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Quais os mitos e verdades sobre o suicídio?


- Atualizado no dia 17 de setembro de 2024 -

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           Todos os anos, entre 700 e 800 mil pessoas morrem por suicídio, e para cada caso de suicídio efetivo, existem várias tentativas de suicídio. Com um índice de prevalência de 0,0145% e representando 1,5% de todas as causas de morte, o suicídio é a 10° maior causa de mortalidade no mundo. Nos EUA, é a segunda causa mais comum de morte entre pessoas de 15 a 34 anos e taxas vêm aumentando rapidamente nas últimas décadas: na população em geral, taxas de suicídio aumentaram em 35,6% de 2001 a 2021 (Ref.51). No mundo, suicídio é a quarta maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos (Ref.5, 47). Aqui no Brasil, são mais de 12 mil casos ao ano e com um aumento de 40% nos últimos 10 anos (<2017) entre jovens de 15 a 29 anos; a taxa de suicídio é de 6,4 para cada 100 mil habitantes entre indivíduos de 15 a 19 anos, e de 8,19 para cada 100 mil na faixa etária de 20 a 39 anos (Ref.34). 

          Ainda mais alarmante, taxas de suicídios também têm aumentado significativamente na população infantil e, nos EUA, suicídio representou a 5° maior causa de morte de crianças e pré-adolescentes com 8 a 12 anos de idade entre 2008 e 2022 (Ref.52). 

           Um sério problema de saúde pública, o suicídio é algo que também traz traumáticas consequências para os familiares e pessoas mais próximas do suicida. Portanto, é um assunto de importante interesse da sociedade e que precisa ser levado a sério. Nesse sentido, muitos mitos acabaram também sendo construídos sobre o suicídio, os quais podem atrapalhar a efetividade de campanhas e a adoção de práticas preventivas que buscam solucionar o problema.

Fonte: Organização Mundial de Saúde (2014)

           O suicídio é comumente definido como um dano fatal e auto-infligido que resulta em morte, com a explícita intenção de morrer. Já o termo 'comportamento suicida' refere-se a um amplo espectro de comportamentos que segue um contínuo entre pensamentos sobre o suicídio até a morte por suicídio. Devido à sua natureza, o suicídio é um complexo problema, envolvendo um multifatorial fenótipo comportamental e podendo englobar até mesmo fatores genéticos. Uma vez que várias doenças mentais se associam ao suicídio, a detecção precoce e o tratamento apropriado dessas condições são importantes para a sua prevenção, especialmente a depressão, esta a qual acomete, ao longo da vida, entre 10% e 25% das mulheres e entre 5% e 12% dos homens - e entre os gravemente deprimidos, 15% se suicidam

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JAPÃO E COVID-19: O Japão sempre se destacou, infelizmente, pelas altas taxas de suicídio, as quais atingiram um pico em 2003, com um total de 34427 mortes. Essas taxas vinham diminuindo desde 2009, alcançando um total anual de 20169 mortes em 2019. Porém, com a pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2), as taxas de suicídio voltaram a subir substancialmente, principalmente entre as mulheres (Ref.31). Entre 2016 a 2019, uma média de 70 mulheres com menos de 30 anos de idade morreram por suicídio a cada julho, mas em 2020 96 mulheres se suicidaram; outubro foi o mês mais letal para mulheres de todas as idades: enquanto nos últimos quatro outubros uma média de 486 mulheres morreram de suicídio, 826 tiraram a própria vida em outubro de 2020. No caso dos homens, foram 1246 suicídios em outubro, contra uma média de 1096 nos quatro outubros prévios, e com a maior parte do aumento entre indivíduos com 30 a 49 anos.

> De acordo com a OMS, 703 mil vidas foram perdidas para o suicídio em 2019 a nível global. Isso equivale a 1925 mortes por dia ou 1 morte a cada 45 segundos. E esse valor provavelmente é uma subestimativa. Mais de 77% desses suicídios ocorreram em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Ref.56
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          Mas para que real ajuda chegue às pessoas necessitadas e mais vidas sejam salvas, é de vital importância que os mitos que cercam a questão do suicídio sejam combatidos. Aqui, então, será feita uma lista discutindo e esclarecendo os principais deles.


   1. "QUANDO ALGUÉM É SUICIDA, ELE OU ELA SEMPRE SERÁ SUICIDA"

         Um elevado risco de suicídio ocorre depois de específicas situações e relativo curto espaço de tempo. Enquanto pensamentos suicidas podem retornar, estes não são permanentes e um indivíduo com prévio pensamento e tentativa suicida pode viver uma longa vida normalmente.

        Essa concepção errônea pode até ser muito prejudicial para as pessoas com pensamentos suicidas, porque elas podem criar resistência em pedir ajuda a terceiros por achar que ficará sempre marcada como 'suicida' para o resto da vida. Assim, podem se isolar tentando lutar contra o problema em silêncio, algo que pode facilitar uma tentativa de suicídio.


    2. "SE UMA PESSOA TENTA O SUICÍDIO E SOBREVIVE, ELA NUNCA IRÁ EMBARCAR EM OUTRA TENTATIVA"

         Indo na direção oposta do mito anterior, uma tentativa de suicídio também pode ser encarada como um indicador que outras tentativas poderão vir caso os fatores ou problemas que impulsionaram a primeira tentativa não tiverem sido resolvidos ou tratados. Além disso, as próximas tentativas podem ser ainda mais perigosas, já que a pessoa terá aprendido com a falha anterior.


     3. "FALAR SOBRE SUICÍDIO OU PERGUNTAR ALGUÉM SOBRE SEU POSSÍVEL PENSAMENTO SUICIDA É UMA MÁ IDEIA E PODE SER INTERPRETADO COMO UM ENCORAJAMENTO"

            Devido ao péssimo estigma dado ao tema do suicídio, a maioria das pessoas que estão encarando o suicídio não sabem com quem falar. Ao invés de encorajar comportamentos suicidas, falar abertamente sobre o assunto pode dar ao indivíduo afetado pelo problema outras opções ou o tempo para repensar a sua decisão, portanto prevenindo o suicídio.

            Nesse terreno, o mito é ainda mais fortemente enraizado em relação às crianças e aos adolescentes, onde muitos acham realmente perigoso discutir questões ou falar sobre suicídio com os mais jovens, por que supostamente isso estaria aumentando as chances de comportamentos suicidas emergirem devido ao fato dos indivíduos nessa idade serem muito influenciáveis. É preciso deixar claro às pessoas que não existem evidências científicas/empíricas suportando tal alegação.

