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O que são os flutuadores oculares?


- Atualizado no dia 28 de março de 2023 -

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          Grande parte da população já deve ter experienciado e, provavelmente, se preocupado com um estranho fenômeno ocular: Eye Floaters (Flutuadores Oculares, na tradução literal). Cientificamente chamado de 'Miodesopsia' e aqui no Brasil popularmente conhecido como 'moscas volantes', nenhum dos dois nomes, à primeira vista, parecem elucidar sobre o que esse fenômeno se trata. Pouco se comenta, mas é algo tão comum que os oftalmologistas ficam até cansados de receber pacientes reclamando desse incômodo visual.

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    FLUTUADORES OCULARES

            Na claridade, as "moscas volantes" ficam mais visíveis, e visitas aos departamentos de emergência oftalmológicos por causa dos flutuadores oculares parecem aumentar nos dias mais claros (ex.: dias de céu limpo) (Ref.6). Assumindo diversas formas, desde círculos até fios, aquelas manchas pretas, cinzas e/ou  translúcidas que aparecem do nada e desaparecem do nada das vistas, e que seguem o movimento dos olhos, não são falhas da visão ou ilusões de ótica, e, sim, reais formas se intrometendo na passagem de luz dentro do seu globo ocular. Neste exato momento, enquanto estou escrevendo, dois deles apareceram na tela branca do editor de texto quando eu movimentei a cabeça para baixo e levantei ela subitamente. Essas formas já foram interpretadas de diferentes maneiras, assumindo, inclusive, significados espirituais e divinos ao longo da história. 


Você está familiarizado com essas formas no seu campo de visão? No passado (e ainda hoje) elas eram interpretadas como sinais de espíritos e mensagens divinas


            Para entender o que são essas manchas estranhas que surgem na nossa visão é importante tirar a ideia de que a luz atravessa a pupila e atinge direto a retina. Entre estas duas partes existe um líquido viscoso, com a consistência de uma gelatina, chamado Humor Vítreo. A luz precisa atravessar esse líquido para chegar às células foto-sensitivas da retina, onde irá induzir reações orgânicas e, consequentemente, gerar um sinal elétrico que será transportado pelo nervo óptico e ser interpretado pelo cérebro na forma de imagens. Ou seja, para não haver comprometimento na formação de imagens, esse líquido precisa estar límpido e homogêneo.



            Acontece que o Humor Vítreo não é renovado pelo corpo. Virtualmente, esse líquido é o mesmo em qualquer momento da sua vida. Portanto se algo cai nele, ficará ali flutuando até sedimentar ou se dispersar completamente. Bem, esse algo dentro do olho pode ser pequenas gotículas de sangue, células, detritos dos tecidos ao redor, entre outros. Mas o intruso mais comum são mudanças na estrutura desse líquido, o qual é formado por 99% de água e 1% de sólidos. Os sólidos consistem em uma rede de colágenos (fibras tipo II e IX)  entrelaçados com o ácido hialurônico, os quais cumprem o papel de deixarem a água em formato de gel. Caso ocorra uma perturbação nessa rede, por motivos diversos, parte desses sólidos podem sair da organização e se condensarem em uma estrutura sólida. Esse sólido passa a ser um flutuador e irá se intrometer na passagem da luz.

          No geral, a causa mais comum para as pertubações vítreas que levam aos flutuadores oculares é o descolamento posterior vítreo (PVD, na sigla em inglês), o qual tipicamente afeta pacientes com mais de 50 anos de idade e aumenta em prevalência a partir dos 80 anos. O PVD frequentemente não é motivo de preocupação com a saúde ocular, mas se os flutuadores surgiram de forma súbita, é aconselhável procurar o oftalmologista para uma investigação preventiva. Ao longo do tempo, o humor vítreo encolhe e as fibras de colágeno ali presentes - e anexadas à retina - são separadas da superfície retinal. Frequentemente essas fibras se quebram e permitem ao vítreo se separar e continuar encolhendo. Eventualmente, o vítreo não consegue mais encher o volume da cavidade onde está ocupando. Isso leva à separação do vítreo da retina, criando os flutuadores oculares em sua câmara. Se o processo acontece gradualmente, os sintomas são tipicamente suaves e passam despercebidos.

