Por que vacinar contra a catapora?
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> Infecção primária com esse vírus resulta em catapora, uma das doenças humanas mais contagiosas conhecidas (R0 = 12-14) e transmitida principalmente pela via aérea (gotículas contaminadas no ar). Replicação viral inicial ocorre no trato respiratório superior, levando a lesões avermelhadas vesiculares que cobre todo o corpo após um período de incubação de 10-21 dias. Esse processo reflete a replicação do vírus nas amígdalas e tecidos linfoides regionais, onde linfócitos-T (células brancas de defesa) transportam o vírus para a pele e facilitam a infecção das células epidérmicas.
> Em regiões de clima temperado e na ausência de vacinação infantil contra a catapora, mais de 90% das pessoas são infectadas pelo vírus VZV e desenvolvem a doença antes da adolescência, com as maiores taxas de incidência e de hospitalização entre crianças com menos de 10 anos de idade. Anualmente ainda ocorrem um mínimo de 140 milhões de novos casos de catapora ao redor do mundo. Ref.7-8
> Infecção secundária pode resultar em herpes-zóster. Durante o desenvolvimento patológico da infecção primária, partículas virais viajam de forma retrógrada da pele para células nervosas de um neurônio sensorial do gânglio, estabelecendo uma infecção latente no gânglio da raiz dorsal e no gânglio trigeminal. Imunidade celular passa a regular a replicação do vírus VZV, e a reativação viral permanece subclínica e assintomática. No entanto, herpes-zóster pode se desenvolver com baixa na imunidade celular devido à idade ou eventos de imunodeficiência (ex.: tratamento de câncer), com infecção alcançando novamente a pele em regiões inervadas pelos gânglios afetados.
> Pacientes com doença autoimune ou usando fármacos de imunossupressão estão sob maior risco de herpes-zóster, assim como indivíduos com idade muito avançada.
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Complicações associadas à catapora:
- Em adultos, a infecção é sempre mais grave, ocorrendo evolução para uma pneumonia ou outros problemas pulmonares entre 5% e 14% dos casos, principalmente em fumantes. Superinfecções bacterinas na pele e em tecidos moles afetam até 8-59% dos casos de hospitalização. É possível também o desenvolvimento de problemas neurológicos. A recuperação também é mais lenta, além do paciente ficar incapacitado por um tempo considerável em pleno período de trabalho ou momento de férias com a família.
- Em pessoas imunodeprimidas, como portadores da Aids, pacientes após transplante (terapia contra rejeição de órgãos) e indivíduos sob tratamento de câncer, a doença ataca com violência.
- Em grávidas, dependendo do período de desenvolvimento da doença, existe um risco aumentado de malformação fetal ou parto prematuro - o que pode complicar possíveis quadros de infecção do recém-nascido com o vírus da catapora (transmissão da mãe para o filho). Infecções primárias (catapora) no primeiro e segundo trimestres podem resultar em síndrome da varicela fetal ou síndrome da varicela congênita, com o maior risco (aproximadamente 2%) ocorrendo entre 13 e 20 semanas de gestação; nos recém-nascidos afetados por essa síndrome, a taxa de mortalidade é de aproximadamente 30% dentro do primeiro mês de vida (Ref.11). Entre as complicações maternas mais comuns da catapora, temos a pneumonia varicela-associada, a qual afeta até 20% das grávidas que desenvolvem a doença.
- Crescente evidência tem apontado que herpesvírus neurotrópicos podem ter papel na patogênese de demência (Ref.12). No caso da catapora, a reativação do vírus (herpes-zóster) - prevenida pela vacinação - pode causar prejuízos cognitivos através de vasculopatia, deposição amiloide e agregação de proteínas tau, neuroinflamação, assim como um espectro de doença cerebrovascular que compartilha características com a doença de Alzheimer, incluindo anomalias vasculares, isquemia, infarto e hemorragia. Um estudo recente publicado na Nature (Ref.13) trouxe forte evidência observacional de que a vacinação contra a catapora reduz em 20% o risco de demência. Demência afeta mais de 55 milhões de pessoas ao redor do mundo, sendo estimado 10 milhões de novos casos anualmente.
- Muitas das manchas da catapora, se coçadas, podem gerar cicatrizes bem visíveis e permanentes depois de curada a doença. Como afetam as crianças na maioria dos casos, as manchas se tornam, com o tempo, muito pouco nítidas, exceto as mais graves. Mas, se a doença ocorrer em adultos, além do tratamento ser mais demorado, as cicatrizes podem se tornar muito incômodas em termos de estética, especialmente se coçadas ou forem afetadas por outras infecções oportunistas.
