro partido austríaco, o qual advogava pela queda do monarca e sua substituição pelo filho do Imperador Leopoldo, Arquiduque Charles da Áustria - conhecido pelos seguidores espanhóis como Charles III -, e que estava se espalhando como uma opção política clandestina por todos os Reinos espanhóis e ganhando bastante força na Catalunha. Isso veio somar-se com o crescente descontentamento de outras nações europeias com a grande influência da França sob a Espanha, algo que poderia levar a uma massiva aglomeração de poder no colo francês.

           Para completar a situação, o Rei Luís XIV estava irritando bastante o Rei William III da Inglaterra ao reconhecer o filho do Rei deposto James II como o real merecedor do reino inglês. E, além disso, os franceses também cortaram o acesso dos ingleses e dos holandeses ao lucrativo comércio espanhol. Com isso, a Inglaterra, a Holanda, o Sagrado Império Romano e a Prússia decidiram dar suporte ao direito de Charles III em assumir o trono espanhol e formaram, em 1701, junto com um número de pequenos Estados germânicos, a Grande Aliança - a qual recebeu Portugal em 1703. Em Setembro de 1702, o Elector da Bavária se aliou com a França e com a Espanha.

          A partir desse ponto, várias batalhas foram travadas, com os Aliados conquistando importantes vitórias contra os franceses mas enfrentando dificuldades na Espanha. Vitórias francesas na defesa do território espanhol acabaram entregando praticamente toda a Espanha para a França, exceto a região da Catalunha, a qual, no final de 1705, estava sob o comando de Charles III. Barcelona, que estava independente e sob uma monarquia, acaba sendo conquistada pelos Franceses depois de um intenso cerco. O número de mortes atingiu dezenas de milhares nesse ponto.


          Eventualmente, uma decisiva vitória para a Áustria e a subida ao poder de Chales III no lugar do Imperador da Sagrada Roma, seu irmão Joseph, ameaçou o balanço de poder europeu tanto quanto as jogadas da França. Ignorando seus aliados originais, os britânicos decidiram negociar com a França por um acordo separado de paz. Pelo Tratado de Utrecht, assinado em 1713, a Inglaterra ganhou Gilbratar, territórios na América do Norte e o Mediterrâneo. A França também reconheceu a sucessão protestante no trono britânico. No lado espanhol, Filipe V foi confirmado o Rei da Espanha, mas foi também removido da linha de sucessão da França, evitando, portanto, uma união entre as duas nações. Os austríacos ganharam a maior parte dos territórios espanhóis na Itália e na Holanda. No final, o mais importante: a hegemonia da França tinha acabado.

         Na região da Catalunha, onde um sopro de liberdade alimentou o desejo republicano e de autonomia durante o cerco em Barcelona, houve uma forte terrorismo após 1714 para tentar suprimir uma identidade diferenciada do resto da Espanha, esta a qual tinha estabelecido uma monarquia absoluta com o fim da guerra e a quebra de laços com a França. Uma limpeza histórica do tempo de governo de Charles III foi acionada pelo Rei Bourbon, uma ocupação militar foi ordenada nos principais pontos da região, armas foram banidas, universidades fechadas e a língua catalã foi gradualmente sendo proibida em todas as áreas públicas, seguindo orientações magistradas em 1717. Todas as autoridades na Catalunha, mesmo as locais, tinham que ser diretamente apontadas pelo Rei ou, em caso de autoridades de menor nível, pelo Tribunal Real. Esse processo de assimilação cultural continuou em variável extensão até o século XX.

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   DITADURA MILITAR E O MOVIMENTO SEPARATISTA

           Seguindo a forte supressão da identidade catalã após a Guerra de Sucessão, a cultura e a linguagem da Catalunha sofreram sucessivos ataques ao longo da história. Porém, no século XIX, houve um crescente movimento de recuperação da identidade Catalã - fomentado pelo sucesso econômico da região durante a Revolução Industrial - e a região da Catalunha, como consequência, até chegou a experimentar um bom grau de autonomia entre os anos de 1936 e 1939, em meio, infelizmente, a um violento conflito civil no país.

