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Qual é a espécie de ácaro com as pernas de cor rosa, laranja ou vermelha?

Figura 1. Espécime adulto de ácaro Penthaleus sp., com um fluído (gota) saindo do ânus. 

          A subclasse Acari, a qual inclui os ácaros (múltiplas ordens) (1) e os carrapatos (ordem Ixodida) (2), representa um importante grupo de artrópodes pertencente à classe Arachinida (aracnídeos), esta por sua vez englobando também escorpiões, aranhas, opiliões e, mais recentemente, os xifosuros (3). Os ácaros possuem uma distribuição global, rivalizando os insetos no espectro de habitats. Vivem em água salgada ou fresca, em detritos orgânicos de todos os tipos, nos animais e nas plantas, na sua cama (4) e até no seu rosto (5). Eles estão entre os animais dominantes em pastos e solos aráveis, e, em florestas, superam em número todos os outros artrópodes. Algumas espécies vivem em cavernas e outras em fontes térmicas, e exibem várias relações ecológicas com outros animais incluindo comensalismo, predação, simbiose e parasitismo (6). Nesse último ponto, muitas espécies de ácaros são preocupantes pragas em plantações e criações de animais. Entre essas pragas, temos os "ácaros azuis da aveia" (Blue Oat Mite, ou BOM).

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(1) Ácaros estão distribuídos em duas superordens (Parasitiformes e Acariformes), e mais de 55 mil espécies já foram descritas até o momento, tornando-os os mais diversificados aracnídeos, e adaptados a uma variedade enorme de nichos ecológicos e ambientes, desde extremos polares e alpinos até regiões áridas e desérticas. Dificilmente percebemos esses animais no ambiente porque são muito pequenos, geralmente possuindo de 0,2 até <1 mm de comprimento - com notável exceção da subordem Holothyrida (adultos com 2-7 mm) e alguns membros da família Trombidiidae que podem exceder 12 mm. Existem registros fósseis de ácaros de quase 400 milhões de anos atrás (Ref.2). 

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(2) É interessante mencionar que, tecnicamente, os carrapatos são também ácaros, no caso, um grupo de ácaros de dimensões corporais relativamente grandes - adultos possuem comprimento variando de 1 a 5 mm, mas alcançando até 20 mm quando alimentados. Parasitas, alimentam-se obrigatoriamente de sangue, e muitos são importantes vetores de patógenos para humanos e outros animais. Exemplo (sugestão de leitura):  Quais os sintomas da febre maculosa?

(3) Leitura recomendadaEstudo conclui que os Xifosuros são aracnídeos com 10 pernas e carapaça

(4) Conhecidos como "ácaros de poeira", muitos desses aracnídeos - pertencentes em especial às famílias Pyroglyphidae (Fig.2), Acaridae, Glyciphagidae e Chortoglyphidae - são responsáveis por alergias em humanos (gatilhos de rinite alérgica, ataques asmáticos, etc.), e são encontrados em grande quantidade no ambiente doméstico, vivendo e procriando em tecidos, cama, carpete e em tudo acumulando detritos que forneça adequadas condições de comida e água. Muito pequenos (0,24-0,4 mm de comprimento e 3,5-13 microgramas de massa corporal), seus corpos, matéria fecal e outros resíduos corporais podem ser aspirados junto com a poeira no ar e provocar reações alérgicas respiratórias.

 

Figura 2. Macho (a) e fêmea (b) adultos da espécie Dermatophagoides farinae, um ácaro de poeira comum em ambientes doméstico e aqui observados através de microscopia de escaneamento eletrônico (SEM). Ibrahim et al., 2022

(5) Leitura recomendadaÁcaros no nosso rosto estão em dramático processo de transição evolutiva, aponta estudo

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          Pertencendo ao gênero Penthaleus (família Penthaleidae), os ácaros BOM possuem um comprimento corporal entre 0,7 e 1,1 mm e são facilmente reconhecíveis pela posição dorsal do ânus, este o qual é cercado por um faixa vermelha que destaca a abertura anal do corpo [porção posterior] preto ou azul/verde escuro (Fig.3). Até 1996, apenas uma espécie era reconhecida dentro do gênero, até uma revisão taxonômica reconhecer três espécies Australianas: P. major, P. minor e P. Falcatus. Desde então, apenas uma quarta espécie foi descrita, P. tectus, em 2005 (Ref.5). São importantes pestes agrícolas no sul da Austrália e em outras partes do mundo, atacando vários pastos, plantações e vegetais diversos durante o período de inverno. Esses ácaros se reproduzem via partenogênese (!), depositando de 1 a 3-6 ovos por vez sobre o solo, plantas ou outras superfícies associadas - e até 93 ovos ao longo da vida (Ref.6). Dependendo da estação do ano, podem depositar diferentes tipos de ovos com diferentes períodos de incubação.