           Esse pensamento é o mesmo que cerca o tabu relacionado às discussões sobre sexualidade. Muitas escolas e pais deixam de discutir o assunto ou por vergonha ou por acharem que estarão incentivando que as crianças e jovens embarquem na vida sexual muito cedo. Isso apenas faz com que importantes informações sobre sexo seguro deixem de ser passadas aos jovens.

         Na abordagem sobre o suicídio com outra pessoa, um primeiro passo poderia ser simplesmente perguntar-lhe se a opção de acabar com a própria vida é uma intenção naquele momento. No entanto, claro, falar sobre suicídio deve ser cuidadosamente planejado para melhor alcançar a pessoa alvo.

          Nesse último ponto, é preciso diferenciar entre uma discussão saudável sobre o suicídio e a exposição a outros comportamentos suicidas. Exposição sob certos contextos e circunstâncias a um comportamento suicida de membros familiares, amigos e celebridades é um dos principais fatores de risco para a emergência de um comportamento suicida ou planejamento de uma tentativa de suicídio (por influência).


    4. "APENAS PESSOAS COM TRANSTORNOS MENTAIS SÃO SUICIDAS"

          Comportamento suicida indica uma profunda tristeza mas não necessariamente um transtorno mental. Diversas pessoas vivendo com transtornos mentais não são afetadas por comportamentos suicidas, e nem todas as pessoas que tiram suas próprias vidas possuem um transtorno mental. Fatores como violência familiar, abuso sexual, uso excessivo de drogas/álcool, problemas físicos, dores crônicas, entre outros, podem se juntar, ou não, com transtornos mentais no desenvolvimento de um comportamento suicida. Apesar disso, a maioria dos suicídios estão ligados a um transtorno mental, como pode ser visto no esquema abaixo (Ref.1):


          Aliás, em um estudo publicado no periódico Schizophrenia Research (Ref.30), pesquisadores mostraram que a taxa de suicídios entre indivíduos com transtorno no espectro de esquizofrenia é 170 vezes maior (1 para cada 58) do que entre a população em geral. O estudo analisou 75989 pessoas (idades de 16 até 45 anos) com essa condição psiquiátrica no Canadá. Já um recente e robusto estudo global, publicado no BMC Psychiatry (Ref.35) e envolvendo uma amostra de 599 pacientes, encontrou que 34% das pessoas (sexo feminino) com transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM) (!) já tentaram suicídio.

(!) Leitura recomendada: Todas as mulheres sofrem com TPM?

           Por outro lado, um estudo mais recente publicado no periódico JAMA Psychiatry (Ref.51), analisando dados de 306,8 mil mortes por suicídio nos EUA entre 2003 e 2020, mostrou que quase um terço das mortes ocorreram em indivíduos sofrendo com sintomas de doenças físicas mas sem qualquer problema de saúde mental documentado. É possível que esses sintomas físicos podem estar associados com episódios depressivos mascarados. Outros quatro subgrupos de risco incluíam indivíduos com problemas de saúde mental e uso de substâncias; indivíduos sofrendo apenas com problemas de saúde mental; indivíduos usando múltiplas substâncias lícitas e ilícitas, incluindo álcool; e indivíduos enfrentando uma crise, dificuldades relacionadas ao consumo alcoólico, ou conflitos com parceiro íntimo.


     5. "A MAIORIA DOS SUICÍDIOS OCORREM REPENTINAMENTE, SEM AVISOS"

          Pelo contrário, a maioria dos suicídios são precedidos por sinais de alerta, sejam verbais ou comportamentais. Obviamente, existem suicídios que ocorrem sem avisos/sinais prévios, mas isso passa longe da regra. Nesse sentido, é muito importante saber entender quais são os sinais de alerta e procurar por eles nas pessoas próximas de você.

         Entre os sinais de alerta, podemos incluir:

- Suicídio recente, ou morte por outros meios, de um amigo, pessoa amada ou parente;
- Tentativas anteriores de suicídio;
- Preocupações com temas de morte ou expressão de pensamentos suicidas;
- Falar sobre sentimentos de vazio, desesperança ou falta de motivos para viver;
- Falar sobre sentimentos de aprisionamento ou fracasso em encontrar soluções;
- Sentir dores insuportáveis (físicas ou emocionais)
- Depressão, transtornos de conduta e problemas com substâncias de abuso - particularmente se duas ou mais estiverem presentes;
- Desfazer-se de posses muito estimadas/ fazer um testamento ou realizar preparações finais de mesma natureza - despedidas, por exemplo;
- Grandes mudanças nos padrões de sono - dormir muito ou pouco;
- Mudanças repentinas e extremas nos hábitos alimentares ou no ganho/perda de peso;
- Maior consumo de substâncias de abuso;
- Afastamento dos amigos/familiares ou outras grandes mudanças comportamentais
- Abandono de atividades de grupo;
- Mudanças de personalidade como nervosismo, explosões de raiva, busca incessante por vingança ou comportamento impulsivo ou irresponsável, ou apatia em relação à aparência e saúde;
- Irritabilidade frequente ou choro inexplicável;
- Expressões prolongadas de fracasso, culpa ou desprezo próprio;
- Falta de interesse no futuro;
- Uma repentina levantada de espírito, onde antes existia apenas profunda tristeza e fraqueza, pode indicar a tomada de decisão em acabar com a dor através do suicídio;
- Fazer um plano ou procurar por um modo de matar a si mesmo, como buscas na internet, compra de pílulas medicamentosas ou compra de uma arma de fogo;


    6. "ALGUÉM QUE É SUICIDA ESTÁ DETERMINADO A MORRER"

           Pelo contrário, em grande parte dos casos as pessoas suicidas são ambivalentes sobre viver ou morrer (pensam nos dois com a mesma intensidade). Para exemplificar, alguém pode agir impulsivamente e beber pesticidas - morrendo alguns dias depois -, apesar de mudar de ideia logo depois e ter escolhido viver. Muitos também irão procurar ajuda imediatamente após tentar o suicídio. Ter acesso a um suporte emocional na hora certa pode prevenir tais tragédias.


     7. "PESSOAS QUE FALAM SOBRE SUICÍDIO NÃO POSSUEM INTENÇÃO EM COMETÊ-LO"

           Pessoas que falam sobre suicídio podem estar tentando buscar ajuda ou suporte, sem serem explícitos sobre a situação para não despertarem incertas fortes reações - por causa do tabu em torno do assunto - ou por terem vergonha de estarem tentadas ao suicídio. Um significativo número de pessoas se expressando sobre a possibilidade de cometer um suicídio estão experienciando ansiedade, depressão e desesperança, e podem sentir que não existe outra opção.

