YouTube

Artigos Recentes

A dieta cetônica é eficaz e segura?

                                                 
Compartilhe o artigo (Atualizado no dia 27 de dezembro de 2021):



        As dietas cetônicas baseiam-se no consumo exclusivo de carnes e gorduras, eliminando as fontes ricas em carboidratos. Com isso, o corpo é obrigado a consumir sua reservas de gordura como fonte principal de energia, e supostamente ajudando no emagrecimento do indivíduo. Mas este é um processo saudável de regime?


   O QUE É A CETOSE?

           Primeiramente, precisamos entender como funciona o mecanismo de cetose no corpo. Em condições normais, com o consumo significativo de carboidratos na dieta ou mesmo um alto consumo de proteínas, as células do corpo utilizam a glicose como fonte energética primordial, a qual é produzida da digestão desses mesmos carboidratos. O excesso de glicose é transformada em glicogênio no fígado, sendo armazenado nesse órgão e nos músculos para, em momentos de fome, ser convertido novamente em glicose e abastecer as células.

         Devido à fome ou escassez de carboidratos na dieta, ou seja, quando a glicose se torna ínfima na circulação sanguínea e os estoques de glicogênio ficam muito baixos, começa, então, o processo de queima adiposa. Aqui, as gorduras na forma de triglicerídeos nas células adiposas são recrutadas e quebradas em moléculas de ácido graxo, as quais podem ser utilizadas por grande parte do corpo para produzir energia, compensando a baixa concentração de glicose no sangue.

         Quando as reservas de glicogênio são depletadas por causa de longos períodos de fome ou baixíssima ingestão de carboidratos, o fígado começa a pegar o subproduto  acetil-CoA da metabolização celular dos ácido graxos e transformá-lo em corpos cetônicos. Isso ocorre porque o cérebro, nosso maior consumidor de energia, não consegue aproveitar grande parte dos ácidos graxos, porque normalmente eles estão conjugados com proteínas transportadoras, tornando difícil sua entrada no tecido nervoso a partir do sangue. Sem glicose disponível, o cérebro ficaria perdido, mas os compostos cetônicos conseguem ser absorvidos pelo órgão e serem convertidos em energia.


          Agora, existe uma grande quantidade de corpos cetônicos circulando pelo corpo, sendo aproveitados por todas as células. Esse é o estado de cetose. Assim, o corpo continua tranquilamente consumindo suas reservas de gordura, emagrecendo. E sem os carboidratos, a insulina passa a circular de forma mínima pelo seu corpo, ajudando diminuir a formação de estoques desnecessários de gordura

Uma dieta cetônica consiste em uma grande escassez de carboidratos, e mantendo a ingestão normal de proteínas e aumento na ingestão de lipídios para compensar a eventual deficiência calórica

          Em uma cetose controlada, os cetoácidos podem alcançar até 7 mmol/L, o que é cerca de 70 vezes mais a quantidade de uma concentração normal de jejum (~0,1 mmol/L) e suficiente para suprir energia para aqueles tecidos capazes de substituir cetonas por glicose. No tecido muscular, essa substituição pode alcançar 100%, nas hemácias é 0% e no sistema nervoso central pode ser tão alta quanto 50%. Nesse sentido, a necessidade por glicose é reduzida e a proteína estrutural é preservada. Hemácias não possuem núcleo ou mitocôndrias, e por isso não pode metabolizar cetonas, dependendo completamente da conversão de glicose para lactato para suas necessidades energéticas.

         Aliás, é preciso tomar cuidado ao se definir o que é uma dieta cetogênica. Muitos tendem a pensar que uma dieta cetogênica envolve o corte de carboidratos e o aumento de proteínas. Porém, caso você consuma um excesso de proteínas, seu corpo usará esse nutriente para a produção de uma boa quantidade de glicose, o que impedirá seu corpo de entrar em um real estado de cetose. Em uma dieta cetogênica, é preciso manter o consumo de proteínas normal (30-35% do total calórico, mínimo de 1 g/kg) e reduzir drasticamente a ingestão de carboidratos (5-10% do total calórico). As gorduras precisam representar 55-90% do total calórico diário. Por exemplo, a famosa dieta Atkins não é uma dieta cetogênica, assim como diversas outras cujo objetivo é unicamente a grande diminuição no consumo de carboidratos.

           Geralmente, nas dietas cetogênicas, o consumo diário de carboidratos diminui para ≤ 50g ou ≤ 10% do consumo calórico diário. A gordura acaba se tornando o macronutriente primário, seguido por um consumo modesto de proteína. Em contraste, dietas de baixo consumo de carboidrato (low carbohydrate diets), o consumo de carboidratos geralmente fica entre 50 e 150 g/dia (equivalente a uma porcentagem entre >10% e <30% do consumo total de calorias), e aqui são englobadas várias dietas populares, como a Atkins e a dieta Paleolítica (Ref.12). No geral, quanto menor a quantidade de carboidratos ingeridos na dieta cetogênica - e inclusive um consumo diário <20 g é permitido -, menor a cetogenecidade da dieta.

