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Por que os gatos às vezes comem plantas?


- Atualizado no dia 20 de agosto de 2021 -

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          Quem possui um gato de estimação (Felis catus), talvez já tenha presenciado um estranho hábito: a ocasional mastigação e ingestão de plantas (como grama e outras espécies vegetais ornamentais), em muitos casos seguido de vômito. Esse fenômeno tem sido frequentemente reportado por proprietários de cães (Canis familiares) e gatos domésticos. No caso dos gatos o mistério é ainda mais pronunciado, já que os felinos são animais hipercarnívoros (!). Nesse sentido, pesquisadores da Universidade da Califórnia, EUA, resolveram investigar a questão e concordaram com uma hipótese previamente sugerida para explicar o hábito vegetariano nesses felinos: defesa contra parasitas intestinais.

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(!) Leitura recomendadaHumanos foram hipercarnívoros durante a maior parte da nossa linhagem evolutiva
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            O consumo de plantas por cães e gatos tem despertado a curiosidade da humanidade desde a antiguidade. Famosamente, Aristóteles (384-322 a.C.) alegou que "cães nunca comem grama, exceto quando estão doentes para forçar vômito e purgar seus corpos". Esse comportamento é, de fato, comumente observado em cães e também gatos, envolvendo o consumo de gramíneas e de outras plantas indigestíveis. Tal comportamento tem sido estudado em cães, e já foi encontrado que 68% desses animais comiam plantas semanalmente ou mesmo diariamente - com 9% aparentemente doentes antes de comerem plantas e 22% frequentemente vomitando após o consumo. Cães mais jovens comem plantas de forma mais frequente do que cães mais velhos. É sugerido que o hábito de comer plantas nos cães é uma predisposição inata, herdada de ancestrais mas sem claro benefício para os cães modernos (Canis familiaris).

            Dentro da ordem dos carnívoros (Carnivora) o consumo de tecidos fibrosos de plantas, como folhas e caules, é apenas conhecido de servir propósito nutricional em oito espécies nas famílias Ailuridae e Ursidae (1). A ordem Carnivora engloba 300 espécies ainda existentes entre 129 gêneros e 16 famílias, e cujos representantes exibem um trato gastrointestinal relativamente simplístico, adaptado para o consumo de uma dieta carnívora (alta concentração proteica e consumo de outros animais - vertebrados e/ou invertebrados). Cerca de 58% da ordem é considerada predominantemente carnívora, com as espécies se alimentando primariamente de animais, e cerca de 40% é predominantemente onívora, com significativa porção da dieta baseada no consumo tanto de animais quanto de plantas - tipicamente frutos como item da dieta vegetariana mais importante.  

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(1) Nessas duas famílias temos notavelmente os pandas-vermelhos e os pandas-gigantes, os quais possuem uma dieta composta por mais de 90% de bambu, ou seja, altamente fibrosa. Sugestão de leitura: Afinal, pandas são carnívoros, onívoros ou herbívoros?
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           Porém, apesar de raras espécies de carnívoros dependerem de tecidos vegetais muito fibrosos em termos nutricionais, um estudo de revisão publicado em 2020 no periódico Belgian Journal of Zoology (Ref.1) encontrou que o consumo de folhas e outras partes muito fibrosas de plantas ocorre em pelo menos 124 espécies da ordem Carnivora (~41% das espécies). Desse total, 116 espécies de carnívoros não parecem derivar nutrição desse tipo de dieta, incluindo em especial membros das famílias Canidae (ex.: cães), Felidae (ex.: gatos) (2) e Mustelidae. E o comportamento de ingerir folhas e afins mostrou-se deliberado mesmo em espécies hipercarnívoras como felinos, incluindo linces, leopardos, panteras e pumas; às vezes esses componentes vegetais são ingeridos de forma relativamente frequente e em relativa grande quantidade.

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(2) Relevante mencionar que gatos também interagem com certas plantas (ex.: erva-dos-gatos) - sem ingestão - com o objetivo de usá-las como repelentes de insetos. Para mais informações: Por que os gatos amam se esfregar em certas plantas?
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              Nesse último estudo, os pesquisadores encontraram também evidência sugestiva de uma significativa correlação positiva entre ingestão de tecidos fibrosos de plantas e presença de vermes parasitas (ex.: helmintos) no intestino de animais carnívoros. Os autores do estudo então sugeriram um potencial propósito para o estranho hábito alimentar: estimular o trato gastrointestinal no sentido de facilitar a expulsão de vermes parasitas. Essa proposta é reforçada pelo fato das folhas serem tipicamente engolidas em grandes fragmentos, sem adequada mastigação caso o propósito fosse nutricional; a preservação de características morfológicas nas folhas parece aumentar o estímulo gastrointestinal.