            É comum ouvirmos diversas pessoas que dizem coisas do tipo "Ele/ela só está falando sobre cometer suicídio para chamar atenção, não se preocupe". Essa errônea inferência é ainda mais prevalente em relação aos adolescentes, onde grande parte das pessoas tendem a achar que isso é "apenas uma fase", não levando os sinais de alerta a sério.

            Toda ameaça de suicídio, seja ela qual for, deve ser levada a sério.


      8. "UMA PROMESSA DE MANTER UMA MENSAGEM LACRADA OU NÃO LIDA DEVE SEMPRE SER MANTIDA"

            Quando existe um potencial de perigo, ou real perigo, então a confidencialidade não pode ser mantida. Uma mensagem selada com o pedido para que a mesma não seja aberta é um forte indicador de que algo sério está por vir. Uma mensagem selada é um dos sinais finais antecedendo um suicídio.

            Aqui também é válido lembrar que também é um mito achar que a maioria das pessoas que se suicidam deixam mensagens sobre o ato para trás (cartas explicando os motivos, por exemplo).


       9. "UMA VEZ QUE A PESSOA PRETENDE COMETER O SUICÍDIO, NÃO EXISTE COMO DETÊ-LA"

            Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), cerca de 90% dos suicídio podem ser prevenidos. Como já dito, muitos suicídios podem ser fruto de problemas apenas temporários. Ajuda prática imediata, como ficar perto da pessoa, encorajar a mesma a falar sobre a situação e ajudá-la a construir planos para o futuro, pode evitar que a intenção de um suicídio seja executada. Tal ajuda imediata é mais do que valiosa em momentos de crise, mas acompanhamento profissional apropriado pode ser importante depois. E como a maioria dos atos suicidas são planejados com boa antecedência, quanto mais cedo a intervenção de ajuda, maiores as chances de salvar a pessoa.

             Porém, é válido também lembrar que nem todos aqueles procurando o suicídio serão salvos. E isso não indica, necessariamente, uma falha na ajuda.


      10. "NÃO EXISTE CORRELAÇÃO ENTRE CONSUMO ALCOÓLICO E DE OUTRAS DROGAS DE ABUSO E O SUICÍDIO"

          Consumo alcoólico - e de outras drogas de abuso - e suicídio frequentemente andam juntos. Dependentes químicos estão em um maior risco de desenvolver comportamentos suicidas. Mesmo pessoas que não costumam beber ou usar drogas de abuso em geral irão frequentemente usar tais substâncias momentos antes de tirar a própria vida.

           O consumo alcoólico e de opioides aumenta de forma significativa o risco de idealização suicida, de tentativa suicida e de morte por suicídio (Ref.43-44). Enquanto todas as drogas de abuso elevam o risco de suicídio, álcool e opioides são as substâncias mais comuns associados a mortes por suicídio nos EUA (22% e 20%, respectivamente), muito acima da maconha (10,2%), cocaína (4,6%) e anfetamina (3,4%) (Ref.43). Duas formas de consumo alcoólico estão particularmente implicadas no risco elevado para comportamentos e pensamentos suicidas: intoxicação alcoólica aguda e uso crônico  de álcool ou dependência. É reportado que mais de um terço dos falecimentos por suicídio testam positivo para o consumo alcoólico, a maioria com concentrações sanguíneos demonstrando intoxicação alcoólica (Ref.43).

          O consumo de bebidas alcoólicas aumenta a impulsividade e, com isso, o risco de suicídio. Intoxicação alcoólica também promove comportamentos desinibitórios e perda de afeição, potencialmente reduzindo o medo da morte que em outras circunstâncias seria uma barreira psicológica para o suicídio. Transtorno do uso de álcool está significativamente associado com mortalidade por suicídio e essa associação é similar para ambos os sexos (Ref.49). Tratamento de alcoolismo é importante como estratégia de prevenção ao suicídio.

           Cerca de 11,2% da população brasileira é dependente de álcool. O número de pessoas que faz uso nocivo do álcool mas não atinge um padrão de dependência é ainda maior. Ou seja, um fator a ser levado bastante em conta no nosso país nas discussões sobre suicídio.


     11. "O COMPORTAMENTO SUICIDA NÃO É ALGO RELACIONADO À GENÉTICA"

           Evidências científicas mais recentes fortemente apontam a existência de genes ligados a um maior risco de suicídio (Ref.9-12). Um estudo analisando quase 634 mil veteranos militares Norte-Americanos - incluindo >121 mil casos de pensamentos ou ações suicidas - e publicado em 2022 no JAMA Psychiatry (Ref.36) encontrou variantes em 4 genes (ESR1, DRD2, DCC e TRAF3) significativamente ligadas a um aumento no risco de pensamentos e comportamentos suicidas. Esses genes já haviam sido previamente ligados a um maior risco de suicídio. Genes associados a certos transtornos mentais e abuso de drogas/álcool também podem ser considerados ligados ao suicídio, já que são também fatores de risco para comportamentos suicidas. Além disso, é bem estabelecido que ter um histórico familiar de suicídio aumenta as chances de um comportamento suicida.

           Porém, claro, a genética irá influir apenas como mais um fator em algumas pessoas. As tentativas de suicídio são independentes da genética em grande parte dos casos. Aliás, mesmo aparecendo mais casos de suicídio dentro de uma mesma família com histórico de suicídios, outros cofatores causais podem ser muito mais relevantes do que a genética, como o ambiente familiar (que tende a ser parecido ao longo de um curto período geracional). Famílias mais conservadoras que cultivam um grande preconceito contra a homossexualidade, por exemplo, podem fomentar um comportamento suicida em um dos seus membros que seja homossexual. E como a homossexualidade está fortemente ligada a fatores genéticos (A homossexualidade é biológica ou social?), mais homossexuais podem aparecer na família e mais deles podem ficar tentados a cometer o suicídio.

           Um robusto estudo conduzido por um time internacional de pesquisadores e publicado no periódico Molecular Psychiatry (Ref.33) revelou também sutis alterações no tamanho da região pré-frontal do cérebro em pessoas mais jovens com transtornos de humor e pensamentos/comportamentos suicidas. Quantidade de matéria cinzenta e tamanho de áreas de regulação emocional no cérebro estão também associados com o risco de suicídio (Ref.55).

