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Leviathan melvillei: Qual é era o tamanho dos dentes dessa Cachalote-Gigante?

Figura 1. Réplica do crânio de um Livyatan melvillei, em um museu de Rotterdam, Holanda.

         Os maiores dentes de um predador que - até onde sabemos - já existiram no planeta vêm de um gigante dos mares: a Cachalote-Gigante (Livyatan melvillei): seus dentes podiam alcançar 12 cm de diâmetro e 36 cm de comprimento! Na Fig.2, na parte inferior à esquerda, podemos ver o esqueleto da cabeça reconstruída de um espécime, com um comprimento de 3 m e largura de 1,9 m. É estimado que o comprimento corporal máximo alcançava 17,5 m. Ainda na imagem, na parte inferior à direita, podemos ver três dentes dessa baleia (ab e c) e a comparação com o dente de uma Cachalote moderna (d) e de uma Orca (e). Essas baleias viveram entre 12 e 13 milhões de anos atrás, compartilhando os mares do Mioceno com os Megalodons e provavelmente competindo com esses últimos por recursos alimentares (especialmente baleias de pequeno-médio porte ricas em calorias). Um Megalodon assustava, mas com certeza não era bobo de cruzar o caminho dessa cachalote.


Figura 2. O Livyatan melvillei pertencia à superfamília Physeteroidea, grupo de cetáceos coletivamente chamados de cachalotes (ou sperm whale no inglês). Até o momento, essa é a única espécie descrita para o gênero Livyatan (!).

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Leitura recomendada: 

           A coexistência de vários megapredadores como o L. melvillei e o C. megalodon pode ter refletido antigas distribuições de tamanho entre os mamíferos marinhos. Baleias-verdadeiras (Mysticeti), em particular, eram menores durante o Mioceno do que as atuais baleias desse clado, um padrão que apenas mudou com a emergência da glaciação do Hemisfério Norte e a extinção da maioria das espécies de menor porte há cerca de 3 milhões de anos (Ref.4). Ambos, L. melvillei quanto o C. megalodon podem ter persistido até esse período, quando o declínio de misticetos de menor porte e de vários outros vertebrados marinhos deixaram os dois megapredadores sem a principal fonte de alimentação. A situação pode ter piorado com a ascensão dos tubarões-brancos como competidores mais bem adaptados para o novo cenário de presas. 

Figura 3. Visão lateral direita do crânio, mandíbula e dentes mandibulares fossilizados de um Livyatan melvillei encontrados em Cerro Colorado, na Bacia de Pisco, Peru. Os fósseis foram datados em 9,9-8,9 milhões de anos atrás, no Mioceno tardio [Tortoniano]. Linhas traçadas representam as partes incompletas. Ref.2


Figura 4. Molde do dente fossilizado de uma cachalote-gigante.


Figura 5. Comparação craniana entre (A) uma cachalote-gigante e (B) uma orca (Orcinus orca). Destaque para a fossa temporal e os dentes desses dois cetáceos predadores. O Livyatan melvillei possui a maior mordida de qualquer tetrápode conhecido. O comprimento corporal estimado para essa antiga cachalote varia entre 13 e 18 m dependendo do modelo comparativo usado. Ref.1-2

  

Figura 5. Representação artística do Livyatan melvillei predando uma baleia de porte médio (~7 metros de comprimento) da família Cetotheriidae, nas águas do Mioceno tardio no Peru. Embora não exista ainda evidência direta (ex.: marcas de mordida fossilizadas), a hipótese mais defendida sugere que a cachalote-gigante se alimentava de baleias de porte médio (alta fonte calórica), caçando através de grandes mordidas e rasgos com os dentes. Ref.2


Figura 7. Representação artística alternativa de um Livyatan melvillei predando uma antiga baleia dentada da espécie Messapicetus gregarius (família Ziphiidae) no Mioceno tardio, nas águas do Peru. Nessa arte, os dentes estão um pouco mais expostos na gengiva e o "nariz" é mais proeminente. Ref.2

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Curiosidade: A cachalote-gigante, ao contrário da cachalote moderna Physeter macrocephalus - a maior entre as atuais cachalotes -, possuía dentes maxilares (superiores) e mandibulares (inferiores). A P. macrocephalus possui apenas dentes inferiores. Para mais informações: Por que as cachalotes possuem dentes apenas na mandíbula?

