Comer placenta traz algum benefício?
- Atualizado no dia 13 de outubro de 2024 -
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Nos últimos anos uma nova moda surgiu entre as mães. Disseminado de forma suspeita pela internet e entre celebridades - a socialite Kim Kardashian West é um dos exemplos mais notáveis - , a placentofagia (ato de comer a placenta do recém-nascido) está se espalhando por diversos países e já existem centenas de websites que até mostram receitas para consumir o tecido fetal. Defensores da prática - a qual ganhou crescente popularidade a partir na década de 1970 derivada da medicina tradicional chinesa - afirmam que ela traz inúmeros benefícios para as mães, incluindo melhora de humor, melhor lactação, diminuição na depressão pós-parto, entre outros. Mas será que isso possui alguma verdade científica?
Nos últimos anos uma nova moda surgiu entre as mães. Disseminado de forma suspeita pela internet e entre celebridades - a socialite Kim Kardashian West é um dos exemplos mais notáveis - , a placentofagia (ato de comer a placenta do recém-nascido) está se espalhando por diversos países e já existem centenas de websites que até mostram receitas para consumir o tecido fetal. Defensores da prática - a qual ganhou crescente popularidade a partir na década de 1970 derivada da medicina tradicional chinesa - afirmam que ela traz inúmeros benefícios para as mães, incluindo melhora de humor, melhor lactação, diminuição na depressão pós-parto, entre outros. Mas será que isso possui alguma verdade científica?
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PLACENTA
A placenta é um órgão extracorpóreo altamente complexo, e têm evoluído nos mamíferos placentários nos últimos 225 milhões de anos (!). Interagindo com o endométrio, sua função é fornecer nutrientes, oxigênio, transferir anticorpos da mãe para o feto e filtrar os resíduos metabólicos fetais, com o cordão umbilical servindo de ponte de transporte. Basicamente, funciona como os pulmões, o intestino, os rins e o fígado do feto. Além disso, a placenta é um órgão endócrino, secretando mais de 100 peptídeos e hormônios esteroides que modulam a fisiologia maternal de modo a melhor alimentar e proteger o feto em desenvolvimento e no pós-parto. Por exemplo, os lactogenos e hormônio do crescimento placentais provocam efeitos anti-insulina e promovem lipólise, aumentando a concentração de glicose e de ácido graxo livre na circulação sanguínea da mãe e, em consequência, para o feto.
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Leitura complementar:
- Bebês adquirem bactérias do microbioma durante e após o parto, não da placenta
- Administração de cocô da mãe para o bebê nascido via cesárea parece ser benéfico
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DEVO COMER A PLACENTA?
De acordo com especialistas e agências de saúde, não existe evidência suportando benefícios associados ao consumo de placenta por humanos. Pelo contrário, pode até existir riscos à saúde, já que a placenta funciona como um filtro para o feto, e acaba estocando dejetos metabólitos diversos e toxinas. Comê-la pode não ser uma boa opção. Estudos já mostraram quantidades consideráveis, por exemplo, de metais pesados como o mercúrio acumulados na placenta. Além disso, não existem relatos históricos dessa prática associados a quaisquer civilizações e povos humanos. Se fosse algo realmente benéfico ou intrínseco à natureza humana, a prática seria bem comum e normalizada desde a antiguidade. Povos indígenas/nativos e grupos de caçadores-coletores modernos também não exibem o hábito - apesar de existir evidência de consumo secular de placenta desidratada na Medicina Tradicional Chinesa.
