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Vietnã: Um exemplo a ser seguido no enfrentamento de uma pandemia

 

          O Vietnã é um país de renda média com um total de 97 milhões de pessoas - e densidade populacional 12 vezes maior que aquela encontrada no Brasil -, compartilhando 1300 km de fronteira com a China, epicentro inicial do novo coronavírus (SARS-CoV-2). Porém, mesmo com esse cenário demográfico e geográfico, até o final de 2020 o país experienciou apenas dois picos de transmissão comunitária (março-abril e julho-agosto) e reportou um total de 1465 casos confirmados de infecção pelo SARS-CoV-2 via teste PCR e 35 mortes registradas.

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Com experiência ganha de epidemias prévias, como a SARS (vírus SARS-CoV-1) em 2003 e a gripe aviária (H5N1) em 2004, e seguindo as orientações da ciência, o governo do Vietnã - com destaque para o Vice-Primeiro-Ministro Vu Duc Dam - nunca subestimou a gravidade da doença, e correu para se preparar mesmo antes do primeiro caso registrado no país, no dia 23 de janeiro de 2020. Com um rígido e eficiente programa de testagem, rastreamento e isolamento de casos e seus contatos (14 dias de isolamento para todos os infectados e contatos diretos), a primeira potencial cadeia de transmissão comunitária foi quebrada no final de janeiro. 

           Seguindo a detecção dos primeiros casos, o governo suspendeu os voos de Wuhan (epicentro inicial da pandemia) e, em fevereiro, fechou suas fronteiras e baniu todos os voos internacionais para e vindos da China, estendendo o banimento para o resto do mundo em março. Até o início de maio, quando a primeira onda foi controlada com sucesso, as escolas ficaram fechadas. Em paralelo, distanciamento físico, uso de máscara em público e restrições sobre viagens internas foram medidas amplamente adotadas e encorajadas com crescente rigor, e com forte suporte e aderência do público. Não havia divergência entre os governos, central e regionais, ou negacionismo.

           Locais suspeitos de transmissão foram colocados sob lockdown para derrubar a transmissão comunitária. Em 31 de março, quando transmissão comunitária foi escalada e o total de casos reportados no Vietnã excedeu 200, o Primeiro-Ministro declarou um lockdown nacional de 15 dias, se estendendo até o dia 30 de abril para cidades de alto risco. Durante esse lockdown, apenas viagens e serviços essenciais foram permitidos. Reuniões com mais de 2 pessoas em locais públicos foram proibidas. Pessoas foram orientadas a não saírem de casa exceto para atividades essenciais.

           E durante todo o tempo, testagem e necessários isolamentos em todos os viajantes entrando no país, e contatos diretos de infectados, continuaram sendo realizados com prontidão e rigor. Por um período de 99 dias consecutivos sem transmissão comunitária desde 16 de abril, o país começou a gradualmente se abrir, incluindo reabertura de escolas e retorno às atividades econômicas como restaurantes, lojas, serviços públicos e viagens domésticas. Viagens internacionais também foram lentamente voltando ao normal, trazendo casos de fora que eram prontamente identificados e colocados em quarentena, subindo o número total de casos confirmados de 268 para 415. 

          Porém, como esperado, essa abertura, mesmo cuidadosa, levou os casos confirmados a mais que dobrar (416 para 962) ao longo de quase um mês, seguindo o diagnóstico de um homem de 57 anos de idade no hospital de Da Nang C. A origem da primeira infecção identificada quebrando os 99 dias sem transmissão comunitária permaneceu desconhecida e marcou o início da segunda onda no dia 25 de julho na cidade de Nang - a maior cidade turística do país com mais de 1 milhões de habitantes locais e cerca de 8 milhões de turistas anualmente. A primeira morte no Vietnã foi então registrada no dia 31 de julho e subiu rapidamente para 21 mortes até o dia 15 de agosto. Novas medidas rígidas de restrição foram impostas, visando novamente eliminar a transmissão comunitária. Testagem, rastreamento e isolamento foram reforçados. Medidas mais rigorosas foram impostas para impedir imigrações ilegais que burlavam o sistema epidemiológico de controle nas fronteiras.

