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Gordura Trans nos Ruminantes?



          Gorduras insaturadas são boas e, mesmo se consumidas acima do recomendado, não parecem fazer mal ao corpo. As gorduras saturadas são polêmicas, e, apesar de fazerem bem ao corpo até uma quantidade X recomendada, um excesso é considerado como bastante prejudicial ao organismo. Porém, existem controvérsias quanto a essa última afirmação (1). As gorduras trans, por outro lado, são péssimas para a sua saúde e não são necessárias, em quantidade alguma, para o seu corpo. Mesmo pequenas quantidades dessa gordura já aumentam o seu risco de desenvolver doenças cardiovasculares. Diversos produtos industrializados são inundados com a trans, e o consumidor deve evitar, a todo custo, alimentos que contenham esse lipídio discriminado nas informações nutricionais ou que sejam feitos com gordura hidrogenada (ou ´parcialmente hidrogenada´). Mas, dizendo isso, temos um fato curioso nas nossas mãos: na natureza, também encontramos a gordura trans, em diminutas quantidades. E uma das fontes principais são os ruminantes ( vaca e cabras, por exemplo). Fica, então, a pergunta: é preciso nos preocupar com isso?

         O próprio FDA (Administração de Drogas e Alimentos dos EUA) admite que não pode banir de vez a gordura trans dos produtos alimentícios norte-americanos porque a mesma é um produto natural encontrado no meio ambiente. Ou seja, eles irão proibir a produção industrial da mesma, mas não existe como impedir esse lipídio de ser encontrado nos alimentos, já que vários levam os derivados de ruminantes (2) como ingrediente, por exemplo. E, sim, os ruminantes são a maior fonte da ´gordura trans natural´ devido ao processo de biohidrogenação realizado pelas bactérias presentes no estômago desses animais. As vacas são os animais mais analisados em relação a esse problema, já que utilizamos sua carne e leite, em abundância, para nos alimentar. Porém, o perfil e concentração da gordura trans nas fontes naturais diferem bastante da via industrial, e é aí que devemos prestar atenção antes de espalharmos boatos distorcidos.

        Como eu já expliquei em outro artigo (3), as gorduras trans são ácidos graxos insaturados com uma ligação trans na insaturação da cadeia carbônica. Como elas não são necessárias na nossa nutrição, e fazem mal ao corpo, é preciso evitar a todo custo seu consumo, o qual está ligado a um maior risco de inflamações e problemas cardiovasculares. É estimado que a ingestão em torno de 5 gramas diários dessas gorduras aumentam o risco de danos cardíacos em 29%. Até um máximo de 2 gramas por dia não é imposto um significativo risco à saúde, mas acima disso a preocupação aumenta bastante. A substituição da trans por outras fontes de substratos energéticos, em especial as gorduras poli-insaturadas, aumenta beneficamente o perfil de lipoproteínas e lipídios no sangue, onde podemos observar a diminuição do colesterol sanguíneo, aumento do HDL e diminuição do LDL (4). Bem, se observamos a composição da gordura trans encontrada nos ruminantes, veremos que ela é composta, majoritariamente, pelo ácido graxo vaccênico, ao contrário da fonte industrial ( formada como subproduto da hidrogenação parcial de óleos vegetais) que possui o ácido graxo elaidico como componente majoritário. Além disso, a quantidade da mesma presente na gordura dos ruminantes, seja na carne, seja no leite, é algo no limite de 6%, com uma média de 3%, e com o resto sendo preenchido por gorduras insaturadas e saturadas. Já as fontes industriais podem chegar a conter 60% de trans!

Posição da ligação trans na cadeia carbônica dos dois ácidos graxos principais da gordura trans


           Então, vamos lá. Produtos industrializados ou pessoas que usam a gordura feita por hidrogenação parcial costumam transbordar o alimento processado de trans. Muitos biscoitos, salgadinhos, frituras no comércio, entre outros alimentos, apresentam altas quantidades da trans, e isso pode ser facilmente observado nas informações nutricionais de muitos alimentos, onde pequenas porções costumam trazer até mais de 1 grama de trans. Um pacote de salgadinho que use a gordura hidrogenada como ingrediente de preparação, pode fornecer, facilmente, valores próximos de 5 gramas de trans por unidade. Dependendo da batata-frita que você come em restaurantes e outros estabelecimentos comerciais, você pode estar ingerindo até 20 gramas de trans por porção (por isso é bom perguntar primeiro para os responsáveis pela comida qual o tipo de gordura que eles estão usando para fritar a comida)! E o pior de tudo: esses alimentos são, em geral, muito pouco nutritivos, não compensando em nada seus malefícios. São as famosas ´calorias vazias´. Quer dizer, vazias não, cheias de gordura trans. Por isso os EUA já restringem bastante e irão proibir futuramente o uso da gordura hidrogenada na indústria e comércio. Grande parte da Europa faz o mesmo. E as organizações de saúde ao redor do mundo também recomendam essa medida de ação para todos os países.

