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"Meu pênis está esquisito": O que é a Síndrome do Duro Flácido?


           Nos últimos anos, discussões em fóruns, vídeos e sites diversos na internet têm levantado cada vez mais interesse em um fenômeno referido como "síndrome do duro flácido". Essa síndrome refere-se a um grupo de sintomas envolvendo o pênis que afetam significativamente e de forma deletéria a vida social e sexual de indivíduos do sexo masculino. Alguns relatos de casos na literatura médica (Ref.1):

Caso 1. Um homem de 34 anos de idade apresentou-se a uma clínica de urologia com um histórico de 3 meses de de reduzida libido e disfunção erétil. Ele também descreveu que seu pênis estava mais rígido do que o normal durante o estado flácido e que havia perdido a sensibilidade da glande peniana. Ainda mais curioso, ele relatou que o seu pênis, especialmente a glande, estava mais frio do que antes. Outros sintomas acompanhantes eram dificuldade de manter ereções (70% comparado com antes) e ejaculações dolorosas. Esses sintomas tiveram início após uma "agressiva" masturbação, enquanto usava maconha. Exames físicos, laboratoriais e de imagem não revelaram nada de anormal ou patológico no paciente além de uma dureza na base do pênis no lado inferior direito. Tratamento com fluoxetina (para a severa ansiedade do paciente) e tadalafila 5 mg/dia (para o problema de ereção) foi prescrito, mas sem resultados positivos.

Caso 2. Um homem de 26 anos de idade foi admitido em uma clínica de urologia com problemas de ereção peniana, os quais tiveram início após um trauma físico que ocorreu durante uma relação sexual. O paciente sentiu uma dor súbita na base do pênis quando sua parceira (sexo feminino) estava por cima, resultando em um acidente traumático e imediata perda de ereção. Nenhuma escoriação foi observada e ultrassom do pênis não revelou nada anormal. Apesar disso, o paciente relatou que começou a gradualmente perder rigidez durante as ereções e a sofrer de disfunção erétil, 3 meses após o trauma. Sua glande peniana estava mais macia e fria do que antes, algo associado com uma significativa ansiedade. Exames laboratoriais e de imagem não revelaram nenhuma anormalidade. Tratamento com tadalafila 5 mg/dia e terapia por ondas de choque de baixa intensidade resultou em significativa melhora, porém temporária (6 meses). 

Caso 3. Um homem de 22 anos de idade apresentou-se ao hospital reclamando de persistente disfunção erétil, baixa libido e uma estranha sensação no seu pênis. O paciente reportou que os sintomas começaram após um episódio de "agressiva" masturbação. Dois dias seguindo esse episódio, ele havia visitado o departamento de emergência do mesmo hospital, alegando que seu pênis estava "esquisito", no sentido de que parte dele estava dormente. Nessa primeira visita, exame físico não revelou nenhuma anormalidade. Desde então, ele também notou uma diminuição na frequência de ereções (ocorrendo apenas 2 vezes por semana), uma redução na rigidez durante ereções e uma diminuição do desejo sexual. Exames laboratoriais, porém, não apontaram anormalidade, e o nível de testosterona circulante estava em uma faixa normal. Ultrassom do pênis não revelou nenhuma característica patológica. Ao longo de um acompanhamento médico, o paciente reportou melhora parcial nos sintomas eréteis, mas a dificuldade de manter ereções persistia. Nesse ponto, sildenafila 50 mg/dia foi prescrita, mas sem efeito positivo.

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   SÍNDROME DO DURO FLÁCIDO

          Apesar de ser amplamente citada em fóruns na internet, estudos científicos explorando a síndrome do duro flácido (SDF) são ainda limitados. A síndrome é uma condição adquirida caracterizada por um pênis constantemente semirrígido no estado flácido (1). Pacientes reportam mais comumente estranhas mudanças sensoriais no pênis, melhor descritas por dormência (2) ou frieza com uma reduzida sensibilidade, particularmente no nível da glande peniana. Associado a esses sintomas, uma das principais reclamações é o desenvolvimento de disfunção erétil com frequência reduzida de ereções matinais e noturnas (3). Excessivas estimulações visuais e físicas passam a ser necessárias para alcançar uma ereção, essas as quais são difíceis de serem mantidas nos afetados. Tipicamente, uma redução na rigidez peniana é notada durante a ereção, com a glande ficando mais macia [flácida] e fria do que o normal. Dores peniana e perineal durante a urinação e a ejaculação são reportadas, e, na maioria dos pacientes, pioram na posição de pé. Em alguns casos, fluxo urinário reduzido tem sido reportado.

