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Por que é comum acordar com o pênis ereto?

             O fenômeno conhecido popularmente como ereção peniana matinal, ou medicamente como tumescência peniana noturna, afeta todos os indivíduos saudáveis do sexo masculino, incluindo crianças e até fetos mesmo dentro do útero! Além disso, esse fenômeno possui também uma contraparte menos conhecida, envolvendo o homólogo feminino do pênis (clitóris): ereção clitoriana noturna. Ciclos de "flacidez-e-ereção peniana" ao longo do sono, e acordar com o pênis ou clitóris ereto (ou rígido), são normais e esperados, e representam um fenômeno fisiológico inclusive usado para avaliação médica da função sexual. Mas por que essas ereções espontâneas ocorrem? 

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          Até onde existe registro na literatura médica, Ohlmeyer et al., da Universidade de Tübingen, Alemanha, foram os primeiros autores, em 1944, a publicarem um estudo reportando e descrevendo a observação de que existem ereções periódicas durante o sono (Ref.1), apesar do fenômeno em geral ser conhecido desde a Antiguidade (Ref.2). As ereções penianas noturnas são um fenômeno de ocorrência natural durante a fase REM (movimento rápido dos olhos) do sono (1), e não possuem associação com o conteúdo do sonho (ex.: visualizações eróticas) (2). De forma similar, nos indivíduos do sexo feminino, ciclos de ereção do clitóris e de inchaço das paredes vaginais (aumento do fluxo sanguíneo na vagina) são também observados durante o sono REM. Esse fenômeno também é observado em outros mamíferos, como ratos e chimpanzés, sugerindo que é uma resposta fisiológica adaptativa e associada com benefícios no clado Mammalia (3).

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(1) Sugestão de leitura: Qual é a duração ideal e a função do sono em humanos?

(2) Essa ideia de "sonhos eróticos" como a causa das ereções penianas durante o sono persistiu durante muito tempo ao longo da história, e o fenômeno ganhou múltiplas interpretações históricas. Na Antiguidade, desde Platão (427-347 a.C.), filósofos Gregos acreditavam que essas ereções espelhavam a natureza "indomável e desobediente" do pênis, um órgão com "vontade própria", e também associavam as ereções e ejaculações noturnas* com sonhos de natureza sexual. Na Idade Média, o fenômeno se transformou em um campo de batalha para discussões religiosas, e era comumente descrito como uma manifestação de impuridade. Para monges Cristãos no século XIV-XV d.C., ereções e ejaculações noturnas eram resultado de demônios femininos que tentavam os homens com seus belos corpos nus, especialmente quando estavam adormecidos e vulneráveis a "ataques"; esses monges inclusive usavam crucifixos nos genitais antes de irem dormir para combater as tentações. Outros líderes e influenciadores religiosos no período Medieval defendiam que essas ereções noturnas não eram pecado por que os homens não eram responsáveis por seus sonhos. Mesmo no final do século XVII até o século XIX, as ereções noturnas eram ainda tratadas como "poluições" ou patologias, e até mesmo anéis penianos punitivos (ex.: coroas de espinhos) foram criados e usados para combatê-las. Ref.2

*Ejaculação ou polução noturna - popularmente conhecida como "sonhos molhados" - é a liberação involuntária de esperma (sêmen) durante o sono. O fenômeno pode estar ou não associado com sonhos eróticos e orgasmo, e ocorre na fase REM. É mais comum em adolescentes e jovens adultos, e pode ser também mais frequente em um contexto de baixa atividade sexual (masturbação ou relação sexual). Ref.3

(3) Cientistas sugerem que as ereções penianas durante o sono podem facilitar emissões [polução] noturnas em ordem de aumentar a qualidade do ejaculado** ou aumentar a oxigenação nos tecidos penianos no sentido de proteger a integridade dos corpos cavernosos e prevenir disfunções eréteis. Aliás, problemas de disrupção ou insuficiência de sono, como insônia e apneia obstrutiva, estão significativamente associados a disfunção erétil em humanos. Ref.4-10

