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Qual a importância das fibras para a microbiota intestinal?


- Atualizado no dia 28 de março de 2024 -

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           A Ciência é clara: fibras alimentares são essenciais para uma boa saúde intestinal. E isso não deveria ser novidade para ninguém. Por não serem absorvidas e nem digeridas, esses nutrientes fortificam a musculatura intestinal por forçarem uma digestão impossível, e ainda servem de alimento para a microrganismos benéficos que habitam essa região. Mas os benefícios não ficam limitados ao intestino. As fibras desaceleram a absorção e digestão dos carboidratos (ajudando a regular os picos de insulina - algo que alivia a sobrecarga no pâncreas), melhoram o nosso sistema imunológico, possuem papel importante no nosso metabolismo em geral e estão associadas à prevenção de doenças diversas, desde doenças cardiovasculares até cânceres. Aliás, um maior consumo de fibras está ligado a uma maior longevidade.

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    FIBRAS ALIMENTARES

          Na Antiga Grécia, dois famosos médicos, Hipócrates e Galeno, foram os primeiros no registro histórico a reportar que o consumo de alguns alimentos, como trigo e pães integrais, trazia efeitos benéficos ao intestino humano. Cerca de 2 mil anos depois, o famoso médico John Harvey Kellogg (1852-1943) reportou propriedades laxativas e benéficas à saúde dos grãos integrais. Em 1953, o termo "fibra alimentar" foi introduzido, referindo aos constituintes não-digestíveis da parede celular de plantas. Subsequentemente, essa definição se expandiu e foi modificada várias vezes para incluir um espectro mais amplo de carboidratos.

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> Todos os carboidratos que não são hidrolisados pelas enzimas intestinais humanas atuam como fibras alimentares. Mas nem toda fibra alimentar é um carboidrato. A lignina, por exemplo, é considerada uma fibra alimentar mas não é um carboidrato.
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        Como regra geral, as fibras são carboidratos não digeríveis pelo nosso sistema digestivo [ação de enzimas e sucos digestivos humanos] e são divididas em dois grupos principais: fibras alimentares e fibras funcionais. As primeiras englobam todos os tipos de fibras derivadas das plantas, incluindo aquelas que não trazem benefícios para o nosso corpo. Já as fibras funcionais são aquelas que trazem efeitos fisiológicos benéficos para os humanos. Podem ser encontradas em alimentos diversos, particularmente frutas, verduras, legumes, tubérculos, sementes e cereais.

        A maior parte das fibras nos vegetais e frutas são insolúveis, exceto nas frutas cítricas. Ambos os tipos, solúveis e insolúveis, podem trazer benefícios para o microbioma intestinal, movimentação intestinal, composição/consistência das fezes e melhora no perfil lipídico do sangue. As fibras solúveis são digeridas pelas bactérias intestinais, produzindo metabólitos e recursos energéticos importantes para o sistema imune, células intestinais e funções diversas no corpo, além de exercer efeitos pré-bióticos que promovem o crescimento de microrganismos benéficos. As fibras insolúveis são especialmente importantes para melhorar o trânsito intestinal e formação das fezes (1).

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> Fibras viscosas e não-viscosas: Algumas fibras [solúveis] formam soluções viscosas (géis) em água. Essa propriedade está ligada à habilidade de algumas fibras em frear o esvaziamento do estômago, atrasar a absorção de alguns nutrientes no intestino delgado (ex.: carboidratos de alto índice glicêmico) e diminuir os níveis circulantes de colesterol e de triglicerídeos (ao reduzir a absorção intestinal de certas gorduras e colesterol no bolo alimentar). Fibras viscosas incluem pectinas, beta-glucanas, algumas gomas e mucilages. Celulose, lignina e algumas hemiceluloses são fibras não-viscosas, e estas são tipicamente fibras insolúveis.