             Procurar na genética e outros traços biológicos por fatores de risco pode ser algo muito importante no futuro dentro das medidas de prevenção. Pessoas com maiores riscos genéticos poderão ser melhor orientadas e supervisionadas desde cedo (principalmente pelos pais).


       12. "A PRESENÇA DE ARMAS DE FOGO NÃO POSSUI RELAÇÃO ALGUMA COM AS TAXAS DE SUICÍDIO"

          É estimado que em torno de 20% dos suicídios globais envolvem ingestão de pesticidas, a maioria desses casos em áreas rurais agrícolas em países de baixa- a média-renda (Ref.5). Outros métodos comuns incluem enforcamento e armas de fogo. A maior parte dos estudos científicos realizados nas últimas décadas nessa área apontam uma forte relação entre um maior número de armas de fogo disponíveis para a população e um aumento no número de suicídios efetivos (Armas de fogo e suicídio). Entre os motivos que podem explicar essa associação, temos:

- As armas de fogo são um dos métodos mais letais para a prática do suicídio, enquanto outros métodos normalmente tendem a falhar (afogamento, envenenamentos diversos, facas, etc.) ou demoram tempo suficiente para um socorro chegar. E, após a falha no suicídio, o indivíduo pode tender a desistir de se matar - ao mudar de ideia sobre colocar fim à sua vida ou ter seus maiores problemas solucionados - ou acaba recebendo mais apoio das pessoas ao seu redor;

- Boa parte (mas não a maioria) das pessoas tendem a estar, quando decidem se suicidar, sob um impulso instantâneo de desprezo à vida, ou seja, agem pelo momento. Com uma arma de fogo à disposição, o ato fica mais fácil e rápido de ser cometido, enquanto outros métodos mais planejados e calculistas permitem que a pessoa tenha mais tempo para pensar durante sua preparação, fazendo-as desistir bem mais frequentemente no momento de execução. Isso também é ainda mais válido para os casos de homicídio;

- Puxar o gatilho dá uma sensação de alívio instantâneo, sem sofrimento, enquanto os outros métodos podem passar uma ideia de grande tortura antes da morte. Além disso, o ato de puxar o gatilho cria uma ilusão de que um terceiro está tirando sua vida, e não você mesmo, deixando o ato mais fácil de ser executado. Este último ponto também vale para os casos de homicídio.

          Períodos de alto risco quando ideação suicida é mais intensa são frequentemente curtos (ex.: ≤10 min) e, durante esses períodos, acesso físico a meios letais pode ser crucial em determinar se um pensamento suicida irá ser traduzido em um ato suicida (Ref.57). Nesse contexto, durante tentativas de suicídio, armas de fogo exibem taxa de fatalidade de 90%, enquanto outros métodos de suicídio comumente usados exibem uma taxa de fatalidade de ~10%. Intervenções públicas que removem armas de fogo da posse de pessoas vulneráveis a comportamentos suicidas podem reduzir significativamente as taxas de suicídio efetivo (Ref.53).


      13. "DEPRESSÃO E COMPORTAMENTO AUTO-DESTRUTIVO SÃO RAROS NOS MAIS JOVENS"

           Pelo contrário, ambas as formas são comuns em adolescentes. Aliás, pensamentos e comportamentos suicidas tipicamente emergem durante a adolescência, e é estimado Cerca de 10% a 20% dos adolescentes experienciam pensamentos suicidas (idealização suicida), estes os quais predizem tentativas de suicídio; em 2021, é reportado que 2-10% dos adolescentes tentaram suicídio, e o número de tentativas de suicídios entre crianças e adolescentes continua a subir de forma acentuada apesar dos esforços nacionais e internacionais de conscientização (Ref.33). Depressão pode vir de diferentes formas nessa faixa de idade e até em crianças. Já comportamentos autodestrutivos surgem inicialmente e mais frequentemente na adolescência, um fenômeno com incidência aumentando ano após ano.

          Transtornos de humor e transtorno de uso de substâncias (ex.: alcoolismo) estão fortemente associados com morte por suicídio na adolescência (Ref.48). Isolamento social e sintomas somáticos - provavelmente manifestações físicas de estresse psicológico, incluindo em especial dor de cabeça, fatiga e dor de barriga - estão fortemente associados com idealização suicida em adolescentes (Ref.48).

          Entre estudantes universitários Brasileiros, estatísticas mostram que a ideação e o pensamento suicida cresceram 68,8% de 2010 para 2014, e 107,0% de 2014 para 2018, suportando a identificação dos indivíduos jovens como um grupo de risco no país (Ref.34). Além de transtornos mentais comuns entre os universitários, estressores ambientais e vulnerabilidades sociais e emocionais também influenciam o suicídio nesse grupo.


      14. "TODOS OS SUICÍDIOS SÃO LIGADOS À DEPRESSÃO"

             Como já mencionado, o comportamento suicida surge a partir de uma grande gama de fatores, os quais podem estar combinados ou não. Muitos são os fatores que podem fomentar um ato suicida, e a depressão é apenas um dos mais presentes.

             O suicídio não discrimina. Pessoas de todos os gêneros, idades e etnias podem estar em risco. E reforçando mais uma vez, o comportamento suicida é complexo e não existe um única causa. Mas as pessoas em maior risco tendem a dividir certas características. Os principais fatores de risco para o suicídio são:

- Depressão, outros transtornos mentais ou substâncias de abuso;
- Certas condições médicas;
- Dores crônicas;
- Uma tentativa anterior de suicídio;
- Histórico familiar de suicídio;
- Histórico familiar de transtorno mental ou abuso de substâncias;
- Violência familiar, incluindo abuso físico ou sexual;
- Possuir armas de fogo em casa;
- Ter sido liberado recentemente da prisão;
- Ser exposto a outros comportamentos suicidas, como os de um membro da família, amigos ou celebridades.

               Mas é preciso lembrar que muitas pessoas podem ter esses fatores de risco porém não tentar suicídio. É importante ter em mente que o suicídio não é uma resposta normal ao estresse. Pensamentos ou ações suicidas são um sinal de extremo estresse, não apenas uma inofensiva tentativa de chamar a atenção, e não podem ser ignorados.