**Leitura complementar: Masturbação possui funções adaptativas e reprodutivas, aponta estudo

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           Durante uma noite normal de sono, humanos geralmente possuem cerca de 4 ou 5 períodos de sono REM associados a sonhos e ereções penianas e clitorianas - essas últimas podendo durar até 20-35 minutos. A duração e e a intensidade dessas ereções dependem da idade, assim como o tempo total de REM (constituindo cerca de 20-25% do sono de adultos). O pico das ereções penianas noturnas ocorre durante a puberdade, gradualmente reduzindo durante a fase adulta e avanço da idade (Ref.1-2). Aliás, devido à natureza involuntária e autonômica das ereções que ocorrem durante o sono REM, a tumescência peniana noturna é usada como valiosa ferramenta clínica para diferenciar casos de disfunções eréteis causados por fatores orgânicos daqueles causados por fatores psicogênicos (ex.: estresse emocional). 

          Mecanismos fisiológicos responsáveis pelas ereções noturnas não são totalmente esclarecidos, mas parecem envolver o sistema parassimpático nervoso, atividade da parte anterior do cérebro, hormônios androgênicos e liberação de óxido nitroso (NO) a partir de nervos nitrérgicos, ativando subsequentemente os eventos hemodinâmicos levando à rigidez peniana. Curiosamente, ereções no estado acordado causadas por fatores 'psicogênicos' (ex.: pensamentos ou sinais acústicos e visuais eróticos) estão associadas com mecanismos neurais distintos em relação às ereções noturnas involuntárias (Ref.11). Uso de sildenafil (viagra) no período de iniciar o sono parece melhorar a qualidade das ereções noturnas em pacientes com disfunção erétil, mas não aumenta a frequência (Ref.12).

          Mas e por que comumente acordamos com uma ereção peniana?

          Geralmente, a primeira fase REM ocorre 90 minutos após o início do sono, tipicamente durando 10 minutos; ao longo dos 4-5 ciclos de REM, o comprimento dessa fase aumenta e o último pode durar até 1 hora. Frequentemente, nós acordamos durante uma fase REM - e o último e longo ciclo de REM comumente é o período final do sono. Como na fase REM ocorrem as ereções involuntárias e que podem durar até 35 minutos, é alta a chance do indivíduo acordar com uma ereção (Ref.13-15). E por esse mesmo motivo as "ereções matinais" são também incluídas no fenômeno da tumescência peniana noturna. Ou seja, o pênis normalmente intercala várias vezes entre estados ereto e flácido ao longo do sono, e só percebemos essas ereções involuntárias quando acordamos - e caso esteja coincidente com a fase REM. É possível também que uma bexiga cheia com urina acumulada ao longo do sono estimule o nervo sacral e engatilhe ou facilite a persistência de uma ereção no despertar (Ref.15).


   DOR E EREÇÕES NOTURNAS

          Ereções noturnas espontâneas podem ser classificadas em reações fisiológicas e patológicas. As ereções fisiológicas são aqueles que ocorrem na fase REM e sem dor, fazendo parte de um ciclo natural e normal. As ereções patológicas são caracterizadas por dor peniana durante a fase REM que é aliviada após a urinação. É uma rara condição na qual os pacientes experienciam frequentes ereções durante o sono REM que causam dor no pênis e interrompem o sono. Conhecidas como ereções dolorosas relacionadas ao sono (SRPE na sigla em inglês), essas ereções com dor são classificadas como uma parassonia do sono REM (Ref.16). A patogênese da SRPE não é totalmente esclarecida, mas está associada com elevação anormal de andrógenos, desordens neuroendócrinas, fatores psicológicos, anormalidades mentais, menor limite para dor no estágio REM e apneia obstrutiva do sono.

