Hidrelétricas: Devastação disfarçada de energia limpa
Um estudo de alerta publicado em 2020 na Nature (Ref.1) revelou que apenas um terço (37%) dos 246 maiores rios do mundo, incluindo o notável Rio Amazonas, permanecem com seus fluxos hídricos livres. Represas e reservatórios estão drasticamente reduzindo os vários benefícios que rios saudáveis fornecem às pessoas e aos ecossistemas ao redor do planeta. E apesar das hidrelétricas fornecerem energia renovável e sem emissão direta de gases do efeito estufa, os danos à biodiversidade e às comunidades locais, além das emissões indiretas de gases estufa (especialmente metano), tornam essa alternativa energética nada sustentável e longe de ser ecologicamente amigável. Para piorar, projetos de grandes hidrelétricas quase sempre causam mais prejuízos do que ganhos econômicos.
PROBLEMAS AMBIENTAIS, SOCIAIS E ECONÔMICOS
Hidrelétricas são a fonte em torno de 71% da energia renovável ao redor do mundo, e foram essenciais para o desenvolvimento econômico de vários países. No Brasil, as plantas de hidrelétricas são responsáveis por mais de 60% de toda a energia produzida no nosso território, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), e 75% da energia total. Itaipu, no Rio Paraná, é a maior da hidrelétricas Brasileiras, produzindo 14000 MW de energia elétrica.
Porém, na maior parte das vezes as hidrelétricas são construídas visando somente o barateamento da eletricidade sem levar em conta os custos ambientais e sociais. Como consequência, a maioria expressiva desses empreendimentos têm causado graves danos ao ecossistema dos rios, desalojamento de milhões de pessoas e substancialmente contribuindo para o Aquecimento Global Antropogênico. Obras secundárias associadas às áreas de inundação, como construção de linhas de transmissão, estradas e construção de casas para os trabalhadores da hidrelétrica também acabam causando enormes impactos ambientais. E devido ao mau planejamento e interesses exclusivamente políticos (incluindo corrupção), muitos projetos de grandes hidrelétricas acabam gerando mais prejuízo econômico do que lucro.
No final de 2018, um estudo publicado na PNAS (Ref.2) mostrou que várias hidrelétricas de larga-escala na Europa e nos EUA, construídas até 1975, foram um desastre para o meio ambiente, com dezenas delas sendo removidas anualmente por motivos frequentemente ligados à periculosidade das instalações e à falta de retorno financeiro. Os pesquisadores encontraram que mais de 90% das represas construídas desde a década de 1930 foram mais caras do que o antecipado, causando prejuízos ambientais não compensados.
Nos EUA, as hidrelétricas respondem hoje por apenas 6% da eletricidade total gerada. No entanto, nos últimos anos, a tendência nos países em desenvolvimento, na América do Sul, Ásia, e na África, está sendo de investir cada vez mais nas mega-hidrelétricas, e o pior: em bacias de rios associadas com mega-biodiversidades, como o Amazonas, o Congo e o Mekong. Os pesquisadores do último estudo citado mostraram que duas represas no Rio Madeira - maior tributário do Rio Amazonas -, finalizadas há 6 anos, produzirão apenas uma fração da potência esperada por causa das mudanças climáticas. Espelhando os problemas enfrentados na Europa e nos EUA, o estudo concluiu que as grandes represas nos países em desenvolvimento não são sustentáveis e geram impactos ambientais ainda mais graves do que as represas Europeias e Norte-Americanas.
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Mesmo com todos esses problemas, mais de 3700 represas para hidrelétricas estão sendo construídas ao redor do mundo, a maioria nos países em desenvolvimento. No Brasil, 428 represas já atuantes ou propostas na bacia do Rio Amazonas - o maior e mais importante sistema fluvial na Terra - representam um enorme risco para o bioma da Amazônia e de toda a América do Sul. Dessas centenas de represas, cerca de um terço já estão construídas ou estão em construção. Projetos de grandes hidrelétricas estão sendo empurrados e fomentados sem suficiente análise técnica dos impactos ambientais e sociais associados, e muitas vezes servindo mais como propaganda política e antro de corrupção do que qualquer outro fim. Aqui na América do Sul, a China vem se tornando uma grande provedora de recursos financeiros para esses projetos, buscando garantir o abastecimento de recursos naturais diversos em territórios estrangeiros.
