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Qual é a verdade sobre o "animal mais longo da Terra"?

Figura 1. Verme Lineus longissimus contraído em uma placa de vidro, em laboratório. 
 

           A espécie Lineus longissimus, popularmente conhecido em inglês como bootlace worm ("verme-cordão-de-bota" na tradução), é um estranho verme marinho pertencente ao filo Nemertea e família Lineidae. Esses animais são predadores e são comumente mencionados como os animais mais longos conhecidos do planeta. Enquanto a espessura do corpo em formato de fita desses vermes é de apenas 5 a 10 milímetros, indivíduos podem exceder 25 metros de comprimento quando estendidos e, alegadamente, alcançar até 60 metros. Neste ponto, é importante realçar que espécimes reportados com mais 30 metros de comprimento não são suportados por convincente evidência científica (!). Nesse sentido, o título de espécime [indivíduo] animal mais longo conhecido fica disputado entre o L. longissimus, a baleia-azul (Balaenoptera musculus) e a água-viva-cabeluda (Cyanea capillata) (1).


Figura 2. (A-B) Verme Linus longissimus, com destaque (B) para a cabeça. Comprimento corporal comum para o L. longissimus fica na faixa de 1 a 5, dificilmente excedendo 10 metros, mas espécimes com até 30 metros têm sido ocasionalmente reportadas na literatura.

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(!) Esse alerta inclui o recorde registrado no Guinness World Records sobre um alegado verme L. longissimus de >55 metros encontrado em 1864 na cidade de St. Andrews, Escócia. Considerando que esses vermes tipicamente não ultrapassam 10 metros, um comprimento com valor entre 50 e 60 metros deve ser encarado com bastante ceticismo. Válido também lembrar que o Guinness não é um site acadêmico ou científico, e existem outros recordes controversos nessa plataforma (2).

Para mais informações:


> Recordes individuais registrados para a baleia-azul e água-viva-cabeluda são de ~33 e 36,5 metros, respectivamente.  

Figura 3. Água-viva-cabeluda em Dingle Harbour, Irlanda. Essa espécie (Cyanea capillata) pode superar 30 metros de comprimento, quando medida do topo da sua cabeça até a ponta dos seus vários tentáculos muito finos. Encostar nos tentáculos desses animais - cobertos com nematocistos contendo toxina - pode causar severa reação local e dor extrema em humanos. O melhor primeiro-socorro para queimaduras com essa água-via é a limpeza com vinagre seguido de imersão em água [ou compressa] quente a 45°C por 40 minutos. Uma água-viva-cabeluda pode ter mais de 1000 tentáculos e um corpo com até 1 metro de diâmetro. Ref.3-6

> O filo Nemertea é considerado irmão ou do filo Mollusca (moluscos) ou Annelida (anelídeos) e engloba aproximadamente 1300 espécies descritas ao redor do mundo, a maioria encontrada em ambientes marinhos, mas com 13 espécies terrestres e 22 de água fresca. Vermes desse clado são notáveis pela capacidade de regenerar partes corporais e produzir potentes neurotoxinas a partir do epitélio glandular da probóscide - esta a qual pode estar associada com um estilete - ou da epiderme. Provavelmente a maioria ou talvez todos os membros desse filo são animais tóxicos. Ref.7-9

Figura 4. (A) Espécime de Linus longissimus. (B) Exemplo de um aparato de estilete presente em alguns membros do filo Nemertea. Árvore filogenética simplificada mostrando a relação entre o filo Nemertea e outros clados próximo-relacionados. Ref.10

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           Os vermes L. longissimus lentamente rastejam sobre areia, em fendas e entre rochas, na busca por presas que podem ser paralisadas probóscides tóxicas e engolidas inteiras (vídeo abaixo). Suas presas favoritas são anelídeos, estes os quais são geralmente engolidos inteiros. Durante locomoção no fundo oceânico ou parcialmente flutuando na coluna de água, esses vermes são observados como finas linhas viscosas e amarronzadas (Fig.3). Quando tocado, o L. longissimus pode rapidamente retrair o longo corpo se estendendo por metros para dentro de fendas, frequentemente surpreendendo mergulhadores.