Exemplo de produto industrializado com alta concentração de gordura trans

           Por outro lado, os derivados dos ruminantes, especialmente do gado, além de serem muito nutritivos, como os laticínios (5), fornecendo grandes doses de proteínas de alta qualidade, cálcio, vitamina B12, lipídios essenciais ( entre saturados e poli-insaturados) e diversos outros nutrientes, trazem quantidades ínfimas de gordura trans dentro do seu espectro de lipídios. Para se ter uma ideia, 1 caixa de leite integral (1 litro), dificilmente trará mais do que 0,9 gramas de trans. E como pouca gente bebe tudo isso por dia, as quantidades de trans absorvidas do leite pela população em geral é muito pequena. E no caso de queijos e carnes de vaca, se a escolha por fontes mais magras ( como o queijo cottage) for feita, o mesmo raciocínio é válido aqui. Ora, todos sabem, independentemente da trans, que queijos e carnes gordurosas não são alimentos recomendados para uma boa saúde. O excesso de gordura saturada é perigoso (mas, lembrando, existe controvérsia) e o consumo grande total de gorduras induz ao ganho de peso adiposo. A moderação resolve todos os problemas, incluindo a trans. Além disso, estudos já mostraram que o ácido vaccênico pode ser convertido em ácido rumênico, tanto em humanos quanto em ruminantes, este o qual não traz prejuízos para o corpo. E o fato é que alguns trabalhos isolados não encontram relação de prejuízo quando a gordura trans natural é analisada. De qualquer forma, meta-análises, artigos de revisão e grande parte dos estudos isolados, apesar de trabalharem com pouco material de pesquisa ao analisar a ´trans-ruminante´, mostram que, em iguais quantidades, ambas podem ter o mesmo efeito danoso ao organismo, apesar da ruminante ser ligeiramente menos prejudicial do que a industrial. Isso fica bem claro no trabalho sistemático de revisão e análise de meta-regressão feita pela OMS (Organização Mundial da Saúde) no ano passado (Ref.1).


Quantidade média de gordura trans, onde os valores podem ser ligeiramente menores ou maiores para cada alimento

        Concluindo, a gordura trans, seja ela de qual fonte for, pode trazer prejuízos sérios ao organismo mesmo em pequenas quantidades. Apesar disso, a trans de origem natural, em maior parte vinda dos ruminantes, está em quantidades menores do que ´pequenas´, e os laticínios e carnes nas quais ela está presente são muito nutritivos para a população. Fica óbvio que o foco de preocupação é a trans presente nas ´calorias vazias´ industrializadas, esta a qual, sem sombra de dúvidas, aumentam bastante os riscos de danos no nosso organismo, principalmente na saúde cardíaca. E, somando-se a isso, o ideal em uma alimentação é a diversidade na dieta. Laticínios, carnes diversas (peixes, frango, bovina, frutos do mar, etc.), ovos, verduras, frutas, grãos, legumes, sementes, cereais e raízes precisam, idealmente, ser bem distribuídos na alimentação, garantindo uma boa ingestão de todos os nutrientes de que o seu corpo precisa. Fazendo isso, as porções de laticínios e carne bovina diminuem e a gordura trans se torna imperceptível. E isso porque eu nem quis mencionar que você pode consumir leite, queijo e iogurtes desnatados ( não possuindo gordura total, não possui a trans)... Resumindo, você pode continuar comendo seu nutritivo leite a vontade, seja de cabra ou de vaca, mas sempre vise a moderação. E isso vale para tudo.

OBS.: Como as pessoas tendem a consumir grandes porções de carne de vaca nas refeições, ficando fácil ultrapassar os 100 gramas (cerca de 1,2 gramas de trans nas carnes relativamente magras), evite consumir este alimento todos os dias. Reveze os dias com outras boas fontes proteicas, como os ovos, peixes, frango, entre outros.

(1) Entenda mais sobre o assunto em: As gorduras saturadas são prejudiciais?

(2) Ruminantes são mamíferos que conseguem extrair os nutrientes de alimentos vegetais a partir da fermentação do mesmo em um estômago composto por quatro compartimentos. Essa fermentação é feita através de vários microrganismos, especialmente bactérias, e permite um grande aproveitamento do alimento vegetal, incluindo a celulose, a qual não é digerida por grande parte dos animais caso não exista o trabalho conjunto com microrganismos. O produto fermentado é regurgitado, mastigado e engolido novamente para seguir caminho para o intestino. Este último fato é o responsável por vermos as vacas, por exemplo, mastigando o dia inteiro (´ruminando´). Como exemplos de animais ruminantes podemos citar o gado, ovelhas, cabras, girafas, yarks, veados, antílopes e algumas espécies da família macropodidae (a mesma dos cangurus).

(3) Entenda mais sobre o assunto em: O que são as gorduras trans e por que evitá-las?

(4) Entenda mais sobre o assunto em: O HDL realmente protege o coração?

(5) Entenda mais sobre o assunto em: O consumo de leite é prejudicial?


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/246109/1/9789241510608-eng.pdf
  2. http://ajcn.nutrition.org/content/102/6/1301.extract#
  3. http://www.jnutbio.com/article/S0955-2863(16)00026-7/abstract
  4. http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/14779072.2016.1199956
  5.  https://www.hsph.harvard.edu/nutritionsource/transfats/
  6.  http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21320382
  7.  http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2596737/
  8. journals.cambridge.org/action/displayAbstract?fromPage=online&aid=9035575&fileId=S0007114513001086
  9. http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?fromPage=online&aid=9035575&fileId=S0007114513001086
  10. http://onlinelibrary.wiley.com/enhanced/doi/10.1002/ejlt.201300072/
  11. http://www.fda.gov/ForConsumers/ConsumerUpdates/ucm372915.htm