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> O primeiros reportes consistentes de placentofagia humana têm origem na América do Norte, na década de 1970, se espalhando desde então entre mulheres vivendo em cidades industrializadas e popularizando o consumo de placenta sob variadas formas (crua, cozida, desidratada, processada em cápsulas ou como um chá). Ref.3
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Existe uma hipótese bem interessante que relaciona o uso do fogo pelos humanos com um possível fim na prática de placentofagia, caso ela tenha existido na nossa espécie em algum ponto da nossa história evolutiva. Segundo essa hipótese, a partir do momento que o ser humano começou a usar fogo para o preparo de alimento e para o aquecimento, bastante fumaça e cinzas começaram a serem aspiradas por nossos ancestrais. No caso das mulheres [fêmeas] grávidas, a placenta acabava filtrando os componentes tóxicos da fumaça que migravam para o sangue, impedindo perigosa exposição de toxinas ao feto. No final da gravidez, a placenta acabava se transformando em um alimento potencialmente muito tóxico para ser ingerido, podendo ter causado problemas de saúde ou mal estar passageiro em várias mães, o que pode ter feito a prática perder força até sumir. Se essa hipótese espelha a realidade ou não, o fato é que antigos humanos nunca precisaram comer placenta até onde sabemos. E pode existir um bom motivo para isso.
Do lado dos que
defendem a prática (curandeiros de plantão...), a justificativa vem do fato de que
quase todos os mamíferos terrestres eutérios a fazem - incluindo primatas não-humanos (1) -, e, portanto, segundo os espertalhões, deve ser
algo saudável, mesmo não existindo relatos históricos dessa prática na história humana antes do século XX. Porém, é preciso lembrar que no ambiente selvagem, existem potenciais benefícios que podem superar os prejuízos associados à ingestão da placenta. Certos mamíferos herbívoros, como coelhos, búfalos e vacas, o consumo de placenta no momento do parto parece fortalecer a ligação entre mãe e filhotes. Além disso, o consumo da placenta pode ter um efeito mais importante na limpeza da toca (ex.: evitar proliferação de microrganismos patogênicos) ou em esconder o cheiro de sangue e de sinais do parto (filhotes vulneráveis) de predadores. Benefícios nutritivos, hormonais e analgésicos também têm sido reportados. Talvez o principal motivo da placentofagia seja esconder rastros do parto de predadores, e isso não faz sentido para humanos no nosso atual contexto tecnológico e civilizatório.
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> E é preciso lembrar que placenta não é um tecido da mãe, e, sim, do feto. Fatores (ex.: toxinas, bactérias e vírus) que não afetam negativamente este órgão pode potencialmente ser danoso ao corpo
materno se ingerido. Aliás, o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA fortemente recomenda contra a placentofagia devido a um caso no qual um recém-nascido desenvolveu uma séria infecção bacteriana por estreptococos do grupo B após a mãe consumir pílulas de placenta infectadas e amamentá-lo (Ref.19).
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(1) Muitos defensores da placentofagia, no intuito de darem mais força às suas "teorias", geralmente afirmam que 'todos os mamíferos' comem a sua placenta depois do parto. O ser humano, portanto, estaria fugindo desse "rito natural", deixando de aproveitar os benefícios proporcionados pelo "nutritivo" órgão gestativo. Mas nem todos os mamíferos praticam a placentofagia, e os camelos (gênero Camelus) - e outros camelídeos - são uma exceção bem conhecida nesse sentido. A prática também não ocorre em grandes mamíferos aquáticos (cetáceos) e semi-aquáticos (pinípedes). E placentofagia é rara em cavalos e cabras domesticadas (Capra aegagrus hircus). (Ref.18).
(1) Muitos defensores da placentofagia, no intuito de darem mais força às suas "teorias", geralmente afirmam que 'todos os mamíferos' comem a sua placenta depois do parto. O ser humano, portanto, estaria fugindo desse "rito natural", deixando de aproveitar os benefícios proporcionados pelo "nutritivo" órgão gestativo. Mas nem todos os mamíferos praticam a placentofagia, e os camelos (gênero Camelus) - e outros camelídeos - são uma exceção bem conhecida nesse sentido. A prática também não ocorre em grandes mamíferos aquáticos (cetáceos) e semi-aquáticos (pinípedes). E placentofagia é rara em cavalos e cabras domesticadas (Capra aegagrus hircus). (Ref.18).
