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Sanguessuga no olho: NÃO tente remover com métodos caseiros

Figura 1. Retratação das pálpebras da paciente revelando que uma sanguessuga se anexou na conjuntiva superolateral bulbar. Hemorragia subconjuntival. Ref.1

 
         Uma mulher de 66 anos de idade foi trazida para o departamento de emergência de um hospital após seu marido identificar que um corpo estranho no seu olho era uma sanguessuga. Ela estava cuidando do seu jardim quando acidentalmente catapultou alguns pedaços de terra úmida no olho esquerdo. Após múltiplas tentativas de limpar a sujeira, ela percebeu movimento na frente do olho antes de chamar assistência do seu marido. Ele viu uma sanguessuga de 4-5 mm de comprimento ao longo da córnea da esposa e sob a pálpebra superior. Tentativas de remoção do parasita com o auxílio de água de torneira salgada não tiveram sucesso.

          No exame oftalmológico, a sanguessuga mostrou ser facilmente observável após mínima retração das pálpebras (Fig.1), e movimentos extraoculares e acuidade visual estavam normais em ambos os olhos, apesar de sangramento na conjuntiva. O olho esquerdo da paciente foi topicamente anestesiado com ametocaína 0,5%. Apesar do anestésico ter proporcionado algum conforto para a paciente, não teve nenhum efeito na sanguessuga. Uma solução salina hipertônica 3% foi, então, gotejada no olho parasitado; na terceira gota, a sanguessuga desanexou-se espontaneamente da superfície ocular, sendo facilmente removida com um fórceps (tipo de pinça metálica). A sanguessuga removida, inchada com sangue, estava com 2,5 cm de comprimento (Fig.2).

Figura 2. Sanguessuga após ser removida do olho da paciente. Ref.1

          Após remoção da sanguessuga, o olho esquerdo da paciente foi irrigado com 1 L de solução salina normal. Análise com corante fluoresceína revelou uma área circular com 3 mm de diâmetro no local de anexação da sanguessuga com suas partes bucais. A paciente recebeu alta hospitalar no mesmo dia, com orientação de aplicar colírio antibiótico cloranfenicol 0,5% (quatro vezes ao dia) e um óleo ocular.

          O caso foi reportado e descrito em 2009 no periódico Emergency Medicine Australasia (Ref.1).

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          Sanguessugas são anelídeos encontrados em ambientes terrestres e aquáticos, e muitas espécies são parasitas hematófagos (1). Com variados tamanhos, muitas sanguessugas parasitas podem entrar facilmente em cavidades e orifícios humanos diversos (2), incluindo infestação da região ocular. Comumente pessoas são infestadas por sanguessugas ao interagir com corpos d'água (ex.: lagos, córregos e rios) habitados por esses anelídeos. Histórico de nado ou de limpeza do rosto em lagos e afins é um fator importante de risco para infestação ocular com esses vermes (Fig.3-4).

Figura 3. Dois casos de infestação ocular com sanguessuga em crianças. Em (A), paciente de 8 anos com uma sanguessuga anexada na conjuntiva supratemporal, após nadar em um pequeno lago. Em (B), paciente de 9 anos com uma sanguessuga anexada na conjuntiva bulbar, após limpar o rosto com água corrente em uma zona rural. Ref.9

Figura 4. (A) Menina de 5 anos de idade com uma sanguessuga juvenil da espécie Myxobdella sinanensis no fórnice conjuntival inferior, sugando sangue a partir do canto interno da conjuntiva. Em (B), local infestado após remoção do verme. O olho da menina foi infestado após interação com um curso d'água no Monte Tsukuba, Japão. Ref.12


Leitura recomendada


          Existe um número limitado de relatos de casos na literatura médica descrevendo infestação de sanguessugas na região ocular. Sintomas podem incluir sangramento e vermelhidão oculares, lacrimação com sangue, blefaroespasmos, visão embaçada, desconforto ocular e prolapso da íris (Ref.1-12). Nesses casos, as sanguessugas têm sido removidas com aplicação direta de sal de cozinha ou pela aplicação direta de anestésico tópico ou relaxante muscular no verme e na superfície ocular (ex.: lidocaína, tetracaína e suxametônio) e subsequente tração com fórceps. No entanto, falha em remover os "dentes" de sanguessugas mandibuladas, particularmente ao se realizar apenas tração, arrisca infecção secundária.

