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Decisão de excluir Plutão como planeta é baseada em folclore, astrologia, conclui estudo


          Em 2006, a União Internacional Astronômica (IAU), um grupo global de especialistas em Astronomia, estabeleceu uma definição de planeta que requer estritamente que o corpo em análise tenha sua órbita 'limpa'. Em outras palavras, para ser um planeta o corpo, além de ter uma massa mínima considerável, precisa ser a maior força gravitacional em sua órbita. Como a gravidade de Netuno influencia seu vizinho (Plutão), e Plutão compartilha sua órbita com gases congelados e objetos no Cinturão de Kuiper, isso significou o fim de Plutão como um planeta. Porém, desde então, vários cientistas planetários têm discordado dessa decisão (!).

(!) Leitura recomendada: Pesquisadores estão pedindo para que Plutão volte a ser classificado como planeta

          Agora, em um estudo de revisão publicado no periódico Icarus (Ref.1), renomados cientistas na área da astronomia argumentaram que a definição de planeta empregada pela IAU é muito vaga, conflitante e baseada essencialmente em folclore, incluindo teleologia e astrologia, não em real ciência. Segundo os autores, planetas englobam um espectro muito mais amplo de corpos espaciais que exibem complexidade geológica, incluindo grandes asteroides e satélites naturais. Essa definição mais abrangente seria historicamente e cientificamente suportada, além de ser abraçada pela maioria dos cientistas planetários e já amplamente usada na literatura acadêmica.

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   PLUTÃO E A DECISÃO DA IAU

           Plutão é um "planeta-anão" localizado no Cinturão de Kuiper, uma região circular de corpos congelados além da órbita de Netuno. Podem existir milhões desses objetos congelados, coletivamente referidos como 'objetos do Cinturão de Kuiper' ou 'objetos trans-Neptunianos', nessa distante região do Sistema Solar. Plutão é menor do que a Lua, possuindo cerca de 2380 km de diâmetro (próximo de metade da extensão dos EUA), uma massa quase 460 vezes menor do que a massa do planeta Terra, e uma atmosfera muito fina constituída de nitrogênio, metano e monóxido de carbono. 

          Plutão orbita o Sol a cerca de 5,8 bilhões de quilômetros distante na média e 40 vezes mais rápido do que a Terra. Um ano em Plutão é equivalente a 248 anos terrestres, e um dia dura 153 horas (6 dias terrestres). Devido à grande distância do Sol, as temperaturas superficiais em Plutão variam de 228°C negativos até 238°C negativos. Mesmo assim, forte evidência indica que existe um grande oceano de água salgada e líquida por baixo da sua superfície gelada (1). Existem inclusive montanhas similares àquelas da Terra na superfície de Plutão, mas ao invés de estarem cobertas de neve (água congelada), estão cobertas com metano (CH4) congelado (Ref.4).

(1) Leitura recomendada: Plutão possui um oceano, conclui estudo

           No total, são cinco satélites naturais orbitando Plutão. O maior deles, Charon, é tão grande relativo à Plutão que orbita esse último formando um sistema similar a um "planeta duplo", travado gravitacionalmente com o planeta-anão. 


   O QUE É UM PLANETA?

          Segundo a definição da IAU estabelecida em 2006, um planeta precisa clarear sua própria órbita, ou seja, ser a maior força gravitacional na sua órbita e não compartilhá-la ou cruzá-la com a órbita de outras corpos no espaço. Considerando que a gravidade de Netuno influencia seu vizinho, Plutão, e este último compartilha sua órbita com gases e objetos congelados no Cinturão de Kuiper, a IAU decidiu remover o título de planeta de Plutão.

          Porém, no novo estudo, liderado pelo cientista planetário Philip Metzger, do Instituto Espacial da Flórida na Universidade da Flórida Central, EUA, os autores argumentaram que essa definição de planeta da IAU é baseada essencialmente em folclore, incluindo astrologia, e que a organização deveria abandoná-la e retornar às origens, buscando uma taxonomia de fato científica. Segundo o estudo, a definição de Galileu no início do século XVII para um planeta - ou seja, que um planeta é um corpo geologicamente ativo no espaço - erodiu ao longo dos séculos e deveria ser revitalizada.

           Para essa conclusão, os pesquisadores realizaram uma robusta revisão englobando os últimos 400 anos da literatura astronômica explorando o campo planetário, e também uma detalhada análise do processo decisório na IAU que culminou na nova definição de planeta.