Exemplos de fibras alimentares, essas as quais frequentemente são moléculas poliméricas [compostos constituídos por múltiplas unidades monoméricas iguais ligadas covalentemente entre si]. Carboidratos são tipicamente classificados como fibras alimentares quando possuem 3 ou mais unidades monoméricas e são resistentes à ação de enzimas digestivas humanas. Ref.24-25

> Fibras fermentáveis e não-fermentáveis: Algumas fibras são prontamente fermentadas pelas bactérias que normalmente colonizam o cólon. Em adição ao aumento da quantidade de bactérias no cólon, essa fermentação resulta na formação de ácidos graxos de cadeia curta (acetatos, propianatos e butiratos) e gases como hidrogênio (H2) e metano (CH4) (2). Ácidos graxos de cadeia curta são lipídios que podem ser absorvidos e metabolizados para produzir energia, sendo o butirato a fonte energética preferida dos colonócitos (células epiteliais que revestem o cólon). Pectinas, beta-glucanas, inulina, algumas gomas e oligofrutose são prontamente fermentadas, enquanto celulose e lignina são resistentes à fermentação no cólon. Alimentos ricos em fibras fermentáveis incluem a aveia e a cevada, assim como frutas e verduras.

> Ácidos graxos de cadeia curta são produzidos no cólon, onde a maior densidade de bactérias intestinais comensais é encontrada. Esses ácidos graxos são liberados como subprodutos seguindo fermentação de carboidratos complexos e/ou fibras alimentares. Um típico intestino humano é dominado (~90%) pelo filo Bacteroidota e Bacillota (3). Espécies do filo Bacteroidota (particularmente dos gêneros Bacteroides, Prevotella, Parabacteroides e Alistipe) são degradadores primários de fibras alimentares. Os ácidos graxos de cadeia curta produzidos pelo microbioma possuem importantes papéis na imunidade e no intestino, contribuindo para a integridade epitelial, imunometabolismo e redução de risco para o desenvolvimento de alergias alimentares, asma, doenças inflamatórias e cânceres em superfícies mucosas. No caso de cânceres, existem dois mecanismos preventivos: efeitos sobre células epiteliais (que inibe a transformação em células cancerígenas) e efeitos sobre células imunes (que aumentam respostas anticancerígenas). Ácidos graxos de cadeia curta produzidos pela microbiota intestinal também tem sido associados com redução de inflamação no cérebro. Ref.19-20

Leitura complementar:
> Fibras insolúveis são representadas por celulose, hemicelulose, lignina, quitina e farelo de pão, e estão presentes principalmente em frutas (particularmente na casca), nas paredes celulares de verduras e raízes, e em grão integrais. Constituem grande parte das fibras alimentares ingeridas. As fibras no farelo de arroz, aveia e okara, por exemplo, são constituídas por 90%, 73% e 90% de fibras insolúveis, respectivamente. Essa fibras não são solúveis em meio aquoso e são amplamente ou pobremente incapazes de serem fermentadas, e, portanto, aumentam o bolo fecal, estimulam o trânsito intestinal, facilitam a eliminação de substâncias nocivas e aprisionam possíveis patógenos. Fibras insolúveis também podem adsorver glicose e enzimas, inibindo absorção de excesso de glicose pelo intestino; isso, por sua vez, pode ajudar a prevenir ou tratar quadros de diabetes tipo 2. 

> Fibras solúveis são tipicamente fermentáveis e englobam um amplo espectro de compostos, incluindo beta-glucano,  frutooligossacarídeos (FOS), galactooligossacarídeos (GOS), inulina, amido resistente e dextrinas, e podem ser encontrados em várias plantas e derivados (ex.: banana, sementes, aveia, grãos integrais) e laticínios. Amido resistente pode ser solúvel ou insolúvel dependendo de vários fatores, incluindo composição individual do microbioma intestinal.

> Fibras funcionais incluem amido resistente, pectina, gomas, polidextrose, inulina e dextrina não-digestível ou componentes animais (ex.: quitina e quitosana) que podem estar presentes ou adicionados em alimentos, ou fornecidos como suplementos para conferir benefícios à saúde. 

