YouTube

Artigos Recentes

Encélado: O satélite em Saturno capaz de sustentar a vida


- Atualizado no dia 13 de fevereiro de 2024 -

Compartilhe o artigo:



            Apesar de geralmente ligarmos a existência de oceanos no Sistema Solar apenas com o nosso planeta, as evidências científicas acumuladas nas últimas décadas apontam fortemente a presença dessas grandes massas de água líquida em alguns satélites dos nossos planetas vizinhos e até mesmo no nosso ex-planeta, Plutão (Um oceano em Plutão?). Aliás, é provável que água líquida em abundância existiu na superfície de Marte há cerca de 3,8 bilhões de anos, antes da atmosfera do famoso Planeta Vermelho ter sido quase que completamente varrida com os Ventos Solares, após a perda do seu campo magnético. E mais recentemente, com os dados obtidos da Missão Cassini, astrônomos fizeram uma surpreendente descoberta: além de Encélado ter um gigantesco oceano debaixo da sua grossa camada de gelo superficial, esse satélite possui energia bioquímica para suportar vida e um complexo sistema de moléculas orgânicas!

- Continua após o anúncio -



      OCEANOS NO SISTEMA SOLAR

            A água, sem sombra de dúvidas, é a principal base de sustentação para a vida como a conhecemos. Sua molécula, H2O, possui propriedades físico-químicas únicas que permitem uma vasta complexidade bioquímica. Frutos do Big Bang (É possível viajar no tempo?) e das violentas explosões nas estrelas (Como são formados os elementos químicos?), seus dois elementos constituintes (hidrogênio - H - e oxigênio - O) se combinam através de várias formas - sejam biológicas sejam inorgânicas - para a produção da tão venerada molécula de água. Uma forma comum da água ser incorporada na massa de planetas e satélites pode ser a partir de impactos de inúmeros asteroides e cometas durante a formação dos mesmos, estes os quais podem conter bastante água no seu interior na forma de gelo e até líquida. Na Terra, por exemplo, pistas químicas nas águas oceânicas indicam que durante bilhões de anos nosso planeta foi alvo de incontáveis desses corpos, sendo esses impactos a maior fonte de água na superfície terrestre.

           De qualquer forma, fica claro que a presença de grandes massas de água líquida acabam sendo o primeiro grande indicativo da possível existência de vida em outros mundos além do nosso. Como já foi dito, observações astronômicas nas últimas décadas mostraram que os oceanos fora da Terra não existem apenas em mundos de estrelas distantes, mas também aqui dentro do nosso Sistema Solar. Resumidamente, podemos listar os corpos que hoje, no Sistema Solar, parecem abrigar vastos oceanos:

1. Europa (Satélite de Júpiter): Cientistas fortemente suspeitam que uma subsuperfície de oceano salgado se encontra sob a crosta de gelo desse satélite. Forças gravitacionais de Júpiter mantêm esse oceano líquido (gera calor a partir das movimentações das resultantes da força gravitacional na massa de Europa) e podem também criar parciais acúmulos de água (lagos ou bolsões) na camada exterior. Em 2014 e 2016, o telescópio Hubble identificou possíveis plumas de jatos de água saindo da superfície de Europa, as quais podem ser excelentes alvos para a missão ´Clipper´ que será, em breve, iniciada pela NASA.



2. Ganimedes (Satélite de Júpiter): É o maior satélite do nosso Sistema Solar e o único que possui seu próprio campo magnético. Estudos recentes indicam que um grande oceano de água salgada existe lá. Ganimedes pode, de fato, possuir várias camadas de gelo e água líquida em forma de sanduíche entre sua crosta e o núcleo.



3. Calisto (Satélite de Júpiter): A superfície cheia de crateras desse satélite está sobre uma muito grossa camada de gelo, a qual é estimada em ter cerca de 200 km de espessura. Um oceano de, no mínimo, 10 km de profundidade pode estar diretamente abaixo desse gelo todo.



