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Baixa higiene oral é um forte fator de risco para o Alzheimer?


- Atualizado no dia 13 de fevereiro de 2024 - 

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          Já é sabido há um bom tempo que uma baixa higiene oral é um fator de risco associado com o desenvolvimento de Alzheimer. O que não é totalmente esclarecido é se infecções bacterianas na gengiva causam ou contribuem para a doença ou se são apenas uma consequência (ex.: muitos pacientes com demência não conseguem cuidar bem da saúde bucal). Nesse sentido, um estudo publicado em 2019 na Science Advances (Ref.1) confirmou que a principal bactéria que causa infecções na gengiva (Porphyromonas gingivalis) está presente no cérebro das pessoas com Alzheimer, não apenas na boca. Além disso, o estudo também encontrou que, em ratos, essa bactéria engatilha mudanças cerebrais associadas com a doença. Porém, associação causal em humanos ainda permanece controversa e elusiva.

  • OBS.: A primeira parte deste artigo traz um breve resumo sobre o Alzheimer (características e fatores de risco). Na segunda parte (HIGIENE ORAL E ALZHEIMER), o novo estudo é explorado.

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   ALZHEIMER

           Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), existem mais de 55 milhões de pessoas vivendo com demência hoje ao redor do mundo, principalmente Alzheimer.

          A doença de Alzheimer foi nomeada em homenagem ao trabalhos do médico Dr. Alois Alzheimer. Em 1906, Dr. Alzheimer notou mudanças no tecido cerebral de uma mulher que tinha morrido de uma estranha doença mental. Os sintomas da paciente incluíam perda de memória, problemas de comunicação e comportamento imprevisível. Após sua morte, o médico examinou em detalhes o cérebro da paciente e encontrou várias protuberâncias anormais (hoje chamadas de placas amiloides) e maços emaranhados de fibras (hoje chamados de emaranhados de tau ou emaranhados neurofibrilares). Essas placas e emaranhados no cérebro são ainda considerados uma das principais características da doença, junto com a perda de conexões entre neurônios.

          Também conhecida como Mal de Alzheimer, essa doença é uma desordem cerebral progressiva que lentamente leva a danos irreparáveis na memória e na capacidade cognitiva em geral, eventualmente levando a incapacidades na realização das mais simples tarefas. Sua ocorrência é a forma de demência mais predominante entre os idosos (~60% dos casos) e atualmente estima-se que afeta 24-36 milhões de pessoas no mundo. Prevê-se que esse número praticamente dobre a cada 10 anos entre pessoas com mais de 60 anos de idade, chegando a quase 50-70 milhões em 2030, e cerca de 100 milhões em 2050.

           Com a forma sintomática emergindo majoritariamente após os 65 anos de idade (menos de 10% dos casos sintomáticos emergem entre os 30 e 65 anos), o Alzheimer é a principal causa de dependência funcional, institucionalização e mortalidade entre a população idosa. Estudos recentes sugerem que, nos EUA, essa doença é a terceira maior causa de morte entre indivíduos idosos, atrás apenas das doenças cardiovasculares e do câncer. Quando diagnosticado próximo dos 65 anos, o tempo mediano de sobrevivência é em torno de 8,3 anos (redução de ~67% da expectativa de vida). É comum também pessoas idosas com demência portarem mais de uma doença neurodegenerativa, como Alzheimer e demência vascular.



          As causas para o Alzheimer ainda não são totalmente conhecidas, mas são complexas, multifatoriais e parecem envolver fatores ambientais e genéticos. Grande parte das pessoas com Alzheimer exibem uma variante do gene APOE (apolipoproteína E)  - o APOEε4 -, o qual está envolvido na emergência tardia (>65 anos de idade) e precoce (<65 anos) da doença. Porém, carregar essa variante não significa que a pessoa irá desenvolver o Alzheimer e pessoas sem essa variante também não necessariamente desenvolverão a doença. Outras regiões de interesse no genoma humano já foram identificadas como fatores de risco, especialmente o gene APP. A maioria das pessoas com Síndrome de Down desenvolvem Alzheimer porque possuem uma cópia extra do cromossomo 21, este o qual contém o gene APP, responsável por gerar a proteína beta-amiloide. Nesse sentido, histórico familiar de demência acaba sendo um importante fator de risco. Indivíduos com irmãos que tiveram a doença possuem um risco 3 vezes maior de desenvolverem Alzheimer em comparação com a população em geral.