       15. "MELHORAS MARCANTES OU REPENTINAS DE ESTADO MENTAL DEPOIS DE UM QUADRO DE PROFUNDA DEPRESSÃO OU CRISE SUICIDA SIGNIFICA QUE O RISCO DE SUICÍDIO NÃO MAIS EXISTE"

              Aqui, o oposto pode ser verdade. Nos três meses que se seguem uma tentativa de suicídio, a pessoa está em um maior risco de terminar a execução do ato. Como já dito, uma repentina melhora no estado de espírito pode significar que a pessoa fez uma firme decisão de cometer suicídio e se sente melhor em relação à sua decisão. Além disso, logo após uma melhora em um quadro de profunda depressão, por exemplo, a pessoa ganha mais forças para cometer e planejar um ato de suicídio. É preciso ficar bem atento nesse período e buscar dar bastante apoio à pessoa.


     16. "A ÚNICA INTERVENÇÃO EFETIVA PARA LIDAR COM O SUICÍDIO VEM DE UM PROFISSIONAL PSICOTERAPEUTA COM GRANDE EXPERIÊNCIA NA ÁREA"

             Todas as pessoas que interagem com pessoas suicidas podem ajudar a tratá-los através de suporte emocional e encorajamento. Intervenções profissionais também confiam parte do seu sucesso no apoio familiar e de amigos. Quanto mais forte a rede de suporte, maiores as chances de recuperação.


     17. "JOVENS SUICIDAS ESTÃO SEMPRE RAIVOSOS QUANDO ALGUÉM INTERVÉM E ELES IRÃO RESSENTIR DAQUELA PESSOA DEPOIS"

              Enquanto é comum que pessoas jovens, principalmente adolescentes, mostrem resistência ou fiquem bastante defensivos no começo, esses comportamentos são frequentemente barreiras impostas para testar o quanto uma pessoa está disposta/preparada para ajudá-las. Para a maioria dos adolescentes considerando o suicídio, é um alívio ter alguém genuinamente se importando com eles e serem capazes de dividir seus fardos emocionais ou problemas com outra pessoa. Quando questionados mais tarde sobre o evento, a vasta maioria deles se sentem muito gratos pela intervenção.


      18. "SUICÍDIO É MAIS COMUM EM PESSOAS VIVENDO EM ÁREAS DE MENOR STATUS ECONÔMICO"

             Não existe ligação definitiva entre regiões com maior ou menor status econômico e o suicídio. Apesar disso, certas regiões tendem a ter maior taxa de suicídio do que outras, devido a fatores diversos. Além disso, certas profissões mostram uma maior incidência de suicídios do que outras, como o profissional dentista, este o qual ocupa o primeiro lugar nesse quesito - mas ainda não se sabendo com exatidão o porquê, mas pode estar ligado ao acesso facilitado de substâncias de abuso, algo que também explicaria o porquê dos profissionais de saúde em geral também estarem ligados a um maior índice de suicídios (Ref.8).


     19. "OS SUICÍDIOS TENDEM A OCORRER MAIS EM PERÍODOS DE FÉRIAS E DE FERIADOS, EM ESPECIAL NO NATAL"

           A ideia de que mais suicídios ocorrem em períodos de férias (como no meio do ano - julho - e no final do ano - dezembro) e de feriados - especialmente aqueles mais familiares, como o Natal - é um dos mais perpetuados mitos. Nos EUA por exemplo, o Centro de Estatísticas de Saúde do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças norte-americano) mostra que a taxa de suicídio em dezembro, por exemplo, é a menor do ano. Aliás, na Noite de Natal ao redor do mundo, as taxas até mesmo tendem a diminuir. Um estudo de 2018 analisando a população Holandesa encontrou que taxas de suicídio são 42% menores no Natal comparado com a média de dezembro (Ref.37).

           Evidência sugere que as taxas de suicídios ao redor do mundo são sazonais, aumentando durante estações mais quentes (meses no final da primavera e no verão) e reduzindo em estações mais frias (em particular no inverno), sem relação com datas especiais ou comemorativas (Ref.38). Criminologistas e psicólogos argumentam que maiores temperaturas podem aumentar desconforto e facilitar desinibição, agressão e violência, gerando um aumento nos atos suicidas, mas mecanismos biológicos específicos não são ainda esclarecidos (Ref.39). 

          É possível que no hemisfério norte o mito sugerindo que dezembro e Natal estão associados com picos de suicídio tenha origem do fato de que o inverno é popularmente associado com dias mais curtos e tristes.     

           Esse mito pode acabar dificultando as campanhas de prevenção por direcioná-las para períodos onde supostamente existem maiores taxas de suicídio, ao invés de serem intensificadas em outras datas mais importantes. Além disso, a perpetuação e realce desse mito na mídia e no público - associando suicídios com datas festivas, familiares e comemorativas - pode ter efeitos contagiosos em pessoas que estão pensando em suicídio (Ref.40-42).

          Contudo, no Dia do Ano Novo e no dia após o Ano-Novo, estudos nos últimos anos (Ref.25-26, 37) têm reportado um aumento nas taxas de suicídios ou nas tentativas de suicídios - especialmente entre homens -, algo que pode estar ligado ao maior consumo alcoólico nesse período, o que segue em linha com o fato dos homens serem mais suscetíveis ao consumo alcoólico pesado e, consequentemente, ficam mais expostos à intoxicação alcoólica (um forte fator de risco para o suicídio).


     20. "NÃO EXISTEM DIFERENÇAS ENTRE HOMENS E MULHERES EM RELAÇÃO AO SUICÍDIO"

            Na verdade, existem diferenças marcantes. Homens são mais prováveis de morrerem por suicídio do que as mulheres (taxas de suicídio efetivo 3,5 a 4 vezes maiores), mas mulheres tentam se suicidar mais (taxas de tentativas de suicídio 3 a 4 vezes maiores). Nesse sentido, homens tendem a usar métodos mais letais de suicídio, especialmente armas de fogo. Mulheres tendem a usar mais frequentemente métodos de envenenamento, associados a taxas maiores de falha. Dados do CDC Norte-Americano mostram que a maior taxa de suicídio entre as mulheres fica na faixa entre os 45 e 64 anos de idade, enquanto nos homens ocorre a partir dos 75 anos. Existem diferenças também entre grupos raciais ["raça" em termos sociais] e étnicos quanto à prevalência de suicídios, dependendo da população sendo analisada.