         Quando os flutuadores passam na frente da luz vinda da pupila, uma sombra é lançada em cima da retina, causando a Miodesopsia. A sombra pode ser maior ou menor dependendo do que está flutuando no líquido. Caso os flutuadores sejam suficientemente opacos, você verá figuras pretas na sua frente. Caso sejam menos opacos, as figuras ficam mais translúcidas. As diferenças de índice de refração dentro do Humor Vítreo também definem a consistência das figuras (em pontos onde houve desarranjo na estrutura gelatinosa). E o seu cérebro só percebe as manchas formadas porque, junto com o líquido no interior dos olhos, os flutuadores também ficam se mexendo quando movimentamos a cabeça ou o globo ocular. Normalmente, o cérebro ignora estruturas fixas dentro do globo ocular - como as veias - que ficam interferindo com a passagem da luz (faz uma espécie de filtragem de imagens). Caso contrário, ficaríamos vendo um monte de veias da retina a todo momento. 


Nestas duas imagens, as quais simulam uma vista para o céu claro podemos ver vários tipos de sombras que os flutuadores podem jogar sobre a retina; na primeira imagem, eles são mais opacos, formando manchas mais escuras; na segunda imagem eles são mais translúcidos


            Esses 'flutuadores' podem sair sozinhos, a partir de sedimentação, por exemplo, ou podem ficar por bastante tempo dependendo da sua natureza. Muitos se apavoram quando eles aparecem, pensando que são sintomas de algum problema nas vistas ou começo de algum tipo de catarata. Já outros estão tão acostumados com eles que passam a nem percebê-los mais. Segundo os especialistas, esse fenômeno é algo comum e benigno, geralmente não acarretando em problema algum. Porém, em alguns casos, os 'flutuadores' podem ser grandes demais ou produzidos em grande quantidade, o que pode necessitar de uma intervenção médica caso exista comprometimento da visão e bem-estar do indivíduo. Pessoas idosas costumam experienciar mais esse fenômeno, já que o tecido nos olhos se torna mais instável com o tempo e o próprio líquido pode sofrer transformações com maior facilidade, prejudicando sua homogeneidade. Se você quiser retirar um do seu campo de visão de imediato, muitas vezes uma mexida rápido com os olhos de um lado para o outro, ou para cima e para baixo, faz o líquido e flutuadores se movimentarem, tirando-os do caminho.

          Outra interessante manifestação dos flutuadores oculares pode emergir como efeito colateral de disfunções na retina causadas pelo fármaco digoxina, este o qual é extraído da planta Digitalis lanata e usado para o tratamento de condições cardíacas. Quase 80% dos pacientes recebendo digoxina desenvolvem deficiências na coloração visual - geralmente resolvidas após a interrupção de uso do medicamento -, mesmo a níveis terapêuticos, mas poucos pacientes procuram reportar esses distúrbios visuais. Nesse sentido, um dos sintomas que podem surgir é a visualização de flutuadores oculares coloridos. Até o momento, apenas dois casos foram descritos na literatura médica de flutuadores coloridos: um em 1944 e um em 2018 (nesse último caso, de um paciente de 89 anos que consumia 0,25 mg diários de digoxina), ambos no periódico American Journal of Ophthalmology (Ref.14). No entanto, os especialistas afirmam que esse tipo de fenômeno pode ser bem mais comum, devido aos casos não reportados e, em teoria, como efeito colateral também de medicamentos cardíacos glicosídicos, os quais possuem atividade farmacológica similar à digoxina.

           Uma hipótese mais recente, publicada em 2020 no periódico Medical Hypothesis (Ref.15), sugeriu que a exposição à luz azul - típica de equipamentos eletrônicos modernos - pode ser um fator de risco para o aparecimento de flutuadores oculares. Luz azul (comprimento de onda de 400-500 nanômetros) é emitida em grande quantidade nas telas de dispositivos eletrônicos como smartphones, notebooks e televisões modernas (LCD). No estudo, os pesquisadores citaram um outro estudo observacional mostrando que entre 603 usuários frequentes de smartphones, 76% reportaram a presença de flutuadores oculares, com 33% deles reportando significativo incômodo com as “sombras” oculares resultantes. Vários estudos prévios têm mostrado também que a luz azul pode causar danos na retina. Nesse sentido, eles propuseram que reações fotoquímicas podem acelerar a degeneração vítrea, resultando em crescente opacidade vítrea e aumento dos flutuadores. A hipótese reforça os alertas recomendando maior moderação na exposição à luz azul dos dispositivos eletrônicos (!). 