> Fibras de baixo peso molecular são carboidratos tipicamente com 3-9 unidades monoméricas que são resistentes à ação de enzimas digestivas humanas, e são representadas por oligossacarídeos e pela inulina - apesar dessa última possuir até 60 unidades monoméricas. Fibras de alto peso molecular (≥10 unidades monoméricas) incluem os polissacarídeos, estes os quais podem ter até 15 mil unidades monoméricas. Porém, a classificação de carboidratos de baixo peso molecular como fibras alimentares tem causado grande controvérsia na comunidade científica, pelo fato da rápida fermentação dessas moléculas no cólon proximal potencialmente causar efeitos deletérios em indivíduos com desordens funcionais intestinais, ou seja, impedindo a recomendação universal de fibras alimentares. Ref.26
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        Propriedades das fibras como a viscosidade e a fermentabilidade são mostradas serem importantes características em termos de benefícios fisiológicos. Fibras viscosas são aquelas com propriedades de 'formação de gel' no trato intestinal, e fibras fermentáveis são aquelas que podem ser metabolizadas por bactérias da microbiota intestinal. Em geral, fibras solúveis são melhor fermentadas e possuem uma maior viscosidade do que as fibras insolúveis. No entanto, nem todas as fibras solúveis são viscosas e algumas fibras insolúveis são também suscetíveis à fermentação.

        No geral, as fibras alimentares - as quais também estão presentes em grandes quantidades em grãos variados e cereais - estão associadas com uma redução nos níveis de colesterol sanguíneo e podem diminuir o risco de doenças cardíacas; melhoram as funções intestinais; modulam os níveis glicêmicos; e podem ajudar a fornecer uma maior sensação de saciedade (ex.: interferência no esvaziamento gástrico). Um maior consumo de fibra alimentar está associado a um risco reduzido para vários tipos de cânceres, incluindo esofágico, gástrico, colorretal, adenoma colorretal, mama, endometrial, ovariano, renal, prostático e pancreático (Ref.23). Aliás, um consumo adequado de fibras alimentares é um fator bem estabelecido de prevenção ao câncer colorretal (5). E existe comprovação clínica de que o amido resistente é capaz de reduzir significativamente o risco de vários cânceres em indivíduos com a Síndrome de Lynch (6).

Leitura complementar:

           Muitos dos benefícios estão associados à interação entre fibras e microbioma no intestino, sendo nutrientes importantes utilizados por esses microrganismos como alimento. Os produtos de fermentação dessas fibras pelas diferentes bactérias rendem subprodutos muito benéficos para o nosso corpo, como uma ampla variedade de ácidos graxos de cadeia curta, como o butirato. Além disso, manter as bactérias benéficas bem alimentadas e em um bom nível populacional ajuda a proteger o corpo contra a invasão ou atuação de patógenos diversos que invadem o intestino.

         Recomenda-se a ingestão de:  

- 25 g/dia de fibras para adultos do sexo feminino;

- 38g/dia de fibras para adultos do sexo masculino;

- e, para crianças com 2 anos ou mais de idade, não existe um consenso científico sobre quantidades recomendadas de fibras alimentares. Segundo a Academia Americana de Pediatria, um consumo diário para crianças pode seguir duas fórmulas: "idade + 5 gramas (g) de fibra" ou "0,5 g de fibra para cada quilo (kg) até um máximo de 35 g/dia". Ref.22

          O mínimo de ingestão diária recomendada para adultos é de 25-29 g, com uma razão de 3:1 de fibras insolúveis/solúveis sendo sugerida como ideal (Ref.22). Por causa da baixa aceitação de vegetais, cereais e grãos por grande parte da população, e maior preferência por alimentos processados e ultraprocessados, a quantidade ingerida de fibras a nível populacional acaba sendo bem inferior àquela recomendada em vários países. Nos EUA, o consumo médio é em torno de 15 g/dia para ambos os sexos. Dietas "na moda" que envolvem corte extremo no consumo de carboidratos (low-carb diets) e de glúten (!) também tendem a limitar bastante o consumo de fibras, e precisam ser seguidas sob a orientação e acompanhamento de um nutricionista. Aliás, um aumento significativo nas taxas de cânceres em pessoas mais jovens (<50 anos de idade) nos últimos anos tem sido associado em parte com a redução no consumo de fibras alimentares pela população (Ref.27).