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(1) Importante não confundir a SDF com uma condição chamada de ereção sem ereção. Essa condição é causada por deficiência ou ausência do ligamento suspensório do pênis, e clinicamente se manifesta pela falta de elevação do pênis durante a ereção. Foto médica da condição, acesse aqui.

(2) Sugestão de leitura: Por que o braço fica dormente?

(3) Sugestão de leitura: Por que é comum acordar com o pênis ereto? 

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           Pacientes afetados pela SDF sofrem com estresses emocionais manifestados como ansiedade, depressão, libido diminuída e insônia. Tipicamente a síndrome emerge em indivíduos com idades entre 20 e 40 anos, mas casos reportados incluem desde adolescentes até idosos. Prevalência é desconhecia, especialmente considerando que a maioria das informações sobre a síndrome são ainda obtidas de pacientes discutindo seus sintomas em fóruns ou grupos privados na internet. Relatos de casos são ainda escassos na literatura médica.

          Nesse mesmo caminho, mecanismos patofisiológicos não são ainda bem esclarecidos. A maioria dos pacientes reportam que seus sintomas começaram após eventos traumáticos afetando a estrutura peniana, resultantes geralmente de masturbação vigorosa ou acidentes durante o ato sexual e durante exercícios que prometem aumentar o tamanho peniano (ex.: bomba de vácuo e jelqing) (!). Os sintomas podem começar após minutos até semanas seguindo o evento traumático, e vários pacientes reportam que o evento ocorreu enquanto estavam sob efeito de drogas como maconha e  bremelanotida.  

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(!) NÃO existe suporte científico para nenhuma "técnica" de aumento peniano além de limitados resultados com intervenções cirúrgicas. Entenda: Técnicas de aumento peniano: fato ou ilusão?

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           Uma lesão traumática na base de um pênis ereto, afetando as estruturas neurovasculares que suprem os músculos do chão pélvico e o pênis, tem sido sugerida como gatilho da síndrome. Três etapas são propostas (Ref.2):

- Danos em estruturas neurovasculares - como artéria dorsal do pênis, artérias bulbouretral e pudendal, e nervos pudendal e dorsal do pênis - causam mudanças sensoriais e vasculares que são responsáveis pelo enchimento parcial do pênis com sangue durante ereções e pelas estranhas sensações penianas descritas pelos pacientes. 

- Sintomas iniciais disparam estresse emocional e estimulação simpática reacional. Esse último é responsável por prolongados espasmos dos músculos do chão pélvico que aplicam compressão extrínseca adicional nas estruturas neurovasculares com consequente hipoxia peniana, neuropraxia, outras mudanças sensoriais e falhas dos músculos pélvicos.

- A função motora alterada e contração sustentada dos músculos isquiocavernosos, bulbo-membranosos e do esfíncter uretral externo contribuem para a obstrução do fluxo venoso de saída do pênis que é responsável pelo estado semi-enrijecido do pênis flácido. Uma mio-neuropatia secundária com uma perda da habilidade de relaxamento é seguida, e consequentes disfunções erétil e ejaculatória se desenvolvem.

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> Danos neurovasculares podem também estar envolvidos em outra condição que afeta a sensibilidade peniana e que pode ser relativamente comum na população masculina: O que é a Síndrome do Pênis Perdido?

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           Os sintomas subsequentes a essa cascata de eventos resultariam em distúrbios psicológicos afetando seriamente a libido, função erétil e bem-estar em geral. A variedade e a intensidade dos sintomas estariam relacionados com a localização dos danos e a extensão da inflamação dos nervos e vasos lesionados na base do pênis.