          Tratamento padrão efetivo ainda não é bem estabelecido (Ref.17). Relaxantes musculares são tipicamente a primeira opção de escolha para o controle de sintomas da SRPE. Tratamento alternativo pode ser feito com inibidores de sono REM (ex.: diazepam e clonazepam) - e sempre sob orientação e prescrição médica. Em pacientes com apneia obstrutiva do sono, uso de pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) parece ser efetivo na maioria dos casos (Ref.18).

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           A SRPE precisa ser diferenciada de outra condição patológica chamada de priapismo, a qual é uma persistente e frequentemente dolorosa ereção peniana que dura mais de 4 horas e que não possui nenhuma relação com estimulação sexual.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Montorsi & Oettel (2005). Testosterone and Sleep-Related Erections: An Overview*, The Journal of Sexual Medicine, Volume 2, Issue 6, Pages 771–784. https://doi.org/10.1111/j.1743-6109.2005.00095.x
  2. Driel et al. (2014). Sleep Related Erections Throughout the Ages. The Journal of Sexual Medicine, Volume 11, Issue 7, Pages 1867-1875. https://doi.org/10.1111/jsm.12557 
  3. https://centrobrasileirodeurologia.com.br/urologia/polucao-noturna/
  4. Havercamp et al. (2022). Spontaneous nocturnal erections and masturbation in captive male chimpanzees (Pan troglodytes). Behaviour 159(12), 1177-1191. https://doi.org/10.1163/1568539X-bja10166
  5. Xiong et al. (2022). Genetically predicted insomnia causally increases the risk of erectile dysfunction. Asian Journal of Andrology, 25(3): 421–425. https://doi.org/10.4103%2Faja202261
  6. Crocetto et al. (2022). The relationship between obstructive sleep apnoea and erectile dysfunction: An underdiagnosed link? A prospective cross-sectional study. Andrologia, Volume54, Issue9, e14504. https://doi.org/10.1111/and.14504
  7. Ajili et al. (2022). "Sleep apnea syndrome and erectile dysfunction: A possible risk factor?" European Respiratory Journal, 60: 4195. https://doi.org/10.1183/13993003.congress-2022.4195
  8. Eisenberg et al. (2023). The Association Between Insomnia, Insomnia Medications, and Erectile Dysfunction. European Urology Focus. https://doi.org/10.1016/j.euf.2023.08.005
  9. https://www.tandfonline.com/doi/full/10.2147/NSS.S375571
  10. https://academic.oup.com/jsm/article-abstract/19/9/1387/6961409
  11. Mann & Sohn (2005). Spontaneous Nocturnal Erections - Physiology and Clinical Applications. Spontane nachtliche Erektionen - Physiologie und klinische Anwendungen. Somnologie, 9(3), 119–126. https://doi.org/10.1111/j.1439-054X.2005.00057.x
  12. Montorsi et al. (2000). Sildenafil taken at bedtime significantly increases nocturnal erections: results of a placebo-controlled study. Urology, Volume 56, Issue 6, Pages 906-911. https://doi.org/10.1016/S0090-4295(00)00841-4 
  13. Youn, G. (2017). "Why Do Healthy Men Experience Morning Erections?" The Open Psychology Journal 10, 49-54. http://dx.doi.org/10.2174/1874350101710010049
  14. https://www.newcastle.edu.au/hippocampus/story/2020/male-erections
  15. https://health.clevelandclinic.org/men-get-morning-erections-5-answers-questions/
  16. Li et al. (2021). Narrative review: pathogenesis, diagnosis, and treatment of sleep-related painful erection. Translational Andrology and Urology, 10(12):4422-4430. https://doi.org/10.21037%2Ftau-21-1045
  17. Wong et al. (2023). Sleep Related Painful Erections: A Survey Based Analysis of Patient Reported Experiences with Diagnosis and Management, The Journal of Sexual Medicine, Volume 20, Issue Supplement_1, qdad060.185. https://doi.org/10.1093/jsxmed/qdad060.185
  18. Zhang et al. (2019). Sleep-related painful erection in a patient with obstructive sleep apnea syndrome. International Journal of Impotence Research 31, 150–151. https://doi.org/10.1038/s41443-018-0110-y