          Nesse último ponto, os autores primeiro reportaram que durante os procedimentos de decisão na IAU era evidente que não existia consenso acadêmico e que emoção tomou protagonismo em detrimento da razão. Em 2004, a IAU começou o processo para desenvolver uma definição de planeta quando estabeleceu um Grupo de Trabalho da Divisão III (Divisão de Sistemas Planetários). Esse grupo alegadamente foi incapaz de encontrar um consenso entre seus membros, e essa falha não teria sido devido a questões científicas, mas "aspectos que eram relacionados a problemas sociais e culturais." 

          Em 2006, em meio ao impasse denunciado, a liderança executiva do IAU resolveu estabelecer o Comitê de Definição Planetária, o qual passou a incluir historiadores, escritores, divulgadores científicos e educadores. Esse comitê foi criado de tal forma a manter suas discussões em segredo e não revelar a proposta taxonômica até a Assembleia Geral em Praga - justificando evitar pressão da mídia e do público no processo de decisão. Durante as discussões do comitê, foi alcançado um consenso de definição planetária em uma direção mais técnica e no sentido de restaurar uma taxonomia funcional da ciência planetária. A proposta favorecia um conceito geofísico para descrever um planeta, porém foi recebida com repúdio por membros de uma subcomunidade dinamicista que advogava por uma definição planetária dinâmica ou "balanceada" (geofísica e dinâmica).

         No acalorado debate que emergiu, um dos 'dinamicistas' chegou a comentar: "Se vocês não incluírem a definição de clareamento de órbita estarão insultando metade da comunidade científica planetária." Essa pesada fala e o subsequente espanto de testemunhas representariam a primeira evidência de que não houve consenso na definição final da IAU e que fatores emocionais prejudicaram um processo que estava caminhando para ser científico.

          Segundo os autores do novo estudo, "a decisão da liderança de forçar um voto sobre o conceito de planeta com apenas alguns dias de debate exacerbou profundas divisões ao forçar cientistas a tomar lados prematuramente e a participar de uma dinâmica social emocional que criou facções e uma necessidade psicológica de defender orgulho individual e organizacional."

           Em um período de aproximadamente 4 dias durante a Assembleia Geral, um grupo liderado primariamente pelos dinamicistas - em resposta ao comitê independente - propôs uma definição alternativa de planeta e a colocou em votação em cima da hora, sem qualquer discussão prévia mais ampla. Para piorar, apenas pouco mais do que 400 membros estavam ainda presentes para votar no final do encontro. Cientistas planetários, especialmente geocientistas planetários, estavam dramaticamente não-representados na votação final, em parte porque eles não eram membros nem da IAU nem das organizações associadas; parte porque cientistas planetários não atendem ordinariamente à Assembleia Geral; parte porque as propostas para a definição de planeta foram mantidas em segredo, chamando pouca atenção da comunidade científica em geral; e parte porque essas decisões nem mesmo deveriam estar no âmbito da assembleia.

           Previamente à votação, argumentos de ambos os lados (geofísicos e dinâmicos) investiram pesadamente em como o público responderia à definição final, já que os planetas são importantes para a cultura em geral. Ciência ficou amplamente abandonada, segundo reportes de testemunhas. Alguns inclusive argumentaram que o público não aceitaria uma definição que permitisse mais do que um pequeno número de planetas no Sistema Solar. Outros defenderam uma definição que agradasse ambos os lados de forma igual, visando conciliação em detrimento do processo científico. Quando a votação final tomou espaço, testemunhas reportaram um resultado quase dividido, mas favorecendo os dinamicistas.

           Nesse sentido, a definição final abraçada pela IAU passou a considerar que planeta é um corpo celestial que

(I) está em órbita ao redor do Sol;

(II) possui massa suficiente para sua auto-gravidade superar forças de corpos rígidos no sentido de assumir uma forma de  equilíbrio hidrostático (quase redonda); 

(III) clareou a vizinhança ao redor da sua órbita.

          Com essa definição, apenas oito planetas passaram a existir oficialmente no Sistema Solar: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno.

           Voltando ao novo estudo de revisão, agora explorando a história da Astronomia, os autores argumentaram que essa definição - como evidenciado pelo problemático processo de votação - não é pautada em nenhuma teoria científica, sendo derivada diretamente do conceito distorcido de planeta desenvolvido no início do século XIX, quando o público leigo começava a aceitar o heliocentrismo e cada vez mais a rejeitar a obsoleta visão do geocentrismo. Os autores também apontaram que vários cientistas na comunidade astronômica também rejeitam essa definição da IAU, especialmente considerando que essa última é limitada ao Sistema Solar e não acompanha os avanços da ciência na busca por e caracterização de planetas e sistemas extrassolares.