Sugestão de leitura: Mitos e verdades sobre o camelo
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No geral, defensores da placentofagia alegam que o consumo da placenta aumenta a produção de leite, melhora o humor, reduz o risco ou a gravidade de um quadro de depressão pós-parto, reduz a fatiga da mãe, e aumenta o ganho de peso do recém-nascido (via amamentação). Estudos clínicos placebo-controlados, porém, não têm suportado essas alegações.
Um estudo publicado em 2017 na Women and Birth (Ref.14) foi o primeiro a analisar em profundidade os supostos benefícios da placentofagia. Analisando dois grupos formados a partir de 27 mulheres saudáveis que resolveram aderir à prática - um deles tomando placenta desidratada em cápsula e o outro consumindo placebo -, os pesquisadores não encontraram nenhum benefício significativo ligado à placentofagia. Não foram observadas relevantes diferenças nos níveis hormonais, impacto sobre a fatiga ou em quadros de depressão pós-parto (apesar de pequenas variações detectáveis terem sido quantificadas). No geral, pequenos benefícios foram reportados no grupo de controle consumindo a placenta, mas é incerto se possuem algum significado terapêutico. O único parâmetro não analisado foram os alegados efeitos anestésicos, algo que será feito em um estudo futuro mais abrangente envolvendo um grupo de controle maior.
Segundo os autores do estudo, o consumo de placenta feito da forma mais segura possível (aquecimento e desidratação) pode até ser feito se a mãe insistir, mas que é preciso ficar ciente de que, até o momento, não existe boa evidência científica para qualquer alegado benefício e que tratamentos com comprovada eficiência terapêutica devem ser priorizados para quadros adversos e patologias ligados ao período pós-parto.
Apesar dos riscos e inexistência de suporte científico, algumas mães dizem obter benefícios com a placentofagia, como o aumento na produção de leite e melhor sensação de bem estar. Segundo especialistas, talvez possa existir alguma verdade para alguns casos de depressão pós-parto, já que quando a placenta é retirada junto com o bebê, diversos hormônios produzidos por esse órgão deixam de circular pelo corpo materno, trazendo potenciais efeitos colaterais indesejados por um breve período de tempo. Ingerir a placenta pode ser uma fonte rica nesses hormônios, apesar da ausência de comprovação científica para efeitos terapêuticos com o consumo de placenta. Por outro lado, seria muito mais fácil recorrer aos tratamentos médicos modernos do que se arriscar efeitos adversos. Aliás, esse é outro perigo: aderir a uma prática suspeita e deixar de lado tratamentos com sólido suporte científico de eficácia.
Muitos aderentes à placentofagia recomendam cozinhar a placenta junto com outros alimentos, para evitar infecções com bactérias e vírus. Porém, com isso, também se vai boa parte dos hormônios no aquecimento. Ou seja, você estará comendo uma carne como outra qualquer. As cápsulas contendo placenta desidratada seriam outra forma de prevenir infecções, porém não garante a eliminação de outras toxinas, não possuem suporte científico de eficácia e ainda geram uma incoerência: se é para ser algo natural, imitando a placentofagia de outros animais, consumi-la em cápsula quebra toda essa "natureba", não é mesmo? Outros alegados benefícios, como analgesia, provavelmente são melhor explicados pelo efeito placebo (2).
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Apesar dos riscos e inexistência de suporte científico, algumas mães dizem obter benefícios com a placentofagia, como o aumento na produção de leite e melhor sensação de bem estar. Segundo especialistas, talvez possa existir alguma verdade para alguns casos de depressão pós-parto, já que quando a placenta é retirada junto com o bebê, diversos hormônios produzidos por esse órgão deixam de circular pelo corpo materno, trazendo potenciais efeitos colaterais indesejados por um breve período de tempo. Ingerir a placenta pode ser uma fonte rica nesses hormônios, apesar da ausência de comprovação científica para efeitos terapêuticos com o consumo de placenta. Por outro lado, seria muito mais fácil recorrer aos tratamentos médicos modernos do que se arriscar efeitos adversos. Aliás, esse é outro perigo: aderir a uma prática suspeita e deixar de lado tratamentos com sólido suporte científico de eficácia.
