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Quais os perigos dos inalantes, como o loló e o lança-perfume?

03:11:00

           O Brasil é o país com maior índice de abuso de inalantes na América do Sul e possui um dos maiores do mundo. Inalantes são quaisquer substâncias gasosas, líquidas e até sólidas que, em temperatura ambiente ou sob aquecimento brando, são facilmente volatilizadas, sendo utilizadas nessa forma (gases ou vapores) com propósito recreativo (efeito intoxicante) através de aspiração pelo nariz ou boca. O uso de inalantes representa um sério problema de saúde pública.

           Como regra geral (!), substâncias inalantes são solventes orgânicos voláteis. Um número enorme de produtos comerciais, como esmaltes, colas, tintas, thinners, propelentes, gasolina, removedores, vernizes, etc., contém esses solventes e podem ser usados como inalantes. Essas substâncias podem ser aspiradas tanto involuntariamente (por exemplo, trabalhadores de indústrias de sapatos, laboratórios químicos ou de oficinas de pintura, o dia inteiro expostos ao ar contaminado por estas substâncias) ou, com fins recreativos, voluntariamente (por exemplo, a criança de rua que cheira cola de sapateiro; o menino que cheira em casa acetona ou esmalte, ou o estudante que cheira o corretivo Carbex, etc.).

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(!) Óxido nitroso (N2O) também é considerado um inalante mas não é uma substância orgânica, entre outras exceções.

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             A maioria dos inalantes são substâncias pertencentes a um grupo químico chamado de hidrocarbonetos, tais como o tolueno, xilol, n-hexana, acetato de etila, tricloroetileno, butano, etc. Para exemplificar, podemos citar a composição de algumas colas de sapateiro vendidas no Brasil: Cascola – mistura de tolueno + n-hexano; Patex Extra – mistura de tolueno + acetato de etila + aguarrás mineral; Brascoplast – tolueno + acetato de etila + "solvente para borracha". Outro exemplo notável é a gasolina, esta a qual foi por muito tempo um inalante comum entre adolescentes nos EUA - alcançando proporções epidêmicas na décadas de 1980 -, e sendo constituída por uma mistura de vários hidrocarbonetos (Ref.7). Por outro lado, removedores de esmalte - muito comuns no ambiente doméstico - não são constituídos de hidrocarbonetos, com os principais constituintes de abuso sendo representados por cetonas (ex.: butanona e dimetil cetona). Nesse mesmo caminho, dois inalantes muito conhecidos aqui no Brasil - "lança-perfume" e loló - também não são constituídos de hidrocarbonetos. 


           O lança-perfume é um líquido constituído de cloreto de etila (ou cloretila) que vem tipicamente em tubos e usado tradicionalmente no carnaval. Por muitos anos, o lança-perfume foi importado de outros países e consumido legalmente no Brasil como uma diversão aparentemente inofensiva que servia para atrair pessoas na folia de carnaval. Devido ao sucesso de vendas, em 1922 a indústria química francesa Rhodia, responsável pela fabricação do produto, abriu uma filial no Brasil e iniciou a produção local da substância. Poucos anos depois, o uso como droga de abuso inalante alavancou, e inúmeras mortes por intoxicação tornaram-se notícia na época. Em 1961, a fabricação, o comércio e o uso do produto foram proibidos no país por decreto do presidente Jânio Quadros, o que posteriormente gerou a Lei N° 5.062/6612, que vigora até os dias de hoje. Continua aparecendo no carnaval através de contrabando de outros países Sul-Americanos.

          Já o loló, "cheirinho" ou "cheirinho da loló" é um preparado clandestino (isto é, fabricado não por um estabelecimento legal, mas sim por "pessoas do submundo"), a base de clorofórmio mais éter - e contendo tipicamente essências perfumadas e cloreto (ou acetato) de etila - e utilizado só para fins de abuso. Quando os "fabricantes" não encontram uma das duas substâncias, eles misturam qualquer outra coisa em substituição. Assim, muitas vezes a composição do loló não pode ser conhecida pela polícia ou profissionais de saúde em hospitais antes de análise química, o que complica quando se tem casos de intoxicação aguda com a mistura.