          No entanto, durante o regime do General Francisco Franco (1939-1975), o terror voltou com força a assolar a Catalunha. Tomando controle da Barcelona depois da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), o objetivo de Franco foi unir a Espanha e se livrar de tudo que diferenciava as pessoas, incluindo a linguagem. Durante esse período, os falantes e intelectuais catalães foram perseguidos e qualquer autonomia vivida pela Catalunha foi suspensa e seu nacionalismo sufocado. Eventualmente, a linguagem catalã foi proibida por lei.
 
           Com essas ações, o Catalão desapareceu do sistema educacional e vários milhares de nacionalistas foram mortos ou exilados. Todos os usos oficiais e privados do Catalão foram atacados e o nome de programas de rádio e televisão e nome das ruas foram trocados para o Espanhol Castelhano. Esse terrível período na história da Catalunha continuou até a morte de Franco, em 1975, apesar das marcas da ditadura acompanharem a memória do povo Catalão até hoje, somando-se com mais de 300 anos com recorrentes atos de perseguição e cerco cultural.

           Então, entra em cena o Rei Juan Carlos, o qual começa a democratizar a Espanha. Em 1978, a Constituição Espanhola foi criada, consolidando o Catalão como uma linguagem individual dentro da Espanha e a oficial da Catalunha. Por causa dos 3 séculos de constante agressão à linguagem, mas contínua sobrevivência, muitas pessoas passaram a considerar o Catalão como um símbolo de perseverança e força. Para tentar recompensar o passado de injustiças, leis e iniciativas diversas foram criadas para proteger e fomentar a língua dentro e até fora do país. Como exemplos, podemos citar que nas escolas da Catalunha, ela é a linguagem, de longe, mais usada; existem cotas da língua em programas de televisão e rádio; é obrigatória nos negócios da Catalunha; e os médicos precisam entendê-la.

          Mesmo assim, muitos na Catalunha acreditam que o Catalão merece ser mais do que uma simples língua oficial da Espanha, e colocada no mesmo nível do que o Espanhol, o Sueco, o Dinamarquês, etc. dentro da União Europeia, especialmente considerando a enorme quantidade de falantes. Nesse ponto também fica fácil entender o forte sentimento de nacionalismo do povo Catalão e o amor pela sua linguagem. Porém, não só isso fomenta o desejo de separação da região.

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   PROBLEMÁTICAS CONTEMPORÂNEAS

          Após a criação da constituição em 1978, esta não foi atualizada mais nenhuma vez. Insatisfeito com alguns pontos do seu texto, o governo da Catalunha decidiu, em 2006, criar um novo estatuto, no qual seria assegurado uma maior liberdade para o seu território em termos de taxação, procedimentos judiciais e o status do Catalão. Um ponto principal do estatuto era o que declarava a Catalunha como uma nação e o Catalão como a sua língua oficial. Bem, originalmente, o texto elaborado foi aprovado pelos Parlamentos da Catalunha e da Espanha, mas, além de mais tarde o estatuto ter sido considerado ilegal, quatro anos depois, em 2010, a Corte Constituinte da Espanha decidiu reescrever 14 artigos do estatuto e re-interpretar 27.

          Um dos mais pesados golpes para a Catalunha foi a declaração do governo central de que o reconhecimento da região como uma nação não possuía valor legal porque a Espanha é a unica nação reconhecida pela Constituição. Somado com outras desaprovações em pontos importantes do novo estatuto, especialmente no tocante ao Catalão, a situação gerou uma grande resposta negativa da população na Catalunha  e o protesto de mais de 1 milhão de cidadãos pelas ruas de Barcelona. Para essa massa protestante, o governo central passou a imagem de que não reconhece uma Espanha multi-linguística e composta por partes autônomas. E, além do impasse constitucional, problemas financeiros também vieram para justificar o desejo separatista de muitos, incluindo segmentos do governo Catalão. No geral, podemos listar três bases contemporâneas da bandeira separatista:

1. Desde que a cultura e a linguagem da Catalunha supostamente não são entendidas e aceitas na Espanha - portanto não protegidas e alimentadas o suficiente - a melhor opção passa a ser um Estado independente, especialmente considerando o histórico de três séculos de perseguição cultural.