   REVOLUÇÃO COPERNICANA

           Na Europa, previamente à Revolução Copernicana, a Lua e o Sol eram dois dos sete planetas conhecidos. Após a Revolução Copernicana, cientistas não mais consideraram o Sol como sendo um planeta porque esse corpo celeste se tornou uma das "estrelas fixas", e a Terra se tornou um planeta porque se movia. Porém, para os cientistas Copernicanos, a Lua permaneceu um planeta e essa foi acompanhada por outros satélites naturais também considerados planetas. Ter o status de ser o principal corpo em uma órbita primária não era parte do conceito de planeta entre os cientistas do começo do heliocentrismo até a década de 1920, segundo apontou o novo estudo de revisão. Satélites eram considerados planetas secundários em relação ao corpo de maior gravidade na órbita (planeta primário).

           Galileu Galilei (1564-1642) observou características geológicas na superfície lunar e argumentou nessa base que a Lua é um corpo geológico e em constante mudança como a Terra. A partir disso, Galileu extrapolou que todos os planetas ("outras Terras") precisavam ser corpos geológicos, globulares (mas não globos perfeitos) e sem luminosidade própria. Johannes Kepler (1571-1630) também compartilhava dessa ideia. Isaac Newton (1643-1727) também parecia não ter o conceito de planeta definido por hierarquias orbitais, acreditando que os estados dinâmicos desses corpos tendiam a mudar e que a diferença causal entre planetas e seus satélites (planetas secundários) resultava do grau de acreção de massa (mesmo tipo de objeto em um contínuo de massa). 

             A essência dessa visão não mudou sob a luz da ciência moderna. Nós entendemos satélites naturais resultantes de uma variedade de processos: algumas vezes acrescendo massa diretamente do material original do disco solar (ex.: satélites Galileanos), às vezes ao capturar um copo primário (ex.: Tritão), e, às vezes, através de re-acreção seguindo uma colisão (ex.: Lua). Até a década de 1920, segundo mostrou a revisão do novo estudo, era de comum entendimento na comunidade de ciência astronômica que satélites eram planetas, apenas com diferença de massa entre esses corpos.


   SATÉLITES NÃO SÃO PLANETAS?

          Até a década de 1920, satélites eram considerados planetas entre os cientistas, mas em algum momento após 1920 esse conceito foi derrubado e satélites passaram a ser descritos na literatura acadêmica como corpos distintos. Essa mudança, segundo argumenta o novo estudo, ocorreu aparentemente sem base teórica ou causa histórica. Explorando a literatura não-científica, os pesquisadores encontraram que durante o início do século XIX o público leigo no Ocidente Latino desenvolveu sua própria taxonomia folclórica sobre os planetas, refletindo preocupações astrológicas e teológicas, e que essa definição folclórica eventualmente afetou os cientistas.

          Essa taxonomia popular começou a ser desenvolvida quando o público em geral começou a abraçar a cosmologia Copernicana (heliocentrismo), ou seja, a partir de meados do século XVIII, com relativa ampla adoção ao final desse século. A partir de 1857, quando divulgadores de astronomia amadores queriam escrever um livro astronomia, distinções começaram a ser feitas entre satélites e planetas primários, com esses últimos eventualmente sendo considerados "reais planetas". 

          Durante o século XVIII, o interesse em astrologia e outras práticas do ocultismo foram revigoradas no meio popular, apesar de rejeitadas entre as elites da sociedade tanto na Europa quanto nas Américas. Esse processo, chamado pelos historiadores de 'folclorização do oculto', tornou magia e astrologia uma grande força popular, imune aos avanços científicos e das elites intelectuais. Astrólogos antes servindo a poderosas e ricas figuras, passaram a voltar seus esforços de doutrinação e de influência para as camadas mais populares (ex.: venda de almanaques).

           A astrologia depende de uma crucial consideração sobre os planetas: eles precisam estar em número suficientemente reduzido e suficientemente ordenados para que suas alegadas influências na vida das pessoas pudessem ser lidas de forma simples e possibilitasse "plausíveis" deduções. Nesse sentido, considerar apenas os planetas primários como planetas era do interesse dos astrólogos, os quais então passaram a misturar esse conceito com a nova cosmologia Copernicana, e a popularizar essa mescla. 

           Criar uma interpretação para Urano (descoberto em 1781) sem a voz da antiguidade para dá-la credibilidade era até possível, mas inventar significados astrológicos para literalmente dezenas de novos planetas (primários e secundários) sendo descobertos no Sistema Solar não era uma tarefa comensurável nem mesmo para o mais habilidoso astrólogo. Além disso, vários planetas secundários frequentemente estavam nas mesmas partes do zodíaco que seus planetas primários, sendo impossível, por simples posição orbital, o envio de distintos "sinais" astrológicos "afetando" a Terra. 

          Nesse sentido, a astronomia estava cada vez mais provando que a astrologia estava desconectada da realidade, mas os astrólogos e seus panfletos e almanaques de divulgação popular passaram a manipular a lista de planetas que eles apresentavam ao público.

