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Mães de gêmeos não são mais férteis - apenas possuem mais sorte, conclui estudo

- Atualizado no dia 19 de dezembro de 2023 -

          Historicamente, mães produzindo gêmeos têm sido associadas, na média, com uma maior frequência de nascimentos do que mães que não deram luz a gêmeos. Essa observação tem sido interpretada como uma maior fertilidade intrínseca às mães de gêmeos, ou seja, uma tendência de engravidar mais facilmente independentemente da idade e de outros fatores. Isso faria sentido em termos evolutivos: apesar de mais custosa e arriscada a gravidez de gêmeos, mães capazes de gerar gêmeos teriam sido favorecidas pela seleção natural por serem mais férteis. Porém, um robusto estudo publicado esta semana na Nature Communications (Ref.1), analisando mais de 100 mil nascimentos da era pré-industrial na Europa, concluiu que a associação entre mães de gêmeos e maior fertilidade é resultado de uma falácia ecológica: mães de gêmeos estão ligadas a mais nascimentos não devido a uma maior fertilidade intrínseca, mas porque mães que dão luz mais frequentemente acumulam mais oportunidades para produzir gêmeos. 

          "Quando uma mulher dá a luz várias vezes, as chances aumentam de que pelo menos um desses nascimentos envolverá gêmeos. Mães de gêmeos não são 'supermães', apenas tiveram mais chances de produzir gêmeos," disse uma das coautores do estudo, Gine Roll Skjærvø, uma engenheira sênior e bióloga de comportamento humano no Departamento de Biologia da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, em entrevista ao jornal da universidade (Ref.2).

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          Nascimentos de gêmeos são raros mas significativos e observados em todas as populações humanas ao redor do mundo. Porém, ainda é pouco esclarecido o porquê desse fenômeno ocorrer de forma tão consistente na nossa espécie e o que influencia a sua prevalência. Gravidez de gêmeos também representam um desafio prático para a saúde pública, já que está associada a um maior custo de hospitalização e a maiores taxas de mortalidade tanto materna quanto neonatal (maior risco de complicações no parto e na gravidez em si).

          A biologia da geração de gêmeos nos humanos difere entre eventos monozigóticos e dizigóticos. Os eventos monozigóticos - ou "gêmeos idênticos" (1) -  ocorrem a uma taxa baixa e estável ao longo das populações (~0,35-0,4% dos nascimentos) e resultam da divisão de um embrião fertilizado no estágio inicial de desenvolvimento sem aparente razão ou clara correlação - porém, sabe-se que é uma consequência frequente de tecnologias de reprodução assistida (ex.: fertilização in vitro) e estão associados com uma assinatura epigenética (2). Em contraste, os dizigóticos - ou "gêmeos fraternos" - resultam da fertilização de dois óvulos por dois espermatozoides (3) e ocorre a uma taxa que é maior e mais variável entre e dentro das populações (~0,7-2,7% dos nascimentos). A taxa de gêmeos dizigóticos tem sido correlacionada com vários fatores ambientais, genéticos e de desenvolvimento, com um forte e particular efeito ligado à idade da mãe.

Gêmeos dizigóticos resultam da fertilização de dois oócitos (óvulos pré-fertilizados) por dois diferentes espermatozoides durante o mesmo evento de gravidez; nesse sentido, os embriões gerados compartilham ~50% do mesmo material genético. Gêmeos monozigóticos resultam da fertilização de um único oócito por um único espermatozoide, com a célula resultante (zigoto) se dividindo em duas e produzindo dois distintos embriões compartilhando ~100% do mesmo material genético. Enquanto gêmeos dizigóticos podem ser de sexos diferentes, gêmeos monozigóticos serão sempre do mesmo sexo porque parte do mesmo genoma.

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(1) Gêmeos monozigóticos não possuem carga genética idêntica como comumente alegado. Para mais informações, acesse: Gêmeos monozigóticos não são geneticamente idênticos

(2) Leitura recomendada: Cientistas encontram assinatura epigenética associada aos gêmeos monozigóticos

(3) É relevante mencionar que o evento de fertilização de dois ou mais óvulos pode envolver espermatozoides de diferentes homens, ou seja, em uma mesma gestação a mãe pode estar carregando gêmeos de diferentes pais. Para mais informações, acesse: O que é a superfecundação heteropaternal?