          No caso específico da doença de Alzheimer precoce, temos já bem estabelecidos quatro variantes genéticas como percursores de no máximo ~10% das manifestações: mutações nos genes APP, PSEN1 e PSEN2, além de variantes no já mencionado APOE, as quais são os mais importantes fatores genéticos de risco. A variante APOEε4 também está ligada com um aumento nos níveis de colesterol circulante (aliás, o gene APOE é crucial na homeostase de colesterol no cérebro), mas um estudo publicado no periódico JAMA Neurology (Ref.11) recentemente encontrou que níveis altos de colesterol estão ligados de forma independente com um maior risco de desenvolvimento precoce da doença (!). Isso corrobora estudos prévios mostrando que terapias de redução de colesterol estavam associadas com um menor risco de desenvolvimento dessa forma mais rara do Alzheimer. Além disso, o estudo também encontrou que variantes no gene APOB - outro responsável pela produção de colesterol - está associada com a precocidade da doença, apesar dos mecanismos não estarem esclarecidos.

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> (!) Reportado no periódico JAMA (Ref.15), pesquisadores encontraram que a quantificação no plasma sanguíneo da proteína fosfo-tau217 (P-tau217) é um método extremamente acurado para apontar quem está no caminho de desenvolver o Alzheimer e em até 20 anos antes dos sintomas neurodegenerativos da doença emergirem. O achado veio após a análise de 1402 participantes com e sem danos cognitivos oriundos de populações no Arizona (EUA), Suécia e Colômbia.

A avaliação quantitativa da P-tau217 foi capaz de discriminar o Alzheimer de outras doenças neurodegenerativas com acuracidade de até 98%. Em um dos grupos clínicos avaliados, os níveis de P-tau217 eram significativamente maiores entre portadores de mutação no gene PSEN1comparado com não portadores, a partir de aproximadamente 25 anos de idade ou mais velhos, o que é 20 anos antes da idade média estimada para a emergência de sintomas da doença entre os portadores de dessa mutação.

> Um estudo mais recente na Science (Ref.17) mostrou que células cerebrais na presença de células amiloides aumentam a expressão do gene MEG3, este o qual engatilha morte celular programada. Esse mecanismo celular pode ajudar a explicar como o acúmulo dessas placas no cérebro de pessoas afetadas pelo Alzheimer provoca a morte de neurônios e abre caminho para novas vias terapêuticas. 

> Alzheimer transmissível? Existe evidência de que a doença de Alzheimer pode ser "transmitida" a partir de certos procedimentos cirúrgicos hoje em desuso. Um estudo recente publicado na Nature (Ref.26) analisou 8 pessoas no Reino Unido que, na infância, receberam hormônio do crescimento (GH) derivado de glândulas pituitárias de cadáveres para tratar condições médicas diversas, incluindo baixa estatura. Eles encontraram que, décadas mais tarde, a maior parte dessas pessoas (5 de 8) desenvolveram sinais de demência precoce (entre 38 e 55 anos), como problemas de linguagem e de memória, junto com o desenvolvimento de placas da proteína beta-amiloide no cérebro. Geralmente, Alzheimer precoce é causado por certas variantes genéticas, mas os pesquisadores não encontraram essas variantes em três das pessoas com sinais de Alzheimer e que tiveram amostras de DNA disponíveis para teste. O estudo concluiu que essa proteína, presente nas preparações hormonais extraídas do cérebro de cadáveres, provavelmente foram "sementes" para o desenvolvimento de Alzheimer. (!)

(!) Importante realçar que o estudo é de pequeno porte, mas corrobora evidências prévias. Importante também realçar que o tratamento hormonal em questão não é mais realizado hoje, e não existe preocupação em termos de saúde pública relativa a "Alzheimer ou demência transmissível" durante atividades do dia-a-dia.
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          Entre os fatores ambientais e hábitos de vida, dietas de baixa qualidade nutricional, baixo nível de atividade física e intelectual, baixa interação social, fumo de tabaco, traumas na cabeça e problemas crônicos de saúde como hipertensão, obesidade e diabetes, já demonstraram aumentar o risco de desenvolvimento da doença. Existe também a ideia de que pessoas "mais inteligentes" e/ou com maior nível de estudo estão mais protegidas contra o Alzheimer. A resposta é sim e não para essa alegação popular. Um estudo publicado no Journal of Alzheimer's Disease (Ref.12), analisando 331 adultos ao longo de 20 anos, mostrou que as pessoas mais cultas e com alta formação acadêmica por possuírem uma "reserva cognitiva" maior, acabam demorando mais tempo para apresentar os sintomas da doença. Porém, essa vantagem cognitiva não é um fator de prevenção e não freia o avanço neurodegenerativo.