Dois estudos de 2017, um publicado na Nature (Ref.3) e o outro na PLOS ONE (Ref.4), mostraram que um caos ambiental irá atingir a biodiversidade da Amazônia se todas as represas planejadas forem construídas.
O primeiro estudo (Nature), conduzido por um time internacional de pesquisadores, incluindo representantes da NASA e do Conselho Científico Brasileiro, mostrou que, se todas as represas planejadas forem construídas, o efeito cumulativo dessas obras irá engatilhar massivos distúrbios bióticos e hidrofísicos, especialmente em termos de mudança no fluxo de sedimentos indo do Andes até o Oceano Atlântico, que podem trazer grandes prejuízos para o clima regional e reduzir drasticamente o aporte de nutrientes para diversos pontos da Bacia Amazônica. Sedimentos transportados por rios fornecem nutrientes que sustentam a vida selvagem, contribuem para o abastecimento de comida para as comunidades locais e modulam as dinâmicas fluviais que resultam em uma alta diversidade biótica e de habitats tanto para organismos aquáticos quanto para os não-aquáticos. As represas interrompem os fluxos de sedimentos, dificultando a circulação de nutrientes. Segundo o estudo, as duas gigantescas represas no Rio Madeira - Santo Antônio e Jiaru - já diminuíram a concentração de sedimentos ali circulantes em 20% e as outras 25 represas planejadas para esse rio irão aprisionar ainda mais sedimentos/nutrientes.
Já o segundo estudo (PLOS ONE), e também conduzido por um time internacional de pesquisadores - incluindo representantes da Sociedade de Conservação da Vida Selvagem (WCS) e o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia - reforçou o estudo anterior, mostrando que seis potenciais ou planejadas mega-represas na região Andina da Bacia do Rio Amazonas - Peru: Pongo de Manseriche, Inambari, TAM 40, e Pongo de Aguirre; Bolívia: Angosto del Bala e Rositas - trariam consequências ambientais catastróficas se concretizadas, incluindo a retenção de quase 900 milhões de toneladas de sedimentos. Essa redução representa 69% de todos os sedimentos que fluem do Andes e 64% de todo o suprimento de sedimentos da Amazônia, e é esperado de se estender para o canal do rio principal, impactando toda região do delta e de terras alagadas.
Apesar das Montanhas dos Andes ocuparem apenas 11% da Bacia Amazônica, essas formações fornecem em torno de 93% dos sedimentos e a maior parte de nutrientes carregados pelo sistema fluvial Amazônico. Cortar drasticamente esse suprimento de sedimentos levaria prejuízos incalculáveis à vida selvagem e às comunidades que dependem dos rios na região para a prática de agricultura e para a pesca. Reduzindo o fornecimento de sedimentos Andinos por 69%, a quantidade de fósforo e nitrogênio indo para o sistema do Rio Amazonas pode cair em torno de 51% e 23%, respectivamente, dificultando o crescimento dos seres vivos ali presentes. E sem a deposição suficiente de sedimentos nos leitos dos rios, estes ficam mais fundos, dificultando alagamentos sazonais que são importantes para levar nutrientes para a terra firme.
Felizmente, ainda em 2017, o governo Peruano decidiu temporariamente não promover o desenvolvimento de grandes plantas hidrelétricas na parte Amazônica do Peru, devido aos alertas sobre os impactos ambientais dessas obras e devido aos estudos mostrando a falta de eficiência e baixo retorno financeiro que tendem a acompanhar as grandes represas.
"A influência da Bacia do Rio Amazonas é sentida literalmente por bilhões de pessoas ao redor do mundo," disse a Dra. Julie Kunen, Vice-Presidente da Wildlife Conservation Society nas Américas, em entrevista ao site da organização (Ref.17). "Qualquer desenvolvimento infraestrutural planejado na região Amazônica dos Andes deve considerar os impactos cumulativos em todo o ecossistema, especialmente para a populações de peixes que são vitais para a seguridade alimentar na região da Amazônia."