Leitura recomendada:
- Aprender novas línguas vai além da carreira profissional: Pode otimizar o cérebro e prevenir doenças neurodegenerativas
- Herpes simples genital em um paciente adulto
A transmissão do vírus VZV, de pessoa para pessoa, é muito fácil, e ocorre através do contanto com as lesões ou gotículas de saliva e de secreções das vias aéreas. O paciente fica altamente infeccioso 2 dias antes do desenvolvimento das lesões até 6 dias depois, quando as lesões começam a formar cascas de cicatrização. Quando você toma a vacina, você evita a doença e todas as suas complicações, e protege outros de serem infectados.
Muitas pessoas não tomam a vacina, ou deixam seus filhos tomarem, porque existe um risco pequeno (<5% dos vacinados) da pessoa contrair a doença, já que se trata da administração de um vírus enfraquecido. Por isso, indivíduos imunodeficientes e gestantes não podem tomá-la. Porém, se, em um raro caso, uma pessoa saudável desenvolver a doença através da vacinação, o quadro clínico associado terá gravidade muito mais baixa do que a catapora causada por um vírus normal e será rapidamente resolvido pelo corpo - e quase sempre prevenindo as lesões vermelhas. E isso vale tanto para bebês quanto para adultos. Por isso, não é necessário se preocupar, a vacina é segura.
Tomando a vacina, você protege aqueles que não podem tomá-la e ainda estará protegido da catapora. A efetividade da vacinação contra casos amenos da doença fica entre 80 e 90%, e, para as formas graves, maior do que 95%. Antes da vacinação nos EUA, por exemplo, o número de casos ultrapassava 4 milhões todos os anos, com 10 mil internações e 100 mortes. Através da vacinação, é estimado que cerca de 380 milhões de dólares têm sido economizados todos os anos no país devido à dramática redução do número de internações e de isolamento social dos pacientes (ex.: faltas ao trabalho do paciente ou para cuidar de um filho infectado).
Aqui no Brasil, a vacina encontra-se sob a forma monovalente (isolada), administrada com a tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) ou combinada na tetraviral (sarampo, rubéola, caxumba e varicela/catapora). A tetraviral só pode ser administrada a partir dos 15 meses de idade se a criança recebeu a tríplice viral entre 12 e 14 anos. A monovalente é indicada, principalmente, para tratar surtos hospitalares em crianças a partir dos 9 meses, as quais não podem receber as outras duas formas. A dose aplicada é sempre seguida por outro de reforço, de acordo com o calendário de vacinação. Sem o reforço, a chance de contrair a doença de outras pessoas infectadas ainda fica alta, mas implica apenas em um quadro bem brando da doença, podendo também nem aparecer lesão cutânea.
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> A vacina baseada em vírus atenuado (cepa Oka, ou vOka) foi desenvolvida em 1974, na Universidade de Osaka, Japão. A atenuação do vírus em laboratório é feita tradicionalmente submetendo o vírus múltiplas vezes a temperaturas variantes (incluindo baixas temperaturas deletérias às cepas selvagens) e a diferentes linhagens celulares (incluindo células não-humanas). Existem outras vacinas baseadas em cepas virais distintas e atenuadas. Nos últimos anos, uma vacina sem uso de vírus atenuado foi desenvolvida - a Shingrix® (GSK), baseada em uma glicoproteína do VZV (!) - e já é amplamente aplicada em um número de países, como os EUA. Ref.14
Observação importante: A febre da catapora deve ser amenizada, de preferência, com paracetamol. NUNCA se deve usar aspirina.
Leitura recomendada: Vacina: História, Conquistas e Mitos
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(!) Vacinação contra a herpes-zóster
Apesar de poder atingir indivíduos de qualquer idade, a probabilidade de herpes-zóster aumenta com o envelhecimento, em especial a partir dos 50 anos de idade. E mesmo indivíduos já vacinados para a catapora, recomenda-se nova imunização contra o vírus VZR a partir dos 50 anos para aumentar a proteção contra o desenvolvimento de herpes-zóster.
Até meados de 2022, a única vacina disponível para prevenir o herpes-zóster e suas complicações no Brasil era a Zostavax© (Merck), de vírus vivos atenuados, administrada em dose única, por via subcutânea, e licenciada para adultos imunocompetentes acima de 50 anos de idade.
