Megalodon: A colossal máquina de caça dos mares pré-históricos
O famoso e extinto Megalodon (Otodus megalodon) é conhecido quase que exclusivamente de dentes fossilizados. Estimativas das dimensões corporais desse enorme tubarão têm sido feitas essencialmente a partir desses dentes, usando o tubarão-branco (Carcharodon carcharias) como o único análogo moderno. Porém, isso pode ser problemático, já que essas duas espécies pertencem a diferentes famílias, e a posição da linhagem associada ao gênero Otodus não é bem esclarecida dentro dos Lamniformes (ordem de tubarões que engloba o O. megalodon e o C. carcharias). Um estudo publicado em 2020 no periódico Scientific Reports (Ref.2), pesquisadores usaram dados de vários clados de Lamniformes e dados fósseis acumulados até o momento do Megalodon para estimar as dimensões corporais desse tubarão pré-histórico. Os resultados indicaram que um adulto com um comprimento de 16 metros possuía uma poderosa cabeça de quase 5 metros de comprimento, uma nadadeira dorsal do tamanho de um humano adulto e um corpo adaptado para rápidas investidas.
MEGALODON
Considerado o maior tubarão macropredatório conhecido que já existiu, o Megalodon (Otodus megalodon ou Carcharocles megalodon) - também conhecido como Megalodonte - tem sido reportado de sedimentos do Mioceno e alguns do Plioceno de todos os continentes exceto da Antártica, indicando uma distribuição quase global dessa espécie. Acredita-se que esse tubarão crescia de forma contínua com o avanço da idade, com indivíduos adultos alcançando estimados 16-18 metros de comprimento e uma massa que pode ter excedido as 60 toneladas. Um modelo matemático otimizado e baseado na largura de dentes fossilizados do O. megalodon sugeriu um comprimento máximo de 20 metros (Ref.11). Nesse sentido, o Megalodon é considerado um dos poucos superpredadores do Mioceno, junto com as notáveis baleias-cachalotes-gigantes (Leviathan melvillei) (!), também extintas.
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> É sugerido que tamanhos extremos entre 18 e 20 metros eram restritos a populações de Megalodon habitando águas marinhas mais frias (Ref.17).
> É estimado que o Megalodon primeiro emergiu no Mioceno Médio, há cerca de 15,9 milhões de anos (Ref.18).
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Apesar da fama de caçador de grandes baleias, o Megalodon provavelmente possuía um espectro generalista de presas - similar ao tubarão-branco moderno -, com um foco em mamíferos. Segundo evidências acumuladas nas últimas décadas, a dieta dos Megalodons adultos pode ter compreendido desde mamíferos marinhos e peixes ósseos e cartilaginosos até aves e répteis marinhos, cefalópodes e outros invertebrados. Indivíduos mais jovens e filhotes provavelmente possuíam uma dieta mais focada em peixes. De qualquer forma, a presa principal dos adultos parece ter sido baleias (subordem Mysticeti) de dimensões pequenas a médias (2,5-7 metros de comprimento).
Considerando que o tubarão-branco ataca somente indivíduos cetáceos que são consideravelmente menores do que ele, e nunca ativamente caça animais do seu porte ou maiores, é improvável que o Megalodon predava grandes baleias de forma regular. Por outro lado, evidências fósseis - marcas de dentes e presença de dentes fossilizados junto com fósseis de baleias - indicam que o Megalodon se alimentava de grandes cetáceos, mas primariamente de carcaças. De fato, acredita-se que boa parte das calorias diárias consumidas pelos adultos dessa espécie eram oriundas de carcaças de baleias - mortas durante caçadas ou por fatores como doença e morte natural.
Os dentes do Megalodon são o resultado de pelo menos 12 milhões de anos de evolução, via uma lenta e gradual mudança de dentes flanqueados por mini-dentes (cusplets laterais) nos ancestrais desse tubarão até culminar em largas lâminas uniformemente serradas e planas - ferramentas perfeitas de corte - provavelmente especializadas em caçar mamíferos (Ref.3). Porém, evidências mais recentes sugerem que a distinta morfologia dental desses tubarões representaram um produto colateral não-funcional de processos seletivos favorecendo grandes dimensões corporais, e não necessariamente uma adaptação para a caça (Ref.9). Considerando a estrutura desses dentes - o quais podiam ultrapassar os 18 cm de comprimento -, é sugerido que a tática de caça do Megalodon visando baleias de porte médio consistia em desferir uma única e poderosa mordida na presa, imobilizando-a e deixando-a morrer com o subsequente e massivo sangramento. Após perseguir a presa moribunda, o Megalodon devorava a carcaça resultante.