Corroborando esses dois últimos estudos, um trabalho publicado no início de 2019 no periódico da PNAS (Ref.5), alertou que os planejamentos das grandes hidrelétricas estão sendo feitos sem uma análise mínima dos custos totais, das mudanças climáticas e dos impactos ambientais e às comunidades locais. Liderado pelo pesquisador Brasileiro Emilio Moran, da Universidade de Campinas - e hoje trabalhando na Universidade Estadual de Michigan, EUA -, o estudo apontou que se os altos custos de desmontamento das hidrelétricas não mais funcionais fossem levados em conta, muitas delas não seriam nem mesmo construídas. Ainda segundo o estudo, enquanto que as primeiras represas construídas na América do Norte e na Europa forneciam energia elétrica para as áreas rurais e água para os sistemas de irrigação (projetos com propósitos sociais), as grandes represas hoje em construção ao longo dos rios na Amazônia, na África e no sudeste Asiático são em grande parte projetados para suprir energia elétrica a companhias produtoras de aço, por exemplo, sem beneficiar comunidades locais.
O caso mais emblemático analisado pelo estudo é o projeto da Grande Represa de Inga, no Rio do Congo, nas Quedas de Inga, a maior queda d´água do mundo por volume. Essa represa possui o potencial de aumentar o total de energia elétrica produzido na África em quase 35%, mas o projeto visa a exportação dessa absurda quantidade de energia para as companhias mineradoras na África do Sul, longe do Congo e mais longe ainda das comunidades locais afetadas pela gigantesca represa. No território Congolês, 91% das pessoas não possuem acesso à eletricidade e, mesmo assim, o projeto bilionário do governo (US$80 bilhões) - o maior investimento infraestrutural do continente Africano - não possui quaisquer prioridades para o seu próprio povo. Isso sem contar os dramáticos danos ambientais.
A Comissão Mundial de Represas estima que 40-80 milhões de pessoas já foram movidas dos seus lares e locais de trabalho por causa das hidrelétricas. Na maioria dos casos de grandes hidrelétricas, os custos de construção acabam sendo 96% maiores do que o previsto, especialmente quando são iniciados os processos de realocação e compensação das comunidades afetadas (Ref.6).
Na Bacia Amazônica, onde existem 140 represas já construídas e mais 160 em vários estágios de planejamento - incluindo 65 no Brasil -, 2320 espécies de peixes já foram afetadas pelas hidrelétricas em funcionamento. No Tocantis, o número de peixes - muitos endêmicos da Amazônia - já caiu 25% depois da instalação das represas. Na área da represa do Tucuruí, a pesca de peixes caiu 60% imediatamente após sua construção, com mais de 100 mil pessoas negativamente afetadas, recessão da produtividade agrícola, entre outros danos aos recursos naturais. Dispositivos presentes em represas Brasileiras que deveriam facilitar a migração de peixes de um lado para o outro dessas estruturas não funcionam ou mesmo são colocados para funcionar na maioria dos casos, levando à morte de dezenas de toneladas de peixes anualmente.
Grandes áreas alagadas associadas a represas no rio Amazonas, como Balbina (2360 km2, com 26 mil animais selvagens resgatados) na década de 1970 e Tucuruí (2430 km2, 284 mil animais resgatados, incluindo mais de 19 mil macacos do gênero Alouatta) na década de 1980 causaram grandes perdas de habitats naturais na floresta Amazônica e consequente dizimação da fauna selvagem (Ref.7). Após os animais serem resgatados, estes acabam sendo liberados em áreas vizinhas, cujos territórios e espaços foram já ocupados por animais locais. Competição acaba levando muitos à morte e promovendo graves desequilíbrios ambientais.
Somando-se a isso, muitas das hidrelétricas planejadas na Amazônia estão em áreas protegidas de vegetação nativa e de territórios indígenas.
Na polêmica represa da Usina Belo Monte no Xingu, completada em 2016 e em plena operação desde 2019, especialistas estimam que a longo prazo essa hidrelétrica irá produzir bem menos energia do que o previsto no projeto inicial (11,23 GW) devido aos efeitos das mudanças climáticas e da devastação ambiental, e em valores menores do que 5 GW no melhor dos cenários. E isso sem contar que o rio Xingu vive metade do ano na seca, o que reforça a inviabilidade da hidrelétrica a longo prazo. A maioria dos modelos climáticos atuais preveem maiores temperaturas e menor volume de chuva nas Bacias do Xingu, Tapajós e de Madeira, reduzindo ainda mais a geração de energia elétrica nessas regiões via hidrelétricas. E o desmatamento descontrolado no Xingu por si só pode levar a produtividade energética na Belo Monte ficar abaixo dos 50% de capacidade. O desmatamento, ao diminuir a evapotranspiração via vegetação, diminui enormemente o potencial de chuvas.