          Em Da Nang, um dia após o primeiro caso ser detectado, três hospitais em uma área de complexo hospitalar foram colocados sob lockdown. Um total de 6018 pessoas consideradas casos suspeitos foram colocadas em quarentena, e mais 6665 pessoa rastreadas como contatos diretos de casos positivos foram também isoladas e testadas. De 25 de julho até 2 de setembro, um estimado de 228 mil pessoas foram testadas em Da Nang (~25% da população total). Um hospital de emergência foi construído e mais dois foram colocados sob direção de um comitê especial do Ministério da Saúde para lidar com os casos positivos de infecção na cidade. Massivo rastreamento, testagem e isolamento de casos também foi direcionado para outras províncias com fluxo de pessoas originado de Da Nang. Ainda no início de setembro, efetivo controle epidêmico foi alcançado, eliminando novamente a transmissão comunitária no país.

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          No final de 2020, 730 mil indivíduos haviam sido colocados em quarentena em algum dos centros de isolamento ao longo do país, e 1,7 milhão de pessoas foram testadas para o SARS-CoV-2. Testagem em massa acoplada com uma criativa estratégia de análise conjunta de amostras - onde materiais nasal e da garganta coletados de 2-7 indivíduos eram colocados em um único tubo - foi crucial para a supressão da segunda onda entre julho e agosto.

          Outro fator importante para o controle epidêmico no Vietnã foi pesado investimento governamental para informar o público sobre o status da situação pandêmica e sobre medidas de segurança individual e coletiva, incluindo mensagens via aplicativos móveis e até viralização de músicas e vídeos populares educativos. A disseminação governamental unificada de informações construtivas e de orientações gerais permitiu que medidas não-farmacológicas de controle epidêmico (ex.: uso de máscaras cirúrgicas em público) fossem efetivamente adotadas pela população em geral sem necessidade de políticas de regulação compulsória. Nesse mesmo caminho de uso da tecnologia da informação, um aplicativo de smartphone ('Blue-zone') foi desenvolvido para facilitar o rastreamento de casos e dificultar o contágio individual, e tornado gratuito para download pelo governo (até o dia 20 de agosto, foram mais de 20 milhões de downloads).

           Para mitigar os impactos sócio-econômicos da COVID-19, a partir de agosto, o Vietnã lentamente abriu suas fronteiras para permitir trabalhadores altamente capacitados e especialistas de entrarem no país, apesar de todos passarem por um período obrigatório de 14 dias de isolamento, e com testagem contínua. O governo também forneceu massivos pacotes de suporte financeiro para negócios e empregados afetados pela COVID-19. Isso resultou em um crescimento de 2,91% no PIB de 2020 do Vietnã.

            Agora, o país avança na campanha de vacinação, não precisando acelerá-lo ou promovê-lo de forma desesperada porque atingiu o efetivo controle epidêmico de forma não-farmacológica, como ocorreu na China, Nova Zelândia, Coreia do Sul, entre outros (!).

(!) Leitura recomendada


          Não foi mágica. Foi compromisso sério de todo setor governamental frente à ameaça pandêmica. Alta coordenação, preparo técnico precoce, esforços multissetoriais e multi-níveis, comunicação responsável entre governo e população, todos esses fatores focados em uma efetiva resposta à COVID-19. Não caiam em narrativas contrárias. Aqui no Brasil, o governo Bolsonaro agiu para fomentar a disseminação do vírus, e não controlá-la. Apenas militância política nega isso.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. https://www.nature.com/articles/s41590-021-00882-9
  2. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7898365/
  3. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7182304/
  4. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7146658/
  5. https://academic.oup.com/jtm/article/28/2/taaa174/5908539
  6. https://gh.bmj.com/content/6/1/e004100.abstract