Manter uma dieta equilibrada, com bastante frutas, verduras e grão/cereais integrais, tipicamente garante o recomendado diário de fibras

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> Por outro lado, um excesso de fibras também pode trazer problemas nas funções intestinais, em especial produção excessiva de gases. Isso reforça que tudo em excesso é prejudicial.

(!) Importante lembrar que o consumo de glúten só é prejudicial [comprovação científica] para indivíduos com doença celíaca. Entenda: Cortar o glúten da dieta traz benefícios?
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   ALIMENTE SEUS COMPANHEIROS

          A dieta fortemente afeta a composição da nossa microbiota intestinal. Nas últimas décadas, cientistas têm dado ênfase cada vez maior no consumo das fibras, porque a saúde das nossas bactérias benéficas claramente depende em grande extensão desses macronutrientes. Em estudos com ratos já foi mostrado que as bactérias benéficas no intestino se alimentam principalmente de fibras, muito mais do que as competidoras maléficas e outros microrganismos nessa região (ex.: fungos). E evidências acumuladas mostram que a baixa ingestão de fibras alimentares diminui de forma deletéria a diversidade e quantidade de bactérias benéficas no intestino humano, assim como em outros primatas.

          A fermentação de fibras não é apenas uma fonte de substâncias saudáveis para  nós, mas é vital para a nossa parceria simbiótica com as bactérias intestinais. Ou seja, incluir quantidades recomendadas e diversificadas de fibras na dieta auxilia na manutenção de bons aliados microbióticos. Somando-se a isso, a digestão das fibras por essas bactérias liberam vitaminas e minerais cruciais para a nossa saúde, presas em estruturas à prova das nossas enzimas digestivas.

          Para se ter uma ideia do quão importante essas bactérias são para a nossa saúde, em 2015 pesquisadores da University of British Columbia e da  Children's Hospital, em Vancouver, analisaram 314 crianças e descobriram que a ausência de quatro grupos de bactérias (FaecalibacteriumLachnospiraVeillonella e Rothia) até a idade de três meses eleva o risco de  desenvolvimento de asma a partir dos 3 anos de idade (Ref.10). E a presença desses microrganismos parece ser crucial nos primeiros meses de vida: se essas bactérias aparecem tardiamente no bebê (mesmo até 1 ano de idade), a proteção extra deixa de existir. 

   CAMADA DE MUCO

            Para quem não costuma ingerir suficiente quantidade de fibras alimentares, outro grande problema pode emergir: certas bactérias, famintas por carboidratos (antes fornecidos pelas fibras), começam a comer o próprio muco do cólon que serve de proteção contra infecções neste órgão e é responsável, basicamente, por impor uma barreira física entre o hospedeiro e as trilhões de bactérias ali colonizando.
Cuide bem da sua microbiota, ou ela pode se rebelar

          O muco do cólon é uma barreira física que consiste de duas camadas: uma interna e outra externa. Em um cólon saudável a camada interna é virtualmente estéril, bem definida e anexada ao epitélio. Em contraste, bactérias colonizam em alta densidade a camada externa e degradam os glicanos do muco como fonte de energia. Nesse sentido, a camada externa é apenas fracamente anexada, menos definida e formada por muco, bactérias e conteúdo intestinal. No geral, o muco do cólon é mantido por uma extensiva rede de mucina-2 glicosilada (Muc2), a qual se expande após a secreção das células goblets e renova a camada interna do muco a cada 1-2 horas, e, portanto, previne os microrganismos de alcançar o epitélio intestinal e ultrapassá-lo (translocação). De fato, defeitos estruturais ou completa ausência da camada de muco pode causar graves colites em ratos. Em humanos, similar penetração bacteriana através do muco já foi observada em pacientes com colite ulcerativa ativa e doença inflamatória intestinal, e uma correlação entre penetrabilidade do muco e disglicemia já foi também observada.