> Cachalotes modernas e antigas fazem parte da superfamília Physeteroidea, cuja origem está ligada ao Oligoceno tardio. As atuais cachalotes - incluindo a maior delas (Physeter macrocephalus) - são parentes muito distantes do L. melvillei (grande divergência evolutiva), esse último exibindo maior proximidade em relação ao grupo basal das cachalotes. Ref.21

> A cachalote-gigante habitou mares do Hemisfério Sul - com apenas um registro fóssil conhecido na região do norte Europeu -, mas existe evidência recente que outro gigante do gênero Livyatan também habitou mares no hemisfério norte durante o Mioceno, na região sul da Califórnia (!).

(!) Em um estudo ainda publicado como preprint (Ref.5), pesquisadores reportaram e descreveram um dente fossilizado (espécime OCPC 3125/66099) pertencente a uma antiga cachalote do gênero Livyatan que viveu no Mioceno Médio-Superior, e talvez uma nova espécie desse grupo. O dente possuía mais de 25 cm de comprimento e 8,6 cm de diâmetro (Fig.8). O fóssil foi encontrado no sul da Califórnia, sugerindo que cachalotes gigantes possuíam uma distribuição oceânica maior do que antes suposto, habitando mares dos hemisférios sul e norte. 

Figura 8. Comparação entre (A) o dente do espécime OCPC 3125/66099 com dentes das espécies (B-D) L. melvillei, (E) cachalote moderna (P. macrocephalus) e uma orca (Orcinus orca). O maior dente de Livyatan já encontrado media ~36 cm de comprimento total. Barra de escala em cm. Ref.5

É incerto se tubarões do Mioceno, incluindo o gigantesco Megalodon, ousavam predar ativamente cachalotes gigantes (ex.: Livyatan e Acrophyseter), mas existe ampla evidência fóssil [marcas de dentes] apontando necrofagia, ou seja, consumo de carcaças dessas cachalotes - primariamente tecidos ricos em gordura - por tubarões. Ref.6

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REFERÊNCIAS

  1. Lambert et al. (2010). The giant bite of a new raptorial sperm whale from the Miocene epoch of Peru. Nature, 466(7302), 105–108. https://doi.org/10.1038/nature09067
  2. Lambert et al. (2016). Macroraptorial sperm whales (Cetacea, Odontoceti, Physeteroidea) from the Miocene of Peru. Zoological Journal of the Linnean Society. https://doi.org/10.1111/zoj.12456
  3. Bianucci et al. (2016). Distribution of fossil marine vertebrates in Cerro Colorado, the type locality of the giant raptorial sperm whale Livyatan melvillei (Miocene, Pisco Formation, Peru). Journal of Maps, Volume 12, Issue 3. https://doi.org/10.1080/17445647.2015.1048315
  4. Collareta et al. (2021). Vertebrate Palaeoecology of the Pisco Formation (Miocene, Peru): Glimpses into the Ancient Humboldt Current Ecosystem. Journal of Marine Science and Engineering, 9(11), 1188. https://doi.org/10.3390/jmse9111188
  5. Watmore & Prothero (2023). Gigantic Macroraptorial Sperm Whale Tooth (cf. Livyatan) from the Miocene of Orange County, California. [bioRxiv, preprint]. https://doi.org/10.1101/2023.01.25.525567
  6. Benites-Palomino et al. (2022). Sperm whales (Physeteroidea) from the Pisco Formation, Peru, and their trophic role as fat sources for late Miocene sharks. PRSB, Volume 289, Issue 1977. https://doi.org/10.1098/rspb.2022.0774