          Outro fator de risco aparentemente importante é a baixa higiene oral, especialmente quando associada a infecções bacterianas Aliás, um estudo publicado em 2019 no Journal of American Geriatrics Society (Ref.10) mostrou que uma gengivite não tratada que evolui para uma periodontite crônica - quando a infecção bacteriana na gengiva avança para a estrutura óssea que sustenta o dente - parece aumentar em 6% o risco do indivíduo desenvolver demência (5% em específico para o Alzheimer). O estudo analisou mais de 262 mil pessoas com 50 anos de idade ou mais.

            Um estudo publicado em 2020 no periódico Neurology (Ref.16), ao analisar 8275 pessoas com uma média de idade de 63 anos e ao longo de 20 anos, encontrou que aqueles com mais severas inflamações bacterianas na gengiva no início do estudo tinham um risco ~2 vezes maior para a manifestação de leve falha cognitiva ou demência ao final do estudo.

           De fato, já é sabido há um bom tempo que uma baixa higiene oral leva a uma maior quantidade de bactérias no sangue, e consequente maior inflamação no corpo (um fator de risco bem estabelecido para problemas cardíacos, por exemplo). Um estudo publicado em 2019 no periódico Journal of Preventive Cardiology (Ref.13) - um cohort retrospectivo envolvendo mais de 161 mil participantes em um banco de dados do Sistema Nacional Coreano de Seguro de Saúde - encontrou que indivíduos escovando os dentes três ou mais vezes por dia estava associado com um risco 10% menor de fibrilação atrial e 12% menor de falha cardíaca ao longo de um período de 10,5 anos de acompanhamento. Segundo os pesquisadores, a escovação mais frequente dos dentes reduz a carga bacteriana no biofilme subgengival (bactérias vivendo em espaços entre os dentes e a gengiva), e, nesse sentido, ajuda a reduzir a translocação bacteriana para o sangue.

Leitura complementar:

          Por fim, é importante ressaltar que o Alzheimer NÃO é uma parte normal do processo de envelhecimento. O avanço da idade é apenas o mais importante fator de risco.


   TESTE SANGUÍNEO

          Cientistas identificaram biomarcadores proteicos no sangue fortemente associados com demência. O achado - descrito recentemente no periódico Nature Aging (Ref.28) - finalmente abre o caminho para um teste sanguíneo prevendo quem possui um maior risco de desenvolver Alzheimer até 15 anos antes do diagnóstico!

          Foram quatro proteínas (GFAP, NEFL, GDF15 e LTBP2) no sangue fortemente associadas com demência, após análise de >50 mil adultos saudáveis de um grande banco de dados genômicos (UK Biobank) - 1417 dos quais desenvolveram demência em um período de 14 anos. 

          Foram analisadas 1463 proteínas nas amostras dos participantes. As quatro proteínas de interesse exibiam níveis anormalmente altos no sangue das pessoas que desenvolveram demência (>10 anos antes do diagnóstico). Indivíduos com altos níveis de GFAP eram 2,32 vezes mais prováveis de desenvolver demência. 

           Essas proteínas podem servir como biomarcadores em testes sanguíneos para a detecção de Alzheimer e outras formas de demência de forma muito precoce e em um estágio pré-sintomático - algo perseguido há décadas pela comunidade científica.

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   HIGIENE ORAL E ALZHEIMER

          Em relação à baixa higiene oral como importante fator de risco, nos últimos anos os cientistas começaram a levantar a hipótese de que infecções microbianas poderiam estar atuando para o desenvolvimento do Alzheimer. Em particular, um número de estudos começou a reportar evidências da bactéria Porphyromonas gingivalis, responsável por infecções periodontais, presente no cérebro de pessoas falecidas que portavam a doença neurodegenerativa. Estudos observacionais e experimentos com ratos também começaram a revelar uma significativa associação entre a P. gingivalis e o desenvolvimento do Alzheimer. Descobriu-se também que a beta-amiloide - unidade estrutural de formação das placas do Alzheimer - possuía propriedade antimicrobiana. Seria a emergência do Alzheimer uma consequência também da resposta imune a infecções?