2. Uma entidade política tão bem definida como a Catalunha deveria ser matura o suficiente para governar a si mesmo e ter sua própria voz na União Europeia ou nas Nações Unidas em ordem de melhor expressar suas necessidades e exigências. Além disso, a região é bastante desenvolvida e comercialmente poderosa.

3. A Espanha estaria tratando com grande desigualdade as questões econômicas das suas regiões, jogando um excesso de cobranças financeiras e demasiada burocracia na Catalunha, esta a qual estaria bem melhor fora das garras "vampirescas" do governo central.

        No último quesito, a Catalunha sente que está pagando muito mais do que deveria, e isso é verdade. Vários bilhões de euros são pagos a mais pela região em taxas diversas do que recebe de volta na forma de investimento social ou na infraestrutura. Já em 2014, os catalães pagaram quase €10 bilhões a mais de impostos do que alcançou a região para gasto público. Em 2005, a região deu para a administração central em Madri 8,7% do seu PIB, quanto a Valencia e Madri contribuíram, respectivamente, com 6,3% e 5,6%. Essa distribuição desproporcional de cobranças fiscais fomenta um sentimento de estarem sendo explorados pelo governo central e os catalães culpam Madri pelas dificuldades financeiras que a região vem enfrentando. Apesar da Catalunha ser uma das partes mais ricas e industrializadas da Espanha, é também a que possui mais dívidas. O empréstimo de $12 bilhões de dólares, por exemplo, foi usado em anos recentes para ajudar a Catalunha a enfrentar uma forte crise e o total acumulado da dívida da região até o momento soma €77 bilhões.


          Assim, antes lutando apenas por uma maior autonomia, nos últimos anos o fator financeiro veio para empurrar a busca por uma Catalunha totalmente independente e o referendo passou a ser uma arma para esse fim usada pelo governo Catalão para pressionar o reconhecimento de independência. E desde 2010 a quantidade de pessoas na região favoráveis ao processo de independência vem aumentando dramaticamente. Mas para que isso aconteça, a Catalunha precisa enfrentar consideráveis impedimentos, com o principal deles sendo a intransigência do governo central.

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      OBSTÁCULOS PARA A SEPARAÇÃO

           O governo central em Madri é contrário ao processo de independência da Catalunha, clamando que a região já é mais autônoma do que a maior parte das regiões na Europa. Nesse sentido, a Catalunha é a única região espanhola a ter a sua própria força policial e ainda possui considerável autonomia em sua autoridade regional, cultural, educacional, na saúde, e nos transportes. Independentemente disso, os referendos de independência feitos desde 2014 são inconstitucionais e os seus resultados acabam não possuindo valia para o governo central.

          Dessa forma, para que qualquer processo de independência ocorra, é preciso primeiro que a constituição da Espanha seja reformulada, algo que está ficando fora dos atuais debates em ambas as partes (Madri e Barcelona). E o governo central já deixou claro várias vezes que irá sempre recorrer à constituição para impedir qualquer estratégia legal usada pelo governo Catalão para tentar sua independência, porque tal ato traria enormes custos econômicos, políticos e sociais. Outro óbvio receio é que, dando a independência para a Catalunha, uma porta seria aberta para outras regiões espanholas fazerem o mesmo. A região Basca, no norte da Espanha e parte do sudeste da França, é a que mais preocupa. Dada a violenta história separatista da região, não seria muito prudente oferecer separação legal somente à Catalunha.


          Outro grave problema para a Catalunha é a União Europeia (UE). A região, depois de independente, busca ficar no bloco econômico, porém isso não será possível de imediato, já que precisará ser reinserida como um novo país. A Espanha, por exemplo, precisou esperar 9 anos para conseguir entrar desde que aplicou o pedido em 1977. Além disso, como membro atual da UE, a Espanha pode dificultar a reentrada da Catalunha caso a independência venha a contra gosto. Sem a proteção da UE, a nova nação enfrentaria pesados danos econômicos a curto prazo e incertezas a longo prazo. Grande parte das importações dos produtos da Catalunha são feitas pela Espanha, e um embargo dessa última traria um grande golpe, o que estaria se somando ao ganho de pesados gastos nas rédeas de serviços públicos antes realizados exclusivamente pelo governo central espanhol e às dívidas acumuladas. Falta um banco central, será necessário estabelecer controle de fronteiras e também apropriado estabelecimento de relações internacionais. E importante, qual seria o novo sistema monetário a ser adotado?