          Nesse contexto, muitas bactérias no intestino podem degradar e metabolizar carboidratos glicanos específicos no muco do cólon na falta de carboidratos das fibras alimentares. Estudos com ratos mostram que a camada desse muco protetor é drasticamente reduzida em um regime contendo baixa quantidade de fibras, fazendo com que os roedores fiquem muito propensos a adquiri infecções intestinais. Em ratos sob dieta livre de fibras, infecções com a bactéria Citrobacter rodentium promovem colites letais. Em humanos, a típica dieta Ocidental - cheia de fast-foods, ultraprocessados e com baixa quantidade de fibras - é um fator de risco já comprovado para infecções pelo patógeno Clostridium difficile. E não adianta comer muita fibra num dia, e, no outro, só comer "calorias vazias" (alimentos pobres em nutrientes e ricos em calorias). Em ratos que ficam dias intercalados comendo fibras, a diminuição da camada de muco chega a ser 50% maior do que naqueles que ingerem boa quantidade de fibras diariamente.

         Em um estudo publicado em 2018 na Cell (Ref.13), os pesquisadores mais uma vez demonstraram que, a partir de uma dieta tipicamente Ocidental, a baixa ingestão de fibras alimentares promove alterações na composição da microbiota que, por sua vez, promove uma redução na taxa de crescimento e maior penetrabilidade da camada interior do muco no cólon. Ratos analisados sob esse tipo de dieta exibiram uma rápida e progressiva perda em distintos grupos de bactérias e diversidade microbiana (1-3 dias) e entre 3 e 7 dias experienciaram uma grave deterioração da camada interior do muco. A baixa quantidade de fibras reduziu especialmente a população das bactérias do gênero Bfidobacterium, dando espaço para outras bactérias que degradam e metabolizam o muco crescerem em número.

          Aliás, um estudo publicado em 2016 na Nature (Ref.11) já tinha mostrado que as fibras são tão importantes para a nossa microbiota que um baixo consumo de fibra alimentar, ao longo de múltiplas gerações dentro de uma família, extingue diversas bactérias benéficas no intestino das pessoas, não adiantando mais nem voltar a consumir uma alimentação rica em fibras para recuperá-las. Os pesquisadores do estudo sugeriram que torna-se necessário nessa situação reintroduzir as bactérias perdidas na população, especialmente no Ocidente, através de técnicas como transplante de fezes e promover um maior consumo de dietas ricas em fibras para impulsionar o crescimento bacteriano saudável e manter as outras populações bacterianas protegidas.

          Nesse sentido, ainda em 2016, um estudo realizado na Universidade de Minnesota, EUA (Ref.12), mostrou que macacos em cativeiro perdem grande parte da sua microbiota intestinal nativa, fazendo com que essa ficasse parecida com aquela encontrada nos humanos. Como os macacos em cativeiro são submetidos à uma dieta com menor conteúdo de fibras (menos plantas) e relativamente similar àquela consumida pela alimentação da população ocidental (humanos), é mais do que provável que isso esteja afetando a diversidade de bactérias saudáveis no intestino desses primatas, deixando-os mais vulneráveis a problemas de saúde diversos.

       
    MICROBIOTA E O CÂNCER

          Um estudo publicado em 2017 na Science (Ref.14) mostrou que as bactérias da microbiota intestinal podem afetar as respostas dos pacientes à imunoterapia contra o câncer. Analisando amostras de pacientes com cânceres de pulmão e de rins, os pesquisadores encontraram que os pacientes que não respondiam ao tratamento tinham baixos níveis da bactéria Akkermansia muciniphila.

