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Como a Nova Zelândia conseguiu eliminar a transmissão da COVID-19 no país?

- Atualizado no dia 14 de fevereiro de 2021 -


Com uma população total superior a 5 milhões de habitantes e situada em uma ilha (e arquipélago associado) no sul do Oceano Pacífico, a Nova Zelândia, sob a liderança da Primeira-Ministra Jacinda Arden, conseguiu eliminar a transmissão do novo coronavírus (SARS-CoV-2) - responsável pela doença COVID-19 -, acumulando um total de apenas 2230 casos e 25 mortes. Se comparássemos apenas em questão de números, esse total de mortes seria equivalente a ~1050 mortes caso considerássemos a população do Brasil (~210 milhões de habitantes). Mas, no Brasil, temos próximo de 10 milhões de casos registrados e voltamos novamente ao patamar de >1000 mortes diárias, e um acumulado que já ultrapassou as 238 mil mortes confirmadas - com os números de casos e de mortes provavelmente muito subestimados).

E a principal resposta para esse abismo epidemiológico entre Brasil e Nova Zelândia? Política guiada pela Ciência na ilha do Pacífico e Ciência guiada pela política no caos Sul-Americano. Essa desculpa de que um é uma ilha e o outro está em um continente não cola, porque temos outros caso similar de drástico controle epidêmico: a China, com uma população e densidade populacional muito maiores do que a Brasileira, e onde foram registrados menos de 90 mil casos e menos de 5 mil mortes.

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Logo após as descrições iniciais do surto do novo coronavírus em Wuhan, na China, reportes em janeiro deste ano confirmaram que a COVID-19 era quase certa de se transformar em uma séria pandemia. Apesar do natural isolamento geográfico da Nova Zelândia, as autoridades do país sabiam que a introdução do SARS-CoV-2 era iminente por causa do alto número de turistas e estudantes que chegam ao país todo verão, predominantemente da Europa e da China continental. Os modelos epidemiológicos de cientistas no país indicaram que a pandemia se alastraria rápido, colapsando o sistema de saúde, e levando irreparável dano aos povos nativos Maõri e pessoas do Pacífico. 

Nesse sentido, o governo da Nova Zelândia começou a implementar um plano prévio voltado para pandemias de influenza (vírus da gripe) já no começo de fevereiro, o qual incluía o preparo de hospitais para um maior influxo de pacientes. Também foi iniciado um reforço nas políticas de controle de fronteiras para atrasar o chegada da pandemia.

O primeiro caso na Nova Zelândia de COVID-19 foi diagnosticado em 26 de fevereiro. Nessa mesma semana, as autoridades Chinesas reportaram que a infecção pelo SARS-CoV-2 estava se comportando mais como uma síndrome respiratória aguda grave (SARS) do que como uma gripe, sugerindo que um confinamento da doença era possível.

Já pelo meio de março, estava claro que a transmissão comunitária estava ocorrendo na Nova Zelândia e que o país não possuía uma testagem e uma capacidade de rastreamento dos casos suficientes para conter o vírus - como feito com sucesso na Coreia do Sul, por exemplo. Assim, seguindo fortemente o aconselhamento de especialistas e as evidências científicas, os líderes do país - especialmente a Primeira-Ministra Jacinda Arden - mudaram decisivamente a estratégia de mitigação para uma estratégia de eliminação. O governo implementou um estrito lockdown (quarentena total) em todo o país (designado Alerta Nível 4) no dia 26 de março, incluindo o fechamento das fronteiras, a obrigação de permanecer em casa, o fechamento dos comércios e a suspensão de todas as atividades não-essenciais. 

Durante esse período de exponencial aumento dos casos locais, muitas pessoas se perguntaram se essa forma intensiva de controle iria funcionar.  

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Após 5 semanas de quarentena total, e com o número de casos declinando rapidamente, a Nova Zelândia diminui o nível de emergência para Alerta de Nível 3 por um adicional de 2 semanas, resultando em um total de 7 semanas do que foi essencialmente uma ordem nacional de 'ficar em casa'. 

Jacinda Ardern, em pronunciamento oficial, afirmou então no dia 27 de abril que o país conseguiu vencer a batalha da primeira onda contra o novo coronavírus, ao não registrar mais casos de contágios locais. "Não há transmissão [do vírus] generalizada e não detectada na Nova Zelândia", declarou Ardern. "Vencemos essa batalha." Algumas empresas, os estabelecimentos que entregam comida e as escolas foram autorizadas a reabrir as portas. Mas Arden também reforçou que não existia nenhuma certeza de que o risco da pandemia havia desaparecido por completo. 

No início de maio, o último caso conhecido de COVID-19 foi identificado na comunidade e a pessoa foi colocada em isolamento, marcando o fim definitivo da transmissão comunitária identificável. Em 8 de junho, o governo anunciou a redução no nível de emergência para Alerta Nível 1, portanto efetivamente declarando o fim da pandemia sobre a Nova Zelândia, 103 dias após a identificação do primeiro caso. O país se encontra agora em uma fase de pós-eliminação, a qual também traz suas próprias incertezas.

Os únicos casos que continuaram sendo identificados no país englobaram apenas viajantes internacionais, todos os quais são mantidos em quarentena ou isolamento por 14 dias após a chegada, para que não comprometam o status de eliminação do país. Obviamente, a Nova Zelândia permanece vulnerável para surtos futuros oriundos de falhas no controle de fronteiras e das políticas de isolamento/quarentena. De fato, vários países que conseguiram suprimir a curva epidêmica inicial do SARS-CoV-2 - incluindo a China, Hong Kong, Singapura, Coreia do Sul e Austrália - têm experienciado reincidências de surtos pontuais, com rápidas respostas de re-escalação das medidas de controle, como uso mandatório universal de máscaras (algo aliás que não foi inicialmente implementado na Nova Zelândia) (!).