4. Encélado (Satélite de Saturno): Cientistas estimam que existe um grande reservatório de água com cerca de 10 km de profundidade sob uma camada de gelo entre 30 e 40 km de espessura no polo sul do satélite. Esse oceano subterrâneo parece alimentar os poderosos jatos, expulsos de profundas fissuras (chamadas de "listras de tigre") na superfície do satélite. Em 2015, a sonda Cassini passou através das plumas dos jatos e encontrou gás hidrogênio misturado no meio delas. Já é conclusiva a existência de um oceano interno e global em Encélado.


5. Titã (Satélite de Saturno): Acredita-se que exista um oceano salgado - tão salgado quanto o Mar Morto - sob 50 km da sua crosta superficial de gelo. Esse oceano pode ser bem fino, situado entre camadas de gelo, ou pode ser bem grosso e se estender por todo o interior do planeta.



6. Mimas (Satélite de Saturno): Evidências científicas acumuladas fortemente apontam que existe um oceano sob sua superfície (Ref.10). Se Mimas realmente possui um oceano de água líquida, este repousa a cerca de 24 a 31 km abaixo da superfície detonada por inúmeros impactos.



7. Tritão (Satélite de Netuno): Gêiseres ativos na sua superfície expelem gás nitrogênio, fazendo esse satélite ser um dos conhecidos mundos dentro do Sistema Solar possuidores de atividade geológica. Características vulcânicas e fraturas marcam sua superfície congelada, prováveis resultados de forças gravitacionais de aquecimento promovidas por Netuno no passado. Um oceano líquido pode estar contido abaixo da sua superfície, mas não existe ainda evidência científica de suporte.



8. Plutão (Planeta Anão): Possuindo elevadas montanhas de água congelada e fluxos glaciais de nitrogênio e metano congelado, o nosso ex-planeta, surpreendentemente, é um mundo ativo. Linhas misteriosas em sua superfície podem indicar a presença de um oceano líquido abaixo da sua superfície (Para saber mais sobre o assunto, acesse: Um oceano em Plutão?).



-----------
> Um estudo recentemente publicado no periódico Nature (Ref.11) revelou que existe um oceano global escondido a uma profundidade de 20-30 km em outro satélite natural de Saturno, Mimas. Estima-se que o oceano possui menos de 25 milhões de anos de idade - provavelmente 5 a 15 milhões de anos - e ainda continua evoluindo. Mimas possui uma superfície cheia de crateras e é um satélite pequeno, com apenas ~400 km de diâmetro. O achado foi feito com base em uma inesperada irregularidade na órbita de Mimas, e possui importante implicação para a vida extraterrestre: sugere que mesmo satélites pequenos e inativos podem suportar oceanos capazes de suportar condições essenciais para a vida. Em outras palavras, aumenta o espectro de potenciais mundos no Universo com vida.
------------

- Continua após o anúncio -




     VIDA EM ENCÉLADO?

            Em um estudo publicado em 2017 no periódico Science (Ref.1), cientistas revelaram pela primeira vez uma impactante descoberta a partir das análises obtidas pela sonda Cassini. Como mencionado na lista anterior, quando foram observadas plumas de jatos saindo do polo sul de Encélado, as evidências se tornaram, virtualmente, conclusivas de que existe um real oceano de água líquida nesse satélite. Assim, a Cassini, que estava fazendo uma missão da NASA em Saturno, foi direcionada para o satélite. Ao passar pelas plumas, a sonda utilizou seu Espectrômetro de Massa Neutral (INMS, na sigla em inglês) para detectar os gases ali presentes. Em 28 de Outubro de 2015, em um dos seus mergulhos mais profundos nas plumas, o INMS encontrou que 98% das ejeções eram compostas por água, 1% era gás hidrogênio e o resto era uma mistura de outras moléculas incluindo gás carbônico, metano e amônia. A água, expelida por fraturas na camada de gelo acima do oceano, é inclusive fonte de material para um dos anéis de Saturno. Mas, entre esses constituintes, o mais impressionante foi a detecção de grandes quantidades de gás hidrogênio!