(!) Leitura recomendadaAfinal, lentes de óculos com filtro para a luz azul ajudam a melhorar o sono?

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   TRATAMENTOS

          Para quem se sente muito incomodado com os flutuadores (!), ou possui muitos deles, existem alguns tratamentos cirúrgicos para amenizar a situação, apesar de todos estarem associados com potenciais riscos. Um deles é através de um laser de YAG (Granada de Ítrio e Alumínio) - o qual não é nem mesmo aprovado pelo FDA (Administração de Drogas e Alimentos dos EUA) - e visa vaporizar os flutuadores, eliminando-os como obstáculos visuais. Existem ainda poucos estudos clínicos sobre essa técnica, mas os trabalhos existentes sugerem ótimos resultados e relativa segurança, apesar de evidências mais robustas serem necessárias para firmes recomendações (Ref.18). Outro método - e melhor explorado na literatura acadêmica - é a troca completa do Humor Vítreo por uma solução salina, chamado de vitrectomia (Ref.19). Entre os riscos da vitrectomia, podemos citar uma acelerada maturação de uma catarata, um pequeno risco de infecção (1 em cada 1000), e um real risco de desacoplamento retinal (o qual pode chegar a 10,9%). Apesar disso, quando realizada com sucesso, a vitrectomia é a técnica cirúrgica com o mais alto grau de grande satisfação dos pacientes (92-95%).

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(!) Evidências acumuladas, mas ainda limitadas, sugerem suscetibilidade de pacientes com flutuadores oculares para reduzida qualidade de vida e problemas de saúde mental, incluindo sintomas de ansiedade, depressão e estresse (Ref.23).
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          Ambas as intervenções são apenas em casos sérios de Miodesopsia. Portanto, não se submeta a nenhum procedimento cirúrgico do tipo sem orientação de um profissional qualificado caso a condição seja apenas um incômodo mínimo na sua visão. Por isso os médicos oftalmologistas geralmente pedem que o paciente incomodado com os flutuadores espere por um período de meses antes de optarem pela via cirúrgica, porque muitas vezes a pessoa acaba se acostumando com a condição (adaptação tardia). Além disso, a maior parte desses flutuadores saem com o tempo e nem são muito notados quando não existe um excesso de luminosidade (olhar para o céu claro ou uma superfície iluminada muito branca, por exemplo). E é bom reforçar que não existem tratamentos a não ser cirúrgicos. Alimentação, medicamentos, colírios, não importa. Nada disso traz resultados.

          É importante reforçar também que é preciso consultar com urgência um oftalmologista caso o fenômeno tenha surgido subitamente e em grande extensão - múltiplos flutuadores -, especialmente se vier acompanhado de clarões. Isso pode significar algum outro tipo de problema mais grave, como complicações associadas ao PVD agudo (separação violenta entre o vítreo e a retina) e ocorrência de retinopatia de Valsalva (associada com hemorragias traumáticas). Uma significativa proporção de pacientes com PVD agudo desenvolve um rompimento retinal que pode levar ao desacoplamento retinal e perda permanente de visão se não tratado. Doenças inflamatórias na estrutura ocular, ruptura venosa no disco óptico e recentes cirurgias nos olhos também podem ser a causa de súbitos flutuadores. 

        No caso de infecções, flutuadores oculares pretos podem também emergir como consequência de um quadro de coriorretinite (Ref.28-29), uma inflamação da retina e da coroide causada por infecções tipicamente virais, bacterianas ou envolvendo a toxoplasmose, ou mesmo presença de cisticercos no olho (!). Infecção intraocular por fungos é também outra causa reportada de flutuadores (Ref.30). Nesses casos, tratamentos visando combater o agente infeccioso podem resolver o problema.