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          Como a produção de gêmeos dizigóticos envolve maior diversidade genética do que gêmeos monozigóticos, e é bem mais comum, já foi sugerido que essa aparente estratégia reprodutiva nos humanos é expressa por mulheres que suportam os custos associados à gravidez de gêmeos (4), esse o qual é recompensado por uma maior prole em um menor espaço de tempo - a ideia é que mulheres produzindo gêmeos seriam mais férteis ao liberarem com maior frequência dois óvulos durante a ovulação. Os riscos de uma gravidez de gêmeos são 4 a 5 vezes maiores do que aqueles associados à gestação de um único feto, e os quais incluem parto prematuro, natimorto, morte neonatal, diabetes gestacional, pré-eclâmpsia, depressão pós-parto e mortalidade materna (Ref.3). Porém, enquanto que os maiores riscos associados a uma gravidez de gêmeos são bem estabelecidos, a associação entre gêmeos e intrínseca maior fertilidade materna é um tópico controverso.

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(4) Em gravidezes múltiplas, os riscos de complicações aumentam de forma robusta para cada feto em desenvolvimento no útero materno. De acordo com a Lei de Hellins, a ocorrência espontânea (natural) de gêmeos na nossa espécie é de 1:80, tripletos é de 1:6400, para quádruplos é inferior a 1/700000, e, para quíntuplos, ocorre uma vez para cada 55 milhões de nascimentos (Ref.4). Gravidezes múltiplas são mais comuns em mulheres submetidas a tratamento de fertilidade. Nesse último ponto, o atual recorde registrado para uma gravidez múltipla em humanos - e onde os bebês sobreviveram após vários anos - é de uma mulher em Los Angeles, Nadya Suleman, a qual deu a luz a oito bebês (óctuplos) em 2009 com o auxílio de fertilização in vitro (IVF) (Ref.5-6). Comparado com mães de gêmeos, mães de tripletos, quádruplos e quíntuplos são mais prováveis de serem diagnosticadas com ruptura prematura das membranas, sangramento excessivo, parto com menos de 29 semanas de gestação e morte de um ou mais fetos/recém-nascidos (Ref.7).

> Em 2015, 1,7% de todos os bebês nascidos nos EUA foram concebidos via tecnologia de reprodução assistida, com 35% desse total envolvendo partos múltiplos (95,3% representando gêmeos). Transferência de embrião único (SET) é o método mais efetivo para se prevenir gravidezes de gêmeos, reduzindo a incidência para 0-2% (Ref.8). Muitas mulheres e casais desconhecem os riscos associados com a gravidez de gêmeos, e acabam ignorando o SET. A nível global, desde a década de 1980 a taxa de nascimento de gêmeos parece ter aumentado de 9,1 para 12,0 a cada 1000 nascimentos (~1,6 milhões de gêmeos por ano), um significativo aumento ligado em especial ao uso cada vez maior de reprodução assistida (Ref.9).

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           No novo estudo, os pesquisadores resolveram investigar mais a fundo a controvérsia associação entre gêmeos e fertilidade materna. Para isso, eles extraíram e analisaram 105833 nascimentos ligados a 21290 mães nascidas nos séculos XVIII (18) e XIX (19), constituindo uma amostra demográfica derivada de nove populações Europeias do período pré-industrial. Segundo estimativa dos pesquisadores, cerca de 80% dos gêmeos incluídos na análise eram dizigóticos, e com alguns raros casos de tripletos incluídos. 