Plumas observadas no polo sul de Encélado/Imagem: Cassini, NASA

            Indo direto ao ponto, o gás hidrogênio (H2) é quase um doce para certos micróbios. Vida como a conhecemos aqui na Terra precisa de três principais ingredientes: água líquida, uma fonte de energia para o metabolismo e a presença de certos elementos essenciais (carbono, hidrogênio, nitrogênio, oxigênio, fósforo e enxofre). Água líquida está presente em abundância em Encélado. Já presença de gás hidrogênio no satélite - este o qual estaria sendo formado entre a reação da água com minerais do seu núcleo rochoso através de processos hidrotermais - fornece a segunda necessidade básica, ou seja, energia para o metabolismo. Assim, se existir vida microbiana lá, esta estaria utilizando o gás hidrogênio como substrato energético, através de um processo chamado de 'metanogênese', o qual também ocorre nas famosas fontes hidrotermais em nossos oceanos, no estômago de ruminantes e até mesmo no intestino de muitas pessoas (gases produzidos nas flatulências de alguns possuem metano na sua composição). Bem, a terceira exigência ainda não foi completamente satisfeita (!), porque não foram detectados enxofre e fósforo - direta ou indiretamente - no oceano de Encélado, mas é preciso lembrar que as análises desse satélite estão ainda engatinhando.





            Na metanogênese, também conhecida como biometanação, existe a produção de metano por micróbios chamados de metanógenos. Aqui na Terra, esse grupo de seres vivos está reunido dentro do domínio Archaea, tendo associação próxima com as bactérias anaeróbicas. O metano é um dos produtos finais dos processos metabólicos desses organismos, os quais não utilizam gás oxigênio (na verdade, esse gás é tóxico para esses micróbios). Ao invés do oxigênio, o receptor final de elétrons é o carbono, geralmente na forma de dióxido de carbono (CO2) - gás detectado nas plumas - ou ácido acético. Esses elétrons, os quais sustentam toda a cadeia metabólica, provém de moléculas orgânicas reduzidas como o gás hidrogênio. Ou seja, essa pequena molécula é a alimento desses microrganismos. Aqui na Terra, a metanogênese pode ter sido crítica para a origem da vida e as atividades hidrotermais produzindo hidrogênio gasoso nos nossos oceanos sustentam uma rica vida bacteriana.  

Aproveitando gás hidrogênio como alimento, organismos utilizando a metanogênese conseguem sustentar um complexo ecossistema nas fontes termais oceânicas mesmo na ausência de luz solar

           Assim como os outros oceanos líquidos espalhados pelo Sistema Solar, a energia térmica necessária para manter a água líquida em Encélado, vem da movimentação exercida na sua massa pela enorme gravidade de Saturno (energia potencial gravitacional sendo transformada em energia cinética e esta em energia térmica). Assim, mesmo estando distante bilhões de milhas da Sol, fonte térmica não falta, a qual também fomentaria a produção de hidrogênio ao agir junto com minerais ricos em ferro reduzido [Fe0 e Fe (II)] e suas interações com moléculas de água (estas seriam reduzidas, formando hidrogênio molecular). Na verdade, gás hidrogênio já tinha sido reportado em Março de 2015 pelos astrônomos, mas só foi realmente confirmado mais recentemente devido às longas análises dos dados obtidos que visavam evitar quaisquer erros. Mas é bom lembrar que reações hidrotermais são apenas uma das mais fortes hipóteses para a formação de hidrogênio molecular em Encélado, e outros processos abióticos não podem ser descartados.