            Uma notável curiosidade sobre essa dieta é que seus usuários começam a apresentar um hálito com cheiro de acetona (a mesma dos removedores de tinta domésticos)  ou cheiros estranhos (mas não fétidos) associados a outros compostos cetônicos, os quais são bem voláteis e evaporam fácil do sangue pelos capilares pulmonares durante a respiração. Esta característica é revertida prontamente quando a dieta normal com carboidratos é reposta.


- Continua após o anúncio -



   A DIETA CETÔNICA É SAUDÁVEL?

          Aqui, as opiniões de especialistas são diversas em relação ao assunto, e não existe uma sólida conclusão, especialmente em relação a efeitos a longo prazo. Alguns dizem que essa dieta é saudável e outros criticam seus supostos benefícios. É difícil encontrar um consenso, apesar de estudos com ratos nos últimos anos serem otimistas em favor dessa dieta (Ratos com uma dieta rica em gorduras (cetônica) vivem mais e têm a força física aumentada!).
   
          Os críticos dizem que diversas vitaminas, antioxidantes e outros nutrientes benéficos estão em baixa quantidade nas gorduras e carnes, e seria contraindicado sugerir uma dieta dessas como padrão. Frutas, verduras e legumes precisariam ser ingeridos em significativa quantidade para suprir todas as necessidades do corpo. Do lado dos defensores, eles rebatem dizendo que variando nas carnes e gorduras (óleos vegetais e animais), é possível conseguir quase tudo o que precisamos. Vitaminas como a C, quase totalmente ausentes nestes alimentos, poderiam ser supridas com suplementos ou ingestões mínimas, mas selecionadas, de vegetais específicos, como frutas cítricas (lembrando que isso exige um rígido controle por parte da pessoa seguindo a dieta).

           Voltando o foco para a dieta cetogênica, é importante lembrar que o estado de cetose no corpo não acontece apenas se toda a glicose sumir. Os níveis deste carboidrato produzidos pelo corpo precisam apenas estar muito, muito baixos (1).  Frutas, verduras e legumes podem ser consumidos em porções mínimas, ainda mais considerando que a maioria  destes são constituídos, basicamente, de água. Além disso, as carnes também possuem glicogênio, em baixa quantidade, que pode ser quebrado para produzir glicose. Ou seja, dietas cetônicas não estão totalmente livres de carboidratos.  E é até recomendando consumir uma boa fonte vegetal durante essa dieta para a ingestão de nutrientes não encontrados dos alimentos de origem animal, especialmente as fibras alimentares. Na verdade, as fibras alimentares precisam ser consumidas em um mínimo de 20 gramas por dia, independente da dieta. Se você não consegue suficiente quantidade de fibras pela alimentação, é necessário uma suplementação (A importância das fibras para a flora intestinal)

           A acidose também é frequentemente citada como um ponto contra a cetose. Mas muitos confundem a diminuição grave do pH sanguíneo devido ao diabetes tipo 1 como sendo uma consequência comum das dietas cetônicas. Na diabetes tipo 1, a produção de insulina praticamente não existe e isso leva a esvaziamento total de glicose e glicogênio dentro da células, causando uma cetose intensa, o que leva a um grave excesso de corpos cetônicos na circulação sanguínea, o que diminui o pH por dois deles serem ácidos*.  A dieta cetônica regular não leva a este quadro, mas o mal planejamento dela pode resultar em uma fraca acidez adicional, cuja gravidade dependerá das condições de saúde do indivíduo.


     

    E QUANTO AO EMAGRECIMENTO?

             Bem, mas estamos, até agora, focando na saúde. E quanto ao emagrecimento? Alguns estudos recentes foram feitos para comparar a eficácia da dieta cetônica frente às equilibradas (presença ideal de fibras, carboidratos, proteínas e gorduras). As evidências indicam maior efetividade da dieta cetônica a curto-prazo, mas sem diferença para o emagrecimento a longo prazo (acima de 12 meses). 

           Porém, um fato a ser levado em consideração, é que os estudos foram feitos em voluntários rigidamente controlados. Esses resultados poderiam ser completamente diferentes caso as dietas fossem analisadas na 'vida real'. Ora, as pessoas podem se adaptar melhor a uma ou outra dieta, podendo desistir do novo plano alimentar em pouco tempo caso não goste do mesmo. Analisando desse ponto de vista, é mais provável que uma dieta equilibrada, a qual leva em conta uma grande variedade de alimentos, não apenas aqueles super pobres em carboidrato, possa ser aceita com mais facilidade pelas pessoas, especialmente quando comparamos um longo prazo de fixação da reeducação alimentar. Como eu já disse em outro artigo (Por que estamos engordando?), a satisfação é, com quase toda a certeza, a peça fundamental para a eficácia de um programa de emagrecimento.

