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Qual a função da ereção dos mamilos?

- Atualizado no dia 20 de abril de 2024 -

           O mamilo dos mamíferos é uma parte especializada da glândula mamária composta de um ou mais dutos lactíferos cercados por tecido conectivo incluindo fibras elásticas, músculo liso, vasos sanguíneos e intensa inervação sensorial, e tudo coberto por pele glabra (sem pelos) (!). Essa estrutura é essencial para o reflexo de ejeção do leite materno a partir do estímulo de sucção na lactação, e sua ereção facilita o trabalho do bebê de sugar (Ref.1). Nesse último ponto, a ereção dos mamilos pode ocorrer também como resposta ao frio, excitamento sexual ou outras estimulações táteis. E existe evidência sugestiva de que a ereção do mamilo pode ter função de sinalização sexual, somando-se ao papel de facilitar o aleitamento materno.

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(!) A aréola, região ao redor do mamilo fortemente pigmentada, é rica em glândulas sebáceas modificadas (chamadas tubérculos de Montgomery na gravidez e na lactação); essas glândulas secretam óleos que previnem rachaduras no mamilo e na aréola.

> Leitura recomendadaHomens [sexo masculino] podem produzir leite?

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           A musculatura do complexo aréola-mamilo (CMA) é dividida em camadas externa, intermediária e interna se estendendo da aréola até o mamilo (Ref.2). A parte interna da musculatura lisa cerca a região infundibular dos dutos mamilares de leite, e suas fibras continuam até a camada intermediária mais forte, a qual é coberta por uma camada externa de musculatura lisa situada ao redor dos dutos das glândulas de Montgomery. As fibras musculares no CMA se estendem verticalmente ou horizontalmente relativo à base do mamilo, exibindo conformações finas, fusiformes ou na forma de maços. Algumas dessas fibras estão associadas com dutos lactíferos, prevenindo vazamento do leite entre os episódios de amamentação. E, junto ao sistema vascular (algumas fibras cercam vasos sanguíneos), a musculatura lisa funciona suportando a ereção dos mamilos.

Inervação do mamilo masculino. (1) Epiderme; (2) glândula sebácea; (3) derme; (7) galactóforos (canais excretores de leite). (A) Inervação autônoma; (4) músculo liso longitudinal; (5) músculo liso cilindricamente arranjado; (6) fibra do nervo simpático. (B) Inervação sensorial; (8) terminação livre do nervo intraepidérmico; (9) corpúsculo de Meissner; (10) células de Merkel; (11) corpúsculo de Ruffini; (12) corpúsculo de Vater-Pacini. A ereção dos mamilos é parcialmente resultante da contração de músculos lisos, em particular dos músculos lisos cilindricamente arranjados. Ref.15

          Na ereção mamilar, o mamilo se eleva e se torna proeminente; à medida que rugas se formam na aréola, a área superficial é reduzida; hiperemia (aumento do volume sanguíneo localizado num órgão ou parte dele, com consequente dilatação vascular) e estase local venosa (estagnação do sangue dentro da veia). Uma resposta erétil pode aumentar o comprimento do mamilo em 0,5-1,0 cm e o diâmetro da base em 0,25-0,5 cm (mamilos naturalmente grandes e protuberantes geralmente possuem menor capacidade de ereção do que mamilos de tamanhos mais típicos) (Ref.3). É sugerido que óxido nítrico (NO) pode mediar a ereção do mamilo, similar ao que ocorre no pênis, com demonstração da existência da enzima que sintetiza esse composto expressa no CMA (Ref.4).

          Fibras nervosas adrenérgicas e fibras nervosas colinérgicas alcançando o CMA permitem o controle da musculatura lisa vascular e avascular nessa região. Redes de nervos somatossensoriais canalizam pressão, toque leve, temperatura e estímulos nociceptivos para o sistema nervoso central. Curiosamente, não parece existir uma rica inervação no complexo CMA, e sua alta sensibilidade a fatores internos e ambientais diversos parece estar relacionada a nervos específicos presentes na derme mais profunda e à ocorrência de mecanoproteína Piezo 2 nos galactóforos do mamilo (Ref.1). Além disso, existe forte evidência que inervação autônoma não é necessária para a ereção do mamilo, exceto como resposta ao excitamento sexual - implicando que a única função erétil no mamilo requerendo o sistema nervoso simpático é o fator sexual (Ref.5).