          Com o auxílio de uma suplementação oral da bactéria em ratos tratados com antibióticos, os pesquisadores mostraram que a resposta à imunoterapia era restaurada. Além disso, analisando pacientes com melanoma recebendo bloqueadores PD-1, foi encontrado a presença de uma maior quantidade de "boas" bactérias no intestino dos pacientes que respondiam ao tratamento; já os que não mostravam resposta apresentavam um desbalanço na composição da microbiota intestinal, algo correlacionado com uma atividade imune celular prejudicada

           Em outras palavras, manter uma microbiota saudável parece ajudar até mesmo os pacientes a combater o câncer, de acordo com a conclusão do estudo. Além disso, isso se soma às evidências cada vez crescentes de que o maior consumo de fibras ajuda a prevenir o câncer colorretal e até possivelmente diminuir o risco no desenvolvimento de câncer de mama.

          Existem também evidências clínicas de que o consumo de cereais e grãos integrais interfere positivamente com a produção de serotonina no intestino (onde a maior parte dessa substância é produzida no corpo), algo que pode estar associado com o menor risco de desenvolvimento de diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e alguns cânceres visto em indivíduos que ingerem uma maior quantidade de fibras na dieta, especialmente no câncer de cólon. A serotonina atua no cérebro como um importante neurotransmissor, mas, quando é produzida no intestino, atua em funções periféricas, incluindo na modulação da motilidade intestinal. 

          Um estudo publicado no The American Journal of Clinical Nutrition (Ref.16) encontrou que o consumo de centeio e de trigo integrais diminui significativamente a produção de serotonina sendo sintetizada como metabólito no cólon, tanto de ratos quanto de humanos, em comparação com o consumo não-integral desses cereais. Uma alta quantidade de serotonina circulando no plasma sanguíneo está associado com altos níveis de glicose no sangue (fator de risco para a diabetes tipo 2) e alguns estudos recentes têm mostrado que pacientes com câncer apresentam maiores níveis de serotonina no sangue do que pacientes saudáveis.


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   FIBRAS SALVAM VIDAS

          Na média, o consumo de fibra está muito baixo no mundo todo, e mais de 90% da população mundial está ingerindo menos do que 20 g diárias desse nutriente. A baixa ingestão de fibras está diretamente ligada à ocorrência de muitas doenças crônicas e problemas diversos no corpo.

          Um grande estudo de revisão sistemática e meta-análise publicado em 2019 no periódico The Lancet (Ref.15), analisando 185 estudos prospectivos e 58 testes clínicos envolvendo 4635 adultos, encontrou que mudar de uma dieta com baixo consumo de fibra (até 15 g/dia) para uma com moderado-alto consumo de fibra parece diminuir cerca de 15-30% das mortes por todas as causas e por doenças cardiovasculares, e diminuir significativamente a incidência de doenças coronárias cardíacas, derrames, diabetes tipo 2 e câncer colorretal. Além disso, um maior consumo de fibra estava associada como uma menor incidência de obesidade/sobrepeso, pressão sanguínea sistólica e colesterol total. As maiores reduções de risco para problemas diversos e mortalidade foram observados para indivíduos consumindo de 25 g a 29 g de fibras diariamente, mas o consumo acima de 30 g/dia - sem excessos - foi associado com possíveis maiores benefícios.

            Os resultados desses estudo de revisão aumentam a preocupação sobre os resultados de outro estudo mais recente, publicado na Science (Ref.). O estudo encontrou um grande declínio ou mesmo desaparecimento de bactérias importantes para a digestão de celulose em várias pessoas vivendo em sociedades industrializadas, provavelmente devido ao baixo consumo desse tipo de fibra alimentar. Analisando três espécies do gênero Ruminococcus (R. primaciens, R. hominiciens e R. ruminiciens) através da análise de antigos [até 1000 a 2000 mil anos atrás] e atuais humanos, eles encontraram que essas espécies se tornaram raras em sociedades industrializadas (1 em cada 20 pessoas em países como EUA, China e Suécia) em relação às antigas comunidades humanas (40% de prevalência) e atuais comunidades rurais e de caçadores-coletores (1 em cada 5). Aqueles em sociedades industrializadas com presença dessas bactérias, tinham geralmente apenas uma espécie e um relativo baixo número populacional do táxon, tornando a digestão de celulose [presente na parede celular de plantas] muito difícil. 