(!) Para mais informações:
 
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   FLUTUADORES CÍSTICOS

           Cistos do epitélio de pigmento da íris (membrana pigmentada do olho, no centro da qual se encontra o furo da pupila e a qual se situa na parte anterior do olho, por trás da córnea e à frente do cristalino) podem também ser um fonte de grandes e anômalos flutuadores oculares. Esses cistos podem se formar na superfície anterior ou posterior da íris e se desprender espontaneamente e passar a flutuar livremente no humor vítreo, orientados pela força gravitacional e movimentos do olho e da cabeça, assim como outros flutuadores. 

          Um cisto da íris no humor vítreo tende a ser redondo e transparente, ou levemente pigmentado. O diagnóstico pode ser feito com oftalmoscopia. Para exemplificar, podemos citar um relato de caso recentemente publicado no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.23). 

          No caso, um indivíduo saudável de 18 anos e do sexo masculino apresentou-se em uma clínica de oftalmologia com o histórico de 1 dia vendo uma "bola flutuante" no seu olho esquerdo quando ele piscava. O paciente não tinha histórico de infecção, trauma ou viagem recente. No exame clínico, ambos os olhos tinham uma acuidade de 20/20, íris e pupila normais (foto A), e pressão intraocular normal. Porém, no exame com lâmpada de fenda do olho esquerdo, uma massa esférica e marrom-pigmentada foi observada flutuando livremente no humor vítreo quando o paciente piscava, como pode ser visto nas fotos B, C e D



          Um exame via ultrassom (B-scan) mostrou uma massa cística com finas paredes hiperecoicas. Testes laboratoriais de rotina do cérebro, peito e abdômen não mostraram nenhuma anormalidade, exame de fezes não revelou ovos e parasitas, e testes para anticorpos contra toxoplasmose foram negativos. Um diagnóstico de cisto do epitélio de pigmento da íris foi feito. Devido ao fato do paciente não possuir déficit visual, seu cisto foi monitorado. Durante acompanhamento até 5 meses depois, o cisto permaneceu estável.

          Cistos da íris geralmente são assintomáticos - e raramente necessitam de tratamento -, mas podem em alguns casos causar visão embaçada, obstruir o campo visual, ou mesmo provocar glaucoma secundário. Dilatação pupilar pode resolver problemas de obstrução visual sem necessitar de cirurgia; caso contrário, aspiração com fina agulha para desinflar o cisto ou uso de laser para desintegrá-lo podem ser considerados (Ref.24).

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ATENÇÃO: Este artigo apenas fornece informações gerais sobre medicina. Busque sempre avaliação de um profissional qualificado e habilitado na área de medicina para tomar decisões relativas à sua saúde.
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Artigo relacionado: Cirurgia para a mudança na cor dos olhos vale a pena?


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://jama.jamanetwork.com/article.aspx?articleid=184951
  2. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S016164208334392X
  3. http://www.bbc.com/future/story/20160113-why-do-you-get-eye-floaters
  4. http://www.nature.com/eye/journal/v16/n1/abs/6700026a.html
  5. http://bjo.bmj.com/content/77/8/485.shorthttp://bjo.bmj.com/content/77/8/485.short
  6. http://qhr.sagepub.com/content/22/11/1547.short
  7. http://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/eye-floaters/basics/definition/con-20033061
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  11. https://www.betterhealth.vic.gov.au/health/conditionsandtreatments/eye-floaters
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  13. https://www.ecronicon.com/ecop/pdf/ECOP-10-00409.pdf
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  15. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0306987720303856
  16. https://link.springer.com/article/10.1186/s40942-019-0205-8
  17. https://journals.healio.com/doi/abs/10.3928/23258160-20200129-04
  18. https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/1120672120968762
  19. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S003962572030031X
  20. https://www.nature.com/articles/s41433-020-0825-0
  21. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK470420/
  22. https://www.healio.com/ophthalmology/journals/osli/2018-6-49-6/%7B7449e6da-e4da-421d-a115-b48e20518bb3%7D/management-of-floaters
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  30. https://www.aaojournal.org/article/S0161-6420(23)00124-0/fulltext