Com base de referência na força de mordida do tubarão-branco - a qual pode exceder 18000 N (equivalente ao peso de 1,8 toneladas na superfície da Terra) -, estima-se que a mordida do Megalodon alcançava 120000-180000 N (equivalente ao peso de 12-18 toneladas na superfície terrestre) (Ref.4), valor máximo que a torna a mais forte mordida conhecida na história do planeta.
> Leitura recomendada: Qual a mais forte mordida estimada para um animal terrestre?
Evidências e revisões paleontológicas nos últimos anos sugerem que o Megalodon foi extinto há cerca de 3,6 milhões de anos (Ref.5). Como não existe até o momento sólida evidência para um fator climático ou geográfico para esse evento de extinção, é sugerido que fatores bióticos foram a causa. Competição com os mamíferos cetáceos é uma das hipóteses, mas a competição com os recém-emergidos tubarões-brancos (C. carcharias) é a mais plausível. A evolução dos tubarões-brancos modernos iniciou-se há cerca de 6 milhões de anos e apenas no Pacífico; há 4 milhões de anos, os tubarões-brancos já tinham se espalhado pelo mundo inteiro, coincidindo com o período de extinção do Megalodon.
DIMENSÕES CORPORAIS
Atualmente, existem vários modelos competindo entre si para a evolução e classificação cladística dos mega-tubarões dentro da ordem Lamniformes. Estudos nos últimos anos vêm defendendo preferencialmente modelos nos quais o Megalodon e outros tubarões extintos próximo-relacionados (como seu ancestral direto Carcharocles chubutensis) representavam uma linhagem separada (Otodontidae) daquela levando ao atual tubarão-branco (Carcharodon carcharias, Lamnidae). Mesmo assim, ainda dentro desse modelo existem diferentes hipóteses filogenéticas, onde diferentes gêneros são atribuídos ao Megalodon, incluindo Carcharocles, Measelachus e Procarcharodon.
Em um estudo publicado em 2020 na Scientific Reports (Ref.2), pesquisadores seguiram a hipótese dando suporte para o gênero Otodus, derivado do gênero extinto Cretalamna. Para contornar essas disputas filogenéticas, os pesquisadores resolveram estimar as dimensões corporais do Megalodon adulto via uma análise comparativa envolvendo registros fósseis e cinco atuais lamniformes fisiologicamente e ecologicamente similares: Carcharodon carcharias, Isurus oxyrinchus, Isurus paucus, Lamna ditropis e Lamna nasus.
Os resultados das análises sugeriram que um Megalodon adulto de 16 metros de comprimento possuía uma cabeça com ~4,65 metros de comprimento, uma nadadeira dorsal de ~1,62 metros e uma cauda de ~3,85 metros de altura. Análises morfométricas sugeriram que essa enorme espécie provavelmente tinha uma nadadeira dorsal convexa estabilizando rápidos movimentos predatórios e longos períodos de nado. Esse tipo de locomoção pode ser sido otimizado via mesotermia (animal com uma estratégia termorregulatória intermediária entre animais de sangue frio - ectotérmicos - e de sangue quente - endotérmicos), permitindo súbitas acelerações e nados de alta velocidade (!).
Em relação à cabeça, os pesquisadores concluíram que essa parte do corpo era provavelmente robusta no Megalodon, corroborando a preferência por presas de grandes dimensões corporais (baleias de pequeno-médio porte no caso). Seus massivos maxilares teriam requerido grandes músculos de suporte, provavelmente resultando em um focinho mais curvo do que aquele observado no tubarão-branco moderno e corroborando uma extrema força de mordida. Finalmente, considerando os atuais tubarões macropredatórios, os pesquisadores propuseram que o Megalodon provavelmente possuía a parte superior do corpo (em relação ao eixo horizontal) com uma pigmentação mais escura, como mostrado na paleoarte abaixo. Esse padrão de coloração da pele teria permitido que esse tubarão se camuflasse contra o fluxo de luz oriundo da superfície marinha, facilitando predação via emboscada.
