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É possível orgasmo feminino durante exercícios físicos?



            A função sexual feminina possui quatro fases: desejo sexual, excitação, orgasmo e relaxamento. De maneira geral, o desejo sexual é caracterizado pelas fantasias e pela vontade expressa de realizar o sexo. Na excitação, ocorre um conjunto de alterações fisiológicas como a lubrificação vaginal, ereção dos mamilos (1) e a sensação de prazer sexual. A fase do orgasmo configura-se como o ápice do prazer, acompanhado de uma sensação agradável de bem-estar geral e de relaxamento muscular. Porém, apesar de crença popular comum, um orgasmo não é resultante apenas de estimulação da genitália ou mesmo de estimulação sexual - e isso aplica-se a ambos os sexos (2). Nas mulheres e outras pessoas do sexo feminino, experiência de orgasmo sem estimulação sexual ou [explicitamente] genital tem sido reportada de ocorrer durante vários contextos, incluindo escovação dentária, urinação, estimulação dos pés, direção veicular ao longo de estradas esburacadas, ingestão de certos alimentos e exercícios físicos.

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Sugestão de leitura:


> Existem também orgasmos espontâneos que podem ocorrer sem qualquer estimulação [sexual ou não-sexual] prévia. Causas para o fenômeno incluem:

- uso de medicamentos que aumentam a neurotransmissão de serotonina-1A (5HT1A). Ref.2

- síndrome da excitação genital persistente, uma condição caracterizada por múltiplos excitamentos sexuais e/ou orgasmos espontâneos sem contexto coerente, e que primariamente afeta pessoas do sexo feminino. Outras sensações genitais indesejadas (ex.: disestesias, hipersensibilidade e parestesias) podem acompanhar a síndrome, incluindo dor. Frequentemente os indivíduos afetados utilizam manipulação genital para resolver ou prevenir as sensações indesejadas, incluindo masturbação e atividade sexual. Causas e mecanismos neurais dessa síndrome são ainda pouco esclarecidos, mas parte dos casos parecem estar associados com lesões afetando redes sensoriais sacrais que transmitem excitamento sexual. Ref.3-7

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          Orgasmos induzidos por exercícios físicos tem sido um tema pouco explorado na literatura acadêmica. No contexto sexual, evidências acumuladas sugerem que tensão muscular ou movimento dos quadris podem ter influência variável no orgasmo durante o coito. Um estudo publicado em 2018 no periódico The Journal of Sex Research (Ref.8) encontrou evidência de que movimentos corporais simultaneamente com a estimulação clitoriana proporcionam maior prazer para a mulher durante a penetração vaginal; no caso, movimentação da pélvis e do quadril para frente e para trás, em ritmo de balanço. Esses movimentos corporais mostraram estar associados com uma maior frequência de orgasmos mesmo durante a penetração vaginal sem estimulação simultânea externa do clitóris.

          Mas em um contexto não-sexual, o primeiro estudo relevante explorando a questão foi publicado em 2011 no periódico Sexual and Relationship Therapy (Ref.9). Esse estudo conduziu uma pesquisa online que especificamente recrutou mulheres que tiveram experiência prévia com excitamento sexual ou orgasmo durante exercício físico. Análise dos dados coletados pela pesquisa apontou que mulheres primeiro exibem esse tipo de experiência orgásmica com uma idade média de 19 anos e que os exercícios mais frequentemente associados com orgasmo envolvem movimentos abdominais (ex.: abdominal sit up, abdominal chunch e elevação de pernas em cadeira romana), subida de corda ou barra, e levantamento de pesos - todos os quais engajam a musculatura do core como parte do treinamento de força ou estabilização (2).

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(2) O conceito [termo] core faz referência ao conjunto de musculatura central do tronco humano, incluindo o reto abdominal, o quadrado lombar, transverso do abdômen e o multífido. Para mais informações: Fortalecimento do core: pode tratar e prevenir a dor lombar associada ou não às corridas

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          O aparente envolvimento dos músculos do core sugerido no estudo faz ressonância com o termo em inglês "coregasm" (core + orgasmo) na mídia popular, primeiro cunhado em 2007 pelos editores da revista Men's Health para refletir depoimentos de leitores sobre inesperadas experiências de orgasmo durante exercícios físicos que recrutam a musculatura abdominal seja para força ou para estabilidade. Em 2011, o termo "yogasm" (yoga + orgasmo) emergiu na mídia popular fazendo referência específica a orgasmos ocorrendo durante a prática de ioga. 

          Porém, é importante realçar que esses termos não são científicos e inexiste evidência de que esses orgasmos estão necessariamente ligados à atividade dos músculos do core ou movimentos corporais específicos na ioga.