           Somando-se a isso, astrólogos passaram a incorporar elementos religiosos na astrologia, afastando esta do ocultismo para abocanharem o público de Cristãos Protestantes de meados do século XVIII. Órbitas de planetas primários passaram a ser associadas com atributos como fé, pureza e humildade. Órbitas seriam perfeitas - espelhando a Criação -, sem nenhuma interferência entre si, procedendo o trajeto em torno do Sol em harmonia eterna.

           Mesmo com a popularidade da astrologia perdendo força em meados até o final do século XIX, o argumento sobre a ordem divina dos planetas e o significado astrológico da órbita associada foram capazes de sobreviver, especialmente em veículos de popularização da ciência. Nesse sentido, entre o público geral, o interesse nos planetas não era sobre a natureza desses corpos (ex.: aspectos geológicos), mas na órbita e no ordenamento.

           A partir de 1894, o crescimento da astronomia entrou em um platô pelos próximos 56 anos, com um especial período chamado pelos autores do novo estudo de Grande Depressão da Ciência Planetária (1910-1955). Nesse período, publicações no campo planetário despencaram, e motivos parecem ser diversos, incluindo as Grandes Guerras deixando poucos recursos de investimento para ciências que não podiam ser diretamente aplicadas no campo de batalha. Além disso, o excitamento na descoberta de novos asteroides e satélites tinha sumido, já que vários tinham sido descobertos, e o foco da astronomia tinha dramaticamente se voltado para a espectroscopia estelar, descoberta de outras galáxias, relatividade, cosmologia, evolução estelar, física nuclear e análise de rádio.

          Justamente nesse período, ainda na década de 1920, livros escolares e acadêmicos pararam de citar os satélites e asteroides como planetas, com a taxonomia planetária cientificamente baseada começando a entrar em conflito com a taxonomia popular da "astrologia moderna". Apesar disso, os cientistas planetárias não rejeitavam os termos 'planeta primário' e 'planeta secundário', ou não os consideravam incorretos. A transição parece ter ocorrido em parte por conveniência e melhor adequação ao público e cultura associada, usando 'planeta' de forma geral para os planetas primários e 'satélite' para os planetas secundários. Somando-se a isso, os dados sobre as propriedades geofísicas e geológicas dos planetas eram ainda muito limitados, e a importância taxonômica visando classificar satélites, asteroides e planetas acabava sendo tratada com pouca relevância.

          O desinteresse científico pelo campo planetário até a década de 1960 teria facilitado a entrada da taxonomia folclórica na astronomia, com subsequente revisionismo histórico na astronomia para rejeitar os satélites naturais e asteroides como planetas.

          A partir da década de 1960, novo interesse se voltou para o campo planetário e os satélites naturais começaram a ressurgir em publicações acadêmicas referidos frequentemente como 'planetas' por cientistas planetários, incluindo o termo 'planeta terrestre' para a Lua. Novos ou otimizados instrumentos permitiram uma análise mais compreensiva e detalhada das características geológicas, geofísicas, atmosféricas e potencial de habitabilidade dos corpos no Sistema Solar, tornando mais evidente a natureza planetária dos satélites naturais. 

          Porém, segundo o novo estudo de revisão, os astrônomos que não eram cientistas planetários continuaram abraçando a taxonomia folclórica, limitando o espectro do que era considerado um planeta (ênfase orbital) e ignorando a complexa geologia dos planetas secundários.

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   COMPLEXIDADE GEOLÓGICA (Essência de um planeta)

          Quando a massa de um corpo é suficiente para um efetivo equilíbrio hidrostático, ou para processos de derretimento e diferenciação (crosta, manto, núcleo) via energia interna, o número de estruturas únicas aumentam. Se processos de transporte de massa e de energia são iniciados levando, por exemplo, ao desenvolvimento de plumas no manto e características crustais organizadas, a complexidade é aumentada ainda mais. Se oceanos e atmosfera são retidos, mais complexidade geológica e ciclos químicos, físicos e potencialmente biológicos podem emergir. Em massas suficientes, planetas sólidos e gasosos podem exibir campos magnéticos e aprisionar cinturões de radiação.

          Porém, a partir de um certo limite de acreção de massa, processos de fusão nuclear são iniciados, e o fluxo de calor produz um efeito homogeneizante, dando emergência a estrelas. Apesar de estrelas representarem um complicado fenômeno, esse corpo acaba retendo poucas estruturas únicas em relação a um planeta. Se um corpo se torna muito massivo, eventualmente acaba colapsando em uma estrela de nêutrons (2) ou em um buraco negro (3), e as características de diversidade se tornam ainda mais reduzidas.