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(!) Em meados de 2020, o Ministério da Saúde da Nova Zelândia (I) reforçou a recomendação do uso universal das máscaras para o enfrentamento de qualquer possível novo surto do SARS-CoV-2 no país. Para mais informações, acesse: Quais são as melhores e piores máscaras caseiras contra a COVID-19?
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Então, em agosto de 2020, a  Primeira-Ministra Jacinda Ardern impôs um novo lockdown de 12 dias na maior cidade do país, Auckland (1). Com 1,5-1,7 milhão de habitantes, a cidade voltou para um estado de Alerta Nível 3, após terem sido reportados novos casos de COVID-19, ligados a 4 membros infectados de uma mesma família (com exceção de um indivíduo entrando no país e isolado no controle de fronteira). São agora 29 casos confirmados, e um total de 38 pessoas colocadas em quarentena. Os cientistas do país ainda não sabem como ocorreram essas infecções, e não acreditam que o vírus (SARS-CoV-2) estava circulando sem ser detectado nos últimos 3 meses, especialmente considerando o sistema de testagem imposto nos hospitais (2). Talvez algum tipo de falha no controle de fronteira. De qualquer forma, o notório cientista e epidemiologista da Nova Zelândia Prof. Michael Baker chegou a afirmar na época: "A Nova Zelândia irá se livrar do vírus de novo." De fato, o surto foi rapidamente controlado. 

Hoje, após o rastreio e descoberta de apenas três novos casos de infecção com o SARS-CoV-2, a Primeira-Ministra da Nova Zelândia, Jacinda Arden, anunciou uma novo lockdown de três dias em Auckland (3).

O número total de casos (2330) e de mortes (25) têm permanecido baixos no país, com a taxa de mortalidade por habitante (4 para cada 1 milhão de habitantes) sendo uma das menores entre as nações desenvolvidas. A vida pública retornou ao quase normal. Muitas partes da economia doméstica estão agora operando a níveis pré-COVID-19. 

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Para mitigar os efeitos adversos na economia das medidas mais estritas de isolamento social, o governo na Nova Zelândia instituiu um programa especial de gastos visando dar suporte às empresas e negócios diversos, e suplementar a renda de empregados que perderam seus empregos ou cujos empregos estavam ameaçados.

Decisões governamentais rápidas e decisivas e baseadas na ciência foram críticas para a supressão pandêmica no país. A implementação de intervenção em vários níveis (medidas de controle de fronteiras, medidas de controle de transmissão comunitária, e medidas de controle caso-baseadas) comprovaram-se efetivas.

Aliado à confiança na Ciência, a Primeira-Ministra Jacinda Arden forneceu liderança empática e efetivamente comunicou mensagens essenciais para o público - reforçando que o combate à pandemia seria o trabalho unificado de um "time de 5 milhões" -, o que resultou em uma alta confiança pública e aderência voluntária às rígidas e desgastantes medidas de controle epidêmico.

A estratégia que a Nova Zelândia usou foi a mesma que aquela adotada pela China e pela Coreia do Sul: 'Eliminação da Doença' (4). Essa estratégia difere da mitigação e da supressão da doença sendo adotada pela maior parte dos países. Na eliminação da doença, é visado a quebra total de transmissão do patógeno, não apenas um achatamento da curva epidêmica. A definição para a eliminação da COVID-19 incluem os três seguintes componentes:

- Ausência de novos casos diagnosticados de infecção com o SARS-CoV-2 a partir de transmissão comunitária - dentro de uma definida jurisdição ou região, por um período (como 28 dias desde o último caso conhecido na comunidade que foi colocada em isolamento);

- Presença de um sistema de vigilância de alta performance - com uma cobertura demográfica e geográfica apropriada, operando continuamente, com suficientes volumes de testes para fornecer razoável certeza na detecção de surtos em um determinado período (por exemplo, um número mínimo de pessoas testas para cada 1000 na população por dia ou um número específico de testes por dia);

- Rígido controle nas fronteiras internas ou externas, isolando casos positivos até que estejam seguros para entrarem em comunidades onde a transmissão foi zerada.
 
O estado de eliminação da doença será mais rapidamente alcançado quando a ciência é seguida, o comprometimento político é forte e as ações são decisivas. Um exemplo fora da Nova Zelândia que ilustra bem uma ação rápida e cirúrgica de eliminação da doença ocorreu na cidade Chinesa de Qingdao: China mostra ao governo Brasileiro como usar os testes RT-PCR no controle epidêmico

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Enquanto isso, no Brasil, temos a "liderança" de um presidente que já derrubou dois Ministros da Saúde por causa de um medicamento sem eficácia terapêutica contra a COVID-19, que tenta diminuir a todo momento a gravidade da pandemia e da doença associada, e que, ao ser questionado sobre o enorme número de casos de mortes acumuladas respondeu "E daí?". Temos um número ridículo de testagens, completa desorganização entre os níveis federal e estadual, políticas falhas de isolamento social, mensagens contraditórias e frequentemente anti-científicas entre os setores governamentais para a população, e uma curva epidêmica que se transformou em um platô de alto número diário de mortes (>1000 na média). Programas de vacinação foram gravemente atrasados, e até mesmo uma campanha anti-vacina foi promovida pelo presidente Jair Bolsonaro. Um caos fruto de uma ciência abafada pela ignorância política. 



> Referência: NEJM

(I) Referência adicional: Health.govt.nz

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