- Continua após o anúncio -


   
      E NA MUSCULAÇÃO?

         E para quem malha pesado, e de forma natural, com a intenção de ganhar massa muscular esse regime não tende a ser recomendado, sendo melhor valorizar mais os carboidratos, porque estes são melhores construtores musculares e também devido ao fato de que, durante a cetose, parte substancial dos aminoácidos da estrutura muscular é recrutada pelo corpo para se transformar em glicose (glicogênese) caso exista exercícios físicos pesados sendo realizados pelo indivíduo, especialmente a musculação. Isso ocorre como uma forma do organismo compensar a perda drástica de glicose circulante, principalmente com as baixas quantidades de insulina, hormônio protetor da massa muscular (Qual é o real papel da insulina no controle da hiperglicemia?), resultante da retirada dos carboidratos da dieta.

        Aliás, sem um estoque constante de glicogênio nas células musculares (principal combustível nos músculos para os exercícios explosivos), glicose é essencial para repor mais rapidamente a baixa extrema e contínua do estoque, mantendo, assim, uma suficiente atividade muscular dos atletas. Para isso ocorrer normalmente, uma parte significativa do seu tecido muscular acaba mandando abraços, já que a conversão de glicose é bem lenta através apenas das gorduras (aproveitada melhor durante treinamentos de longa duração, como maratonas). Esse é o motivo dos atletas de fisiculturismo abusarem dos anabolizantes durante as etapas de corte dos carboidratos para a 'secagem' de gordura do corpo. O hormônio anabólico consegue manter a massa muscular grande mesmo em um processo de cetose e intensos exercícios físicos. O choque na mudança metabólica de energia (rico em carboidrato para um regime cetônico) também aumenta os fatores de atrofia muscular durante o período de adaptação corporal, apesar de, a longo prazo, a adaptação metabólica minimizar substancialmente as perdas.

         Bem, e somando-se a tudo isso, é sabido que a performance dos exercícios anaeróbicos - como a musculação - é limitada pela acidose. Uma dieta cetogênica, apesar de gerar uma acidose sistêmica sub-clínica e sem gravidade, leva a uma diminuição tolerável do pH sistêmico. Em um estudo recente publicado na The Journal of Sports Medicine and Physical Fitness (Ref.11), pesquisadores da Saint Louis University examinaram a performance de 16 homens e mulheres com idades em torno de 23 anos após 4 dias sob uma dieta ou cetogênica ou rica em carboidratos, com ambas trazendo o mesmo conteúdo calórico. O resultado foi que os participantes sob a dieta cetogênica tiveram uma redução média de 6% na força máxima e cerca de 15% na resistência durante a realização de exercícios anaeróbicos. Com base nesse resultado, os pesquisadores não recomendam a dieta cetogênica para a realização de atividades que dependem pesadamente dos sistemas energéticos anaeróbicos (algo que pode se estender para outras atividades diárias que utilizam o sistema anaeróbico, como subir as escadas, especialmente considerando indivíduos debilitados ou idosos). No geral, eles concluíram que atletas deveriam evitar dietas com baixa quantidade de carboidratos, a menos que exista razões específicas de saúde que compensem os prejuízos.

           Treino de resistência, o qual é mais profundamente dependente de disponibilidade imediata de glicose, parece não só ser negativamente afetada pela dieta cetogênica como também por todas as dietas de baixo consumo de carboidratos. Exercícios --- de alta intensidade, particularmente com VO^2 máximo >70%, também parece ser afetados negativamente devido à menor eficiência física com o aumento do gasto energético (Ref.12). 


   CONCLUSÃO

           Caso feita de forma responsável e bem controlada, uma dieta cetônica pode ser saudável e  contribuir para uma boa saúde, caso você se adapte bem ao novo padrão de alimentação.  Além disso, já foi mostrado que o aumento do HDL ( bom colesterol) segue a seguinte ordem ´saturada > monoinsaturada > > poli-insaturada´, diminuindo com a ingestão de carboidratos - apesar dessa questão ainda ser controversa. Porém, para a musculação e outros esportes mais explosivos, a dieta cetogênica não tende a ser uma boa opção. E antes de seguir qualquer programa de reeducação alimentar, pesquise muito e peça a orientação de um profissional de saúde.