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            As técnicas usadas para o abuso de inalantes são diversas e incluem cheirá-los diretamente de seu recipiente ou jogá-los em uma superfície aquecida para aumentar a vaporização, o “huffing” (inalação de pedaços de pano ou roupas embebidas em solvente), “sniffing” (inalação de vapores existentes em um contêiner aberto) e “bagging” (inalação de vapores concentrados contido em recipiente fechado, normalmente um saco ou bolsa). A concentração da substância aumenta com essa última técnica e o risco de asfixia é maior, pois a pressão parcial do gás desloca o oxigênio do alvéolo - e muitas vezes a pessoa pode nem perceber que está ficando com níveis cada vez mais baixos de oxigênio no sangue (2).

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(2) Sim, você não sente a horrível sensação de sufocamento por causa da redução de oxigênio no corpo, mas sim, devido ao aumento de dióxido de carbono (CO2) no sangue. Para mais informações sobre esse interessante e perigoso fenômeno fisiológico:  Sensação aguda de sufocamento é devido à redução de oxigênio no sangue?

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            O início dos efeitos, após a aspiração, é bastante rápido – de segundos a minutos no máximo – e em 15-40 minutos já desaparecem; assim o usuário repete as aspirações várias vezes para que as sensações durem mais tempo. A rápida emergência de efeitos intoxicantes é devido à rápida absorção pulmonar dos inalantes e às suas características lipofílicas (3), que permitem fácil transposição através da barreira-hematoencefálica e subsequente deposição nos neurônios.

            Os efeitos dos inalantes vão desde uma estimulação inicial seguindo-se uma depressão, até processos alucinatórios. Os sintomas são semelhantes aos provocados pelo etanol (álcool das bebidas alcoólicas), como euforia e embriaguez, exceto as alucinações. Dentre esses efeitos, o mais predominante é a ação depressora do sistema nervoso central pela inibição dos receptores glutaminérgicos do tipo NMDA, relacionados a plasticidade e excitabilidade neuronal, e estimulação dos GABAérgicos e glicinérgicos, classicamente inibitórios

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(3) O óxido nitroso é um gás anestésico dissociativo às vezes usado de forma recreativa. Apesar de não ser lipofílico, é rapidamente absorvido na circulação sanguínea através dos pulmões, viajando rapidamente para o cérebro e o resto do corpo. O gás produz um rápido estado de euforia, consciência elevada, dissociação e sentimentos de flutuação e excitamento, durando aproximadamente 1 minuto. O óxido nitroso é usado dentro dos campos médico e odontológico para propósitos anestésicos, sedação e alívio de dor. Além do uso médico, esse gás é usado para aumentar a potência de combustíveis em corridas (o famoso "nitro") e na indústria alimentícia como um propelente de aerossol em spray. Abuso de óxido nitroso pode causar danos neurológicos, depleção dos níveis de vitamina B12, transtornos psiquiátricos (ex.: psicose), entre outros efeitos adversos (Ref.8-9).

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            De acordo com o aparecimento dos efeitos após consumo dos inalantes, esses são tradicionalmente divididos em quatro fases:

- Primeira fase: é a chamada fase de excitação e é a desejada, pois a pessoa fica eufórica, aparentemente excitada, ocorrendo tonturas e perturbações auditivas e visuais. Mas pode também aparecer náuseas, espirros, tosse, muita salivação e as faces podem ficar avermelhadas.

- Segunda fase: a depressão do cérebro começa a predominar, com a pessoa ficando em confusão, desorientada, voz meio pastosa, visão embaçada, perda do autocontrole, dor de cabeça, palidez; a pessoa começa a ver ou ouvir coisas.

- Terceira fase: a depressão se aprofunda com redução acentuada do alerta, incoordenação ocular (a pessoa não consegue mais fixar os olhos nos objetos), incoordenação motora com marcha vacilante, a fala "engrolada", reflexos deprimidos; já pode ocorrer evidentes processos alucinatórios.

- Quarta fase: depressão tardia, que pode chegar à inconsciência, queda da pressão, sonhos estranhos, podendo ainda a pessoa apresentar surtos de convulsões ("ataques"). Esta fase ocorre com frequência entre aqueles cheiradores que usam saco plástico e após um certo tempo já não conseguem afastá-lo do nariz e assim a intoxicação torna-se muito perigosa, podendo mesmo levar ao coma e morte.