          O ciclo de resposta sexual feminina consiste do desejo, excitamento, orgasmo e fases de resolução, enquanto que mudanças primárias em órgãos sexuais femininos ocorrem durante a fase de excitamento. Nessa fase de excitamento, além de mudanças morfológicas e secretórias nos órgãos genitais, temos aumento nas secreções corporais, vasodilatação cutânea, aumentos no volume das mamas, aréola tensionada e proeminente, e ereção do mamilo. Interessantemente, o mamilo possui função dual na fase de excitamento. A ereção mamilar pode ocorrer pelo excitamento sexual, e estimulação do mamilo pode induzir e aumentar o excitamento sexual. Nas fases de resolução, o mamilo pode voltar a ficar ereto como sinal de satisfação (Ref.3). A sensibilidade e a capacidade de ereção dos mamilos flutuam durante o ciclo menstrual (ficando mais sensíveis na ovulação) e aumentando significativamente a partir do início da puberdade (Ref.3).

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> Nas mamas, o primeiro sinal de excitamento sexual é a ereção do mamilo (com as mamas esquerda e direita frequentemente não respondendo de forma igual ao excitamento sexual). Durante máximo excitamento, o mamilo cresce 0,5-1 cm. No avanço da fase de excitamento, a aréola se torna inchada, e a visualização da ereção mamilar parece diminuir. Após o orgasmo, o inchaço areolar rapidamente desaparece, momento quando a ereção mamilar parece retornar. Durante esse processo, o volume das mamas pode aumentar em 20-25%. Ref.16

> Ereção do mamilo pode também ocorrer durante ansiedade e excitamento não-sexual.

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          Apesar da ereção dos mamilos como resposta ao excitamento sexual ser tipicamente associada aos indivíduos do sexo feminino, tem sido estimado que 50-60% dos indivíduos do sexo masculino também exibem ereção mamilar seguindo estímulos sexuais (Ref.4). Análise de uma amostra incluindo 301 participantes (148 homens e 153 mulheres) conduzida em um estudo publicado em 2006 no periódico The Journal of Sexual Medicine (Ref.6) encontrou que manipulação dos mamilos/mamas induzia ou aumentava o excitamento sexual em aproximadamente 82% das mulheres e em 52% dos homens. E, segundo a literatura médica, essa estimulação sexual/erótica extra com a manipulação dos mamilos parece ser uma resposta comum e involuntária inclusive durante a amamentação, associada com a liberação do hormônio ocitocina (Ref.7, 10-13, 16)! (!) A estimulação dos mamilos é às vezes intensa o suficiente para elicitar um orgasmo em algumas mulheres e muito raramente em alguns homens; no sexo feminino, sensações produzidas no mamilo viajam até o lóbulo paracentral [no cérebro] de forma similar às sensações oriundas do clitóris (Ref.15).

(!) Fica a sugestão deste fio no Twitter explorando esse tabu.

         Nesse sentido, torna-se bastante sugestivo que o complexo aréola-mamilar foi também moldado por seleção sexual durante o percurso evolutivo associado à nossa espécie (Homo sapiens), com especial pressão seletiva sobre as fêmeas. Aliás, existe evidência limitada apontando uma variação morfológica significativamente maior do mamilo e da aréola nas fêmeas do que nos machos da nossa espécie (Ref.14). Mas a ereção mamilar em específico teria algum propósito sexual em específico, ou seria apenas uma resposta secundária associada ao caminho de lactação?

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          Em uma série de quatro estudos publicados entre 2021 e 2023 no periódico APA PsycNet (Ref.3, 8-9), da Associação Psicológica Americana, pesquisadores resolveram investigar as potenciais funções da ereção mamilar nos humanos como resposta a estímulos sexuais. No primeiro estudo (Ref.3), os pesquisadores mostraram que homens (sexo masculino) percebiam a ereção dos mamilos em mulheres com roupas - isolando a ereção de outros potenciais cofatores (ex.: cor e forma do complexo mamilo-aréola, rosto, expressões faciais, etc.) - como um forte estímulo sexual, enquanto as mulheres (sexo feminino) não percebiam sinalização nesse sentido (apesar de ambos os sexos exibirem percepções positivas associadas ao estímulo visual da ereção mamilar).

          No segundo estudo (Ref.8), os pesquisadores encontraram que homens percebiam mulheres exibindo ereção mamilar como merecedoras de altruísmo, especialmente se esse altruísmo envolvesse maior interação com aquelas mulheres, e acreditavam que essas mulheres deveriam ser incluídas em seus grupos sociais. Já as mulheres, por outro lado, não percebiam essas mulheres com ereção mamilar como merecedoras de maiores comportamentos altruísticos, não esperavam comportamentos altruísticos dessas mulheres, e não queriam incluí-las no grupo social. Em outras palavras, homens expressavam forte desejo de interagir com mulheres exibindo ereção mamilar.