Muitos aderentes à placentofagia recomendam cozinhar a placenta junto com outros alimentos, para evitar infecções com bactérias e vírus. Porém, com isso, também se vai boa parte dos hormônios no aquecimento. Ou seja, você estará comendo uma carne como outra qualquer. As cápsulas contendo placenta desidratada seriam outra forma de prevenir infecções, porém não garante a eliminação de outras toxinas, não possuem suporte científico de eficácia e ainda geram uma incoerência: se é para ser algo natural, imitando a placentofagia de outros animais, consumi-la em cápsula quebra toda essa "natureba", não é mesmo? Outros alegados benefícios, como analgesia, provavelmente são melhor explicados pelo efeito placebo (2).
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> Recentemente, especialistas recomendaram contra o descarte da placenta após o parto, no sentido que esse tecido pode fornecer valiosas informações sobre problemas na gravidez, potenciais problemas em gravidezes futuras e sobre a saúde da mãe e do bebê em geral. Ref.20
(2) Leitura recomendada: O que é o efeito placebo? E qual a relação entre vudu e nocebo?
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Felizmente (ou não), a maior parte do consumo contemporâneo de placenta entre as mães está sendo feito a partir de cápsulas produzidas a partir cozimento a vapor seguido de desidratação e pulverização da placenta, gerando um pó que é consumido como se fosse uma pílula de multi-vitamínicos. Nesse caso, os riscos de efeitos adversos são reduzidos, apesar de não existir evidência científica para benefícios terapêuticos. A atual recomendação da comunidade médica é evitar qualquer forma de placentofagia.
Felizmente (ou não), a maior parte do consumo contemporâneo de placenta entre as mães está sendo feito a partir de cápsulas produzidas a partir cozimento a vapor seguido de desidratação e pulverização da placenta, gerando um pó que é consumido como se fosse uma pílula de multi-vitamínicos. Nesse caso, os riscos de efeitos adversos são reduzidos, apesar de não existir evidência científica para benefícios terapêuticos. A atual recomendação da comunidade médica é evitar qualquer forma de placentofagia.
Artigo relacionado: Vale a pena escolher o parto natural?
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- British Journal of Midwifery . Jul. 2012, Vol. 20 Issue 7, p464-469. 6p.
- https://www.nichd.nih.gov/newsroom/releases/062615-podcast-placenta-consumption
- Coyle et al. (2015). "Placentophagy: therapeutic miracle or myth?". Archives of Women's Mental Health 18, 673–680. https://doi.org/10.1007/s00737-015-0538-8
- http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1240842/
- http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/0149763480900123
- http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S088421751500009X
- http://link.springer.com/article/10.1007/s00737-015-0538-8
- http://www.ingentaconnect.com/content/springer/clac/2014/00000005/00000004/art00003
- http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/03670244.2012.719356
- http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jmwh.12309/abstract
- http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0271531716300227
- http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/03670244.2012.661349
- http://www.sciencemag.org/news/2017/12/moms-should-you-eat-your-placentas
- http://www.womenandbirth.org/article/S1871-5192(17)30208-1/fulltext
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26428504
- https://dergipark.org.tr/en/pub/ktokusbd/issue/69608/994682
- Nakamichi, M. (2023). Non-human primate birth and human birth. Primates. https://doi.org/10.1007/s10329-023-01097-2
- Mota-Rojas et al. (2020). Consumption of Maternal Placenta in Humans and Nonhuman Mammals: Beneficial and Adverse Effects. Animals, 10(12):2398. https://doi.org/10.3390%2Fani10122398
- https://www.mayoclinic.org/healthy-lifestyle/labor-and-delivery/expert-answers/eating-the-placenta/faq-20380880
- Parast et al. (2024). Incorporating placental pathology into clinical care and research. Trends in Molecular Medicine. https://doi.org/10.1016/j.molmed.2024.08.002