          Homens parecem ser também menos prováveis de procurar ajuda para problemas em geral e exibir sofrimento psicológico que pode passar despercebido por médicos, dificultando intervenção pró-vida. Por outro lado, o sofrimento de mulheres, incluindo dores físicas, tende a ser subestimado por causa de deletérios estereótipos e tratado com menos seriedade pela comunidade e mesmo por profissionais de saúde. Fica a sugestão de leitura: Médicos levam a dor de mulheres menos a sério do que aquela de homens, revela estudo


       21. "AS DIFERENÇAS DE NÚMERO ENTRE TENTATIVAS E EXECUÇÕES DE SUICÍDIO NÃO SÃO GRANDES"

            Muitas vezes as pessoas tendem a prestar atenção ou noticiar mais os suicídios executados, deixando de lado as tentativas. Assim, mesmo o número de suicídios sendo alto, a preocupação com esse problema de saúde pública fica perigosamente subestimada.

           Em 2001, nos EUA, cerca de 1600 jovens ente 15 e 19 anos de idade cometeram suicídio, 3,4 milhões nessa fase de idade pensaram seriamente em cometer suicídio e 1,7 milhões fizeram uma tentativa de suicídio, onde 590 mil dessas tentativas resultaram em danos suficientemente sérios que requereram atenção médica.

           Em outras palavras, para cada suicídio executado, diversas outras tentativas ocorrem. E as tentativas também geram grande impacto em familiares e outros membros próximos em grande parte das vezes, além de poderem resultar em danos corporais muito sérios. Portanto, o problema é grave e não deve ser subestimado.


     22. "OUVIR CERTOS TIPOS DE MÚSICA PODE LEVAR ALGUÉM A APRESENTAR COMPORTAMENTO SUICIDA"

           Não, não existe evidência científica de suporte para tal alegação ou sugestão.


     23. "O SUICÍDIO É SEMPRE UM ATO IMPULSIVO"

          Apesar de traços impulsivos já terem mostrado aumentar o risco de suicídio em alguns grupos, especialmente naqueles com transtornos bipolares e abuso alcoólico, décadas de pesquisa mostram que a maioria daqueles que cometem suicídio não o fazem de modo impulsivo. Na verdade, o mais comum é existirem estágios no desenvolvimento da intenção suicida, iniciando-se geralmente com a imaginação ou a contemplação da ideia suicida. Posteriormente, um plano de como se matar, que pode ser implementado por meio de ensaios realísticos ou imaginários até, finalmente, culminar em uma ação destrutiva concreta.

         Achar que suicídios são sempre impulsivos pode diminuir os esforços de prevenção, já que os atos seriam feitos rápidos demais para deixarem sinais de aviso (outro mito já explorado) ou um tempo mínimo [curta janela de oportunidade] para efetiva intervenção.


     24. "O SUICÍDIO É UM ATO DE COVARDIA (OU DE CORAGEM)"

            O que dirige a ação autodestrutiva é uma dor psíquica insuportável e não uma atitude de covardia ou coragem. Alegações de que o suicídio é um ato de covardia tentam evitar consideração das reais causas do fenômeno, atribuindo ao comportamento um traço negativo de personalidade. Alegações de que é um ato de coragem tentam atribuir o comportamento suicida a um traço positivo de personalidade; essa caracterização errônea dificulta medidas de prevenção ao suicídio ao retratar o comportamento suicida como justificado, já que o considera como sinônimo de bravura, um traço que todo mundo gostaria de possuir. 

           Bravura ou covardice são traços de personalidade que NÃO podem ser quantificados ou medidos pelo número de vezes que alguém tenta suicídio ou decide dar a si mesmo outra chance (Ref.19). Pessoas que tentam suicídio estão sob intenso sofrimento.


   "PESSOAS QUE TIRAM A PRÓPRIA VIDA SÃO EGOÍSTAS"

          Quando uma pessoa morre por suicídio, ela acaba geralmente deixando para trás uma enorme quantidade de dor para familiares e outras pessoas próximas. Como resultado, várias pessoas acreditam que o suicídio é um ato de egoísmo, sem consideração para o efeito desse ato na vida de outras pessoas. Essa crença é um dos mitos mais prejudiciais sobre o suicídio. 

          No mesmo caminho de esclarecimento do mito anterior, é muito importante realçar que as pessoas não morrem de suicídio por escolha. Pessoas que morrem de suicídio tipicamente experienciam intensa dor emocional e encontram dificuldade de considerar diferentes perspectivas de vida ou um caminho para sair da atual situação de sofrimento. Mesmo com as razões por trás do fenômeno do suicídio serem complexas, frequentemente o suicídio está também associado com doenças psiquiátricas, como depressão, ansiedade, transtorno bipolar, esquizofrenia e uso/abuso de drogas, incluindo dependência química e, especialmente, abuso alcoólico.

           Pessoas que cometem suicídio comumente se sentem como um fardo para outras pessoas ou experienciam intensa dor emocional que supera a capacidade própria de continuar com a vida. Fazer outros se sentirem culpados é tipicamente algo muito distante da mente de alguém tentando suicídio. Aliás, inabilidade momentânea de fazer decisões racionais e pró-vida são um traço típico de um pensamento suicida.

           Acreditar que comportamento suicida é uma "escolha pessoal" é extremamente deletério e estigmatizante, prejudicando ações de prevenção, de suporte e de conscientização.
                                                                 

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AÇÕES QUE PODEM SER TOMADAS PARA AJUDAR ALGUÉM COM DOR EMOCIONAL

1. Pergunte: "Você está pensando em tirar sua própria vida?" Não é uma questão fácil de se perguntar, mas estudos mostram que perguntar para um indivíduo se eles são suicidas não aumentam o número de suicídios ou pensamentos suicidas (como já discutido anteriormente). Para chegar a essa pergunta, pode-se tentar ir de forma gradual, iniciando com, por exemplo, “Como você se sente ultimamente?” “Existem muitos problemas na sua vida?”.

2. Mantenha a pessoa segura: Reduzir o acesso a itens ou locais perigosos/letais é um importante passo para a prevenção de suicídios. Apesar de não ser uma tarefa fácil, perguntar à pessoa em risco de suicídio se ela possui um plano e remover/inutilizar os meios letais para tal pode fazer a diferença.

3. Esteja lá: Ouça atentamente e aprenda o que o indivíduo em risco está pensando ou sentindo. Mais uma vez, discutir sobre o suicídio pode ajudar e não aumentar os pensamentos suicidas.

4. Ajude-o a se conectar: Facilite o acesso da pessoa em risco aos amigos, familiares - tanto os seus de confiança como os dele - e profissionais da área. Poucas pessoas que se suicidam procuram contato com serviços de saúde antes de morrerem, e você pode ser uma ponte nesse sentido.