          Em contraste com estudos observacionais prévios, os resultados da análise mostraram que mulheres que tiveram gêmeos não eram anormalmente mais férteis. Pelo contrário, quando os pesquisadores levaram em conta o fator 'sorte', mães de gêmeos mostraram dar a luz de forma menos frequente do que as outras mães. Segundo os autores do estudo, a associação encontrada entre mães de gêmeos e número de filhos seria consequência de dois mecanismos: 

i) mães dando luz mais tarde na vida do que a média mostraram ser mais prováveis de produzir gêmeos e de ter menos nascimentos;

ii) e mães eram mais prováveis de cessar a reprodução após gravidez de gêmeos, independentemente dos fatores causais responsáveis por essa tendência. 

           No estudo, os pesquisadores também apontaram falhas analíticas nos estudos prévios que sugeriam maior fertilidade em mães de gêmeos, as quais seriam explicadas pela falácia ecológica. A falácia ecológica é um tipo particular de errônea inferência onde padrões revelados a partir de comparações entre grupos são presumidos também de serem aplicáveis a dados individuais constituindo tais grupos. 

           Mas se gravidezes múltiplas em humanos são associadas com alto risco de várias complicações, por que a seleção natural não eliminou ou tornou extremamente baixa (não-significativa) a taxa para tais eventos?

          Notavelmente, os pesquisadores encontraram um claro pico de probabilidade para gêmeos quando as mulheres possuíam uma idade entre 35 e 40 anos de idade (!). Esse padrão corrobora análises estatísticas prévias, e suporta a Hipótese do Óvulo de Seguro. Essa hipótese defende que gêmeos dizigóticos - de longe, a mais comum forma de gravidez múltipla - ocorrem como um subproduto de poli-ovulação (liberação de mais de um óvulo durante a ovulação), um mecanismo compensatório condição-dependente contra mortalidade embrionária que portanto seria selecionado no sentido de ser mais prevalente com o avanço da idade materna.

           Mulheres engravidando mais cedo tenderão a ter menos gravidezes múltiplas porque a poli-ovulação é rara, e mulheres engravidando mais tarde tenderão a ter menos gravidezes múltiplas porque a poli-ovulação é compensada por uma taxa alta de mortalidade embrionária. A taxa de produção de óvulos excedendo a taxa de nascimentos, a taxa de gêmeos dizigóticos excedendo a taxa de gêmeos monozigóticos, e a frequente reabsorção de um óvulo fertilizado após uma fertilização dupla efetiva (ex.: síndrome do gêmeo desaparecido) fornecem também evidência indireta suportando a hipótese.

          Em outras palavras, como mulheres antes da menopausa mas com idade avançada possuem menor chance de uma gravidez de sucesso do que mulheres mais jovens, uma maior produção de óvulos durante a ovulação - e, consequentemente, maior chance de dois ou mais embriões em uma mesma gravidez - pode aumentar as chances de sobrevivência de pelo menos um embrião até o final da gestação e além do parto; como efeito colateral, existiria uma maior chance de dois ou mais embriões vingarem.

          Esse mecanismo estratégico de poli-ovulação mantido durante a evolução humana pode ajudar a explicar a persistente e significativa taxa de nascimento de gêmeos [dizigóticos] na nossa espécie. Se algum mecanismo similar de potencialização reprodutiva se aplica a gêmeos monozigóticos, isso é algo ainda incerto. 


   (!) GÊMEOS DIZIGÓTICOS

           É válido apontar que existem genes ligados a hiperovulação e aumento de probabilidade de mais de gravidez com gêmeos dizigóticos, apesar disso não significar necessariamente maior fertilidade (ex.: maior capacidade de gravidez efetiva e nascimentos vivos). Comparado à população geral, ter gêmeos dizigóticos parece ser ~2 vezes mais provável se um parente próximo (ex.: irmã) teve gêmeos dizigóticos (Ref.10). Esse tipo de gravidez múltipla também varia amplamente entre principais grupos de ancestralidade, com taxa de prevalência tão baixa quanto 2 para cada 1000 nascimentos ligados ao Leste Asiático até 20 para cada 1000 nascimentos ligados ao Leste Africano. Em contraste, gêmeos monozigóticos ocorrem a uma taxa razoavelmente constante de ~4/1000 nascimentos e não parece ser mais ou menos comuns em diferentes famílias.

