Megalodon: A colossal máquina de caça dos mares pré-históricos
O famoso e extinto Megalodon (Otodus megalodon) é conhecido quase que exclusivamente de dentes fossilizados. Estimativas das dimensões corporais desse enorme tubarão têm sido feitas essencialmente a partir desses dentes, usando o tubarão-branco (Carcharodon carcharias) como o único análogo moderno. Porém, isso pode ser problemático, já que essas duas espécies pertencem a diferentes famílias, e a posição da linhagem associada ao gênero Otodus não é bem esclarecida dentro dos Lamniformes (ordem de tubarões que engloba o O. megalodon e o C. carcharias). Aliás, evidência mais recente sugere que um melhor modelo ainda vivo para esse antigo tubarão é o tubarão-limão (espécie Negaprion brevirostris, ordem Carcharhiniformes).
MEGALODON
Considerado o maior tubarão macropredatório conhecido que já existiu, o Megalodon (Otodus megalodon ou Carcharocles megalodon) - também conhecido como Megalodonte - tem sido reportado de sedimentos do Mioceno e alguns do Plioceno de todos os continentes exceto da Antártica, indicando uma distribuição quase global dessa espécie. Acredita-se que esse tubarão crescia de forma contínua com o avanço da idade, com indivíduos adultos alcançando estimados 16-18 metros de comprimento e uma massa que pode ter excedido 60 toneladas. Um modelo matemático otimizado e baseado na largura de dentes fossilizados do O. megalodon sugeriu um comprimento máximo de 20 metros (Ref.11). Porém, evidência mais recente sugere que alguns indivíduos podem ter ultrapassado 24 metros e mais de 90 toneladas de massa corporal (Ref.22). Nesse sentido, o Megalodon é considerado um dos poucos superpredadores do Mioceno, junto com as notáveis cachalotes-gigantes (Leviathan melvillei) (!), também extintas.
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> É sugerido que tamanhos extremos entre 18 e 20 metros eram restritos a populações de Megalodon habitando águas marinhas mais frias (Ref.17).
> É estimado que o Megalodon primeiro emergiu no Mioceno Médio, há cerca de 15,9 milhões de anos (Ref.18).
(!) Para mais informações: Leviathan melvillei: Qual é era o tamanho dos dentes dessa Cachalote-Gigante?
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Apesar da fama de caçador de grandes baleias, o Megalodon provavelmente possuía um espectro generalista de presas - similar ao tubarão-branco moderno -, com um foco em mamíferos. Segundo evidências acumuladas nas últimas décadas, a dieta dos Megalodons adultos pode ter compreendido desde mamíferos marinhos e peixes ósseos e cartilaginosos até aves e répteis marinhos, cefalópodes e outros invertebrados. Indivíduos mais jovens e filhotes provavelmente possuíam uma dieta mais focada em peixes. De qualquer forma, a presa principal dos adultos parece ter sido baleias (subordem Mysticeti) de dimensões pequenas a médias (2,5-7 metros de comprimento).
Considerando que o tubarão-branco ataca somente indivíduos cetáceos que são consideravelmente menores do que ele, e nunca ativamente caça animais do seu porte ou maiores, é improvável que o Megalodon predava grandes baleias de forma regular. Por outro lado, evidências fósseis - marcas de dentes e presença de dentes fossilizados junto com fósseis de baleias - indicam que o Megalodon se alimentava de grandes cetáceos, mas primariamente de carcaças. De fato, acredita-se que boa parte das calorias diárias consumidas pelos adultos dessa espécie eram oriundas de carcaças de baleias - mortas durante caçadas ou por fatores como doença e morte natural.
Os dentes do Megalodon são o resultado de pelo menos 12 milhões de anos de evolução, via uma lenta e gradual mudança de dentes flanqueados por mini-dentes (cusplets laterais) nos ancestrais desse tubarão até culminar em largas lâminas uniformemente serradas e planas - ferramentas perfeitas de corte - provavelmente especializadas em caçar mamíferos (Ref.3). Porém, evidências mais recentes sugerem que a distinta morfologia dental desses tubarões representaram um produto colateral não-funcional de processos seletivos favorecendo grandes dimensões corporais, e não necessariamente uma adaptação para a caça (Ref.9). Considerando as dimensões e estrutura desses dentes - o quais podiam ultrapassar 18 cm de comprimento e possivelmente alcançar ~20 cm -, é sugerido que a tática de caça do Megalodon visando baleias de porte médio consistia em desferir uma única e poderosa mordida na presa, imobilizando-a e deixando-a morrer com o subsequente e massivo sangramento. Após perseguir a presa moribunda, o Megalodon devorava a carcaça resultante.
Com base de referência na força de mordida do tubarão-branco - a qual pode exceder 18000 N (equivalente ao peso de 1,8 toneladas na superfície da Terra) -, estima-se que a mordida do Megalodon alcançava 120000-180000 N (equivalente ao peso de 12-18 toneladas na superfície terrestre) (Ref.4), valor máximo que a torna a mais forte mordida conhecida na história do planeta.
> Leitura recomendada: Qual a mais forte mordida estimada para um animal terrestre?