5. Permaneça conectado: Continuar em contato com a pessoa em risco depois de uma crise ou depois dela ser liberada de cuidados especiais pode fazer uma significativa diferença. Estudos mostram que o número de mortes por suicídio diminui quando as pessoas continuam apoiando os indivíduos em risco passados os momentos de maior gravidade.

        Fique atento também às frases de alerta. Por trás delas estão os sentimentos de pessoas que podem estar pensando em suicídio. São quatro os sentimentos principais de quem pensa em se matar. Todos começam com “D”: depressão, desesperança, desamparo e desespero (regra dos 4D). Nesses casos, se surgir frases de alerta do tipo 4D, é preciso investigar cuidadosamente o risco de suicídio. Como exemplos:

          É preciso fica atento também a outros fatores mais óbvios ou menos óbvios que podem se somar ao emocional do indivíduo no sentido de aumentar o risco de suicídio.

          Um estudo publicado no periódico Cancer (Ref.23), pertencente à American Cancer Society, mostrou que o risco de suicídio parece aumentar significativamente no primeiro ano após o diagnóstico de um câncer. Na população Norte-Americana, os pesquisadores encontraram que o risco aumenta cerca de 2,5 vezes, após analisarem dados de quase 4,68 milhões de pacientes com a doença. Os riscos foram maiores para o diagnóstico de câncer pancreático e câncer de pulmão. Já de acordo com um estudo publicado mais recentemente na Nature Communications (Ref.24), o risco de suicídio é mais do que 4 vezes maior para pacientes em geral com câncer. Essa conclusão foi alcançada após a análise de 8651569 de pacientes com a doença nos EUA. O risco mostrou ser maior para homens (83%) brancos (92%), pacientes diagnosticados ainda jovens, e pacientes com linfomas e cânceres de pulmão, cabeça, pescoço e testicular.

          Já um estudo publicado em 2021 no periódico Journal of Epidemiology & Community Health (Ref.27) encontrou que o aumento de US$1 no salário mínimo do trabalhador Norte-Americano está ligado a uma diminuição de 3,5-6% na taxa de suicídio. O achado foi feito após análise de dados mensais acumulados em 50 estados e Washington DC sobre taxas de suicídio, variações no salário mínimo e taxas de suicídio entre indivíduos de 18 a 64 anos de idade, entre 1990 e 2015.

         Pacientes diagnosticados com câncer e indivíduos em situação financeira mais frágil que possuem um histórico de depressão e outros fatores de risco associados ao suicídio precisam, portanto, receber uma maior atenção em termos preventivos.

         Parece existir também um pequeno - mas significativo - aumento de risco para o suicídio em indivíduos com desordens neurológicas como esclerose múltipla, derrame, lesões na cabeça, epilepsia e doença de Huntington (Ref.28).

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> Jovens LGBTQ (lésbicas, gays, bissexuais e queer) de 10 a 19 anos de idade nos EUA que se suicidaram são cinco vezes mais prováveis de terem reclamado de bullying do que suicídios de jovens não-LGBT, segundo estudo publicado no dia 26 de maio de 2020 no periódico JAMA Pediatrics (Ref.23). Entre indivíduos de 10 a 13 anos de idade, dois terços dos registros de morte dos jovens LGBT mencionaram que eles sofriam bullyng. Bullying é um dos principais problemas de saúde pública entre crianças e adolescentes, e é especialmente pronunciado entre os jovens LGBT.

> Experiências na infância e sobrevivência a violência sexual estão entre os principais fatores comportamentais preditores de comportamento suicida. Ref.55

> Com a crescente popularidade das redes sociais, outro preocupante fenômeno está se tornando mais comum: transmissão ao vivo ("lives") de idealizações, planos, tentativas e execuções suicidas em plataformas como Facebook e TikTok. Apesar de oferecer uma janela de oportunidade para múltiplas pessoas que podem auxiliar a pessoa em sofrimento realizando a live, é incerto o efeito da exposição desse tipo de conteúdo a indivíduos vulneráveis. Ref.54
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      ENFERMEIRAS

           Um estudo conduzido nos EUA e publicado no periódico JAMA Psychiatry (Ref.32), analisando dados clínicos de 2374 enfermeiros e enfermeiras, 857 médicos e médicas, e de 156141 indivíduos da população em geral (idade ≥ 30 anos) obtidos no período de 2007 até 2018, encontrou que o risco de suicídio entre as enfermeiras era 2 vezes maior do que aquele observado entre a população em geral. Entre enfermeiros, médicos e médicas, não variou muito em relação à população em geral - apesar de uma pequena maior taxa entre as médicas. Para mais informações sobre o estudo - incluindo possíveis causas para o achado - e sobre a problemática questão do suicídio, acesse o artigo abaixo.

           Entre os trabalhadores da saúde, os profissionais de enfermagem estão no grupo dos mais propensos aos problemas de saúde mental, dentre os quais a depressão e o risco de suicídio, porque lidam com o sofrimento humano, a dor, a alegria, tristeza e necessitam ofertar ajuda àqueles que necessitam de seus cuidados. Destacam-se, ainda, outros fatores comumente encontrados, como as condições difíceis de trabalho e a falta de reconhecimento profissionais.

          Os autores do estudo citaram que enfermeiras são 90% mais prováveis de experienciarem problemas associados com o trabalho, e 20-30% mais prováveis de sofrerem com transtornos depressivos do que a população em geral. Além disso, as enfermeiras podem sofrer grande pressão no local de trabalho e também em casa, devido a cuidado com filhos ou pais. 

          No estudo, overdose medicamentosa foi apontada como o meio mais comum para o suicídio entre as enfermeiras, comparado com o uso de armas de fogo em mais da metade dos suicídios entre a população em geral. Como os profissionais de saúde possuem acesso facilitado e alto conhecimento em relação a medicamentos diversos, acaba sendo um meio preferencial para o ato suicida. Isso traz um sinal de alerta também para a necessidade de um maior controle e atenção nos centros hospitalares em relação à entrada e saída de fármacos.


   CONTÁGIO

          Como já explorado, não existe um único fator que causa suicídio ou idealização suicida. No entanto, uma porção de idealizações suicidas tem sido atribuída a processos sociais ou contagiosos. Proximidade ou familiaridade com pessoas que idealizaram, tentaram ou morreram de suicídio podem induzir idealização ou tentativa de suicídio entre indivíduos suscetíveis.