Leitura recomendada:

           Complexidade (geológica, geofísica, atmosférica, etc.) é, portanto, maximizada em massas intermediárias, muito mais do que na faixa de massa da poeira cósmica (objetos extremamente simples) ou na maioria dos asteroides (objetos modestamente complexos), mas também maior do que estrelas (objetos modestamente complexos) ou buracos negros. A massa intermediária, segundo o novo estudo de revisão, caracterizaria os planetas (englobando os satélites naturais e muitos asteroides).

          Condensados no meio intra- e interestelar variam em massa de pequenas partículas na poeira interplanetária (~1016 kg) até buracos negros supermassivos (~1040 kg). Arredondamento gravitacional ocorre a partir de uma massa em torno de 1020 kg e fusão nuclear ocorre a partir de ~1029 kg, intervalo onde encontramos os planetas. O universo é estimado de consistir de 69% de energia escura, 25% de matéria escura e apenas 6% de matéria normal (bariônica) (4). Da matéria normal, 40-50% está no meio intergalático, ou seja, apenas 50-60% constitui as galáxias. Usando a Via Láctea como um representativo das galáxias, sua massa total é em torno de 54x109 massas solares, e existem cerca de 200 bilhões de estrelas com cerca de 10 grandes planetas por estrela. Se considerarmos uma média planetária de 2 massas terrestres, a massa planetária total da Via Láctea é em torno de 12x106 massas solares ou cerca de 0,02% da massa bariônica da galáxia. 

(4) Leitura recomendadaMatéria Escura, Energia Escura e Massa Negativa

          Nesse cenário, planetas compreendem, portanto, cerca de 0,01% da massa bariônica do Cosmos, 0,002% da massa total do Cosmos, ou 0,0005% da energia total do Cosmos. Essa pequena fração do Universo hospeda a mais rica complexidade do universo, e é crucial para a existência de vida e de civilização. Segundo os autores do novo estudo, esse fato ilustra a importância do conceito de planeta na filosofia e no reducionismo científico.

          Na definição proposta pelo Grupo de Trabalho de Definição Planetária da IAU em 2006 - e derrotada em votação -, um corpo para ser considerado um planeta deveria:

(a) diretamente orbitar o Sol (ou alguma outra estrela),

(b) ser suficientemente massivo para que a gravidade exceda sua força material (para que a constituição total do objeto esteja em equilíbrio hidrostático), mas

(c) não ser tão massivo a ponto de gerar energia através de fusão nuclear.

           Essa definição, portanto, se aproxima daquela defendida pelos cientistas planetários modernos (e refletindo o conceito desde Galileu e Kepler), esta a qual não está presa a parâmetros orbitais, ou seja, um planeta é:

(a) um corpo de massa sub-estelar que nunca passa por fusão nuclear e

(b) que possui suficiente auto-gravidade para ser redondo devido ao equilíbrio hidrostático.

           Essa última definição para um planeta é importante porque fenômenos ocorrem na massa intermediária de condensados (!) que não ocorrem em nenhum outro lugar do universo, incluindo a maior parte das coisas cruciais para a civilização humana: geologia, mineralogia, química complexa, biologia, ecologia, história, economia, arte, literatura, tecnologia, e toda a atividade mental de seres inteligentes. O fato dessa notável transição de massa existir no espaço exige uma categoria taxonômica que a englobe por inteiro. 

           Esse raciocínio é o mesmo para o sistema taxonômico na biologia. Por exemplo, não importa se um morcego é à primeira vista muito diferente de uma baleia ou de um humano: todos pertencem à classe dos mamíferos porque possuem importantes características comuns, como aleitamento materno por órgão especializado (mama). Entre os mamíferos, existem várias famílias, gêneros, espécies e subespécies. O mesmo para os planetas, os quais englobam corpos aparentemente muito distintos (asteroides, satélites naturais, planetas rochosos, gigantes gasosos, anãs sub-marrons, etc.) mas que compartilham características comuns, em especial complexidade geológica e geofísica. 

           O caso de Plutão é talvez o mais notável, considerando seu status de ex-planeta. Esse corpo é marcado por complexos processos geológicos, geofísicos e atmosféricos, incluindo um enorme oceano líquido de água salina em seu interior. Recentemente, um estudo publicado no periódico Nature (Ref.5) mostrou que calor gerado no interior de Plutão (fluxo de ~0.3 mW m-2 na superfície) é responsável pelas curiosas formas poligonais de nitrogênio congelado na sua superfície, produzidas por sublimação do gás associado (N2) e consequente processo de convecção nas camadas sólidas. Isso reforça que Plutão é ainda geologicamente ativo mesmo estando muito longe do Sol e tendo limitadas fontes de energia interna. Os movimentos resultantes na camada congelada na escala de 100 mil anos é comparável à velocidade de movimento das placas tectônicas na Terra.  