          Nesse sentido, uma startup Norte-Americana de biotecnologia, Cortexyme Inc., sediada em San Francisco, Califórnia, resolveu investigar a questão. Trabalhando com laboratórios na Europa, nos EUA, na Nova Zelândia e na Austrália, ano passado eles confirmaram que, de fato, a P. gengivalis podia ser encontrada no cérebro de pessoas mortas com Alzheimer, além de detectarem o DNA da bactéria no fluído espinhal de pacientes vivos.




          Somando ao surpreendente achado, em 96% das 53 amostras de cérebro com Alzheimer investigadas, a Cortexyme apontou a presença de enzimas tóxicas produzidas pela bactéria chamada de gingipaínas (usadas para a quebra de proteínas, fonte de energia metabólica para a P. gingivalis). Cérebros com mais gingipaínas possuíam maiores quantidades de proteínas tau e ubiquitina - intimamente associadas ao Alzheimer. E mesmo em cérebros de idosos falecidos mas aparentemente livres de demência, selecionados como controle, a empresa encontrou frequentemente níveis mais baixos tanto de gingipaínas quanto das duas proteínas que indicam Alzheimer. A identificação de gingipaínas nesses indivíduos assintomáticos foi mais do que importante, porque isso vai contra a ideia de que a baixa higiene bucal de pessoas com demência sintomática seria a causa do surgimento da P. gingivalis, mas, sim, um evento prévio que pode explicar a patologia neurodegenerativa.

          Esses resultados culminaram na publicação em 2019 de um estudo na Science Advances (Ref.1) que ganhou bastante repercussão no meio acadêmico e na mídia, apontando uma íntima e surpreendente associação entre a bactéria P. gingivalis e o Alzheimer.

          No estudo, pesquisadores selecionaram ratos saudáveis e esfregaram suas gengivas com a P. gengivalis todos os dias durante 6 dias até o estabelecimento de uma infecção. Mais tarde, os pesquisadores detectaram a bactéria no cérebro desses animais, junto com neurônios em processo de morte e uma quantidade maior do que o normal de proteínas beta-amiloides. Em seguida, o cérebro desses roedores foi analisado para a presença das enzimas gingipaínas - cuja ação enzimática é dilacerar proteínas -, algo que foi confirmado, junto com proteínas tau danificadas por essas proteases tóxicas. O detrimento das taus pelas gingipaínas - observado tanto in vivo quanto in vitro - podem servir de sementes/catalizadores para a formação de emaranhados.

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> Um estudo mais recente trouxe evidências de que o Alzheimer pode ser algo transmissível em certas situações, a partir da inserção direta de proteínas beta-amiloide e provavelmente tau no tecido cerebral (essas proteínas funcionariam nesse caso como "sementes") (Ref.9). Em ratos geneticamente modificados para serem suscetíveis a patologias ligadas à beta-amiloide, amostras contaminadas com essa proteína levaram esses roedores a desenvolverem extensivas placas de amiloide e CAA (angiopatia amiloide cerebral, na tradução da sigla em inglês). Isso é um alerta para procedimentos de neurocirurgia, onde ferramentas cirúrgicas contaminadas podem transmitir o potencial de afloramento de demência de um paciente para outro. Além disso, isso pode reforçar o papel de proteínas taus danificadas como pontos de inicialização da doença.
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          Os pesquisadores para a próxima fase do estudo resolveram testar quais seriam os efeitos de inibição das gengipaínas via bloqueio da sua neurotoxicidade. Nesse sentido, eles projetaram e sintetizaram pequenas moléculas inibitórias visando as gingipaínas. Essa inibição reduziu a carga bacteriana de infecções cerebrais estabelecidas de P. gingivalis, bloqueou a produção de beta-amiloides, reduziu a neuroinflamação, e recuperou neurônios no hipocampo. Em outras palavras, medicamentos inibitórios da gingipaína possuem o potencial de tratar a colonização da P. gingivalis no cérebro e frear/reverter a neurodegeneração do Alzheimer, algo antes nunca alcançado!

          O estudo deu também suporte para o conceito de que a beta-amiloide é um peptídeo antimicrobiano, e que mutações contribuindo para a perda dessa função pode permitir infecções mais robustas com a P. gingivalis e um maior risco para o Alzheimer. 