              Nesse último ponto, inalantes podem provocar asfixia, sufocamento, aspiração, comportamentos perigosos com risco maior de morte e "sudden sniffing death" (morte súbita por aspiração). Essa morte súbita é causada pelo uso de hidrocarbonetos e também solventes orgânicos halogenados que causam uma sensibilização dos miocárdio às catecolaminas, provocando parada cardiorrespiratória quando elas são liberadas (Ref.10).

           A aspiração repetida, crônica, dos inalantes pode levar à destruição de neurônios (as células cerebrais) causando lesões irreversíveis do cérebro, e está correlacionada com desenvolvimento de distúrbios e danos em diversos órgãos, tais como coração, pulmão, rins, fígado e medula óssea. A ação dessas substâncias sobre o sistema nervoso central está relacionada com o desenvolvimento de encefalopatia tóxica, que consiste em um conjunto de disfunções cerebrais decorrentes da toxicidade causada pela ação cumulativa dos solventes sobre os neurônios. Nesse caminho, pessoas que usam solventes cronicamente apresentam-se apáticas, tem dificuldade de concentração, problemas de sono e déficit de memória. O abuso de inalantes pode também resultar em desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, desordens metabólicas, desbalanços hormonais e de doenças neurodegenerativas.

            Abuso de inalantes contendo fluoreto (F-), como o 1,1-difluoroetano (presente em limpadores de computador), podem levar também ao desenvolvimento de fluorose esquelética, uma desordem no metabolismo ósseo causada pela toxicidade de longo prazo de íons fluoreto (Ref.12-14). A condição afeta de forma difusa tecidos ósseos e conectivos, e apresentações comuns incluem osteosclerose, formação óssea periosteal e ossificação de tecidos conectivos e músculos. Sintomas podem se manifestar como dor debilitante e perda de mobilidade.

           Inalantes contendo nitritos de alquila (ex.: nitrito de isoamila), conhecidos popularmente como poppers e mais usados entre homossexuais e bissexuais, podem causar maculopatia (danos na mácula, pequena área do polo posterior da retina) e consequente perda de visão (Ref.15). O uso de popper tem um efeito de relaxamento nos músculos lisos involuntários, como na garganta e no ânus. Nesse sentido, é utilizado para facilitar o sexo anal, aumentando o fluxo sanguíneo e relaxando os músculos do esfíncter.

           Relevante também mencionar que, como muitos inalantes são altamente inflamáveis, acidentes envolvendo explosões e queimaduras severas podem ocorrer.

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           A dependência naqueles que abusam cronicamente de inalantes é comum, sendo os componentes psíquicos da dependência os mais evidentes, tais como: desejo de usar e perda de outros interesses que não seja o de usar solvente. A síndrome de abstinência, embora de pouca intensidade, está presente na interrupção abrupta do uso dessas drogas, aparecendo ansiedade, agitação, tremores, câimbras nas pernas e insônia.

           O abuso de inalantes é um problema frequente na infância e adolescência, porque são encontrados em produtos do dia-a-dia, como cola, solventes, propelentes e estão amplamente disponíveis (em casa, na escola, em lojas). Além disso, o risco associado ao uso de inalantes é falsamente percebido como baixo, de tal modo que eles são uma das primeiras drogas de abuso usadas e podem gerar consequências desastrosas como a morte. O abuso também é frequentemente reportado no ambiente acadêmico (faculdades e universidades), em especial nos cursos de medicina/enfermagem, e em hospitais, onde substâncias como éter e clorofórmio para uso em humanos são de mais fácil acesso.

            No mundo, o abuso de inalantes tem crescido substancialmente nas últimas décadas. Na Austrália, por exemplo, reportes recentes indicam que 19% dos adolescentes de 12 a 13 anos já experimentaram inalantes (Ref.16-17). Pré-adolescência e adolescência são períodos críticos de crescimento e desenvolvimento do cérebro, e a exposição a inalantes pode ter efeitos devastadores, especialmente a longo prazo. Além disso, o abuso de inalantes nos jovens pode abrir as portas para outras substâncias de abuso ainda mais pesadas e viciantes. Pais e professores devem ficar muito atentos a essa questão.