Figura 5. (1-2) Fotografia de um verme Lineus longissimus no seu habitat natural. Essa espécie exibe tipicamente uma coloração marrom-escura. (3) Ilustração representativa da espécie. Esses animais habitam o hemisfério Norte, e são encontrados em zonas intertidais no fundo marinho. Ref.2

         

          Quando fisicamente desafiado ou irritado, o L. longissimus produz uma grande quantidade de muco altamente tóxico liberado pela epiderme, e usado para defesa ou caça (Fig.6). A secreção tóxica é especialmente letal contra invertebrados e uma dose de 1 µg/kg (~300 pmol/kg) é suficiente para paralisar e matar um caranguejo-verde (Carcinus maenas) (Ref.10). A composição do muco tóxico inclui a presença de peptídeos ricos em dissulfetos chamados de α-nemertidas, com ação neurotóxica similar à tetrodotoxina (TTX) e mediada por inativação de canais de íons sódio nas células.

Figura 6. Espécime de Linus longissimus com o corpo completamente coberto pelo característico muco tóxico. O muco parece também ajudar na movimentação do animal. Estímulos táteis aumentam a produção do muco epidérmico. Lembrando que a espécie e outros vermes Nemertea também produzem toxinas a partir de células que formam estruturas papilosas na probóscide. Ref.9

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CURIOSIDADE: Duas espécies do gênero Linus - L. sanguineus e L. pseudolacteus - conseguem se reproduzir via fissiparidade: são submetidos a regeneração posterior e também anterior quando cortados, efetivamente formando novos indivíduos. Suspeita-se que essa seja a principal forma de reprodução [assexuada] dessas espécies. Ref.13

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REFERÊNCIAS

  1. https://brunovellutini.com/posts/lineus-longissimus-longest-animal/
  2. https://www.shetland.uhi.ac.uk/research/discovery-zone/bootlace-worm/
  3. https://ocean.si.edu/ocean-life/invertebrates/extreme-jellyfish
  4. https://australian.museum/learn/animals/jellyfish/lions-mane-jellyfish/
  5. Doyle et al. (2017). Evaluation of Cyanea capillata Sting Management Protocols Using Ex Vivo and In Vitro Envenomation Models. Toxins, 9(7), 215. https://doi.org/10.3390/toxins9070215
  6. Trevett et al. (2019). Lion’s mane jellyfish (Cyanea capillata) envenoming presenting as suspected decompression sickness. Diving and Hyperbaric Medicine, 49(1): 57-60. https://doi.org/10.28920%2Fdhm49.1.57-60
  7. https://www.mdpi.com/2072-6651/15/11/650
  8. https://www.mdpi.com/2073-4425/12/9/1347
  9. https://www.mdpi.com/2072-6651/11/2/120
  10. Jacobsson et al. (2018). Peptide ion channel toxins from the bootlace worm, the longest animal on Earth. Scientific Reports 8, 4596. https://doi.org/10.1038/s41598-018-22305-w
  11. Kwiatkowski et al. (2021). The genome sequence of the bootlace worm, Lineus longissimus (Gunnerus, 1770). Wellcome Open Research, 6: 272. https://doi.org/10.12688%2Fwellcomeopenres.17193.1
  12. Bell et al. (2021). The insecticidal activity of recombinant nemertide toxin α-1 from Lineus longissimus towards pests and beneficial species. Toxicon, Volume 197, Pages 79-86. https://doi.org/10.1016/j.toxicon.2021.04.003
  13. Ament-Velásquez et al. (2016). Population genomics of sexual and asexual lineages in fissiparous ribbon worms (Lineus, Nemertea): hybridization, polyploidy and the Meselson effect. Molecular Ecology, 25(14), 3356–3369. https://doi.org/10.1111/mec.13717