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Dieta alcalina possui suporte científico?


- Atualizado no dia 5 de março de 2018 -      

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          A famosa 'Dieta Alcalina' está na moda, e muitos estão recomendando ela como parte de um estilo saudável de vida. Mas será realmente válida essa estratégia alimentar? Existe uma recomendação médica para segui-la?

          A hipótese por trás dessa dieta é baseada no fato de que alguns alimentos seriam ácidos, outros neutros, e outros básicos (ou alcalinos). Ou seja, substâncias e íons contidos nelas, além de compostos derivados da sua metabolização pelo corpo, abaixariam o pH do sangue (ácidos), aumentariam o pH (básicos), ou não alterariam o pH (neutros). A figura abaixo mostra o que são os valores do pH.



          Entrariam para o grupo e alimentos ácidos as carnes, laticínios, ovos, grãos e álcool. Os neutros agrupariam as gorduras, amido e açúcares. E os alcalinos englobariam as frutas, legumes, verduras e sementes como as nozes. Nosso sangue possui um pH natural que varia de 7,35 a 7,45, ou seja, básico (alcalino)*. Então, se comêssemos uma dieta muito 'ácida', estaríamos diminuindo esse pH, prejudicando o corpo. Isso dispararia diversas doenças, principalmente o câncer, o qual se desenvolve mais em meios ácidos. Por isso, seria importante dar preferência a uma dieta majoritariamente alcalina, a qual neutralizaria os ácidos criados no metabolismo e contribuiria para manter o pH básico. Mas qual a real base científica para isso?


   DIETA ALCALINA, UMA HIPÓTESE

        A dieta alcalina há bastante tempo é promovida baseada nas alegações que as dietas modernas acidificam o corpo, levando ao desenvolvimento de doenças que incluem todo o espectro de cânceres, osteoporose, doenças cardiovasculares, hipertensão e diabetes. Nesse sentido, a mudança na escolha de alimentos mais 'alcalinos' preveniriam todas essas condições e poderia ainda tratar até mesmo um câncer em desenvolvimento, ao tornar especialmente o sangue menos ácido.

        A dieta alcalina é planejada para fornecer mais íons alcalinos após o metabolismo, baseada em uma hipótese desenvolvida há mais de 100 anos. Essa hipótese sugere que para alcançar uma carga nutricional mais alcalina, os indivíduos precisam consumir mais frutas e vegetais com apenas uma quantidade baixa ou moderada de proteínas (carnes, laticínios, ovos e até mesmo grãos). Isso forneceria mais íons alcalinos de forma direta, como potássio (K2+), magnésio (Mg2+) e cálcio (Ca2+) - apesar de alimentos de origem animal, como frutos marinhos, leite e carnes também serem boas fontes desse minerais, e isso também válido para grãos diversos -, menor ingestão de fosfatos e menos resíduos metabólicos nitrogenados como ácido úrico. 
       


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           Enquanto os defensores dessa dieta afirmam que o pH sistêmico do corpo é alterado significativamente por essa intervenção dietética, especialmente o sangue, estudos mostram que o máximo de variação encontrada entre diferentes dietas saudáveis é em torno de 0,014 unidades, onde na circulação sanguínea praticamente não existirá variação fora da faixa ideal. A única parte do corpo onde ocorre significativas mudanças de pH é na urina, onde as dietas 'mais ácidas' diminuem o pH nessa região, mas sem isso trazer problemas caso o órgãos seja saudável.

            Sim, se ocorrer um desequilíbrio no seu pH sanguíneo, você estará, literalmente, ferrado. Mudanças significativas no pH sanguíneo fora da faixa ideal de são fatais, por menor que elas sejam. Nossas enzimas, por exemplo, trabalham idealmente em uma faixa de pH muito específica, e mudanças na acidez sanguínea do meio podem desregulá-las completamente, podendo levar o seu organismo a encontrar uma rápida morte. Porém, esse desequilíbrio só ocorre devido à doenças específicas graves, como, por exemplo, aquelas que afetam seus rins e a diabetes tipo 1 não tratada apropriadamente. Caso nosso corpo esteja em situações normais, os rins, a respiração e o sistema de tamponamento (1) se encarregarão de controlar seu pH sanguíneo. Ou seja, sua alimentação não altera, de forma alguma, o pH no seu sangue para níveis fora do controlado! Isso é um fato científico. Repetindo: UMA ALIMENTAÇÃO NORMAL, INDEPENDENTEMENTE DE QUAL SEJA, VIRTUALMENTE NÃO ALTERARÁ SEU pH SANGUÍNEO. A única mudança significativa de pH que ocorre no corpo, devido à alimentação, é na urina, porque os rins estarão controlando sua acidez sanguínea através da excreção do excesso de compostos/resíduos ácidos e básicos, como o ácido úrico.


Seus rins, se em bom estado de saúde, se encarregarão se manter o pH do seu sangue na faixa ideal


             Ainda não está convencido com esse consenso médico/ científico? O povo Inuit, no Ártico, é uma prova viva disso, por terem uma alimentação, basicamente, carnívora (A dieta cetônica é eficaz?). Ficou claro, agora? Nosso organismo evoluiu para conviver com uma 'dieta ácida'. Portanto, não faz sentido, fisiológico e evolutivo, dizer que uma dieta alcalina faz muito mais bem para o nosso corpo.