           Se formos considerar nível de complexidade geológica e geofísica suficientes para potencialmente permitir vida, temos inclusive mais satélites naturais no Sistema Solar do que planetas primários propícios ao fenômeno biológico. Para mais informações, fica a sugestão de leitura:

           Por fim, é interessante também mencionar outro cenário que emerge contra a limitante definição orbital da IAU para um planeta: corpos planetários interestelares, desde asteroides até anãs sub-marrons, que não estão ligados a uma estrela (Ref.6). Tais corpos "nômades" já foram detectados vagando sem rumo no meio interestelar - ejetados de sistemas estelares por causa de perturbações gravitacionais -, inclusive visitando o Sistema Solar, sem possuírem órbita definida ao redor de uma estrela. Corpos do tamanho de Netuno (Ref.7) vagando "perdidos" pelo universo não seriam considerados um planeta se extrapolássemos a definição da IAU. Apesar de serem difíceis de serem detectados por não estarem interagindo com um corpo estelar, é estimado que existam entre 2 e 60 planetas nômades por estrela na nossa galáxia.


   LUA É UM PLANETA (Pelas regras da IAU!)

           Reforçando provavelmente o caráter mais 'político' do que científico da definição da IAU para um planeta no Sistema Solar, em um estudo publicado em 2017 no periódico International Journal of Astronomy and Astrophysics (Ref.8), o pesquisador David G. Russel, do Departamento de Ciência da Owego Free Academy, EUA, argumentou que, com base nas regras da IAU/2006, a Lua deveria ser considerada um planeta, formando um sistema planetário duplo com a Terra.

> Primeira regra (Orbitar o Sol): Aqui, o corpo precisa ter uma órbita heliocêntrica e experienciar a maior força gravitacional do Sol (e não de outros planetas ou satélites). Russel demonstrou no paper que o efeito gravitacional do Sol sobre a Lua é maior (quase 2x) que aquele oriundo da Terra, e que a órbita lunar é sempre côncava no sentido do Sol e não da Terra. 

> Segunda regra (Equilíbrio hidrostático): O raio mínimo para um corpo gelado ter uma forma esférica por auto-gravidade é em torno de ~200-225 km, e as menores massas de tais corpos no Sistema Solar é em torno de 3,7-6,6x1019 kg para corpos rochosos, o raio mínimo é de ~300 km. O menor corpo rochoso esférico no Sistema Solar conhecido é o "planeta-anão" Ceres, com uma massa de 9,47x1020 kg. Portanto, a massa da Lua é pelo menos 80 vezes maior do que a massa mínima para um corpo rochoso esférico. E, de fato, ninguém questiona que a Lua possui uma forma esférica.

> Terceira regra (Clareamento de órbita): Um corpo é dinamicamente dominante na sua órbita se sua massa é pelo menos 100 vezes maior do que a massa de todos os outros corpos atualmente compartilhando sua zona orbital. Nesse sentido, a massa da Lua é 10 vezes maior do que a massa mínima para clarear a zona do sistema orbital Terra-Lua.

           O autor no estudo sugeriu uma revisão da IAU na definição de um planeta para garantir coerência taxonômica.


   (!) LIMITES DE MASSA

           É importante apontar que tanto o limite inferior quanto o limite superior de massa definindo geofisicamente um planeta são alvos de contínuos debates teóricos, especialmente porque todos os planetas primários, na prática, se afastam significativamente do equilíbrio hidrostático ideal, alguns mais outros menos. 

          Quando um objeto possui suficiente massa, a gravidade resultante pode superar a força mecânica dos seus materiais constituintes e levar o corpo a uma forma esferoidal. Quanto mais forte o material constituinte e mais lento o período de rotação, mais esférico o corpo será. Quanto mais fraco o material constituinte e mais rápido o período de rotação, mais oblato e elipsoidal o corpo será. Esse limite inferior de massa permitindo o arredondamento de um corpo por efeito gravitacional combinado é chamado de equilíbrio hidrostático. Objetos com uma massa inferior a esse limite são tipicamente irregulares.

            Nesse sentido, pode ser difícil determinar o quanto um corpo precisa ser esférico para caracterizá-lo como um planeta, porque isso dependerá de parâmetros como rotação, densidade e composição estrutural. Por exemplo, o asteroide gigante 4 Vesta não é considerado um corpo planetário em termos de classificação tradicional por não ser esférico o suficiente (Ref.9-10), mesmo possuindo 538 km de diâmetro, uma massa correspondendo a quase 9% da massa total do principal cinturão de asteroides do Sistema Solar, e uma estrutura interna dividia em crosta, manto e núcleo (similar à Terra). Enquanto isso o satélite natural gelado Mimas (395 km de diâmetro e muito menos massivo) parece uma esfera perfeita. Em termos de complexidade geológica, não há dúvida que ambos seriam classificados como planeta, apesar do parâmetro de equilíbrio hidrostático não ser talvez aplicável ao 4 Vesta para essa classificação.