          Aliás, um estudo publicado em 2022 no periódico The Journal of Sexual Meidicine (Ref.3) reportou que um adolescente de 16 anos foi completamente curado da condição através de terapia física visando o assoalho pélvico. O paciente apresentou-se no departamento de emergência com dor e dormência peniana e testicular - acompanhados de outros sintomas típicos da síndrome duro flácido - após um evento de masturbação. Exames laboratoriais e de imagem não revelaram anormalidades. Os sintomas persistiram por vários meses até consulta com um urologista especializado em medicina sexual. O paciente foi orientado a seguir uma série de exercícios envolvendo os músculos glúteos e abdominais, eventualmente ficando livre dos sintomas genitais. Apesar de ser limitado a um único caso, o estudo trouxe evidência corroborando a principal proposta teórica para explicar a patofisiologia da SDF. Assoalho pélvico superativo e bloqueio da neurovasculatura peniana parecem ser fatores causais importantes. 

           Por outro lado, um estudo mais recente publicado no periódico The Journal of Sexual Medicine (Ref.4), analisando 88 pacientes (idade média de 28 anos) com auto-reporte de SDF, não encontrou evidência de anormalidades hemodinâmicas e de fibrose nesses indivíduos, sugerindo ausência de mudanças estruturais significativas na vasculatura ou nos músculos lisos cavernosos no pênis. Isso aponta que efeitos deletérios primários levando ao desenvolvimento da síndrome afetam apenas nervos penianos (neuropatia). Do total de pacientes analisados, a duração média dos sintomas era de 14 meses, 50% eram incapazes de ter sexo penetrativo e todos reclamavam de disfunções eréteis. 

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> Aliás, é importante diferenciar a SDF de um quadro de priapismo de alto fluxo (PAF). Esse último é causado por fístulas arteriovenosas na vasculatura peniana, e é uma condição observada após trauma de impacto ou penetrante no pênis. Na PAF, exame de ultrassom por doppler consegue localizar a ruptura e a fístula arteriovenosa, enquanto que na SDF possíveis danos vasculares não são visualizados por exames de imagem.

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          Tratamento usando terapia de ondas de choque de baixa intensidade também parece ter boa eficácia terapêutica, apesar de temporária na maioria dos casos (Ref.5). Tratamento multimodal - incluindo uso de analgésicos, inibidores da fosfodiesterase 5 (ex.: sildenafila), antidepressivos, terapias cognitivas comportamentais, exercícios para os músculos do assoalho pélvico -  provavelmente é a estratégia adequada para a maioria dos pacientes em termos de resolução sintomática sustentada a longo prazo. Mais estudos de maior porte são ainda necessários para um melhor entendimento da síndrome e o estabelecimento de um tratamento padrão e suportado por suficiente nível de evidência científica. 


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Gul et al. (2019). Hard flaccid syndrome: initial report of four cases. International Journal of Impotence Research. https://doi.org/10.1038/s41443-019-0133-z
  2. Abdessater et al. (2020). Hard flaccid syndrome: state of current knowledge. Basic and Clinical Andrology 30, 7. https://doi.org/10.1186/s12610-020-00105-5
  3. Nico et al. (2022). Successful Treatment of Hard Flaccid Syndrome: A case report. The Journal of Sexual Medicine, Volume 19, Issue 4, Supplement 1, Page S103. https://doi.org/10.1016/j.jsxm.2022.01.218
  4. Sullivan et al. (2023). Exploring Erectile Hemodynamics in Men Complaining of Hard-Flaccid Syndrome (HFS), The Journal of Sexual Medicine, Volume 20, Issue Supplement_1, qdad060.194. https://doi.org/10.1093/jsxmed/qdad060.194
  5. Hammad et al. (2023). Efficacy of Low-Intensity Shockwave Therapy on Hard Flaccid Syndrome: Initial Report of Three Cases, The Journal of Sexual Medicine, Volume 20, Issue Supplement_1, qdad060.405. https://doi.org/10.1093/jsxmed/qdad060.405