Figura 2. Na foto, um adulto da espécie Penthaleus major, onde podemos ver claramente o ânus sobre o dorso da parte posterior do corpo (seta), cercado por uma mancha avermelhada. Adultos do gênero Penthaleus possuem um corpo globular de aproximadamente 1 mm de comprimento corporal e uma coloração tipicamente preto-azul escuro, além de oito pernas com coloração laranja-vermelha.

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(!) A partenogênese nessa espécie é do tipo telitoquia, ou seja, através da produção de ovos sem fertilização de machos. Em outras palavras, populações são essencialmente constituídas de fêmeas clonadas - mas de alguma forma esses ácaros têm conseguido manter considerável diversidade genética. Leitura recomendada: Partenogênese: É possível nascimento virgem em humanos?

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          Os ácaros BOM habitam endemicamente as zonas circumpolares do mundo, em especial no sul da Austrália, mas podem ser encontrados em zonas de clima temperado, incluindo regiões na América, Ásia e Europa. Provavelmente sobrevivem na maior parte das latitudes entre 25° e 55°. A princípio, são ausentes em áreas equatoriais e tropicais de clima quente, exceto em regiões mais frias de alta altitude. Na Austrália, populações de P. major já foram encontradas com densidade acima de 150 mil indivíduos por metro quadrado. Em 2009, a espécie P. major foi registrada pela primeira vez no Brasil, no Rio Grande do Sul (Ref.7) (Fig.3). Aqui no Brasil, ácaros BOM são regulados como "pestes de quarentena" (IN 41/2008 do Ministério da Agricultura).

Figura 3. Ácaros adultos e juvenis (setas brancas) no solo de uma plantação de aveia para pasto (espécie Avena strigosa), no Rio Grande do Sul. O P. major passa por três estágios imaturos antes de alcançar a fase adulta. Larvas possuem aproximadamente 0,3 mm de comprimento, e um corpo oval com três pares de pernas e uma coloração rosa-laranja, mudando para amarronzada e, então, para verde. Ninfas são maiores, com um comprimento corporal entre 0,45 e 0,54 mm e quatro pares de pernas (geralmente vermelhas) e possuem uma coloração variando de marrom a verde.


          Os ácaros BOM tipicamente fazem um pequeno buraco na planta e penetram as células epidérmicas, removendo o conteúdo celular através de sucção (bombeamento faríngeo) (Fig.4). A remoção do conteúdo celular, incluindo clorofila, resulta tipicamente em manchas prateadas-cinzentas na folhagem. Durante a alimentação, esses ácaros são solitários ou formam pequenos grupos de 5-10 indivíduos. Os mais juvenis preferem se alimentar de estruturas vegetais em início de desenvolvimento (ex.: brotos) próximas do solo, enquanto os adultos se alimentam de tecidos mais maduros das plantas - provavelmente porque são mais robustos e possuem peças bucais maiores. Esses ácaros são mais ativos durante partes mais frias do dia, e tendem a se alimentar à noite ou em tempos nublados. Consomem um espectro muito diverso de plantas, desde gramíneas até plantas ornamentais e de interesse agrícola, e em particular as plantas de aveia (gênero Avena).


Figura 4. Adulto de Penthaleus major se alimentando sobre uma folha de aveia.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Dhooria, M. S. (2016). Classification of Subclass Acari. Fundamentals of Applied Acarology, 63–71. https://doi.org/10.1007/978-981-10-1594-6_5
  2. From the book Mites Injurious to Economic Plants (1975). Lee R. Jeppson , Hartford H. Keifer and Edward W. Baker. https://doi.org/10.1525/9780520335431-002
  3. Marcondes & Dantas-Torres (2016). Diseases Caused by Acari (Ticks and Mites). Arthropod Borne Diseases, 537–548. https://doi.org/10.1007/978-3-319-13884-8_34
  4. Ibrahim et al. (2022). Species identification and seasonal prevalence of house dust mites in Asyut City, Egypt: A descriptive study in an urban area. Persian Journal of Acarology, 11(1): 83–99.
  5. Halliday, R. B. (2005). Systematics and biology of Penthaleus tectus sp. n. (Acari: Penthaleidae), a recently discovered pest of grain crops in eastern Australia. Australian Journal of Entomology, 44(2), 144–149. https://doi.org/10.1111/j.1440-6055.2005.00454.x
  6. Umina et al. (2004). Biology, ecology and control of the Penthaleus species complex (Acari: Penthaleidae). Experimental and Applied Acarology, 34(3-4), 211–237. https://doi.org/10.1007/s10493-004-1804-z
  7. Pereira et al. (2017). First Record ofPenthaleus major (Acari: Penthaleidae) in Brazil. Proceedings of the Entomological Society of Washington, 119(1), 157–161. https://doi.org/10.4289/0013-8797.119.1.157
  8. https://www.cabdirect.org/cabdirect/abstract/20103205817
  9. https://www.cabdirect.org/cabdirect/abstract/20203191952