MÃES ATENCIOSAS?
(!) DISPUTA ACIRRADA
Os maiores dentes de um predador que - até onde sabemos - já existiram no planeta vêm de um gigante dos mares: a Cachalote-Gigante (Livyatan melvillei): seus dentes podiam alcançar 12 cm de diâmetro e 36 cm de comprimento! Na imagem abaixo, na parte inferior à esquerda, podemos ver o esqueleto da cabeça reconstruída de um espécime, com um comprimento de 3 m e largura de 1,9 m. É estimado que o comprimento corporal máximo alcançava 17,5 m. Ainda na imagem, na parte inferior à direita, podemos ver três dentes dessa baleia (a, b e c) e a comparação com o dente de uma Cachalote moderna (d) e de uma Orca (e). Essas baleias viveram entre 12 e 13 milhões de anos atrás, compartilhando os mares do Mioceno com os Megalodons e provavelmente competindo com esses últimos por recursos alimentares (especialmente baleias de pequeno-médio porte ricas em calorias). Um Megalodon assustava, mas com certeza não era bobo de cruzar o caminho dessa cachalote.
A coexistência de vários megapredadores como o L. melvillei e o C. megalodon pode ter refletido antigas distribuições de tamanho entre os mamíferos marinhos. Baleias-verdadeiras (Mysticeti), em particular, eram menores durante o Mioceno do que as atuais baleias desse clado, um padrão que apenas mudou com a emergência da glaciação do Hemisfério Norte e a extinção da maioria das espécies de menor porte há cerca de 3 milhões de anos (Ref.13). Ambos, L. melvillei quanto o C. megalodon podem ter persistido até esse período, quando o declínio de misticetos de menor porte e de vários outros vertebrados marinhos deixaram os dois megapredadores sem a principal fonte de alimentação. A situação pode ter piorado com a ascensão dos tubarões-brancos como competidores mais bem adaptados para o novo cenário de presas.
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Curiosidade: A Cachalote-Gigante, ao contrário da maior cachalote moderna (Physeter macrocephalus), possuía dentes maxilares (superiores) e mandibulares (inferiores). A P. macrocephalus possui apenas dentes inferiores.
> A Cachalote-Gigante habitou mares do Hemisfério Sul - com apenas um registro fóssil conhecido na região do norte Europeu -, mas existe evidência recente que outro gigante do gênero Livyatan também habitou mares no hemisfério norte durante o Mioceno, na região sul da Califórnia.
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0031018216305417
- https://www.nature.com/articles/s41598-020-71387-y
- https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/02724634.2018.1546732
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- https://peerj.com/articles/6088/
- https://zslpublications.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1469-7998.2008.00494.x
- Lambert et al. (2010). The giant bite of a new raptorial sperm whale from the Miocene epoch of Peru. Nature, 466(7302), 105–108. https://doi.org/10.1038/nature09067
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- https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/08912963.2020.1812598
- Collareta et al. (2021). Vertebrate Palaeoecology of the Pisco Formation (Miocene, Peru): Glimpses into the Ancient Humboldt Current Ecosystem. Journal of Marine Science and Engineering, 9(11), 1188. https://doi.org/10.3390/jmse9111188
- https://www.floridamuseum.ufl.edu/discover-fish/sharks/fossil/shark-teeth/
- Sternes & Shimada (2022). Body forms of extant lamniform sharks (Elasmobranchii: Lamniformes), and comments on the morphology of the extinct megatooth shark, Otodus megalodon, and the evolution of lamniform thermophysiology. Historical Biology. https://doi.org/10.1080/08912963.2021.2025228
- Cooper et al. (2022). The extinct shark Otodus megalodon was a transoceanic superpredator: Inferences from 3D modeling. Science Advances, Vol. 8, No. 33. https://doi.org/10.1126/sciadv.abm9424
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- Shimada et al. (2023). Tessellated calcified cartilage and placoid scales of the Neogene megatooth shark, Otodus megalodon (Lamniformes: Otodontidae), offer new insights into its biology and the evolution of regional endothermy and gigantism in the otodontid clade. Historical Biology. https://doi.org/10.1080/08912963.2023.2211597
- https://palaeo-electronica.org/content/2024/5079-megalodon-body-form