          Os pesquisadores nesse último estudo também encontraram evidência que a espécie R. hominiciens teve origem de bactérias presentes em ruminantes - provavelmente durante a domesticação de animais por antigos humanos -, com subsequente adaptação ao intestino humano.

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   CONCLUSÃO

           A microbiota benéfica no nosso intestino parece ser muito  dependente do consumo de fibras, mas, infelizmente, grande parte das pessoas - especialmente no Ocidente - consome uma quantidade abaixo do recomendado, devido ao consumo exagerado de alimentos processados e ultraprocessados em detrimento de frutas, verduras, sementes e outros alimentos integrais. E a crescente industrialização nas sociedades humanas está tornando a diversidade bacteriana no nosso intestino cada vez menor, um processo que preocupa muito a comunidade científica. E lembrando: o consumo adequado de fibras deve ser diário, porque os habitantes unicelulares da sua microbiota estão sempre com fome. Mas não exagere, porque muita fibra acelera perigosamente o trânsito intestinal (a absorção efetiva de nutrientes fica comprometida) e induz a um aumento excessivo de bactérias no seu intestino, o que pode trazer grande quantidade de gases e desequilíbrio na sua microbiota intestinal. Um consumo de 25-30 g/dia já é o suficiente.


Fontes de Fibras: Frutas com casca/bagaço (esqueça os sucos de caixa ou filtrados), legumes com casca, verduras, cereais (mas evite os cereais açucarados), farinhas integrais, grãos (porém, limite o consumo de arroz branco e milho) e sementes (amendoim, girassol, linhaça, etc.). Consumir no mínimo 5 porções de fibras ou vegetais todos os dias ajuda a aumentar substancialmente o consumo de fibras. Observe também a tabela nutricional de alimentos comprados em supermercados, dando uma maior preferência àqueles com uma maior quantidade de fibras.

Curiosidades

- Um mito bastante difundido entre a população e até mesmo dentro da comunidade científica é achar que o número de bactérias na nossa microbiota intestinal, e em outras partes do corpo, alcança ou ultrapassa 10 vezes o número de células do corpo humano. Estudos recentes mostram que o número fica próximo da proporção de 1:1. Mesmo assim, é muita bactéria! E isso sem contar vírus, fungos e outros microrganismos. Para mais informações: Quantas bactérias existem no nosso corpo?

- Morcegos possuem um microbioma bem distinto em relação a outros mamíferos, e similar àquele visto em aves voadoras. O trato intestinal desses animais é relativamente bem curto e com bem menos diversidade bacteriana, características provavelmente associadas com o estilo de vida (único mamífero voador conhecido). Além disso, não parecem ser tão dependentes desse microbioma (Ref.20).



REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
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  12. http://www.pnas.org/content/early/2016/08/24/1521835113 
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  16. https://academic.oup.com/ajcn/advance-article-abstract/doi/10.1093/ajcn/nqy394/5480604
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  18. Sun et al. (2022). Gut firmicutes: Relationship with dietary fiber and role in host homeostasis. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, Volume 63, Issue 33. https://doi.org/10.1080/10408398.2022.2098249
  19. Mackay et al. (2023). Dietary fiber and SCFAs in the regulation of mucosal immunity. Journal of Allergy and Clinical Immunology, Volume 151, Issue 2, Pages 361-370. https://doi.org/10.1016/j.jaci.2022.11.007
  20. Caetano-Silva et al. (2023). Inhibition of inflammatory microglia by dietary fiber and short-chain fatty acids. Scientific Reports 13, 2819. https://doi.org/10.1038/s41598-022-27086-x
  21. Lyu et al. (2024). Effect and mechanism of insoluble dietary fiber on postprandial blood sugar regulation. Trends in Food Science & Technology, Volume 146, 104354. https://doi.org/10.1016/j.tifs.2024.104354
  22. Mackay et al. (2023). Dietary fiber and SCFAs in the regulation of mucosal immunity. Journal of Allergy and Clinical Immunology, Volume 151, Issue 2, Pages 361-370. https://doi.org/10.1016/j.jaci.2022.11.007
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