           Portanto, seria mais do que prudente que o processo de separação fosse feito em acordo com a Espanha e após um bom planejamento que vise a relação com a UE, pelo menos considerando o atual cenário. Mas como vencer a firme resposta negativa do governo central? E o mais grave é que, ao desrespeitar a constituição com os referendos ilegais, o governo central acaba entrando no direito de poder derrubar o governo da Catalunha e tomar grande controle da região, sob proteção do Artigo 155 da constituição.

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 (1)  REFERENDO DE 2017

          Como já citado no início, um novo referendo ilegal foi realizado no final de 2017, engatilhando uma violenta resposta das forças policiais do governo central e a mais profunda crise política há décadas na Espanha. Na época, o Presidente Catalão, Carles Puigdemont, afirmou que tal agressividade não tinha sido vista na região desde o governo ditatorial de Franco. Isso deu importante base para Puigdemont levar adiante seu plano de declaração unilateral de indepedência.

          O Rei Espanhol, Felipe VI, após vários protestos contra a violência policial, fez um raro anunciamento na televisão na ocasião, dizendo que a situação na Espanha era extremamente séria e pedindo por união da nação. Além disso, afirmou que os líderes na Catalunha que organizaram o referendo mostraram total falta de lealdade com a Espanha, e que a votação poderia colocar em risco a economia e a riqueza da região autônoma e de todo o território espanhol. Porém, não fez nenhuma menção em específico à violência policial que deixou quase 900 feridos e veio em exclusiva defesa do governo central, algo que irritou ainda mais os separatistas. Só vários dias após o referendo o governo central pediu desculpas ao povo Catalão pelo uso excessivo de violência.


            A União Europeia não quis se envolver com a situação, afirmando que não busca interferir com questões internas de um dos seus países membros - apesar do governo Catalão ter afirmado na época que não se tratava mais de "apenas um problema interno". .

             De acordo com o governo da Catalunha, 2,3 milhões de cidadãos votaram pela independência e 90% deles escolheram o ´Sim´. O número de votantes corresponde a 43% do total de eleitores na região e, segundo Puigdemont, a porcentagem teria ultrapassado os 50% caso não houvessem tantos entraves e dificuldades na realização do referendo. Mas outros contestam todos esses números, dizendo que nada pode ser afirmado considerando a confusão e ilegalidade dessas eleições. Por outro lado, esses números aproximam-se dos cerca de 2,2 milhões de 5,4 milhões de eleitores no pais no referendo ilegal de 9 de Novembro de 2014, onde quase 80% favoreceu a independência.

          Em resumo, os eventos subsequentes ao referendo de 2017:

- (07/10): Milhares de pessoas hoje pediram pela união da Espanha na capital Madri, em um grande movimento anti-separatista. Protestastes vestidos em branco seguravam cartazes dizendo "A Espanha é melhor do que os seus líderes. Vamos conversar." Ao mesmo tempo, entidades comerciais continuam a sair da Catalunha, por causa das incertezas políticas, algo nada bom para a região. Somando-se a isso, o ex-líder da Catalunha, Artur Mas, em uma entrevista, disse que a região ainda não está preparada para uma real independência - mesmo ele também acreditando que a Catalunha tenha ganhado o direito de clamá-la.

- (07/10): O Primeiro-Ministro da Espanha, Mariano Rajoy, afirmou, em entrevista ao jornal El Pais, que o governo central irá assegurar que qualquer declaração de independência da Catalunha não levará a nada. Além disso, Rajoy deixou claro que existe a possibilidade de suspensão da autonomia da região, através de uma intervenção governamental assegurada pelo Artigo 155 da Constituição Espanhola. A resposta veio depois do Presidente da Catalunha, Carles Puigdemont, ter indicado que poderá declarar independência de forma unilateral na sessão regional parlamentar da próxima terça-feira (a qual foi adiada pela Corte Constitucional da Espanha da sua data original, na segunda-feira).