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IMPORTANTE: Nos últimos anos, uma moda cada vez crescente de inalação de solventes orgânicos voláteis é o uso de cigarro eletrônico, e-cigarro ou vape, cujo líquido carregador de nicotina (ou outra substância psicoativa) é constituído tipicamente de uma mistura de propileno glicol (~66%) e de glicerina (~24%). Para mais informações: Cigarros eletrônicos são realmente seguros?

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. https://www2.unifesp.br/dpsicobio/cebrid/folhetos/solventes_.htm
  2. Souza et al. (2016). Inhalant abuse. Saúde, Ética & Justiça, 21(1):3-11. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2317-2770.v21i1p3-11
  3. Zumiani et al. (2019). "Lança perfume": o uso de solventes e drogas inalantes como substâncias de abuso no Brasil. Saúde, Ética & Justiça, 24(1):3-9.  http://dx.doi.org/10.11606/issn.2317-2770.v24i1p3-9 
  4. Botti et al. (2010). Uso de substâncias psicoativas entre acadêmicos de enfermagem da Universidade Católica de Minas Gerais. SMAD, Revista Eletrônica Saúde Mental Álcool Drogas, v.6, n.1., ISSN 1806-6976.
  5. Kashfi & Sharma (2022). Hair Spray Induced Cardiomyopathy. European Journal of Case Reports in Internal Medicine, 9(4): 003313. https://doi.org/10.12890%2F2022_003313
  6. Vahabzadeh & Mégarbane (2022). A two-decade review of butane toxicity as a substance of abuse. Basic & Clinical Pharmacology & Toxicology, Volume 131, Issue 3, Pages 155-164. https://doi.org/10.1111/bcpt.13760 
  7. Thakur & Gupta (2022). Inhalant Abuse in Children in the United States over the Last 50 Years. The Journal of Pediatrics, Volume 245, P46. https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2022.03.014
  8. Allan et al. (2022). A Systematic Review of Recreational Nitrous Oxide Use: Implications for Policy, Service Delivery and Individuals. International Journal of Environmental Research and Public Health, 19(18), 11567. https://doi.org/10.3390/ijerph191811567 
  9. Marsden et al. (2022). Review article: Clinical manifestations and outcomes of chronic nitrous oxide misuse: A systematic review. Emergency Medicine Australasia, Volume 34, Issue 4, Pages 492-503. https://doi.org/10.1111/1742-6723.13997
  10. Dingle & Williams (2018). Multi-organ system injury from inhalant abuse. Prehospital Emergency Care, 1–10. https://doi.org/10.1080/10903127.2018.1536771
  11. Crossin et al. (2018). Adolescent Inhalant Abuse Results in Adrenal Dysfunction and a Hypermetabolic Phenotype with Persistent Growth Impairments. Neuroendocrinology, 107:340–354. https://doi.org/10.1159/000493686 
  12. Liane et al. (2020). Skeletal Fluorosis: An Unusual Manifestation of Computer Cleaner Inhalant Abuse. Cureus, 12(6): e8461. https://doi.org/10.7759/cureus.8461
  13. Mohideen et al. (2022). Skeletal Fluorosis: A Case of Inhalant Abuse Leading to a Diagnosis of Colon Cancer. Journal of Investigative Medicine High Impact Case Reports, 10. https://doi.org/10.1177/23247096221084919
  14. https://journals.lww.com/jaaosglobal/Fulltext/2021/10000/Rare_Case_of_Diffuse_Skeletal_Fluorosis_Due_to.9.aspx
  15. Bartolo et al. (2022). ‘Poppers Maculopathy’ and the adverse ophthalmic outcomes from the recreational use of alkyl nitrate inhalants: a systematic review. Seminars in Ophthalmology. https://doi.org/10.1080/08820538.2022.2108717
  16. Crossin et al. (2019). The effect of adolescent inhalant abuse on energy balance and growth. Pharmacology Research & Perspectives, Volume 7, Issue 4, e00498. https://doi.org/10.1002/prp2.498
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  18. Saini et al. (2022). Inhalant abuse: Newer trends in addiction: A case series. Journal of Marine Medical Society, Volume 24, Issue 3, Pages 132-135. https://doi.org/10.4103/jmms.jmms_137_20