          Nesse sentido, mesmo em gatos e cães domésticos livres de parasitas, o comportamento de comer folhas e caules (ex.: gramíneas) é mantido por herança de ancestrais selvagens, ou seja, um comportamento inato. E não parece existir convincente evidência de que o motivo para cães e gatos comerem folhas seja aliviar náusea ou induzir vômito, uma crença comum.

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           No novo estudo, publicado em 2021 no periódico Animals (Ref.2), os pesquisadores conduziram uma pesquisa online pedindo para que donos de gatos respondessem a um questionário sobre a questão. Eles receberam 2296 retornos, estes os quais foram filtrados seguindo como principal critério de exclusão a necessidade dos donos dos gatos terem sido capazes de acompanhar o comportamento desses felinos 3 ou mais horas por dia. Eliminando também os participantes que eram mantidos dentro do domicílio sem acesso a plantas, os pesquisadores obtiveram 1021 participantes aptos a serem analisados.

          Os resultados das análises dos questionários revelaram que 71% dos gatos tinham sido vistos comendo plantas no mínimo 6 vezes, 61% mais de 10 vezes, e 11% nunca foram vistos comendo plantas. Comparando os gatos vistos comendo as plantas no mínimo 10 vezes com aqueles que nunca foram vistos comendo, não foram encontradas diferenças na faixa de idade, sexo, origem ou número de gatos no domicílio. Dos gatos vistos comendo plantas no mínimo 10 vezes, 67% foram estimados de comerem plantas diariamente ou semanalmente. Quando questionados sobre o estado dos gatos antes de comer as plantas, 91% dos participantes disseram que seus gatos pareciam quase sempre normais. O ato de vomitar posteriormente à ingestão das plantas foi um pouco mais comum, onde 27% reportaram que os gatos frequentemente vomitavam após comer as plantas.

(A-B) Exemplo de gatos comendo plantas no ambiente doméstico. Foto: Erica Orcutt/Ref.2

           Em um estudo prévio realizado pelos pesquisadores no mesmo formato mas focado nos cães, foi revelado um padrão similar ao observado na pesquisa com os gatos, incluindo a frequência de ingestão das plantas, estado aparentemente normal antes da ingestão, e ato de vômito 20-30% das vezes.

          Entre os gatos mais jovens (3 anos de idade ou menos), 39% se engajaram em uma alimentação diária de plantas comparado com 27% dos gatos com 4 anos ou mais de idade. E enquanto que a porcentagem de gatos mais jovens não mostrando nenhum sinal de doença ou mal-estar antes da ingestão das plantas foi similar ao de gatos mais velhos, apenas 11% dos gatos mais jovens foram observados vomitando frequentemente após a ingestão comparado com os gatos mais velhos (30%). Esses padrões mostraram-se também similares aos dos cães.

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          Uma explicação comum e histórica dada para o hábito vegetariano nos gatos e nos cães é que esses mamíferos estariam doentes ou com mal-estar antes da ingestão de plantas, e com esse ato ajudando a induzir vômito, fazendo-os se sentirem melhores. Porém, os resultados do estudo não deram suporte para essa hipótese, além de descreditar outra ideia: a de que esses animais aprenderiam o hábito quando novos observando os gatos mais velhos.

           Com os resultados do estudo e evidências prévias, os pesquisadores defenderam a hipótese de que a ingestão regular de plantas por gatos é uma predisposição herdada de ancestrais selvagens, algo suportado em especial pelo hábito comum de vários outros carnívoros selvagens consumirem frequentemente folhas e outras partes fibrosas de plantas. Estudos em primatas já mostraram que plantas indigestíveis ajudam a livrar o trato gastrointestinal de parasitas helmintos, ao aumentar a atividade muscular associada. Dado que virtualmente todos os carnívoros selvagens carregam uma substancial carga de parasitas intestinais, o ato regular e instintivo de comer plantas teria uma função adaptativa na manutenção de uma carga parasitária intestinal tolerável, independentemente se o animal sente ou não os parasitas.

          E assim como cães e outros carnívoros, gatos mais jovens mostraram comer plantas mais frequentemente do que aqueles mais velhos. Isso pode ser devido ao fato de que os mais jovens são mais vulneráveis a prejuízos nutricionais causados por uma alta carga de vermes parasíticos no intestino.

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Leitura recomendada: 

           Os autores do novo estudo também deixaram um conselho para os donos de cães e gatos: comprem ou cultivem grama para esses animais mastigarem. Isso dará uma chance deles exercitarem seus comportamentos inatos com uma fonte segura de plantas atóxicas.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. Franck & Farid (2020). Many Species of the Carnivora Consume Grass and Other Fibrous Plant Tissues. Belgian Journal of Zoology, Vol. 150.
    https://doi.org/10.26496/bjz.2020.73   
  2. Hart et al. (2021). Characteristics of Plant Eating in Domestic Cats. Animals, 11(7): 1853. https://doi.org/10.3390%2Fani11071853