- (09/10): Amanhã o governo da Catalunha pode declarar independência de forma unilateral. O governo central da Espanha já disse que não aceitará e, hoje, o governo da França disse que não reconhecerá a independência e garantiu que a Catalunha será expulsa da União Europeia instantaneamente caso prossiga com o processo separatista. Ontem, um grande movimento anti-separatista tomou espaço em Barcelona, onde, no mínimo, cerca de 350 mil pessoas compareceram para pedir por uma Espanha unida.


- (10/10): No tão aguardado discurso de Carles Puigdemont, o líder da Catalunha reforçou que o povo votou pela independência da Espanha, e junto com outros líderes regionais, assinou uma declaração de independência, mas disseram que ela não será implementada por várias semanas para permitir um diálogo com o governo central em Madri. O documento assinado pede para que a Catalunha seja reconhecida como um ´Estado independente e soberano´. Puigdemont pediu para o parlamento regional em Barcelona para suspender o efeito do referendo com o objetivo de permitir que o diálogo ocorra, ao invés de dar prosseguimento unilateral ao processo separatista imediatamente. O governo central  desconsiderou o documento e dificilmente irá mudar seu tom. É aguardar o resultado final dessa nova janela de negociação.

- (11/10):  Depois que Puigdemont e outros líderes da Catalunha assinaram uma declaração de independência - mas não a implementaram, para permitir um diálogo com Madri -, ficou a dúvida se o documento possuía qualquer valor legal. Nesse sentido, hoje, Mariano Rajoy, pediu para que o governo na Catalunha esclareça se pediu a independência ou não. Esse pedido, segundo membros do Senado espanhol, é o primeiro requisito para ativar o artigo 155 e remover a autonomia da Catalunha (de forma imediata ou gradual), já que, se feito antes de uma resposta oficial, representantes pró-independência no governo Catalão acabariam declarando independência de vez. Seria a primeira vez que o artigo é ativado.

Rajoy disse que é preciso por um fim urgente na confusão criada na região. Segundo o governo central, a situação não será resolvida em como a Catalunha deixará a Espanha e, sim, em como ela irá ficar. Ele deu um prazo de cinco dias para os separatistas da Catalunha se pronunciarem e, caso confirmem a independência, o governo Catalão terá 3 dias após a confirmação para desistirem do processo ou a Espanha irá acionar o Artigo 155.

- (19/10): O prazo acabou, e o governo central da Espanha acabou de anunciar que irá ativar o Artigo 155 da Constituição Espanhola, de 1978, onde permite que Madrid imponha direto controle sobre quaisquer regiões do país em um momento de crise. A ativação ocorrerá durante uma reunião de Ministros e planeja-se iniciar a suspensão de autonomia da Catalunha nesse sábado.
O líder da Catalunha, mais cedo, já tinha dito que o parlamento regional iria votar de vez pela independência caso o governo central "continue com a repressão". A situação agora é bem tensa e alguns temem que caos possa escalar como resultado.

- (21/10): Os planos do Primeiro-Ministro da Espanha, Mariano Rajoy, enquanto agindo sob autoridade protegida pelo Artigo 155, engloba remover os líderes da Catalunha e dissolver o parlamento regional, preparando terreno para novas eleições.As medidas serão agora aprovadas pelo Senado da Espanha nos próximos dias.

Além disso, reportes afirmam que o Ministro do Exterior Espanhol está se preparando para tomar o controle da força policial da Catalunha e remover seu comandante, Josep Lluís Trapero, o qual já está enfrentando processos na Justiça relacionados ao último referendo de independência - considerado ilegal pela Espanha -, e que disparou toda essa tensão no país.E, de acordo com o jornal El País, o governo central também está considerando tomar controle do canal público de comunicação da Catalunha, TV3.

Estima-se que 450 mil pessoas foram hoje para as ruas de Barcelona protestarem contra o controle direto de Madrid na região.Puigdemont, líder da Catalunha, descreveu os planos de Madrid como o pior ataque às instituições da região desde o período ditadorial do General Franco (1939-1975). Carme Forcadell, porta-voz do Parlamento Catalão, chamou os planos de ´golpe´, por preverem a derrubada de um governo eleito democraticamente pelo povo.