           O estudo, porém, deixou em aberto qual ou quais cepas da P. gingivalis seriam as mais patogênicas nesse sentido. É também incerto qual o papel da apoliporpoteína E4 (APOE4) - outro forte fator de risco para o Alzheimer - durante a infecção com a P. gingivalis. Os pesquisadores propuseram que a proteólise desencadeada pelas gingipaínas podem danificar essas proteínas, gerando fragmentos neurotóxicos de APOE4, sendo essa variante proteica mais suscetível a essa ação do que as outras variantes determinadas pelos alelos do gene APOE.

          Outra dúvida também a ser esclarecida é o porquê da infecção da P. gengivalis no cérebro só contribuir para o Alzheimer em idades mais avançadas. A reposta pode estar em fatores imunológicos variáveis ao longo da vida.

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> Em um estudo publicado em 2020 no periódico Journal of Alzheimer's Disease (Ref.14), pesquisadores da Cortexyme, Inc. descreveram com mais detalhes como o P. gingivalis invade os neurônios e engatilha danos neuropatológicos, fortalecendo a conexão entre essa bactéria e o Alzheimer. No estudo, foi demonstrado in vitro pela primeira vez que a P. gingivalis pode invadir e persistir em neurônios humanos maduros expressando gingipaínas ativas, e que esses neurônios infectados exibiam sinais patológicos similares ao Alzheimer, incluindo: 

- disrupção do citoesqueleto, o qual é crítico para a função celular adequada;

- degradação da proteína tau e aumento da fosforilação tau, um sistema regulador chave de mecanismos de transporte axonal;

- acumulação de vacúolos intraneuronais e corpos multivesiculares, sugestivo de disrupção da função lisossomal normal;

- perda sináptica, um dos primeiros eventos patológicos da deflagração do Alzheimer.




> Em um estudo publicado em 2020 na Science Advances (Ref.15), pesquisadores encontraram evidência de que o vírus da herpes HSV-1 também pode ser uma causa da doença de Alzheimer. Em células da pele reprogramadas para neurônios, o HSV-1 fomentou o acúmulo de proteína beta-amiloide de forma similar às placas vistas em cérebros com Alzheimer. Além disso, outras características patológicas associadas à doença foram observadas no experimento in vitro, como aumento de inflamação e redução na sinalização elétrica. O achado corrobora evidências prévias e reforça que a exposição a certos microrganismos patogênicos pode disparar o Alzheimer. No entanto, considerando que infecções com o HSV-1 são muito comuns, permanece o mistério do porquê apenas alguns indivíduos desenvolverem Alzheimer caso o achado no estudo seja confirmado.

A herpes genital é causada tanto pelo vírus simplex (HSV) tipo 1 (HSV-1) quanto pelo tipo 2 (HSV-2). O mais predominante agente etiológico é o HSV-2, o qual geralmente causa os casos mais severos de infecção. O HSV-1 tipicamente reside ao longo do sistema nervoso periférico em um estado latente, e sua reativação pode ser assintomática e, em raros casos, pode resultar em encefalite, indicando a habilidade do vírus de penetrar a barreira sangue-cérebro.

Leitura recomendada

Um estudo de revisão sistemática publicado em 2021 no periódico Oral Diseases (Ref.) trouxe mais evidência reforçando que existe uma suscetibilidade microbiológica para o desenvolvimento de Alzheimer no contexto de disbiose oral, sugerindo um eixo etiológico oral-cérebro. 
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   CONTROVÉRSIAS E EVIDÊNCIAS CONFLITANTES

           Apesar dos tentadores resultados do estudo de 2019, a real natureza associativa entre doença periodontal, microbioma oral, P. gingivalis e doença de Alzheimer continua elusiva e estudos de revisão mais recentes questionam a extrapolação de dados clínicos em experimentos com ratos para humanos (Ref.19). E dados clínicos em humanos continuam inconsistentes. Além disso, o microbioma intestinal e também o vírus da herpes têm sido implicados com a patogênese do Alzheimer e múltiplos genes têm sido associados com a doença. Seria o P. gingivalis apenas um fator de gatilho ou não teria nenhuma relação causal com o Alzheimer?

Leitura recomendada:

          Aliás, em 2021, um estudo clínico de fase 2/3 da Cortexyme falhou em trazer resultados positivos com um inibidor [atuzaginstat] de uma enzima secretada pela P. gingivalis visando reduzir a taxa de declínio cognitivo em pacientes com Alzheimer (Ref.20). Isso sugere que esse patógeno periodontal pode não ser crucial para o desenvolvimento da doença.