          A força dos músculos do assoalho pélvico está ligada à qualidade e à frequência de orgasmos femininos, mas uma relação causal entre exercícios pélvicos e orgasmos não tem sido estabelecida. Alguns dos grupos musculares pélvicos associados ao core cobrem o ânus e a vagina distal, provavelmente como um complexo neuromuscular único. Grande parte do clitóris está sob tecidos labiais e cerca a vagina distal superior, e contrações de músculos perineais promovem movimentos do corpo clitoriano. Nesse sentido, tem sido especulado que exercícios pélvicos e abdominais específicos podem induzir orgasmo através de "pressão clitoriana".

          Ioga também parece melhorar vários aspectos da função sexual feminina - incluindo orgasmos - mas o mecanismo associado não é esclarecido.

          Um estudo mais recente, analisando dados representativos da população Norte-Americana (Ref.10), encontrou que ~9% dos participantes reportaram ter experienciado orgasmo induzido por exercícios físicos, mas sem diferença estatisticamente significativa entre os sexos. Assim como observado no estudo de 2011, os exercícios comumente associados com esse tipo de experiência incluíam mais uma vez aqueles com forte recrutamento dos músculos do core (ex.: flexão abdominal). Mas qual seria o papel desses músculos no orgasmo masculino? Por outro lado, é válido realçar que outros exercícios físicos diversos também foram reportados como gatilhos para orgasmos. 

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> Importante também realçar que não existem mecanismos causais cientificamente estabelecidos que explicam orgasmos induzidos por exercícios físicos em um contexto não-sexual, e muito menos protocolos de treinos que visam induzir tais orgasmos. Artigos e livros na mídia popular frequentemente apontam um amplo espectro de causas para esse fenômeno, como mudanças hormonais, tensão muscular, ativação de músculos do chão pélvico, "impulsos nervosos" e estimulação clitoriana involuntária, mas nada disso possui comprovação científica. E é incerto se pessoas do sexo feminino em geral são suscetíveis a orgasmos dessa natureza ou se é um fenômeno restrito a alguns indivíduos. Estudos sobre o tema são ainda muito escassos e limitados.

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          Por fim, é interessante apontar que a atividade sexual em si pode ser considerada uma forma de exercício físico - particularmente quando envolve parceiro ou parceiros sexuais -, sugerindo que os orgasmos sexuais são também induzidos ou promovidos por exercício físico. E, como já mencionado, movimentos corporais específicos durante a atividade sexual facilitam o orgasmo feminino. Em outras palavras, orgasmos e exercícios físicos não são campos tão distintos como comumente pensado.


REFERÊNCIAS

  1. Júnior et al. (2023). Função sexual e sua associação com a sexualidade e a qualidade de vida de mulheres idosas. Escola Anna Nery, 27. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2022-0227pt
  2. Chen et al. (2017). Drug-Associated Spontaneous Orgasm. Clinical Neuropharmacology, 1. https://doi.org/10.1097/WNF.0000000000000259
  3. Waldinger & Schweitzer (2009). Persistent Genital Arousal Disorder in 18 Dutch Women: Part II—A Syndrome Clustered with Restless Legs and Overactive Bladder, The Journal of Sexual Medicine, Volume 6, Issue 2, Pages 482–497. https://doi.org/10.1111/j.1743-6109.2008.01114.x
  4. Gyorfi et al. (2024). Pudendal nerve blockade for persistent genital arousal disorder (PGAD): A clinical review and case report. PAIN Practice. https://doi.org/10.1111/papr.13362
  5. Oaklander et al. (2020). Persistent genital arousal disorder: a special sense neuropathy. PAIN Reports,  5(1):p e801. https://doi.org/10.1097/PR9.0000000000000801
  6. https://academic.oup.com/jsm/article-abstract/8/1/325/6843874
  7. https://academic.oup.com/jsm/article/20/Supplement_2/qdad061.040/7165487
  8. Bischof-Campbell et al. (2018). Body Movement Is Associated With Orgasm During Vaginal Intercourse in Women. The Journal of Sex Research, 1–11. https://doi.org/10.1080/00224499.2018.1531367
  9. Herbenick & Fortenberry (2011). Exercise-induced orgasm and pleasure among women. Sexual and Relationship Therapy, 26(4), 373–388. https://doi.org/10.1080/14681994.2011.647902
  10. Herbenick et al. (2021). Exercise-Induced Orgasm and Its Association with Sleep Orgasms and Orgasms During Partnered Sex: Findings From a U.S. Probability Survey. Archives of Sexual Behavior 50(6), 2631–2640. https://doi.org/10.1007/s10508-021-01996-9