- (27/10): O Parlamento regional da Catalunha votou para declarar independência da Espanha, em uma votação que terminou 70 a 10 em favor da separação. A Espanha, logo depois, decidiu de vez intervir na região e tomar controle, e, certamente, irá também declarar ilegal a votação parlamentar. Países chaves como a Alemanha, os EUA e a União Europeia em geral apoiam o governo espanhol, o que aumentará a pressão sobre a Catalunha com esse novo passo unilateral.

- (05/11): Depois da Espanha ter imposto controle direto sobre a Catalunha - recusando-se a aceitar a declaração unilateral de independência da região -, ter dissolvido seu parlamento e, finalmente, ter convocado eleições locais para 21 de Dezembro, o ex-líder Catalão, Carles Puigdemont, e mais quatro ministros fugiram do país e foram se refugiar na Bélgica. Nisso, o governo central espanhol, a partir da decisão de um juiz, anunciou uma ordem de prisão para o ex-líder, aprovada também pela União Europeia. Puigdemont tinha dito que não voltaria para a Espanha até ter certeza de um julgamento justo. Hoje, ele se entregou para a polícia belga e um juiz no país decidirá amanhã se acatará a ordem internacional de prisão ou não (os ministros fugitivos também se entregaram). Um país pode rejeitar um mandado de prisão da União Europeia se temer que a extradição violaria os direitos humanos do suspeito, com base em discriminação política, religiosa ou racial.

- (14/12): Entre 8 figuras separatistas principais do governo levados à prisão, 6 foram liberadas (sob fiança de $120 mil). O ex-Presidente Catalão Carles Puigdemont continua refugiado na Bélgica. Apesar de alguns o acusarem de covarde, Puigdemont alega que essa foi a única opção que lhe restou, fomentada por uma injusta perseguição. O ex-Presidente ainda acrescentou que continuará lutando pela independência. Todos agora esperam pelas novas eleições regionais marcadas para 21 de Dezembro, onde partidos pró-independência enfrentarão o lado pró-Espanha, e parece que ambos estão empatados nas intenções de voto até o momento.

(21/12): Finalmente, as eleições chegaram e, até o momento, os partidos separatistas da Catalunha estão a caminho de conquistar a maioria dos assentos no novo parlamento regional, estruturando um cenário de novas confrontações com o governo-central. No entanto, o partido Cidadãos, o qual quer que a Catalunha permaneça como uma parte semi-autônoma da Espanha, é o maior partido. Nesse sentido, é incerto a quem será dado o direto de formar um governo. Com mais de 95% dos votos contados, o Cidadãos (Cs) possui 25% dos votos, ganhando 36 assentos dos 135 totais. Mas os partidos pró-independência Juntos pela Catalunha, Esquerda Republicana da Catalunha e União Popular estão para ganhar, em conjunto, um total de 70 assentos, dando-lhes maioria.


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     CONCLUSÃO

            Apesar da Catalunha ter vários motivos para buscar a independência, especialmente quando analisamos o ponto de vista histórico, o processo precisa ser bem planejado e não feito apenas na base da emoção. Questões importantes como a União Europeia, dívida pública e violações constitucionais precisam ser bem avaliadas. A melhor via para a independência seria através de um acordo pacífico com a Espanha, apesar desse cenário ser muito pouco realista. Talvez, a melhor opção viável seria negociar com o governo central por um maior grau de autonomia e cobranças de taxas mais justas da Catalunha. Além disso, enquanto os líderes da Catalunha nos últimos anos acusam o Rei Felipe V de ignorar milhões de Catalães, eles também precisam prestar atenção na grande quantidade de catalães e mesmo espanhóis em geral que são contrários à independência da Catalunha. Por isso, mais uma vez é preciso reforçar: decisões de monumentais escalas precisam ser realizadas com muito cuidado e não guiadas apenas pela emoção ou por programa políticos unilaterais.



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REFERÊNCIAS 
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