########

                                                         
 (1) Aliás, nosso corpo sempre precisa de um mínimo de glicose disponível, para fins estruturais e energéticos. Entre outras funções, a glicose é necessária para a síntese da ribose dos nucleotídeos (para as cadeias de DNA e RNA) e para a formação da porção de carboidrato das glicoproteínas e glicolipídeos, presentes nas membranas plasmáticas das células (a parte exterior que recobre a estrutura celular), as quais servem como portas seletivas para a entrada de nutrientes e reconhecimento de elementos exteriores, como hormônios, substâncias diversas, e outras manifestações biológicas. E não é preciso dizer o quão importante são ambas as funções. Somando-se a isso, o cérebro prefere glicose a qualquer outro combustível, e, de fato, depende desse carboidrato para boa parte do seu funcionamento normal. E o mais importante: as nossas células vermelhas do sangue não conseguem metabolizar os corpos cetônicos ou ácidos graxos, necessitando de glicose para o seu metabolismo interno.

        Mesmo que acabe todas as reservas de glicogênio e toda a glicose circulante, e o corpo entre em um forte jejum ou saia exaurido de uma intensa atividade física, nosso metabolismo é capaz de produzir glicose através da gliconeogênese. Neste processo, comandado pelo hormônio glucagon, glicerol (subproduto da quebra dos triglicerídeos), aminoácidos (todos, principalmente a anilina, mas exceto a leucina e a lisina) e lactatos (ânions do ácido lático, aquele que dá a sensação de queimação nas atividades físicas intensas) são usados como precursores da síntese de glicose. Portanto, se você estiver consumindo proteínas (as quais são formadas por aminoácidos) e gorduras (fonte dos triglicerídeos), seu corpo estará sustentando uma considerável produção de glicose. E os aminoácidos podem vir da sua própria massa muscular, como já mencionado.

Glucagon: também produzido pelo pâncreas, ele tem o papel inverso da insulina. Quando os estoques de glicose estão baixos na corrente sanguínea, ele é ativado, em detrimento da insulina, e induz o corpo a produzir mais deste carboidrato a partir das reservas de glicogênio ou a partir da gliconeogênese.

Carboidratos na dieta cetônica: Como mencionado anteriormente, incluir um mínimo de carboidratos não atrapalha essa dieta. E, quanto menor o índice/carga glicêmica da fonte de carboidratos, mais dele pode ser incorporado, como a lactose, presente nos queijos e no leite. E uma observação: a frutose, presente principalmente nas frutas, não sensibiliza a insulina de forma significativa,  podendo ser consumida sem problemas, se estiver em quantidades pequenas; excessos podem ter graves consequências. (Cuidado com o excesso de frutose!). Incluir essas fontes de carboidratos, em pequena parcela, é importante para que nutrientes faltantes na dieta cetônica (no mais, a vitamina C) possam ser cobertos. 

ADIÇÃO MAIS DO QUE IMPORTANTE: Muitos críticos da dieta cetônica dizem que o corpo, com baixa na produção de insulina, não conseguirá assimilar a glicose de forma apropriada, induzindo a graves problemas metabólicos. Não, isso é uma popular falácia. O corpo não é dependente da insulina para a assimilação da glicose (Qual é o real papel da insulina no controle de glicose no sangue?)

ALERTA: É preciso maneirar bastante a ingestão de carne de ruminantes (como a vaca e a cabra), porque esta contém gordura trans em pequenas quantidades. Tente dar uma maior preferência para as carnes de aves, peixes, porcos, etc. O assunto é melhor explorado em Gordura trans nos ruminantes?



REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1.  http://www.nature.com/ejcn/journal/v67/n8/full/ejcn2013116a.html
  2. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2129159/
  3. Ginsberg HN, Karmally W. Nutrition, lipids, and cardiovascular disease. In: Stipanuk MH, editor. Biochemical and Physiological Aspects of Human Nutrition. Philadelphia, PA: W.B. Saunders Company; 2000. pp. 917–944.
  4.  http://jama.jamanetwork.com/article.aspx?volume=289&issue=14&page=1837
  5. http://www.proteinpower.com/drmike/ketones-and-ketosis/metabolism-and-ketosis/
  6. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1528-1157.2000.tb00115.x/abstract
  7. http://www.clinchem.org/content/48/1/115.short
  8. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/0026049583901063
  9. http://references.260mb.com/Paleontologia/Aiello1995.pdf?ckattempt=1
  10. http://nature.berkeley.edu/miltonlab/pdfs/meateating.pdf 
  11. https://www.minervamedica.it/en/journals/sports-med-physical-fitness/article.php?cod=R40Y9999N00A18040408
  12. Raimondo et al. (2021). Ketogenic Diet, Physical Activity, and Hypertension—A Narrative Review. Nutrients, 13, 2567. https://doi.org/10.3390/nu13082567