          Outra técnica sugerida é a aplicação direta de solução aquosa de cloreto de sódio saturada na sanguessuga ou superfície onde o parasita está alojado. Porém, esse procedimento carrega o risco teórico de cristais de sal não dissolvidos causarem mais dano por abrasão no olho. Finalmente, outras técnicas populares para a remoção de sanguessugas incluem aplicação direta de sal ou calor de pontas acesas de cigarro, tabaco úmido, suco de limão, óleo de eucalipto, entre outros. Porém, obviamente, essas técnicas não deveriam ser usadas na região ocular e outras áreas delicadas do corpo devido ao risco de sérios danos acidentais.

          No relato de caso inicialmente descrito, solução salina hipertônica, com posterior irrigação meticulosa e tratamento profilático com antibióticos tópicos, mostrou ser uma estratégia segura e efetiva - em ambiente hospitalar - para a remoção de sanguessugas alojadas nos olhos. De qualquer forma, o uso de anestésico tópico (colírio) é a estratégia clínica mais usada, visando enfraquecer o poder da sanguessuga de sugar e se prender na superfície ocular e facilitando a remoção com fórceps.

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ALERTA: Existe um caso reportado em 2021 de um paciente de 50 anos que desenvolveu sérias complicações oculares após deixar que aplicassem uma sanguessuga diretamente no seu olho por alguns minutos para fins "terapêuticos" (terapia alternativa) (Ref.13). NÃO existe suporte científico para esse tipo de terapia e sanguessugas NÃO devem ser introduzidas na região ocular. Em outro caso similar e mais recente, terapia com sanguessuga foi aplicada na região periocular de uma paciente de 55 anos, com subsequente oclusão da veia e da artéria retinais em ambos os olhos, e perda bilateral da visão antes da intervenção médica (Ref.14).

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REFERÊNCIAS

  1. Partyka & Fogg (2009). Leech on the eye: A novel use for hypertonic saline. Emergency Medicine Australasia, 21(1), 84–85. https://doi.org/10.1111/j.1742-6723.2009.01156.x
  2. Alcelik et al. (1997). Ocular Leech Infestation in a Child. American Journal of Ophthalmology, Volume 124, Issue 1, Pages 110-112. https://doi.org/10.1016/S0002-9394(14)71655-1
  3. Lewis & Coombes (2006). A. Adult ocular leech infestation. Eye 20, 391–392. https://doi.org/10.1038/sj.eye.6701862
  4. https://europepmc.org/article/med/20608022
  5. https://ijms.sums.ac.ir/article_40094.html
  6. https://www.sid.ir/paper/280593/en
  7. https://journal.bums.ac.ir/article-1-157-en.html&sw=Pr
  8. Khodabande, A. (2009). Iranian Journal of Ophthalmology, 21(4):76-77. 
  9. Lee & Chiu (2015). Ocular leech infestation. Clinical Ophthalmology, Volume 9. https://doi.org/10.1016/S0002-9394(14)71655-1
  10. Hosseinirad et al. (2017). Misdiagnosis of Ocular Leech Infestation. Journal of Surgery and Trauma, Volume 5. http://jsurgery.bums.ac.ir/article-1-97-en.html
  11. Sood et al. (2020). Adult ocular leech infestation. Tropical Doctor, 50(4):358-360. https://doi.org/10.1177/0049475520938167
  12. Ito et al. (2022). Ocular infestation by a juvenile leech, Myxobdella sinanensis in Japan. American Journal of Ophthalmology Case Reports, Volume 25, 101389. https://doi.org/10.1016/j.ajoc.2022.101389
  13. Daryabari et al. (2021). Complications of leech therapy directly on the eyes. Oman Journal of Ophthalmology 14(3):p 205-206. https://doi.org/10.1111/j.1742-6723.2009.01156.x
  14. Agin et al. (2024). Unusual Case of Bilateral Combined Retinal Vein and Artery Occlusion – Presumably due to Leech Therapy by Hirudo medicinalis. https://doi.org/10.1055/a-2224-5333