          Ah, e é verdade que as células cancerígenas possuem uma tolerância muito maior a um  ambiente mais ácido, mas é porque o próprio tumor cria um micro-ambiente acidificado, por causa do alto metabolismo de glicose e baixa circulação sanguínea nas células tumorais (2), o que promove uma maior fermentação lática e um consequente aumento da produção de ácido lático. Uma maior acidez em torno das células cancerígenas também ocorre via inversão do gradiente de pH, onde o aumento da expressão/ou atividade de vários transportadores na membrana plasmática e de proteínas de efluxo ácido que controlam a homeostase de pH - incluindo transportadores monocarboxilados e trocadores Na+-H+ - levam à acidificação do meio extracelular e uma alcalinização do meio intracelular. O câncer pode começar tanto em um ambiente alcalino/básico quanto ácido, e isso não tem nada a ver com a alimentação.

          Lembre-se também que o Homo sapiens - nossa espécie - por boa parte da sua história evolutiva conviveu em grupos de caçadores-coletores, com animais e plantas baseando sua alimentação. Apesar de muitos tentarem a todo custo promover a fantasia de que somos uma espécie 'vegetariana/herbívora', somos essencialmente onívoros e nos adaptamos bem a consumir carnes e alimentos vegetais (folhas, sementes, raízes, frutas, etc.).

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             E ao contrário do que é promovido pela hipótese da dieta alcalina, uma alimentação rica em proteínas (ácida), é um fator de fortalecimento dos ossos. Você não sofrerá uma descalcificação com uma dieta 'ácida', pelo contrário. Aliado com os nutrientes da dieta 'básica', as proteínas otimizam a densidade óssea, fato que justifica um balanço equilibrado entre os vários tipos de alimentos, evitando a priorização de uns em detrimento de outros também saudáveis. E a história dos laticínios causarem enfraquecimento dos ossos via aumento do consumo de fosfato - também por descalcificação óssea - é outra balela. Artigos científicos de revisão e meta-análises não encontram evidências dessa alegação. Aliás, o leite fornece boas quantidades de 'íons alcalinos', como magnésio e cálcio. Isso tudo vem para enfraquecer ainda mais a hipótese da dieta alcalina, tornando-a mais mito do que qualquer outra coisa.

            Aliás, para deixar isso mais claro, um recente estudo de revisão sistemática - publicado na BMJ (Ref.20) - não encontrou nenhuma boa evidência científica de que a dieta alcalina promova benefícios à saúde relativos ao pH do corpo ou que previna doenças, incluindo a osteoporose. Além disso, pesquisadores criticaram em fevereiro de 2017 - através do periódico The Journal of Nutritional (Ref.21)- um estudo cheio de falhas que teria encontrado 'modestos benefícios' da dieta alcalina na prevenção de problemas cardiovasculares. Mesmo citando referências científicas que não davam suporte às suas conclusões e seguindo uma metodologia tendenciosa de pesquisa, o estudo de péssima qualidade conseguiu encontrar apenas benefícios modestos - e isso utilizando apenas análises populacionais, não acompanhamentos clínicos rigidamente controlados. Obviamente  existiam interesses conflitantes por trás do estudo, levando seus autores a espremer qualquer coisa favorável que encontrassem.


   CONCLUSÃO

             As pessoas que promovem essas invenções nutricionais não baseadas em um corpo mínimo de evidências científicas favoráveis são aproveitadores em sua maioria, os quais visam tirar vantagem de pessoas doentes e debilitados, especialmente no caso de cânceres. Aliás, não são apenas aproveitadores financeiros. Muitos extremistas em termos de preferência alimentar (ex.: veganos) tendem a demonizar um ou outro grupo de alimentos, valendo-se inclusive de pseudociência. Mas qual seria a dieta ideal?

          No geral, a dieta ideal é aquela que equilibra bem diversos tipos de alimentos, favorecendo a obtenção de todos os nutrientes essenciais de que o nosso corpo precisa. Carnes, verduras, frutas, legumes, ovos, laticínios, cereais, grãos, farinhas integrais, todos distribuídos bem durante o dia, e sem exageros. Evitar alimentos muito processados ou com pouco valor nutricional (calorias vazias) é também outra excelente escolha. Qualquer programa de dieta que seja baseado em extremismos e falta de real base científica tende a se mostrar uma aposta perigosa à saúde . Para situações específicas e especiais, sempre procure um nutricionista responsável, o qual montará uma dieta baseada nas peculiaridades do seu corpo. Evite buscar por modelos padrões que prometem milagres, os quais estarão preocupados apenas com o seu bolso e não com a sua saúde.

Uma dieta equilibrada, contendo os mais variados tipos de alimentos, é a receita ideal para uma boa saúde


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*Cada parte do nosso corpo possui diferentes faixas de pH. Muitos dizem que o nosso organismo possui pH em torno de 7,4, mas este é apenas o valor normal do sangue. O estômago, por exemplo, possui pH baixíssimo, beirando 1 (muito ácido), enquanto as porções iniciais do intestino possuem pH elevado, para neutralizar a comida que vem do estômago.