          Um estudo publicado no periódico Science Advances (Ref.23), através de um modelo computacional examinando o fator de contágio nos suicídios a nível populacional, encontrou que houve uma rápida, expansiva e transiente disseminação de comportamentos e pensamentos suicidas nos EUA seguindo os suicídios do ator Robin Williams em 2014 e das celebridades Kate Spade e Anthony Bourdain, em 2018. Os suicídios de Spade e de Bordain ocorreram em um intervalo de 3 dias. No período pós-suicídio de Robin Williams, os autores do estudo observaram um aumento de ~1000x na probabilidade de uma pessoa começar a ter idealização suicida, resultando em robusto pico de maior volume de ligações do número 988 (Lifeline, equivalente ao 188 no Brasil = Centro Valorização da Vida), e um excesso aproximadamente dobrado no número de mortes por suicídio. Em ambos os eventos, as taxas elevadas de contágio duraram cerca de 2 semanas antes de retornarem aos níveis iniciais.


      TRATAMENTOS E TERAPIAS

         Além do apoio familiar e de pessoas próximas, tratamentos e terapias médicas específicas podem ser um grande auxiliar. Como são múltiplos os fatores de risco para o suicídio (idade, saúde mental, gênero, etc.), tais procedimentos também irão variar bastante, e muitos deles focarão em fatores de saúde mental (depressão e ansiedade, por exemplo) que podem disparar comportamentos suicidas. Entre eles:

1. Psicoterapias: É o uso de métodos psicológicos para ajudar a pessoa a mudar e superar problemas a partir de caminhos desejados. A psicoterapia visa a melhora do bem-estar e saúde mental do paciente, resolver comportamentos problemáticos, crenças, compulsões, pensamentos - ou emoções - ou melhorar as habilidades sociais e relações amorosas/sociais. Existem diversas técnicas, as quais podem englobar a interação um-a-um (mais comum) entre cliente e terapista ou grupos (incluindo famílias). A maioria das psicoterapias ocorrem em locais licenciados e com profissionais de saúde mental treinados - o recomendado, obviamente.

2. Medicamentos: Alguns indivíduos em risco de suicídio podem se beneficiar de medicamentos prescritos por profissionais de saúde. A clozapina, por exemplo, é um antipsicótico usado para tratar indivíduos com esquizofrenia e também para diminuir os riscos de suicídio nos mesmos (o único aprovado pelo FDA - Agência de Drogas e Alimentos dos EUA - para esse fim específico).

          Um estudo de revisão sistemática e meta-análise recentemente realizado por pesquisadores da Royal College of Surgeons in Ireland (RCSI), e publicado no JAMA Psychiatry (Ref.22), revelou que 1 em cada 4 tentativas de suicídio estão associadas com experiências psicóticas, ou seja, disfunções em como o cérebro interpreta informações perceptivas básicas, como o que nós vemos, ouvimos ou pensamos. Segundo os pesquisadores, essas disfunções podem predizer comportamentos suicidas e oferecer novas vias de tratamento e prevenção ao suicídio. Esse achado foi feito após a análise de 80 mil pessoas, onde um quarto daquelas que tentaram ou morreram de suicídio tinham problemas em experiências sensoriais básicas, como ver ou ouvir coisas não-existentes.

          Pesquisas anteriores já tinham mostrado que experiências sensoriais anormais desse tipo eram mais comuns do que se pensava, com cerca de 5-7% da população sendo afetada pelo problema, frequentemente ou ocasionalmente. Tais experiências psicóticas podem emergir - mas não necessariamente - quando o cérebro está sob estresse ou quando o indivíduo está sob grande pressão social. Indivíduos com quadros de depressão, por exemplo, e que estejam sendo afetados por essas experiências sensoriais, podem estar sob um maior risco de suicídio. Nesse sentido, saber identificar, entender e tratar essas anormalidades sensoriais podem ser extremamente importantes para diminuir os casos de suicídio.

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       O QUE MAIS PODE SER FEITO?

         Frequentemente, doenças psiquiátricas são vistas diferentemente de outros problemas médicos. Porém, todo esforço de saúde pública deve ser precedido por pesquisas e evidências científicas para que programas de prevenção ou tratamento sejam planejados, implementados e analisados apropriadamente. E, infelizmente, é comum programas de prevenção ao suicídio não usarem evidências baseadas em pesquisa ou metodologias práticas. E isso precisa mudar.

         Além disso, maiores campanhas precisam ser colocadas em prática para se vencer o tabu que cerca a questão. Geralmente as notícias na mídia tendem a sensacionalizar o suicídio - apenas reportam o evento trágico buscando audiência - sem tentar ao mesmo tempo conscientizar a população sobre o assunto. E mesmo quando parte da mídia tenta entregar informações de ajuda e conscientização, tais esforços acabam ocorrendo apenas quando um evento ou produto de forte impacto social surge, como o recente e polêmico caso do jogo 'Baleia-Azul' - um sistema virtual de disputas que inclui desafios que podem induzir ao suicídio (Ref.14) - e a recente série 13 Reasons Why ('Treze Razões'), exibida na Netflix (!). Aliás, essa série tem gerado preocupações entre os profissionais de saúde, com evidências sugerindo que ela pode impactar negativamente adolescentes mais vulneráveis. Especialistas pedem que produções áudio-visuais que retratem o suicídio, especialmente aquelas voltadas para o público jovem, sejam feitas de forma mais segura, idealmente sob a orientação de profissionais de saúde mental qualificados. 


         Órgãos governamentais também só buscam agir ou fomentar campanhas em momentos específicos e de forma muito limitada. Temas graves e importantes como esse precisam de maior visibilidade, e não apenas ficar confinados em espaços de pesquisa acadêmica. A conscientização precisa alcançar a população como um todo, tanto em escolas quanto no lar.

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Relevante: Existe também um debate acadêmico sobre se os ataques terroristas suicidas entram ou não na esfera dos suicídios relativos a um problema de saúde pública (Ref.20). No geral, apesar de existir uma crença bastante disseminada de que os terroristas suicidas não são suicidas, as evidências para essa afirmação são fracas segundo alguns especialistas. Por envolver assuntos religiosos e políticos, a questão acaba ficando muito complexa e conflituosa. Além disso, como busca-se mais combater o terrorismo do que atender às necessidades individuais dos terroristas, os dados coletados acabam sendo muito limitados, sem contar a dificuldade em fazer tais análises dentro de organizações terroristas. Mas evidências de que uma pequena parte dos terroristas possam ser suicidas existem, e pesquisas nessa área podem ajudar a identificar potenciais terroristas suicidas sendo recrutados.
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Artigos Recomendados:


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
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