Aliás, aproximadamente metade das chuvas na Bacia Amazônica são estimadas de cair devido à reciclagem da umidade interna da floresta tropical associada, e em boa parte (~20%) devido à evapotranspiração (Rios Aéreos: Ignorar a Amazônia é ignorar a importância das chuvas no Brasil).
Outro estudo publicado também em 2019 no periódico Journal of Applied Ecology (Ref.8), concluiu que as mega-represas não devem ser construídas em florestas tropicais de baixa altitude, devido aos grandes impactos ambientais. O estudo, realizado por pesquisadores da Universidade de Stirling, EUA, analisou o sistema associado à Hidrelétrica de Balbina, na Amazônia Brasileira, e mostrou que as mega-represas causam extensiva e intolerável fragmentação das florestas, em um nível que coloca em risco inúmeras espécies a curto, médio e a longo prazo.
Nesse mesmo caminho, um estudo mais recente publicado na Science Advances (Ref.), analisando os impactos causados pela Usina Hidrelétrica de Balbina, na região central da Amazônia (estado do Amazonas) e uma das maiores da América do Sul, encontrou um amplo processo de extinção de espécies, especialmente aquelas de grande porte, causados pela intensa fragmentação da floresta - ilhas isoladas formadas pela inundação de áreas de baixo relevo e "preservação" das faixas florestais em alto relevo. O tamanho das ilhas determinou a persistência da diversidade de espécies, com apenas algumas delas preservando a maior parte da diversidade. Foram investigados oito grupos biológicos (mamíferos de médio a grande porte; mamíferos não-voadores de pequeno porte; aves de sub-bosque; lagartos; sapos; besouros do tipo escaravelho sagrado; abelhas de orquídeas; e árvores) englobando 608 espécies. Os pesquisadores concluíram que o desenvolvimento de hidrelétricas deveria evitar alagar áreas florestais para minimizar a perda de biodiversidade e o desequilíbrio nos ecossistemas da Amazônia. O ideal seria maior investimento em fontes renováveis de eletricidade de baixo impacto ambiental, como energia solar.
No Pantanal, existem 104 plantas hidrelétricas planejadas para serem instaladas na bacia hidrográfica desse bioma, implicando no crítico bloqueio de 25% a 32% do sistema de migração dos peixes e um desastre para o ecossistema associado. As sub-bacias do Taquari e do Rio Cuiabá serão as mais impactadas, sendo estimado que cada uma delas terá mais de 70% dos seus rios bloqueados (Ref.9).
GASES ESTUFAS
A ameaça das hidrelétricas não para apenas na destruição direta. As represas e áreas inundadas associadas sevem como grandes fontes de gases do efeito estufa, principalmente dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O). Isso vai de encontro ao argumento de que as hidrelétricas são uma 'fonte limpa de energia', algo longe da realidade.
Nas áreas de vegetação/floreta alagadas, o CO2 é produzido pela decomposição acima da água de biomassa e sob a água nas fases iniciais de submersão (ex.: ainda sob condições aeróbicas). O CH4 é produzido devido ao decaimento da matéria orgânica em condições anaeróbicas, e sua fonte inicial é a vegetação submersa. Além de impedir a fixação de CO2 pela vegetação agora morta, o carbono orgânico retirado da atmosfera agora passa a voltar para a atmosfera na forma de CH4. Com o tempo, as represas literalmente se tornam uma 'fábrica de metano', um gás estufa ~34 vezes mais potente que o CO2, e, ao mesmo tempo contribuem para um aumento do CO2 atmosférico.
O CH4 produzido em massivas quantidades nas áreas alagadas é liberado da superfície da água represada via difusão e bolhas de gás, e também da retirada de gás quando os fluxos de água passam pelas quedas e turbinas da represa.
O N2O é produzido como um composto intermediário do ciclo de nitrogênio sob condições aeróbicas e anaeróbicas. Reservatórios de água tropicas com alta concentração de íons amônio servem como potenciais fontes de N2O, um gás estufa quase 300 vezes mais potente do que o CO2.
Algumas estimativas sugerem que as emissões globais de carbono de represas ficam em torno de 176 Teragramas (Tg) CO2/ano e 4,4 Tg CH4/ano, e que as maiores represas do mundo produzem 104 milhões de toneladas de CH4 anualmente. Além do desflorestamento e da submersão de vegetação no momento da construção das represas, a matéria que passa a ser acumulada pela represa trazida pelo fluxo de água do rio represado passa a sofrer massiva decomposição anaeróbica, liberando mais CH4 e N2O - algo que também acaba afetando os fluxos naturais de matéria orgânica no ecossistema de rios e de oceanos (onde os fluxos muitas vezes se dirigem). Para citar um exemplo, apenas a Usina Hidrelétrica Curuá Una, no Pará, acumula anualmente cerca de 7500 toneladas de carbono orgânico (Ref.10).