          No terceiro estudo (Ref.9), pesquisadores mostraram que tanto mulheres quanto homens percebiam mulheres exibindo ereção mamilar como menos inteligentes, menos morais e mais prováveis de engajarem em comportamentos sexuais (marcadores primários de objetificação sexual). Homens e mulheres associavam essas mulheres com mais parceiros sexuais. Em outras palavras, ereção feminina dos mamilos engatilhava sexualização e objetificação nos observadores de ambos os sexos.

          No quarto estudo (Ref.17), pesquisadores resolveram explorar as potenciais sinalizações da ereção mamilar em homens. Eles encontraram que tanto homens quanto mulheres percebiam a ereção masculina dos mamilos como sinais para estados emocionais e sexuais positivos, ou seja, similar à ereção feminina dos mamilos. Porém, homens e mulheres reagiam ao estímulo masculino de forma muito diferente, com homens exibindo indiferença e menos vontade de ajudar os homens com mamilos eretos, enquanto mulheres exibiam maior rejeição aos homens com mamilos eretos: ficavam com menos vontade de ajudá-los ou interagir socialmente e esperavam menos ajuda desses homens.

          Os resultados desses estudos, em um contexto evolutivo, suportam a ereção feminina dos mamilos como um fator de atração sexual entre machos e fêmeas humanas - talvez uma sinalização honesta de excitamento e de interesse sexuais. Em homens, a ereção dos mamilos talvez seja apenas um vestígio do desenvolvimento embrionário, e potencialmente um traço deletério - mas mais estudos são necessários para esclarecer a questão. 


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Gutiérrez-Villanueva et al. (2020). The sensory innervation of the human nipple. Annals of Anatomy - Anatomischer Anzeiger, 151456. https://doi.org/10.1016/j.aanat.2019.151456 
  2. Tezer, M. (2018). Smooth Muscle Morphology in the Nipple-Areola Complex. Nipple-Areolar Complex Reconstruction, 71–73. https://doi.org/10.1007/978-3-319-60925-6_7
  3. Burch & Widman (2021). The point of nipple erection 1: The experience and projection of perceived emotional states while viewing women with and without erect nipples. Evolutionary Behavioral Sciences, 15(3), 305–311. https://doi.org/10.1037/ebs0000244
  4. Tezer et al. (2013). Nitric Oxide May Mediate Nipple Erection. Journal of Andrology, Volume 33, Issue 5, Pages 805-810. https://doi.org/10.2164/jandrol.111.014951
  5. De Vrij et al. (2019). Preserved nipple erectile function after free nipple areolar complex transplantation. Journal of Plastic, Reconstructive & Aesthetic Surgery. https://doi.org/10.1016/j.bjps.2019.06.017
  6. Levin & Meston et al. (2006). Nipple/Breast Stimulation and Sexual Arousal in Young Men and Women, The Journal of Sexual Medicine, Volume 3, Issue 3, May 2006, Pages 450–454, https://doi.org/10.1111/j.1743-6109.2006.00230.x
  7. Levin & Meston (2006). Nipple/Breast Stimulation and Sexual Arousal in Young Men and Women. The Journal of Sexual Medicine, 3(3), 450–454. https://doi.org/10.1080/14681990600674674
  8. Burch & Widman (2022). The point of nipple erection 2: The effect of nipple erection on intended and expected altruism. Evolutionary Behavioral Sciences, 16(2), 147–156. https://doi.org/10.1037/ebs0000239
  9. Burch & Widman (2022). The point of nipple erection 3: Sexual and social expectations of women with nipple erection. Evolutionary Behavioral Sciences. Advance online publication. https://doi.org/10.1037/ebs0000312
  10. https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-031-18432-1_9
  11. https://guilfordjournals.com/doi/abs/10.1521/prev.2019.106.2.131
  12. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1552-6909.1980.tb01317.x
  13. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0306987715003308
  14. Kelly et al. (2018). Male and Female Nipples as a Test Case for the Assumption that Functional Features Vary Less than Nonfunctional Byproducts. Adaptive Human Behavior and Physiology. https://doi.org/10.1007/s40750-018-0096-1
  15. Misery, L., Talagas, M. Innervation of the Male Breast: Psychological and Physiological Consequences. J Mammary Gland Biol Neoplasia 22, 109–115 (2017). https://doi.org/10.1007/s10911-017-9380-0
  16. Yurtsal & Uslu (2023). Sexual Aspects of Breastfeeding and Lactation. In: Geuens, S., Polona Mivšek, A., Gianotten, W. (eds) Midwifery and Sexuality. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-031-18432-1_9
  17. Widman & Burch (2023). The point of nipple erection 4: Male nipple erection engenders similar emotions as female nipple erection but triggers different altruistic reactions and sexual expectations. Evolutionary Behavioral Sciences. https://doi.org/10.1037/ebs0000326