Em outubro de 2017, foi aprovada nos EUA uma nova vacina para a doença, a Shingrix© (GSK). Trata-se de uma vacina inativada, constituída da glicoproteína E recombinante — um antígeno importante do vírus VZR —, em combinação com o adjuvante AS01. Está indicada para pessoas com imunocomprometimento a partir de 18 anos de idade e adultos com 50 anos ou mais (1). A vacina chegou ao Brasil em junho de 2022, e, por enquanto, encontra-se disponível apenas em serviços privados de imunização - e por preços salgados (2).
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(1) Idealmente, esse imunizante deve ser aplicado em duas doses (0,5 ml, por via intramuscular), com intervalo de dois meses.
(2) Atualmente tramita na Câmara o Projeto de Lei 291/24, o qual inclui as vacinas pneumocócica conjugada VPC 15 e contra a herpes zóster no Calendário Nacional de Vacinação do Adulto e Idoso e amplia a cobertura desses imunizantes por planos de saúde. Na rede privada, o preço por dose da Shingrix é em torno de R$ 900.
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Não há idade máxima para tomar Shingrix. Você também deve tomar Shingrix mesmo se no passado você:
- teve herpes zoster;
- recebeu Zostavax;
- recebeu vacina contra varicela (catapora).
Se você teve herpes-zóster no passado, Shingrix pode ajudar a prevenir ocorrências futuras da doença. Não há um período específico que você precisa esperar depois de ter herpes-zóster antes de poder receber Shingrix. Geralmente, certifique-se de que a erupção cutânea do herpes-zóster tenha desaparecido antes de ser vacinado. Você também pode tomar Shingrix independentemente de se lembrar ou não de ter tido catapora no passado.
Contra-recomendação para a Shingrix incluem reação alérgica aos componentes da vacina, status positivo para herpes-zóster e gravidez (Ref.15). Reforçando que a vacina é eficaz e segura para a população em geral. Em adultos com 50 a 69 anos de idade com sistema imune saudável, a eficácia da vacina é de 97% na prevenção contra o herpes-zóster (Ref.15).
REFERÊNCIAS
- http://www.cve.saude.sp.gov.br/agencia/bepa34_varicela.htm
- http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/leia-mais-o-ministerio/776-secretaria-svs/vigilancia-de-a-a-z/varicela-herpes-zoster/13156-vacinacao-varicela
- http://www.cdc.gov/features/preventchickenpox/
- http://www.cdc.gov/mmwr/preview/mmwrhtml/mm6214a1.htm
- https://www.mdpi.com/2076-0817/5/4/67
- Watanabe et al. (2024). Exploring the Link between Varicella-Zoster Virus, Autoimmune Diseases, and the Role of Recombinant Zoster Vaccine. Biomolecules 14(7), 739. https://doi.org/10.3390/biom14070739
- Riccò et al. (2024). Immunity to Varicella Zoster Virus in Healthcare Workers: A Systematic Review and Meta-Analysis (2024). Vaccines, Vaccines 12(9), 1021. https://doi.org/10.3390/vaccines12091021
- Yang et al. (2024). Identification and characterization of Varicella Zoster Virus circular RNA in lytic infection. Nature Communications 15, 4932. https://doi.org/10.1038/s41467-024-49112-4
- Hakami et al. (2024). Varicella-zoster virus-related neurological complications: From infection to immunomodulatory therapies. Reviews in Medical Virology, Volume 34, Issue 4, e2554. https://doi.org/10.1002/rmv.2554
- Portella et al. (2013). Herpes-zóster e neuralgia pós-herpética. Revista Dor, 14(3). https://doi.org/10.1590/S1806-00132013000300012
- https://www.mdpi.com/2076-0817/14/2/151
- Shin et al. (2024). The associations of herpes simplex virus and varicella zoster virus infection with dementia: a nationwide retrospective cohort study. Alzheimer's Research & Therapy 16, 57. https://doi.org/10.1186/s13195-024-01418-7 Eyting et al. (2025). A natural experiment on the effect of herpes zoster vaccination on dementia. Nature. https://doi.org/10.1038/s41586-025-08800-x
- Tommasi et al. (2024). The live attenuated varicella-zoster virus vaccine vOka: Molecular and cellular biology of its skin attenuation. Human Vaccines & Immunotherapeutics, Volume 21, Issue 1. https://doi.org/10.1080/21645515.2025.2482286
- https://sbim.org.br/images/files/notas-tecnicas/nota-tecnica-sbim-vacinacao-herpes-zoster-shingrix-080622-v3.pdf
- https://www.cdc.gov/shingles/vaccines/index.html