           Quanto ao limite superior de massa, pode ser difícil diferenciar entre um corpo muito massivo formado por acreção de massa a partir de um disco estelar (formação planetária) e um corpo muito massivo resultante de uma instabilidade gravitacional (formação estelar). A simples existência de fusão termonuclear (envolvendo deutério - isótopo de hidrogênio) em massas muito grandes dependerá também da composição do objeto (ex.: nível de metalicidade). Evidência teórica recente (Ref.11) - independente do parâmetro de fusão nuclear - sugere um limite superior em torno de 10 massas Jupiterianas para um planeta. Aliás, nem mesmo a IAU especificou um limite superior de massa para um planeta em sua definição de 2006; em 2007, o Grupo de Trabalho do IAU sobre Planetas Extrasolares (WGESP) definiu o limite de massa superior em 13 massas Jupiterianas, mas esse limite é claramente controverso e pode englobar corpos que podem ter experienciado fusão de deutério em alguma parte da sua história.

   

   TABELA PERIÓDICA DOS PLANETAS

          Se seguirmos a definição geofísica de planeta, teremos dezenas de corpos já descritos no Sistema Solar que que seriam considerados planetas, incluindo grandes asteroides, planetas primários e satélites naturais (planetas secundários). Nesse sentido, recentemente foi proposta uma tabela periódica similar à tabela de elementos químicos para melhor organizar os planetas no Sistema Solar geofisicamente definidos (Ref.12). Já online no endereço https://tableofplanets.com/, a tabela traz números, símbolos, famílias verticalmente organizadas e outros agrupamentos úteis. Atualmente a tabela inclui 44 corpos planetários, e está aberta a novas inclusões e atualizações.



          O número faz referência ao período orbital do planeta (ex.: Mercúrio = 1, Vênus = 2, Terra = 3, etc.). Se o planeta orbita outro planeta, leva o número do planeta primário somado a um número decimal (ex.: Júpiter = 10; Io = 10,1). 

          O símbolo do planeta é uma abreviação do nome. Para planetas primários é a primeira letra do nome tradicional, exceto para Marte (A) por causa de Mercúrio (M). Para outros corpos planetários, é uma letra dupla.

          Planetas em órbita solar direta são colocados em duas colunas (famílias) distintas (planetas interiores e planetas exteriores), e os planetas secundários (satélites) são colocados em fileiras seguindo o planeta primário associado. Asteroides estão colocados em famílias distintas.

          Abaixo do símbolo e do nome completo, estão indicados o diâmetro médio (km), a massa (kg) e o período orbital (dias) de cada planeta. A cor indica o tipo composicional do planeta: verde (terrestre), laranja (gigante gasoso), azul (glacial), cinza (asteroidal) e roxo (gigante gelado). 

            Alguns planetas são descritos com um asterisco, indicando que são "planetas remanescentes". Aqui são incluídos os asteroides Vesta e Pallas, e os satélites Neptunianos Febe e Proteu. Esses planetas não cumprem adequadamente a definição geofísica de equilíbrio hidrostático, por não serem esféricos o suficiente; por outro lado, ainda existe debate sobre a forma esferoidal desses corpos, e estão no limiar de um corpo planetário. Atualizações na tabela podem eventualmente excluí-los ou mantê-los como planetas.

            O menor planeta na tabela é representado pelo satélite Uraniano Puck (diâmetro médio de 162 km). O maior é Júpiter (diâmetro médio de 139822 km).

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   CONCLUSÃO

           Taxonomia é parte vital do processo científico, e existe evidência de que a definição de planeta decidida em 2006 pela União Internacional Astronômica (IAU) não respeitou a coerência científica e, sim, a um esforço político-ideológico. Segundo os autores do novo estudo de revisão, a definição científica de um planeta deveria ser primariamente geológica e geofísica (intrínseca), e não com base em fatores orbitais e dinâmicos (extrínseca). Primeiro, porque a definição dinamicista da IAU é baseada em elementos astrológicos e teleológicos, segundo porque ignora um espectro de complexidade estrutural compartilhado de forma única entre vários corpos planetários (incluindo potencial de vida), e terceiro porque limita a classificação planetária ao Sistema Solar, ignorando os grandes avanços no campo da astronomia planetária extrassolar.