*O sangue arterial (o qual sai do coração, oxigenado pelo pulmão, para o resto do corpo) possui pH  próximo de 7,45. O sangue venoso (aquele que volta do resto do corpo, rico em gás carbônico, em direção ao coração) possui pH próximo de 7,35. O gás carbônico reage com a água do sangue formando ácido carbônico, sendo este o motivo do decréscimo no pH, ou seja, o ambiente fica mais ácido.

pH: é o logaritmo, na base 10, da quantidade de cátions de hidrogênio presentes em uma dada solução. Quanto mais desses cátions, mais ácido será o meio (considerando os ácidos 'clássicos').

(1) O sistema de tamponamento sanguíneo engloba equilíbrios químicos criados pelo organismo para suprimir qualquer quantidade perigosa de ácido ou base adicionado no sangue. Para criar esse sistema utiliza-se uma solução contendo um ácido fraco com o sal do seu ânion (base conjugada). Com essa mistura, mesmo grandes quantidades de ácidos ou bases fortes adicionadas no meio não mudam muito o pH do sistema. O principal equilíbrio de tampão no sangue é o de ácido carbônico/carbonato. O pulmão também ajuda na regulação do pH sanguíneo ao eliminar o gás carbônico com maior ou menor intensidade - retirando o gás carbônico do sangue diminui sua acidez.

(2) A maior parte das células tumorais em humanos e animais, pelo menos em seu início de proliferação, são muito pobremente capilarizadas, tornando deficiente o aporte de oxigênio. Sem oxigênio em quantidades mínimas, a fonte principal de metabolismo respiratório, para a produção de ATP (nossa principal moeda energética), fica a cargo da glicólise, ou seja, da fermentação lática (processo anaeróbico). Como o nome já indica, é formado bastante ácido lático, responsável pela maior acidez no ambiente do tumor. E a célula tumoral, nesse estágio, consome muita glicose porque a eficiência energética da glicólise em comparação com o ciclo de respiração aeróbica (glicólise, ciclo de krebs e cadeia respiratória) é muito baixa. Assim, para produzir a energia necessária para a célula sobreviver pela via exclusiva da glicólise, precisa-se consumir mais combustível (glicose, no caso). 

Alimentos ácidos e básicos: Mesmo o nome podendo confundir, o pH medido diretamente do alimento não possui influência na classificação dos mesmos em 'ácidos' ou 'básicos'. Por exemplo, o limão é um alimento ácido, mas é considerado um alimento básico, porque os produtos do seu metabolismo têm um caráter básico. Aliás, algumas pessoas desinformadas até espalham que os refrigerantes, especialmente a Coca-Cola, por serem bebidas ácidas, desregulariam o pH em equilíbrio do corpo. Isso é mais do que absurdo, já que a acidez dessas bebidas não chegam nem perto da acidez estomacal, por onde vão passar. A acidez do estômago é completamente neutralizada pelo suco pancreático lançado no duodeno (porção inicial do intestino delgado), fluído o qual possui uma alta quantidade de íons bicarbonato, tornando o pH final alcalino. Porém, obviamente, refrigerante em excesso faz mal por outros motivos, especialmente para a saúde dentária (Quais os alimentos mancham os dentes?).

OBS.: Em certas doenças nos rins, como a Gota ou Cálculos Renais, onde a acidez dentro desse órgão afetam o progresso dos tratamentos, seria interessante controlar a alimentação, incluindo a preocupação com alimentos ácidos ou básicos. Mas, em situações normais, você não precisa se preocupar nem um pouco.

Artigos relacionados:

Referências científicas
  1. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/7797810
  2. http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?aid=9016507
  3. http://advan.physiology.org/content/33/4/275.full
  4. http://jn.nutrition.org/content/141/4/588.short
  5. http://www.biomedcentral.com/1471-2474/11/88/
  6. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11842948
  7. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11914191
  8. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21529374
  9. http://www.omicsonline.org/open-access/systemic-buffers-in-cancer-therapy-the-example-of-sodium-bicarbonatestupid-idea-or-wise-remedy-2161-0444-1000314.php?aid=65744
  10. http://jasn.asnjournals.org/content/8/5/784.short
  11. https://ods.od.nih.gov/factsheets/Magnesium-HealthProfessional/
  12. https://health.gov/dietaryguidelines/2015/guidelines/appendix-10/
  13. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18301995 
  14. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3195546/
  15. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19515242/
  16. http://www.clinicaldensitometry.com/article/S1094-6950%2813%2900153-4/abstract
  17. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4180248/ 
  18. http://www.chemistry.wustl.edu/~edudev/LabTutorials/Buffer/Buffer.html 
  19. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22081694
  20. http://bmjopen.bmj.com/content/6/6/e010438
  21. https://academic.oup.com/jn/article/147/2/272/4585036
  22. https://www.nature.com/articles/s41467-018-05261-x