          Um estudo de 2022 propôs que em uma subpopulação de indivíduos suscetíveis ao Alzheimer a P. gingivalis pode estar também atuando para o desenvolvimento da doença ao causar desequilíbrio na distribuição de ferro no cérebro (Ref.21). Essas bactérias estariam agindo como escavadores de ferro e grupo heme do sangue e concentrando-os em vesículas da membrana externa das células cerebrais. Essa interferência na homeostase do ferro no cérebro ligaria a "hipótese da infecção" à assim chamada "hipótese do enferrujamento" para explicar o desenvolvimento de Alzheimer e outros problemas neurodegenerativos.  

            Uma revisão sistemática e meta-análise mais recente publicada no periódico Journal of Alzheimer's Diseases (Ref.22) concluiu que existe apenas moderado nível de evidência para uma associação geral entre bactérias orais e Alzheimer e para bactérias orais representarem um fator de risco para o desenvolvimento da doença. O estudo realçou inconsistências entre os estudos clínicos em humanos e reforçou que mais evidência é necessária para esclarecer a inter-relação entre bactérias orais e desenvolvimento de Alzheimer.

          Existe também evidência em experimentos recentes com ratos que a P. gingivalis não infecta diretamente o cérebro a partir da boca; mecanismos patogênicos potencialmente associados ao Alzheimer seriam mediados por vesículas membranosas contendo produtos bacterianos oriundos da cavidade oral afetada por periodontite (Ref.23). E outras bactérias [espécies] também têm sido implicadas na associação entre infecção periodontal e Alzheimer (Ref.23-25).
           

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   CONCLUSÃO

          A bactéria Porphyromonas gingivalis é uma das principais causas de infecções na gengiva (periodontite), e possuem a capacidade de se moverem para o cérebro a partir da circulação sanguínea. Cerca de 50% da população possui essa bactéria e cerca de 10% desses indivíduos irão desenvolver sérias doenças na gengiva, perda de dentes e, aparentemente, um aumento no risco de desenvolver Alzheimer. Além do Alzheimer, essa bactéria está associada com o reumatismo, doença pulmonar obstrutiva crônica e câncer de esôfago.

           Nem todas as pessoas com doenças periodontais - grande parte da população - irão desenvolver Alzheimer caso a "hipótese da infecção" esteja correta. Mas indivíduos geneticamente suscetíveis à doença, especialmente se acumulam outros fatores de risco, como problemas cardiovasculares e obesidade, podem talvez diminuir os riscos de desenvolver Alzheimer se mantiverem uma boa higiene oral. Portanto, escovação dental, fio dental e visitas regulares ao dentista podem garantir uma aposentadoria e velhice mais saudáveis e independentes. 

          Nos idosos, particularmente em pacientes com problemas cognitivos, terapia periodontal é de grande importância para melhorar a qualidade de vida e ajudar a prevenir doenças sistêmicas diversas. Porém, cuidados com a higiene bucal podem não ser suficientes para prevenir o desenvolvimento específico de Alzheimer.

> Outro potencial alerta: animais diversos, como cães, geralmente carregam na cavidade oral outras espécies de bactéria do gênero Porphromonas, como a P. gulae, as quais também produzem gingipaínas. Mordidas desses animais potencialmente podem levar essas bactérias para o tecido cerebral e desencadearem processos de desenvolvimento do Alzheimer, especialmente em idosos. Estudos ainda precisam explorar essa hipótese.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
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  7. http://advances.sciencemag.org/content/5/1/eaau3333
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  9. https://www.nature.com/articles/d41586-018-07735-w
  10. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/jgs.15828
  11. https://jamanetwork.com/journals/jamaneurology/article-abstract/2734865
  12. https://content.iospress.com/articles/journal-of-alzheimers-disease/jad180785
  13. https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/2047487319886018
  14. https://content.iospress.com/articles/journal-of-alzheimers-disease/jad200393
  15. https://advances.sciencemag.org/content/6/19/eaay8828
  16. https://n.neurology.org/content/early/2020/07/29/WNL.0000000000010312
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  21. Dashper et al. (2022). Porphyromonas gingivalis and the pathogenesis of Alzheimer’s disease. Critical Reviews in Microbiology. https://doi.org/10.1080/1040841X.2022.2163613
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