As represas nas regiões tropicais e sub-tropicais produzem bem mais gases estufas - em torno de 10 vezes mais CO2 - comparado com outras regiões, devido às maiores temperaturas e maior quantidade de matéria orgânica nos biomas associados. Na média, é estimado que represas em áreas tropicais emitem uma taxa de 4000 mg/m2/dia de CO2 e 137 mg/m2/dia. E o mais interessante: se compararmos as taxas de emissão de gases estufas das hidrelétricas por KWh de energia gerada e das usinas de energia convencional (gás natural, óleo e carvão), temos que as tropicais emitem substancialmente mais CO2! Temos uma média de emissão equivalente de 400-500 g/KWh, 790-900 g/KWh e 900-1200 g/KWh pelas usinas movidas por, respectivamente, gás natural, óleo e carvão, enquanto a média das hidrelétricas em áreas tropicais é de 1300-3000 g/KWh (Ref.11).
Além de exigirem um preço de construção muito elevado - frequentemente não compensando o investimento - e causarem graves prejuízos ambientais, as grandes e mega-hidrelétricas não são a única opção para o Brasil e outros países que compartilham a Amazônia aumentarem a oferta de energia elétrica. A demanda de médio e de longo prazos para a eletricidade pode ser atendida sem sacrificar os ecossistemas costeiros e fluviais da região Amazônica e sem precisar recorrer às poluidoras usinas de carvão e às extremamente custosas usinas nucleares. Energia solar, energia eólica, pequenas hidrelétricas estrategicamente implementadas, e energia hidrocinética de rios podem suprir as necessidades energéticas dos países Sul-Americanos - especialmente o Brasil - de forma ambientalmente amigável e financeiramente atrativa.
Medidas mais flexíveis nos países da Amazônia poderiam facilitar uma transição suave para uma matriz energeticamente mais diversa e baseada em fontes renováveis, protegendo os serviços ecológicos fornecidos pelos rios Amazonianos. O Brasil, por exemplo, possui um enorme potencial desperdiçado para a produção de energia eólica (>143 GW), energia solar, e uma variedade de alternativas de menor escala para as energias hídricas que não dependam de grandes represas. O Peru também possui um grande potencial para as energias solar, eólica e geotérmica, mas pouco dela está sendo explorado no país. E os preços e a eficiência dessas tecnologias vêm só diminuindo e aumentando, respectivamente.
Aproveitando apenas a energia cinética do fluxo dos rios, turbinas submergidas poderiam suprir a demanda energética de comunidades locais sem desvio do curso dos rios, sem a necessidade de quedas d´águas, sem substanciais impactos ambientais e a baixo custo. Além disso, pequenas turbinas podem ser instaladas próximo de represas já construídas de forma a suplementar a geração de energia e eliminar a necessidade de construção de mais represas. No caso da instalação de represas de pequeno porte, essas podem ser bem-vindas se muito bem planejadas e limitadas em número, respeitando análises técnicas sobre os riscos e benefícios, e adotando as mais modernas inovações ecologicamente sustentáveis. Experimentos na Suécia, por exemplo, simulando o fluxo natural dos rios, foram capazes de otimizar as dinâmicas ecológicas no sistema das represas - incluindo a migração segura de peixes - com apenas pequenas reduções na produção energética (Ref.12).
Além disso, o Brasil está perdendo aproximadamente 20% do total de energia produzido dentro do seu território devido às transmissões deficientes. Investimentos na otimização dos sistemas de transmissão e distribuição, e na modernização das plantas de hidrelétricas já existentes, poderiam aumentar significativamente a entrega de energia sem a necessidade de novas fontes energéticas.
Em um momento onde o Brasil enfrenta uma grave crise econômica, focar recursos de investimento nessas alternativas energéticas é uma opção muito melhor e ecologicamente sustentável do que gastar fortunas em mega-hidrelétricas e usinas nucleares. Considerando que possuímos a sexta maior reserva de urânio - combustível para a energia nuclear -, investimento em usinas nucleares além de Angra 3 é relativamente atrativo a longo prazo, mas talvez em uma economia mais estável. Hoje a energia nuclear responde por pouco menos de 3% da eletricidade gerada no país via Angra I e II.