          Fatores naturais de predisposição à ocorrência de gêmeos dizigóticos incluem idade materna e número prévio de filhos. Aumento na idade materna é uma das razões para as taxas de gêmeos dizigóticos espontâneos terem aumentado nas últimas décadas. Comparado com mães com idade de 18 anos, a taxa de gêmeos dizigóticos em mães com idade de 35 anos é 4x maior, mas declinando rapidamente após essa idade devido à depleção ovariana - fenômeno pensado de resultar de um reduzido feedback hormonal à medida que o pool dos folículos ovarianos diminui; isso leva a maiores concentrações do hormônio FSH no momento de seleção folicular, e mais frequente seleção de dois folículos dominantes (com liberação de dois oócitos que podem ser potencialmente fertilizados por espermatozoides).

          Os fatores genéticos de risco parecem influenciar na ocorrência de gêmeos dizigóticos ao agir principalmente através de um caminho comum influenciando níveis de FSH e/ou sensibilidade ao FSH. Esses fatores genéticos e mudanças específicas ligadas ao avanço da idade parecem envolver genes cruciais (ex.: GNRH1, FSHB, SMAD3, FSHR) no eixo hipotalâmico-pituitário-ovariano e um local genômico próximo do gene  ZFPM1 que podem modificar as concentrações de FSH (Ref.12). Somando-se a idade, o reduzido feedback hormonal com a idade modula a sinalização do FSH no momento da seleção folicular. Aumento das concentrações de FSH e aumento da sensibilidade ao FSH no período de seleção de folículos podem aumentar a janela de seleção permitindo dois folículos de serem selecionados, levando à gravidez de gêmeos.

          Porém, como existem diferenças marcantes entre as taxas de gêmeos dizigóticos ao longo de diferentes populações ao redor do mundo, fatores ambientais podem ser tão ou mais importantes do que os fatores genéticos.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Rickard et al. (2022). Mothers with higher twinning propensity had lower fertility in pre-industrial Europe. Nature Communications, 13, 2886. https://doi.org/10.1038/s41467-022-30366-9
  2. https://norwegianscitechnews.com/2022/07/twin-mothers-arent-more-fertile-just-luckier/
  3. Evans et al. (2022). Fetal reduction and twins. American Journal of Obstetrics & Gynecology MFM, Volume 4, Issue 2, Supplement, 100521. https://doi.org/10.1016/j.ajogmf.2021.100521
  4. Nasir et al. (2022). Spontaneous Quintuplets Born to a Woman Without Fertility Treatment in Riyadh Saudi Arabia. Journal of MAR Gynecology, Volume 2, Issue 6.
  5. https://www.guinnessworldrecords.com/news/2021/4/a-history-of-record-breaking-births-650288
  6. https://blogs.scientificamerican.com/news-blog/dodeca-mom-could-smash-multiple-bir-2009-08-18/
  7. Hussein, Ahmed Issak (2021). First recorded spontaneous quintuplets born in Somalia: A case report. International Journal of Surgery Case Reports, Volume 87, 106448.
  8. Sunderam et al. (2018). Effects of patient education on desire for twins and use of elective single embryo transfer procedures during ART treatment: A systematic review. Reproductive Biomedicine & Society Online, Volume 6, August 2018, Pages 102-119. https://doi.org/10.1016/j.rbms.2018.10.017
  9. Monden et al. (2021). Twin Peaks: more twinning in humans than ever before, Human Reproduction, Volume 36, Issue 6, Pages 1666–1673. https://doi.org/10.1093/humrep/deab029
  10. https://medlineplus.gov/genetics/understanding/traits/twins/
  11. Hoekstra et al. (2007). Dizygotic twinning. Human Reproduction Update, Volume 14, Issue 1, Pages 37–47. https://doi.org/10.1093/humupd/dmm036
  12. Mbarek et al. (2023). Genome-wide association study meta-analysis of dizygotic twinning illuminates genetic regulation of female fecundity, Human Reproduction, 2023;, dead247, https://doi.org/10.1093/humrep/dead247