         "Planetas não mais são definidos pela virtude de serem complexos, com atividade geológica e o potencial para vida e civilização. Ao invés disso, eles foram definidos pela virtude de serem simples, seguindo certos caminhos idealizados ao redor do Sol," criticou o autor principal do estudo, Philip Metzger em entrevista para o jornal da Universidade da Flórida Central (Ref.15). "Para o termo planeta, eu e a maioria dos cientistas planetários consideram satélites naturais redondos como sendo planetas. Todos eles possuem processos geológicos ativos que são alimentados por uma variedade de processos internos, assim como qualquer mundo com massa suficiente para alcançar equilíbrio hidrostático. [...] é imensamente muito mais útil dividir planetas pelas suas características intrínsecas do que pelas suas dinâmicas orbitais."

              Os autores* também alertaram que a controversa votação de 2006 manda a mensagem para o público de que algo tão importante como a taxonomia científica pode ser decidida por simples voto. Isso diminui a importância do processo científico e pode trazer danos à credibilidade da ciência em meio ao público, produzindo prejuízos de longo prazo à ciência.

             Importante ressaltar que a questão taxonômica enfrenta árduos debates em todos os campos da ciência. Na Biologia, é clássico citar a dificuldade de definição para 'espécie', especialmente na diferenciação entre espécie e subespécie (!). Porém, o táxon espécie continua funcionalmente muito importante nos estudos biológicos, mesmo imperfeito. Da mesma forma, na ciência planetária, a definição de um planeta não deveria seguir "votações" e, sim, respeitar uma taxonomia funcional, abrangente e coerente.


(!) Leitura recomendada: Importante hipótese evolutiva de Darwin é finalmente provada 


*Coautores do estudo incluem Will Grundy, astrônomo no Observatório Lowell; Mark V. Sykes, executivo chefe e diretor do Instituto de de Ciência Planetária em Tucson, Arizona; Alan Stern, principal investigador da missão New Horizons (Plutão) da NASA e cientista chefe no Moon Express; James F. Bell, cientista planetário na Universidade do Estado de Arizona; Kirby Runyon, pesquisador sênior no Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins; e Michael Summers, professor na Universidade George Mason.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Metzger et al. (2021). Moons are planets: Scientific usefulness versus cultural teleology in the taxonomy of planetary science. Icarus, 114768. https://doi.org/10.1016/j.icarus.2021.114768 
  2. https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet/plutofact.html
  3. https://solarsystem.nasa.gov/planets/dwarf-planets/pluto/overview/
  4. Bertrand et al. (2020). Equatorial mountains on Pluto are covered by methane frosts resulting from a unique atmospheric process. Nature Communication 11, 5056. https://doi.org/10.1038/s41467-020-18845-3 
  5. Morison et al. (2021). Sublimation-driven convection in Sputnik Planitia on Pluto. Nature 600, 419–423. https://doi.org/10.1038/s41586-021-04095-w 
  6. Schulze-Makuch & Fairén (2021). Evaluating the Microbial Habitability of Rogue Planets and Proposing Speculative Scenarios on How They Might Act as Vectors for Panspermia. Life 2021, 11(8), 833. https://doi.org/10.3390/life11080833 
  7. Mróz et al. (2018). A Neptune-mass Free-floating Planet Candidate Discovered by Microlensing Surveys. The Astronomical Journal, Volume 155, No 3. https://doi.org/10.3847/1538-3881/aaaae9
  8. Alisa Bokulich (2014). Pluto and the ‘Planet Problem’: Folk Concepts and Natural Kinds in Astronomy. Perspectives on Science 22 (4): 464–490. https://doi.org/10.1162/POSC_a_00146
  9. https://solarsystem.nasa.gov/asteroids-comets-and-meteors/asteroids/4-vesta/in-depth/
  10. Steven Soter (2006). What Is a Planet? The Astronomical Journal, Volume 132, No.6. https://doi.org/10.1086/508861
  11. Kevin C. Schlaufman (2018). Evidence of an Upper Bound on the Masses of Planets and Its Implications for Giant Planet Formation. The Astrophysical Journal, Volume 853, No.1. https://doi.org/10.3847/1538-4357/aa961c
  12. Andrew Lesh (2021). A Periodic Table for the Planets. Versão 2021a. https://tableofplanets.com/downloads/A_Periodic_Table_for_the_Planets_by_Andrew_Lesh.pdf
  13. Jean-Luc Margot (2015). A Quantitative Criterion For Defining Planets. The Astronomical Journal, Volume 150, No.6. 
  14. Alisa Bokulich (2014). Pluto and the ‘Planet Problem’: Folk Concepts and Natural Kinds in Astronomy. Perspectives on Science 22 (4): 464–490. 
  15. https://www.ucf.edu/news/planet-decision-that-booted-out-pluto-is-rooted-in-folklore-astrology-study-suggests/