Somando-se a isso, e considerando a importância da Amazônia no contexto global, um foco em alternativas ecologicamente sustentáveis de produção energética pode atrair grandes somas de investimentos estrangeiros pela causa ambiental, desde proteção à biodiversidade até o combate às mudanças climáticas, e tanto a nível governamental quanto a nível individual.
Nesse cenário, por que então essas alternativas não vêm sendo melhor estudadas e consideradas pelo governo Brasileiro? Por que a insistência com as problemáticas grandes represas? Bem, considerando os recentes escândalos de corrupção no Brasil associados à represa de Belo Monte, onde grandes propinas foram pagas a políticos para a aprovação da represa apesar das fortes evidências científicas contrárias à sua construção, fica sugerido que a motivação no favorecimento das represas de grande escala pode estar ligada a complexas redes de corrupção ou a interesses financeiros particulares. De fato, a realização dessas colossais obras são um prato cheio de oportunidades para o desvio de fundos. Dos $11,1 trilhões estimados que serão gastos em infraestrutura global entre 2005 e 2030, $1,9 trilhões serão gastos em projetos de hidrelétricas, onde 60% desse montante estão associados com construção civil e relocação de pessoas, duas áreas conhecidas de serem suscetíveis ao desvio inapropriado de fundos.
As hidrelétricas existentes no Brasil já produzem substancial energia para a grade integrada, e o que é necessário é o maior investimento na diversificação energética, com foco primário na exploração das energias solar e eólica, mais do que abundantes no território Brasileiro.
CONCLUSÃO
Governos argumentam que as hidrelétricas são necessárias para o desenvolvimento econômico e para diminuir as emissões de carbono. Energia hidrelétrica é empurrada como limpa e necessária para se alcançar objetivos de desenvolvimento sustentável, incluindo ações de combate às mudanças climáticas. Porém, a realidade é vem em sentido contrário. As hidrelétricas e represas associadas causam sérios danos ambientais e sociais, especialmente as mega-hidrelétricas, estas as quais tendem a não ser compensadas financeiramente a longo prazo. Esses prejuízos sócio-ambientais são potencializados em países em desenvolvimento, como o Brasil, onde a corrupção fala mais alto do que as análises técnicas. Nas áreas tropicais, como no Brasil, as hidrelétricas chegam a emitir 2-3 vezes mais gases estufas do que as usinas tradicionais movidas a combustíveis fósseis, e massivas quantidades de metano - um poderoso gás estufa - são liberadas. Soma-se às emissões o desmatamento primário e secundário associados, e a fragmentação excessiva do ecossistema.
Nesse sentido, enquanto que hidrelétricas de menor porte são ainda necessárias, os projetos de grandes e mega hidrelétricas precisam ser descontinuados, por motivos sociais, econômicos e ambientais. Por fim, um maior foco em energias realmente limpas e ambientalmente saudáveis, como a solar, e talvez até mesmo algumas alternativas mais controversas, como as usinas nucleares, é necessário.
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- https://www.nature.com/articles/s41586-019-1111-9
- https://www.pnas.org/content/115/47/11891
- https://www.nature.com/articles/nature22333
- https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0182254
- https://www.pnas.org/content/115/47/11891
- https://repository.usfca.edu/capstone/1013/
- http://wjarr.com/sites/default/files/WJARR-2020-0197.pdf
- https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/1365-2664.13313
- https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/rra.3588
- https://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:1422334/FULLTEXT01.pdf
- https://link.springer.com/article/10.1007/s40622-020-00251-9
- Renofalt BM, Jannson R, Nilsson C (2010) Effects of Hydropower generation and opportunities for environmental flow managent in Swedish riverine ecosystems. Freshw Biol 55:49–67.
- https://www.nature.com/articles/d41586-019-00896-2
- https://academic.oup.com/qje/article/134/1/281/5106373
- https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fsufs.2019.00014/full
- https://science.sciencemag.org/content/364/6438/341.1
- https://newsroom.wcs.org/News-Releases/articleType/ArticleView/articleId/10472/Potential-Impacts-of-Planned-Andean-Dams-Outweigh-Benefits-Scientists-Say.aspx
- Palmeirim et al. (2022). Emergent properties of species-habitat networks in an insular forest landscape. Science Advances, Vol.8, No.34. https://doi.org/10.1126/sciadv.abm0397