- Continua após o anúncio -


       
           Relativo às taxas de escape de metano e de hidrogênio molecular nas plumas de Encélado, um estudo mais recente publicado no periódico Nature Astronomy (Ref.8), através de modelos matemáticos combinando ecologia microbiana e geoquímica, encontrou que:

(a) Essas taxas não podem ser explicadas apenas por alterações abióticas do núcleo rochoso por serpentinização. A serpentinização faz referência à reação entre rochas do manto ricas em olivinas (um silicato Mg-Fe) e a água marinha abaixo de 400°C, resultando na formação de minerais serpentinas (silicatos-Mg hidrosos) e magnetita, um óxido de ferro altamente magnético. Esse processo químico liberado muito calor, capaz de aumentar a temperatura das rochas associadas em até 260°C, alimentando termicamente as fontes hidrotermais. Para cada 300 litros de água marinha consumidos, são gerados em torno de 660 milhões de joules de calor por metro cúbico de rocha.

(b) Essas taxas são compatíveis com a hipótese de condições habitáveis para metanógenos.

(c) Essas taxas pontuam a mais alta probabilidade sob a hipótese de metanogênese, assumindo que a probabilidade de vida emergindo é alta o suficiente.

           Segundo os resultados do estudo, se a probabilidade de vida emergindo em Encélado é baixa, as medidas realizadas pela Cassini são consistentes com fontes hidrotermais alcalinas inabitadas mas habitáveis  e apontam para fontes desconhecidas de metano. Processos geoquímicos (abióticos) conhecidos pela ciência hoje não conseguem explicar, nem de longe, as altas taxas de metano escapando de Encélado sem a presença de vida. Uma hipótese abiótica nesse sentido, ainda sem convincente evidência de suporte, seria que matéria orgânica primordial pode estar presente no núcleo de Encélado sendo parcialmente transformada em hidrogênio molecular, metano e dióxido de carbono através de processos hidrotermais. Essa hipótese é muito plausível se for comprovado que esse satélite se formou através da acreção de material rico em matéria orgânica fornecida por cometas.

- Continua após o anúncio -



            A missão da sonda Cassini, a qual já durava 12 anos em torno de Saturno, teve fim em 2017, devido ao esgotamento do seu combustível. A sonda foi direcionada a colidir com a atmosfera do planeta em setembro, para assegurar que ela não colidisse com Encélado e o contaminasse com possíveis microrganismos (o que poderia dar falso sinal de vida alienígena microbiana em missões futuras para esse satélite). Mesmo sendo uma sonda muito avançada em termos de análises químicas, a Cassini não foi preparada para identificar presença de vida e por isso sondas mais sofisticadas serão enviadas para as plumas na tentativa de obter sinais de vida  sendo expelidos do interior do satélite.


Depois de grandes descobertas, a sonda Cassini encontrou o seu fim em 2017;


Artigos Relacionados:

REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. http://science.sciencemag.org/content/356/6334/155.full 
  2. https://www.nasa.gov/press-release/nasa-missions-provide-new-insights-into-ocean-worlds-in-our-solar-system
  3. https://www.nasa.gov/specials/ocean-worlds/
  4. http://www.sciencemag.org/news/2017/04/food-microbes-abundant-enceladus
  5. http://www.bbc.com/news/science-environment-39592059
  6. http://aem.asm.org/content/43/1/227.long
  7. http://news.stanford.edu/2015/05/18/methanogen-electricity-spormann-051815/
  8. https://www.nature.com/articles/s41550-021-01372-6
  9. https://oceanexplorer.noaa.gov/explorations/05lostcity/background/serp/serpentinization.html
  10. Rhoden & Walker (2022). The case for an ocean-bearing Mimas from tidal heating analysis. Icarus, Volume 376, 114872. https://doi.org/10.1016/j.icarus.2021.114872
  11. Lainey et al. (2024). A recently formed ocean inside Saturn’s moon Mimas. Nature 626, 280–282. https://doi.org/10.1038/s41586-023-06975-9