Evidências e revisões paleontológicas nos últimos anos sugerem que o Megalodon foi extinto há cerca de 3,6 milhões de anos (Ref.5). Como não existe até o momento sólida evidência para um fator climático ou geográfico para esse evento de extinção, é sugerido que fatores bióticos foram a causa. Competição com os mamíferos cetáceos é uma das hipóteses, mas a competição com os recém-emergidos tubarões-brancos (C. carcharias) é a mais plausível. A evolução dos tubarões-brancos modernos iniciou-se há cerca de 6 milhões de anos e apenas no Pacífico; há 4 milhões de anos, os tubarões-brancos já tinham se espalhado pelo mundo inteiro, coincidindo com o período de extinção do Megalodon.
DIMENSÕES CORPORAIS
Atualmente, existem vários modelos competindo entre si para a evolução e classificação cladística dos mega-tubarões dentro da ordem Lamniformes. Estudos nos últimos anos vêm defendendo preferencialmente modelos nos quais o Megalodon e outros tubarões extintos com relação próxima (como seu ancestral direto Carcharocles chubutensis) representavam uma linhagem separada (Otodontidae) daquela levando ao atual tubarão-branco (Carcharodon carcharias, Lamnidae). Mesmo assim, ainda dentro desse modelo existem diferentes hipóteses filogenéticas, onde diferentes gêneros são atribuídos ao Megalodon, incluindo Carcharocles, Measelachus e Procarcharodon.
Em um estudo publicado em 2020 na Scientific Reports (Ref.2), pesquisadores seguiram a hipótese dando suporte para o gênero Otodus, derivado do gênero extinto Cretalamna. Para contornar essas disputas filogenéticas, os pesquisadores resolveram estimar as dimensões corporais do Megalodon adulto via uma análise comparativa envolvendo registros fósseis e cinco atuais lamniformes fisiologicamente e ecologicamente similares: Carcharodon carcharias, Isurus oxyrinchus, Isurus paucus, Lamna ditropis e Lamna nasus.
Os resultados das análises sugeriram que um Megalodon adulto de 16 metros de comprimento possuía uma cabeça com ~4,65 metros de comprimento, uma nadadeira dorsal de ~1,62 metros e uma cauda de ~3,85 metros de altura. Análises morfométricas sugeriram que essa enorme espécie provavelmente tinha uma nadadeira dorsal convexa estabilizando rápidos movimentos predatórios e longos períodos de nado. Esse tipo de locomoção pode ser sido otimizado via mesotermia (animal com uma estratégia termorregulatória intermediária entre animais de sangue frio - ectotérmicos - e de sangue quente - endotérmicos), permitindo súbitas acelerações e nados de alta velocidade (!).
Em relação à cabeça, os pesquisadores concluíram que essa parte do corpo era provavelmente robusta no Megalodon, corroborando a preferência por presas de grandes dimensões corporais (baleias de pequeno-médio porte no caso). Seus massivos maxilares teriam requerido grandes músculos de suporte, provavelmente resultando em um focinho mais curvo do que aquele observado no tubarão-branco moderno e corroborando uma extrema força de mordida. Finalmente, considerando os atuais tubarões macropredatórios, os pesquisadores propuseram que o Megalodon provavelmente possuía a parte superior do corpo (em relação ao eixo horizontal) com uma pigmentação mais escura, como mostrado na paleoarte abaixo. Esse padrão de coloração da pele teria permitido que esse tubarão se camuflasse contra o fluxo de luz oriundo da superfície marinha, facilitando predação via emboscada.
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Ilustração do espécime fóssil (coluna vertebral e dentes) IRSNB P 9893 descrito em 1996. Ref.24 |
MÃES ATENCIOSAS?
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- https://www.nature.com/articles/s41598-020-71387-y
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- https://link.springer.com/article/10.1007/s00227-016-2814-1
- https://peerj.com/articles/6088/
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- https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsbl.2020.0746
- https://www.nature.com/articles/s41598-020-80323-z
- https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/08912963.2020.1861608
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- Shimada et al. (2023). Tessellated calcified cartilage and placoid scales of the Neogene megatooth shark, Otodus megalodon (Lamniformes: Otodontidae), offer new insights into its biology and the evolution of regional endothermy and gigantism in the otodontid clade. Historical Biology. https://doi.org/10.1080/08912963.2023.2211597
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- Lambert, O., Bianucci, G., & De Muizon, C. (2016). Macroraptorial sperm whales (Cetacea, Odontoceti, Physeteroidea) from the Miocene of Peru. Zoological Journal of the Linnean Society. https://doi.org/10.1111/zoj.12456
- Shimada et al. (2025). Reassessment of the possible size, form, weight, cruising speed, and growth parameters of the extinct megatooth shark, Otodus megalodon (Lamniformes: Otodontidae), and new evolutionary insights into its gigantism, life history strategies, ecology, and extinction. Palaeontologia Electronica, 28(1):a12. https://doi.org/10.26879/1502
- https://www.floridamuseum.ufl.edu/discover-fish/species-profiles/lemon-shark/
- https://dinoproject.blogs.bristol.ac.uk/2020/08/10/sharkweek1/